Cinquenta Anos Depois

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Capítulo V

A Pregação do Evangelho

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Saudado pelo olhar ansioso e confiante de todos, Nestório começou a falar, com a sua sinceridade comovida:

– Irmãos, sinto que a minha indigência espiritual não pode substituir o coração de Policarpo nesta tribuna, mas o fogo sagrado da fé precisa manter-se nas almas!

Assumindo a responsabilidade da palavra, esta noite, recordo a minha infância para vos dizer que vi João, o apóstolo do Senhor, que, por longos anos, iluminou a igreja de Éfeso!

O grande evangelista, nos seus arroubos de fé, falava-nos do céu e de suas visões consoladoras... Seu coração estava em permanente contacto com o do Mestre, de quem recebia a inspiração divina, como derradeiro discípulo na Terra, santificando-se as suas lições e as suas palavras com o sopro sublimado das verdades celestes!...

Invoco estas reminiscências longínquas, para recordar que o Senhor é a misericórdia infinita. Na minha pobreza material e moral, não tenho vivido senão pela sua bondade inesgotável e quero invocar a sua assistência caridosa para o meu coração, neste momento.

Desde criança, tenho os olhos voltados para os sublimes ensinamentos do seu amor e parece-me, também, havê-lo visto no seu apostolado de luz, pela nossa redenção, na face escura da Terra. Às vezes, como que impulsionado por um mecanismo de emoções maravilhosas, tenho a doce impressão de ainda o estar vendo junto ao Tiberíades, a ensinar a verdade e o amor, a humildade e a salvação!... Figura-se-me, freqüentemente, que aquelas águas claras e sagradas cantam-me no coração um hino de eterna esperança e, apesar dos véus espessos da minha cegueira, sinto que o contemplo em Nazaré ou em Cafarnaum, em Cesaréia ou em Betsaida, arrebanhando as ovelhas desgarradas do seu aprisco.

Sim, irmãos, o Mestre nunca nos abandonou, no seu apostolado divino. Seu olhar percuciente vai buscar o pecador no mais recôndito socavão da iniqüidade, e é pela sua ternura infinita que conseguimos caminhar indenes nos desfiladeiros do crime e do infortúnio!...

Por muito tempo, falou Nestório das suas lembranças mais gratas ao coração.

Sua infância na Grécia, as descrições suaves de João Evangelista aos discípulos queridos; as pregações e exemplos do Senhor, suas visões nos planos celestiais, as reminiscências do Presbítero Johanes, a quem o inesquecível

apóstolo havia confiado os textos manuscritos do seu evangelho, era tudo exposto à assembléia pelo liberto, com as cores mais vivas e impressionantes.

Ouvia-lhe o auditório a palavra, comovido, como se os Espíritos, transportados ao pretérito nas asas da imaginação, estivessem contemplando todos os acontecimentos relacionados com a narrativa.

A própria Túlia Cevina, que não conhecia o Cristianismo senão pela rama, mostrava-se profundamente sensibilizada. Quanto a Célia, acolhia-o alegremente, admirando-lhe a coragem e a fé, em face da sua futurosa posição material junto de seu pai, e meditando, ao mesmo tempo, na circunstância de ele nunca haver revelado suas crenças, nem mesmo nas aulas que lhe ministrara, evidenciando assim o respeito que lhe mereciam as crenças alheias.

Depois de relatadas as reminiscências de Éfeso com os seus vultos mais eminentes, falou para comentar a leitura da noite:

– Para tanger o ponto evangélico desta noite, lembremos que Jesus não podia condenar os laços humanos e sacrossantos da família, mas suas palavras, proferidas para a Eternidade, abrangem e abrangerão todas as situações e todos os séculos vindouros, de modo a demonstrar que a fraternidade é o seu alvo e que todos nós, homens e grupos, coletividades e povos, somos membros de uma comunidade universal, fraternidade, essa, que um dia nos integrará a todos como irmãos bem-amados, e para sempre.

