Cinquenta Anos Depois

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Capítulo IV

Na Via Nomentana

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Uma semana depois do que vimos de narrar, vamos encontrar Cláudia

Sabina, à noite, no terraço de sua casa, em Roma, palestrando com Hatéria na mais franca intimidade.

– Então, Hatéria – dizia à surdina, depois de longa exposição da cúmplice –, meu esposo, assim, parece querer facilitar a realização de meus projetos. Nunca o supus capaz de apaixonar-se por alguém, fora do ambiente de suas armas.

– Entretanto, senhora, em cada gesto seu, em cada palavra, inferem-se perfeitamente os sentimentos que lhe vão na alma.

– Está bem – exclamou a antiga plebéia como se o assunto a enfadasse –, meu marido não é o homem que me interessa. Tuas notícias de hoje significam que o acaso também coopera a meu favor.

– Além de tudo – lembrou Hatéria, acentuando o caráter secreto daquelas revelações –, Lucínia e Túlia combinaram solicitar uma bênção na reunião cristã, a fim de que Helvídio Lucius volte imediatamente de Tibur, a reintegrar-se na harmonia doméstica.

Cláudia deixou escapar um riso nervoso, mas interrogou com avidez:
– Sim? E como o soubeste?...
– Há uma semana elas trocaram confidências e ontem, à noite, assentaram o

plano, embora a patroa se encontre bastante abatida, acreditando eu que venham a realizá-lo nestes quatro dias.

– Convém estares vigilante para acompanhá-las, sem que o percebam, de modo a prosseguires ciente dos acontecimentos.

E, esboçando um gesto de malícia, sentenciou:

– Essas senhoras desconhecerão, porventura, os editos imperiais que visam à eliminação do Cristianismo? Que descaso das leis!... Enfim, contribuiremos também, de algum modo, para que as autoridades fixem esse novo foco doutrinário. Depois dos teus informes, falarei com Quinto Bíbulo a respeito.

Hatéria e Cláudia palestraram ainda algum tempo, examinando os detalhes de suas intenções criminosas e assentando os projetos nefandos e adequados ao caso.

Pela manhã do dia imediato, uma liteira modesta saía do palácio do prefeito, conduzindo alguém que se ausentava de casa com a máxima discrição.

Era Cláudia Sabina, que, em trajes muito simples, mandava seguir para a Suburra.

Após exaustivo trajeto, mandou que os escravos de confiança a esperassem em local convencionado e internou-se, sozinha, por vielas ermas e pobres.

Atingindo um quarteirão de casas humildes e pequeninas, parou subitamente como se desejasse certificar-se do local, fixou à pequena distância uma casa esverdeada, de feição característica, que a diferenciava de todas.

A esposa de Lólio Úrbico esboçou um sorriso de satisfação e, estugando o passo, bateu à porta com visível interesse.

Daí a momentos, uma mulher velhíssima e de má catadura, cabelos desgrenhados e largos vincos a lhe enrugarem o rosto, veio atendê-la com expressão de curiosidade nos olhos empapuçados e pequeninos.

Observando a visitante, que ostentava uma toga simples, mas rica, além da rede dourada a prender-lhe a cabeleira graciosa e abundante, a velha sorriu satisfeita, farejando a boa situação financeira da cliente que lhe buscava os serviços.

– É aqui – perguntou Cláudia com mal disfarçada modéstia – que reside Plotina, antiga pitonisa de Cumas?

– Sim, senhora, sou eu mesma, para vos servir. Entrai. Minha choupana honra-se com a vossa visita.

A esposa do prefeito sentiu-se bem com a recepção bajuladora e fingida.

– Necessitando de sua cooperação – disse a visitante, penetrando o interior com desembaraço –, vim procurá-la, em vista da recomendação de uma das minhas amigas de Tibur.

– Muito grata, minha senhora, espero corresponder à vossa confiança.

– Disseram-me que não precisaria expor o objeto de minha consulta. Será, de fato, assim?...

– Perfeitamente – esclareceu Plotina com a sua voz enigmática –, meus poderes ocultos dispensam qualquer explicação da vossa parte.

Sentando-se num velho divã, Sabina reparou que a feiticeira buscara uma trípode e colocara junto da mesma numerosos amuletos, nos quais se esbatia a mortiça claridade de pequena tocha, acesa para atender às necessidades do momento. Em seguida, depois de atitude contemplativa e descansada, Plotina deixou pender a cabeça entre as mãos, ostentando uma palidez cadavérica, como se a sua vidência misteriosa estivesse a devassar as mais sinistras miragens nos planos invisíveis.