Seus ensinamentos referiam-se àqueles que, cumprindo a vontade soberana e justa do Pai que está nos céus, marcham na vanguarda dos caminhos humanos, em demanda do seu reino de amor, cheio de belezas imperecíveis!

Os que sabem acatar, neste mundo, os desígnios de Deus, com humildade e tolerância, com resignação e com amor, chegarão mais depressa junto daquele que se nos revelou há cem anos como Caminho, Verdade e Vida! Esses Espíritos amorosos e justos, que se iluminaram interiormente pela compreensão e aplicação dos ensinos em toda a vida, estarão mais perto do seu coração misericordioso, cujas pulsações sagradas repercutem em nosso próprio ser, pela magnanimidade infinita que sentimos em torno de nossa alma, em todos os passos desta vida!... Tais criaturas são desde já seus irmãos mais próximos, pela iluminação evangélica no cumprimento das leis do amor e do perdão.

Dentro, pois, dessas luzes prodigiosas da Verdade, sentimo-nos compelidos a dilatar o conceito de família no plano universalista, alijando o criminoso egoísmo que, por vezes, nos toma de assalto o coração, criando os germes da discórdia e do sofrimento no próprio lar.

Se um homem é a partícula divina da coletividade, o lar é a célula sagrada de todo o edifício da civilização. Um homem divorciado do bem e um lar

envenenado pelos desvios do sentimento, operam os desequilíbrios singulares que atormentam os povos!...

Jesus conhecia todas as nossas necessidades e ajuizou de nossa situação, não apenas em vista da época que passa, mas de todos os séculos do futuro.

Acredito que o Evangelho não poderá ser integralmente compreendido em nossos tempos amargos, de devassidão e decadência; todavia, enquanto as forças mais poderosas do mundo se concentram neste Império cheio de orgulho e impiedade, outras energias profundas trabalham o seu organismo atormentado, preparando o advento das civilizações do porvir.

Até agora, as águias romanas dominam todas as regiões e todos os mares; mas dia virá em que esses símbolos de ambição e tirania hão de rolar dos seus pedestais, numa tempestade de cinzas e de sombras!... Outros povos serão chamados a dirigir os movimentos do mundo. Mas, enquanto o espírito agressivo da guerra permanecer entre os homens, qual monstro de ruína e de sangue, é sinal de que as criaturas não se realizaram interiormente para serem os irmãos do Mestre, puros e pacíficos.

A Terra viverá as suas fases evolutivas de dor e de experiências dolorosas, até que a compreensão perfeita do Messias floresça em todo o mundo, para as almas.

Até agora, o Cristianismo tem medrado com as lágrimas e o sangue de seus mártires; mas os Espíritos do Senhor, cujas vozes ouvi na mocidade, nas sagradas reuniões da igreja de Éfeso, asseveravam aos discípulos de João que, não levará muito tempo, o proselitismo do Cristo será chamado a colaborar nas esferas políticas do mundo, para dissipar a treva e a confusão da sua rede de enganos...

Nessa época, meus irmãos, talvez que a doutrina do Mestre venha a sofrer o insulto daqueles que navegam no vasto oceano dos poderes terrestres, cheios de vaidade e despotismo. É possível que espíritos turbulentos e endurecidos tentem subverter os valores da nossa fé, desvirtuando-a com as exterioridades do politeísmo, mas, ai dos que operarem semelhante atentado, em face das verdades que nos orientam e consolam!...

Nos esforços da fé, jamais esqueçamos a exortação do Senhor às mulheres de Jerusalém, que pranteavam ao vê-Lo avergado sob o madeiro infamante: – “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim! Chorai por vós mesmas e por vossos filhos, porque dias virão em que se dirá: – Ditosas as estéreis, ditosos os ventres que nunca geraram e os seios que nunca amamentaram! Pôr-se-ão todos os homens a dizer aos montes: Caí sobre nós! e às colinas: Cobri-nos! Porque, se assim procedem com o lenho verde, que se fará, então, com o lenho seco?!”