Cláudia Sabina seguia-lhe os mínimos movimentos com singular interesse, entre o temor e a surpresa do desconhecido, mas, dentro em pouco, a fisionomia da intermediária entre o mundo e as forças do plano invisível normalizava-se,

atenuando-se-lhe as contrações nervosas do rosto e extinguindo-se as expressões de profundo cansaço, que lhe escapavam dos lábios intumescidos.

De semblante sereno e curioso, como se a alma houvera regressado de misteriosas paragens com as mais vastas revelações, tomou as mãos aristocráticas de Cláudia, exclamando em tom discreto:

– Disseram-me as vozes que amais a um homem, preso a outra mulher pelos laços mais santos desta vida. Porque não evitar a tempo uma tempestade de amarguras que recairá, mais tarde, sobre o vosso próprio destino? Viestes até aqui em busca de um conselho que vos oriente as pretensões, mas seria melhor abandonardes todos os projetos que tendes em mente!...

Cláudia Sabina ouvia-a, assustada, mas obtemperou com veemência:

– Plotina, conheço a elevação da tua ciência e venho recorrer aos teus conhecimentos com uma confiança absoluta! Se a tua visão pode devassar o passado, procura fixar no presente a única preocupação da minha vida... Ajuda- me! Recompensarei regiamente os teus serviços!

A consulente abriu a bolsa referta, deixando cair grande porção de moedas na trípode, como se despejasse ali uma catadupa de sestércios, enquanto a velha bruxa arregalava os olhos, na cupidez e na ambição dos seus baixos sentimentos.

– Senhora – disse ela desejosa de alcançar os proventos de tão grandes recursos financeiros –, já vos dei o primeiro conselho, que é o da sabedoria que me assiste; mas também sou humana e quero corresponder à vossa generosidade. Conheço os projetos que vos animam e procurarei auxiliar-vos, a fim de que possais levá-los a bom termo!... Cumpre-me, porém, esclarecer que a vossa rival está assistida por uma figura angélica, embora eu não possa saber se essa criatura vive na Terra ou no Céu. No meu poder oculto, vi a mulher que odiais nimbada pela aura intensa de um anjo, junto dela.

E, como se estivesse travando um duelo de consciência, em face da invejável situação financeira da consulente, acrescentou:

– Precisamos muito cuidado, senhora... Essa criatura celeste pode defender a vossa rival de todos os sofrimentos estranhos ao seu destino...

– Mas, como pode ser isso?! – perguntou Cláudia Sabina profundamente impressionada.

– Não terá filhos a vossa rival e, entre eles, não existirá algum de coração puro e piedoso?

– Sim – exclamou a interpelada algo contrafeita –, embora não saiba se alguma de suas filhas se encontra em tais condições. Entretanto, não venho aqui para cuidar desse assunto e sim do meu próprio interesse passional. Por que me falas, pois, dessa defesa angélica incompreensível para mim?

– Senhora, hei de ajudar-vos com todas as minhas forças, pois tenho necessidade de dinheiro para atender a necessidades numerosas e prementes, mas devo afiançar-vos que correremos o risco de perder nosso esforço, porque um anjo de Deus pode aparar os golpes do mal, visto não existir o sofrimento qual o entendemos, para os seus corações purificados. Enquanto a inquietação e a dor podem arrastar as almas vulgares ao torvelinho das paixões e padecimentos do mundo, o Espírito que se redimiu realizou em si a edificação da fé, que o liga a Deus Todo-Poderoso. Para esses corações imaculados, senhora, a Terra não pode engendrar o tormento ou o desespero!

Cláudia escutava-lhe as ponderações, eminentemente impressionada, mas, observou com o seu espírito expedito:

– Plotina, eu prefiro não acreditar nessa defesa, aceitando a cooperação dos teus poderes ocultos, plenamente confiada no êxito de minhas pretensões. Não me faças andar contigo em digressões filosóficas, pois quero viver a minha própria realidade. Dize-me! Que sugeres a favor da minha felicidade?

– Em face da vossa decisão, temos de recorrer aos fatos mais concretos.
– Acreditas que deva cogitar da eliminação da mulher que odeio?
– Na vossa situação e em vosso caso, não devereis pensar no aniquilamento

do seu corpo, mas na flagelação da alma, considerando que a única morte que se deve aplicar a um inimigo é a que se impõe a uma criatura fora do sepulcro e em plena vida.

– Tens razão – murmurou Sabina interessada. – Teus argumentos são mais inteligentes e mais práticos. Quais os teus conselhos a meu favor?