Ai de quantos abusarem em nome dAquele que nos assiste do Céu e conhece nossos mais recônditos pensamentos, pois, mais tarde, conforme o prometeu, a luz do Alto se derramará sobre toda a carne e a voz dos céus será ouvida na Terra, através dos mais doces ensinamentos e das mais elevadas profecias! Se falharem os homens, hão de vir até nós os exércitos de seus anjos, atestando a sua misericórdia...

É que, meus irmãos, o reino de Jesus deve ser fundado sobre os corações, sobre as almas, e não poderá conciliar-se nunca, neste mundo, com qualquer expressão política de egoísmo humano ou de doutrinas de violência, que estruturam os Estados da Terra!

O reino do Senhor sofrerá, por muito tempo, “a abominação do lugar santo”, pela falsa interpretação dos homens, mas chegará a época em que a Humanidade, hoje decadente e corrompida, se sentirá a caminho de uma Jerusalém gloriosa e libertada!...

Guardemos na mente a convicção de que o reino de Jesus não está nos templos ou nos manuscritos materiais que o Tempo se incumbirá de aniquilar em sua passagem incessante e, sim, que os alicerces divinos têm de ser construídos no íntimo do homem, de modo que cada alma possa edificá-lo por si mesma, à custa de esforços e lágrimas, a caminho das moradas gloriosas do Infinito, onde nos aguardarão, depois da jornada, as bênçãos do Cordeiro de Deus, que se imolou na cruz, para nos redimir do infortúnio e do pecado!...

Depois de uma prece, Nestório terminava sob o olhar carinhoso e comovido de quantos lhe acompanharam a palavra fluente, através das considerações de ordem evangélica.

Alguns assistentes choravam, sensibilizados, casando as impressões do orador com as suas próprias.

Nessas assembléias primitivas, quando o messianismo doutrinário estava saturado de ensinamentos puros e simples, o expositor da Boa Nova era obrigado a elucidar os pontos evangélicos em relação com a vida prática de alguém que estivesse em dúvida.

Assim foi que, após a elocução, numerosos confrades se acercaram do prolator, solicitando-lhe a opinião fraterna e simples.

– Meu amigo – perguntava um dos estudiosos presentes –, como explicar a diferença sensível entre os evangelhos de Mateus e de João, ou entre as narrações de Lucas e as epístolas de Paulo? Não foram todos apóstolos do ensinamento cristão e inspirados do Espírito Santo?

– Sim – esclareceu o interpelado –, mas convenhamos que a cada trabalhador concedeu Jesus uma tarefa. Se Lucas e Mateus nos mostraram o

pastor de Israel encaminhando as ovelhas tresmalhadas ao aprisco da verdade e da vida, Paulo e João nos revelaram o Cristo Divino, Filho do Deus Vivo, na sua sublimada missão universalista, a redimir o mundo.

– Nestório – obtemperava outro, pouco zeloso da paz interior pela meditação e pelo estudo –, que será de mim, vitimado pelas intrigas e calúnias dos vizinhos?... Quero aprender e progredir na fé, mas a provocação da maledicência não mo permite.

– E, acaso poderás ir a Jesus, deixando-te encarcerar pelas opiniões do mundo?! – explicava solícito o liberto de Helvídio. – A ciência do bem-viver não está somente em nos não incomodarmos com os pensamentos e atos de quem quer que seja, mas em deixar, também, que os outros se importem constantemente com a nossa própria vida.

– Mestre – exclamava ainda uma senhora de semblante idoso e triste, dirigindo-se ao ex-escravo –, meus sofrimentos extravasam do cálice!... Rogai por mim para que Jesus me atenda às rogativas!...

– Irmã – respondia Nestório algo veemente –, esquecestes que Jesus recomendou jamais nos chamássemos “mestres” uns aos outros? Não sou senão servo humilde dos seus servos, indigno de sacudir o pó das sandálias do único e divino Mestre. Não vos entregueis a tristezas e lamentações, porque, no problema da fé, somente vós mesma podereis dar a Jesus o testemunho do vosso amor e da vossa confiança. Ao demais, importa lembrar que a Terra não é o Paraíso, atentos à recomendação do Messias de que, para atingir a ventura celestial, é preciso tomar com humildade a nossa cruz, e segui-Lo.