Plotina fez longa pausa, como se fora formular nova consulta íntima, ante a luz da tocha pequenina e bruxuleante, acrescentando em seguida:

– Senhora, já tivestes o poder de transportar provisoriamente para Tibur o homem amado... Devo informar-vos de que o Imperador Élio Adriano, antes de retirar-se para os seus palácios em construção, na cidade aludida, onde deverá aguardar o fim da existência, há de fazer uma última viagem pelas Províncias, obedecendo à sua conhecida vocação... Sereis compelida a acompanhar-lhe o séquito, entrevendo-se aí a oportunidade de seguir, igualmente, o homem da vossa dileção.

– Sim? – perguntou Cláudia visivelmente satisfeita. – E que me aconselhas?

Plotina inclinou-se, então, colando os lábios rente aos seus ouvidos, sugerindo-lhe um plano terrível e criminoso, que a consulente acolheu com um sorriso significativo.

Palestraram ainda, largo tempo, como se as suas mentes se casassem com absoluta sintonia de princípios, dentro das mesmas intenções e fins, notando-se

que, ao despedir-se, Cláudia averbou as necessidades da sua nova cúmplice, prometendo-lhe providências confortadoras, depois de lhe entregar todo o dinheiro que trazia.

Daí a algumas horas, a mesma liteira modesta regressava ao palácio de Lólio Úrbico, pela porta dos fundos.

Dois dias depois, vamos encontrar, em casa de Helvídio Lucius, Alba Lucínia e sua amiga fiel, em conversação discreta no apartamento mais recôndito da casa.

Túlia Cevina apresentava as melhores disposições físicas, apesar da preocupação que lhe vagava nos olhos, não acontecendo o mesmo à esposa de Helvídio que, reclinada no leito, dava mostras do mais fundo abatimento.

– Lucínia, minha querida – exclamou Túlia afetuosa –, já estou avisada de que a reunião se efetuará esta noite. Estou à tua disposição para irmos sem receio. Poderemos sair às primeiras horas da tarde.

– Impossível – replicou a pobre senhora, visivelmente enferma e acentuando as palavras com dolorosa melancolia –, sinto-me profundamente cansada e abatida!... Entretanto, decidi no coração que recorrerei a essas preces!... Necessito de algo sobrenatural que me devolva a paz do espírito. É impossível prosseguir nesta angústia moral que me inutiliza todas as forças.

Lágrimas amargas lhe cortaram a palavra entristecida.

– Irei de qualquer modo – disse Túlia abraçando-a –, tenho fé em que o novo deus nos valerá na situação de penosa incerteza em que te encontras!...

Observando-lhe a dedicação meiga e constante, Alba Lucínia advertiu:

– Querida, não me conformaria em saber que foste só. Pedirei a Célia que te acompanhe.

Túlia esboçou um sorriso de satisfação, enquanto a amiga ordenou a uma jovem escrava fosse chamar a filha.

Daí a instante, surgia a donzela com o seu perfil gracioso.

– Célia – disselhe a genitora, sensibilizada e melancólica –, poderás ir hoje à noite, em companhia de Túlia, a uma reunião cristã, a fim de fazeres uma prece pela tranqüilidade de tua mãe?...

A moça teve um gesto de surpresa, mas amplo sorriso de satisfação lhe aflorou aos lábios.

– Que não faria por ti, mãezinha? E beijou-a. Alba Lucínia sentiu o conforto imenso daquela ternura, acrescentando:

– Filhinha, sinto-me cansada, doente e deliberei recorrer a Jesus de Nazaré, com as tuas orações. Sabes, porém, da necessidade de não nos externarmos com pessoa alguma a esse respeito, compreendes?

A jovem fez um gesto expressivo, como quem se recordava das próprias mágoas, exclamando:

– Sim, minha mãe. Fica tranqüila. Irei com Túlia, seja aonde for, de modo a fazer as preces necessárias! Rogarei a Jesus que te faça ditosa e espero que a sua infinita bondade derramará em teu coração o bálsamo suave do seu amor, que nos enche de vida e de alegria. Então, verás como energias novas hão de felicitar o teu íntimo...

Túlia Cevina ouvia, muito interessada, aqueles conceitos, admirando os conhecimentos da jovem, o que Lucínia logo esclareceu, abraçando a filha ternamente:

– Célia conheceu intimamente, na Judéia, os assuntos atinentes ao Cristianismo. Minha filhinha, apesar de muito nova, tem sofrido bastante...