Nesse instante, rompendo a multidão de crentes em redor, Nestório reconheceu Célia e Túlia, que se acercavam atenciosamente. O liberto saudou-as tomado de surpresa, enquanto a jovem lhe dirigia palavras de júbilo e simpatia.

– Nestório – exclamou Célia, radiante –, porque nunca me falaste das tuas convicções, da tua fé?

– Filha, nada obstante o meu fervor cristão, não podia menosprezar os princípios da família que me concedeu a liberdade.

Ambos estavam alegres e felizes, experimentando o contentamento da mútua comunhão na mesma fé, quando uma surpresa maior lhes abalou o espírito.

Enquanto a maioria dos companheiros se punha a caminho, de regresso à cidade, pois que a madrugada se avizinhava, destacou-se de todos os grupos um jovem forte e simpático, que se aproximou da tribuna com os olhos fulgurantes de ansiedade e alegria. Acercou-se de Nestório e de Célia, com os braços estendidos, ao mesmo tempo que o liberto e a jovem patrícia exclamavam, com a mesma voz, tocada de emoção e profundo júbilo:

– Ciro!... Ciro!...
– Meu pai! Célia!
E o mancebo quase os reuniu no mesmo amplexo de amor e felicidade.
Túlia Cevina contemplava a cena comovedora, com o coração em

sobressalto. Alba Lucínia já lhe falara do drama íntimo da filha e a mulher de Máximo custava a conformar-se com a circunstância de haver conduzido a jovem àquele encontro de conseqüências imprevisíveis.

A ausência de Policarpo, que a inibia de solicitar a prece pela ventura doméstica da amiga, segundo a sua fé; o fato de se haverem avistado com Nestório, quando preferia o segredo de sua presença ali e o encontro inesperado de Ciro, eram acontecimentos que a contrariavam profundamente, mas Célia, radiante, sem poder traduzir o seu júbilo com o saber que Nestório era pai do seu noivo espiritual, apresentou-lhe o jovem que a patrícia foi obrigada a saudar atenciosamente, em virtude das circunstâncias.

O ex-cativo abraçava o filho com os olhos úmidos de pranto, enviando a Jesus o seu íntimo reconhecimento e manifestando a sua real surpresa ao saber que o filho era também um liberto de Helvídio Lucius, aumentando, assim, o seu reconhecimento pelos seus libertadores.

E, enquanto todos se retiravam, o grupo palestrava com crescente interesse.

A uma pergunta de Célia, o jovem explicou que no porto de Cesaréia fora entregue ao comandante Quinto Vetus, que, amigo pessoal de Helvídio, fizera absoluta questão de lhe conservar a liberdade, conduzindo-o às costas da Campânia, com excepcional gentileza. Dali, uma embarcação o trouxera até Óstia, entre o pessoal da equipagem, deliberando ele então permanecer em Roma, na vaga esperança de obter notícias do pai ou daquela que lhe enchia o coração de lembranças carinhosas e perenes.

Célia sorria, satisfeita, sentindo-se, naquele cemitério ermo e triste, a mais ditosa das criaturas.

O luar, porém, já havia desaparecido. Apenas as estrelas, no manto escuro do firmamento, brilhavam com cintilações mais intensas, preludiando o dealbar da aurora.

Túlia Cevina lembrou, então, a conveniência de regressarem quanto antes.

Nestório sentia-se possuído do imenso desejo de ouvir o filho a respeito de todos os fatos do passado, de modo a conhecer os mais íntimos pormenores da sua separação dolorosa e longa, mas, observando a sua intimidade com a jovem patrícia, abstinha-se de muitas palavras, guardando atitude expectante e calma, embora adivinhasse o romance de amor daquelas duas criaturas mal-saídas da adolescência. O ex-escravo mantinha a sua atitude reservada e, enquanto Túlia

Cevina se mostrava apreensiva, os dois jovens falavam, em todo o trajeto, de suas reminiscências ou de suas esperanças em Jesus, à claridade amiga das estrelas que empalideciam no firmamento.