Célia, no entanto, percebendo que a palavra materna entraria em pormenores do seu doloroso romance de amor, exclamou com ternura:

– Ora, mãezinha, que poderia eu sofrer se tenho sempre o teu afeto comigo? E cortando o assunto relativo ao seu caso pessoal, obtemperou:
– A que horas deveremos sair?
– À tarde – informou Túlia –, porquanto a caminhada não será pequena; a

reunião é além da Porta Nomentana.
– Estarei preparada a tempo.
As três combinaram, então, todas as providências que lhes pareceram

indispensáveis e, ao cair da noite, envoltas em togas muito simples, Túlia e Célia tomaram uma liteira, que lhes evitou o cansaço em grande parte do caminho, através dos pontos mais freqüentados da cidade.

Descendo junto à Porta Viminal e dispensando os carregadores, empreenderam a caminhada corajosamente.

A noite desdobrava o seu leque de sombras ao longo da planície. Fazia frio, mas as duas amigas agasalharam-se nas capas de lã que levavam, ocultando a cabeça na peça grossa e escura.

Era noite fechada quando atingiram as ruínas da antiga muralha, que fortificara a região em outros tempos, mas avançavam sem desânimo, através das estradas extensas.

Franqueada a Porta Nomentana, viram-se à frente das colinas próximas, ao longo das quais se alinhavam cemitérios desertos e tristes, onde o luar se derramava em tons pálidos.

À medida que se aproximavam do local das pregações, observavam um número cada vez maior de viandantes, que se aventuravam pelas mesmas trilhas com idênticos fins. Eram vultos embuçados em longas túnicas escuras, que

passavam de flanco, a passo apressado ou vagaroso, uns silenciosos, outros mantendo diálogos quase imperceptíveis.

Muitos empunhavam lanternas pequeninas, auxiliando a visão dos companheiros, onde a claridade fraca do astro noturno não conseguia espancar as sombras espessas.

As duas patrícias, vestidas com simplicidade extrema e envergando os pesados mantos, não podiam ser identificadas na sua posição social, pelos companheiros que se dirigiam ao mesmo destino, os quais as consideravam cristãs como eles próprios, agermanados na fé e no mesmo idealismo.

Defrontando os muros lodosos que circundavam grandes monumentos em ruínas, Túlia certificou-se do local que dava acesso ao recinto, fazendo um sinal da cruz característico dos cristãos que, nos pórticos, recebiam a senha de todos os prosélitos, senha que se constituía desse mesmo sinal traçado com a mão aberta, de modo especialíssimo, mas de imitação muito fácil. Ambas passaram, então, ao interior da necrópole, sem pormenores dignos de menção.

No interior, toda uma multidão se acomodava em bancos improvisados, salientando-se que, de um modo geral, todos traziam os capuzes levantados, ocultando o rosto, alguns receando o frio intenso da noite, outros temendo os lobos da traição, que ali poderiam comparecer com a máscara de ovelhas.

A claridade lunar que banhava o recinto era auxiliada pela luz de tocheiros e lanternas, mormente em torno de um monte de ruínas fúnebres, de onde deveria falar o apóstolo daquele grupo de seguidores do Cristo.

Aqui e ali, alguém balbuciava uma prece, baixinho, como se estivesse falando ao Cordeiro do Céu, no altar do coração; mas, do centro da massa, elevavam-se hinos cheios de sublimada exaltação religiosa. Eram cânticos de esperança, tocados de singular desalento do mundo, exteriorizando o sonho cristão de um reino maravilhoso além das nuvens. Em cada verso e em cada tonalidade das vozes em conjunto, predominavam as notas de uma tristeza dolorosa, de quem havia abandonado todas as ilusões e fantasias terrestres, entregando-se à renúncia de todos os prazeres, de todos os bens da vida, para esperar as recompensas luminosas de Jesus, nas bem-aventuranças celestes...

Nos bancos improvisados, de madeira tosca ou de pedras esquecidas, acomodavam-se centenas de pessoas, concentradas em absoluto recolhimento.

Silêncio profundo reinava entre todos, quando um estrado carcomido foi transportado para o local onde se centralizavam quase todas as luzes.

Célia e Túlia tomaram o lugar que lhes pareceu mais conveniente, mas, daí a minutos, novo cântico se elevava ao Infinito, em vibrações de beleza indefinível... Era o hino de agradecimento ao Senhor pela sua misericórdia inesgotável; cada

estrofe falava dos exemplos e martírios de Jesus, com sentimento repassado da mais alta inspiração.