De mistura com os regressantes, vinham, agora, campônios descuidados e felizes, que se dirigiam ao pequeno perímetro urbano nas primeiras horas da madrugada, levando os produtos do seu campo para as feiras. Todavia, no grupo das nossas personagens, ninguém observou que dois vultos as seguiam de perto com insistente atenção, embora irreconhecíveis, em razão dos capuzes que lhes cobriam o rosto.

Nestório e Ciro acompanharam as duas patrícias até as proximidades da residência de Helvídio Lucius, onde Túlia Cevina se recolheu, em identidade de circunstâncias, obedecendo ao plano preestabelecido, voltando pai e filho pelos mesmos caminhos, até próximo da Porta Salária, onde se acomodaram no apartamento do primeiro.

Foi aí que Nestório, absolutamente insone, em virtude das emoções daquela noite, ouviu a narrativa do filho até ao amanhecer, capacitando-se de que uma nova fase de sacrifícios lhe seria imposta pelas circunstâncias em jogo.

O Sol já havia espalhado seus raios de ouro por toda parte, quando o liberto de Helvídio, algo acabrunhado, apesar do júbilo de rever o filho estremecido, falou-lhe, abraçando-o com ternura:

– Meu filho, regozijo-me no Senhor pela alegria de te encontrar livre e salvo, com o pensamento iluminado pelas nossas profundas esperanças em Jesus-Cristo, mas temo por ti, doravante, como pai extremoso e desvelado.

Acredito que, apesar da fé que me testemunhas, não soubeste dominar o coração moço e idealista, no momento oportuno, pois, já que entendias a vida qual a compreendes agora, estavas apto a reconhecer a inutilidade de qualquer fantasia no que se refere às venturas transitórias do mundo!... Mas, por outro lado, louvo-te a conduta honesta e me rejubilo com o teu esforço na santificação do teu afeto.

Sou de opinião que seremos agora chamados aos mais penosos testemunhos de coragem moral, porquanto a família de Célia não toleraria, jamais, uma pretensão tua...

Mas, descansa, filho! Precisas de energia e de repouso! Quanto a mim, o sono agora ser-me-ia impossível... Aproveitarei o tempo para ir ao Velabro, onde me guiarei por tuas informações, a fim de transportar para aqui os objetos que te pertencem e, ao mesmo tempo, avisarei o censor Fábio Cornélio da impossibilidade de trabalhar hoje.

E, acentuando as palavras com um sorriso de satisfação, rematava:

– Doravante, estaremos sempre juntos para a mesma tarefa e aqui permaneceremos até quando Jesus no-lo permita.

Ciro, em resposta, beijou-lhe as mãos comovidamente.

Antes de se dirigir ao Velabro, que era um dos bairros mais pobres e mais populares de Roma, o liberto procurou a Prefeitura dos pretorianos, ali se avistando com o lictor Domítio Fulvius, pessoa de confiança dos seus chefes, solicitando-lhe cientificasse o censor do seu impedimento naquele dia e providenciando, em seguida, para que a mudança do filho para sua casa se efetuasse com a possível presteza.

Sentia o coração apreensivo e amargurado em face dos acontecimentos e, todavia, colocava a fé acima de tudo, rogando a Jesus lhe concedesse a inspiração devida, para o aclaramento de todos os problemas.

Quanto a Túlia Cevina, algo desapontada, informou a amiga, pela manhã, dos fatos singulares que haviam ocorrido. Alba Lucínia ouvia-a, assaz surpreendida, experimentando o coração pejado de amargas expectativas. Chamou a filha ao seu gabinete de repouso, mas, notando-lhe a serenidade e recebendo-lhe a promessa de guardar inteira observância às recomendações paternas, buscou tranqüilizar-se a si mesma, de modo a minorar as próprias mágoas.

Chegando ao seu gabinete, manhã alta, Fábio Cornélio foi procurado com insistência por Pausanias, que, ainda em Roma, guardava a chefia dos servos da casa de seu genro, e que lhe falou, depois de respeitosa reverência:

– Ilustre Censor, aqui venho obedecendo a um desígnio sagrado dos deuses, a fim de vos informar de graves acontecimentos ocorridos esta noite.