Qual não foi a admiração de Túlia Cevina, quando viu a companheira erguer também a voz, acompanhando o canto dos cristãos como se o soubera de cor com sua garganta cristalina. A mulher de Máximo Cunctator não sabia dissimular a emoção, contemplando Célia a cantar, qual se fosse uma ave exilada do Paraíso!... Seus olhos calmos estavam fixos no firmamento, onde parecia divisar o país da sua bem-aventurança, entre as estrelas que lucilavam no alto, como sorrisos carinhosos da noite, e aqueles versos, inspirados na música que lhes era peculiar, escapavam-se dos seus lábios com tal riqueza melódica, que a amiga se comoveu até às lágrimas, sentindo-se transportada a uma região divina...

Sim, Célia conhecia aquele cântico que lhe enchia o coração de brandas reminiscências. Ciro lho havia ensinado sob as árvores frondosas da Palestina, para que a sua alma soubesse interpretar o reconhecimento a Deus, nas horas de alegria. Naquele instante, em comunhão com todos aqueles espíritos que vibravam também a sua fé, ela sentia-se distante da Terra, como se a alma fosse tocada de um júbilo divino...

Fazendo-se silêncio novamente, um homem do povo, de nome Sérgio Hostílio, assomou à tribuna improvisada, exclamando, comovido, após abrir um rolo de pergaminhos:

– Meus irmãos, estudaremos ainda hoje os ensinamentos do Mestre, nos capítulos de Mateus, versando a lição desta noite: “aqueles que são os verdadeiros irmãos do Messias!...”

E, desenrolando a folha que o tempo desbotara, Sérgio Hostílio leu pausadamente:

“Estando Jesus a pregar ainda para a multidão, sua mãe e seus irmãos de fé, do lado de fora, procuravam falar-lhe. Então alguém lhe observou: – ‘tua mãe e teus irmãos encontram-se aí fora, procurando- te’. Respondendo a quem o advertira, disse o Mestre: ‘Quem é minha mãe e quem são os meus irmãos?’ E, estendendo a mão para todos os seus discípulos e seguidores, exclamou: – ‘Eis aqui minha mãe e meus irmãos, porquanto, quem quer que faça a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe’.”

Terminada a leitura evangélica, o mesmo companheiro de crença, que ocupava a tribuna, falou sensibilizado:

– Meus amigos, falta-me o dom da eloqüência para ministrar o ensinamento; convido, pois, a algum dos nossos irmãos presentes para que desenvolva os precisos comentários desta noite...

Todos os olhares, inclusive o de Túlia Cevina, se alongaram, ansiosos, buscando a venerável figura de Policarpo, o abnegado apóstolo de todas as reuniões. Túlia Cevina verificava a sua ausência com grande desapontamento, em vista da fé nas suas orações e nas suas palavras sábias e benevolentes; mas Sérgio Hostílio explicou com a voz tocada de amargura:

– Irmãos, vossos olhos procuram Policarpo, ansiosamente, mas, antes de vos fornecer notícias dele, elevemos o coração até Aquele que não desdenhou o ultraje e o sacrifício...

O apóstolo da nossa fé, apesar da sua velhice santificada, por ordem do Subprefeito Quinto Bíbulo, foi recolhido na manhã de ontem aos cárceres do Esquilino!

Imploremos a misericórdia de Jesus para que possamos aceitar o cálice de nossas dores, com resignação e humildade.

Muitas mulheres começaram a chorar a ausência daquele grande varão, a quem amavam como pai, e, depois de alguns minutos, em que ninguém se abalançou a substituir-lhe o ensinamento sábio e amoroso, um homem da plebe caminhou até a tribuna e descobriu-se, fazendo o sinal da cruz, tomado de fervorosa religiosidade.

A claridade das tochas iluminou-lhe os traços fisionômicos, ao mesmo tempo que Célia e a companheira lhe identificaram o semblante humilde e decidido.

Aquele homem era Nestório, o liberto de Helvídio, que, embora auxiliando o censor Fábio Cornélio no próprio gabinete da Prefeitura dos pretorianos, não se envergonhava de dar o público testemunho da sua fé.



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Mateus 12:46

E, falando ele ainda à multidão, eis que estavam fora sua mãe e seus irmãos, pretendendo falar-lhe.

mt 12:46
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Atos 9:1

E SAULO, respirando ainda ameaças, e mortes contra os discípulos do Senhor, dirigiu-se ao sumo sacerdote,

at 9:1
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Lucas 6:20

E, levantando ele os olhos para os seus discípulos, dizia: Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o reino de Deus.

lc 6:20
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Mateus 11:28

Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei.

mt 11:28
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Ezequiel 18:23

Desejaria eu, de qualquer maneira, a morte do ímpio? diz o Senhor Jeová: não desejo antes que se converta dos seus caminhos e viva?

ez 18:23
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