– Mas, como? Graves acontecimentos? – perguntou o sogro de Helvídio, visivelmente impressionado.

E Pausanias relatou-lhe, então, todo o ocorrido, asseverando haver seguido as duas senhoras, dado o seu zelo carinhoso por todos os assuntos atinentes ao nome e à posição de seu amo, saturando as suas afirmativas de expressões bajuladoras ou exageradas, para melhor impressionar a sua autoridade e o seu prestígio.

– Mas Nestório é cristão? – interrogou o censor, admirado. – Custa-me a acreditá-lo.

– Senhor, pelas graças de Júpiter, estou afirmando a verdade! – respondeu Pausanias com a sua atitude humilde à frente do mais poderoso.

– Helvídio agiu muito precipitadamente – falou o orgulhoso patrício como se estivesse falando para si mesmo – conferindo a tal homem tamanha

responsabilidade em nossa esfera de trabalho; todavia, tomarei ainda hoje todas as providências que o caso requer e agradeço os teus bons serviços.

Pausanias retirou-se, enquanto Fábio Cornélio, que também não ignorava o romance de Ciro e da neta, tomava-se de cólera contra os dois ex-escravos, que lhe vinham perturbar a tranqüilidade doméstica.

Considerando a ausência do genro que ainda se conservava em Tibur, deu todas as providências julgadas indispensáveis, sem vacilar no cumprimento de suas íntimas decisões, em relação ao assunto.

Nas primeiras horas da tarde, um destacamento de pretorianos chegava à habitação coletiva, onde se alojavam pai e filho, em cumprimento das ordens emanadas da justiça imperial.

Chamados, os dois libertos compreenderam a gravidade da situação, concluindo que alguém os houvera denunciado e traído. Abraçaram-se em prece mútua, como se desejassem renovar os protestos de confiança e de fé na Providência Divina, prometendo-se um ao outro o máximo de coragem e resignação nos transes angustiosos que entreviam à frente.

Junto dos soldados, perguntou Nestório, com serenidade, ao lictor que os chefiava:

– Que me queres, Pompônio?

– Nestório – retrucou o chefe do destacamento, seu conhecido pessoal e seu amigo –, venho da parte do censor Fábio Cornélio, que ordenou tua prisão, bem como a de teu filho, recomendando-nos o máximo cuidado para que não fugissem.

Em seguida, mostrou-lhes a ordem manuscrita, desenrolando o pergaminho, ao que o liberto retrucou:

– Porventura chegaste a supor que te resistiríamos? Guarda a ordem e não te preocupes com a espada, pois a melhor arma não é a de quem ordena, mas de quem sabe obedecer.

Isso posto, os prisioneiros se colocaram à frente dos soldados, em direção à Prefeitura, onde o censor fazia questão de interrogar, a sós, o ex-auxiliar do seu cargo.

Separado de Ciro, recolhido a uma ante-sala sob a vigilância dos pretorianos, foi Nestório conduzido a um compartimento amplo, onde, minutos após, chegava o velho romano, evidenciando no olhar a cólera dos seus brios ofendidos.

– Nestório – exclamou rudemente –, fui informado de graves ocorrências verificadas esta noite. Não posso compreender a situação sem te ouvir de perto, de maneira a inutilizares, negativamente, as denúncias trazidas à minha autoridade.

– Interrogai, senhor – disse o ex-cativo com respeitosa tranqüilidade –, e vos responderei com a sinceridade do meu caráter.

– És cristão? – perguntou o censor com profundo interesse.
– Sim, pela graça de Deus.
– Que absurdo! – revidou Fábio Cornélio escandalizado. – E porque nos

enganaste dessa forma? Consideras razoável zombar da consideração que nos é dispensada? É assim que retribuis a estima e confiança a ti dispensadas?

– Senhor – retrucou o ex-cativo, penalizado –, sempre pautei minhas atitudes no maior respeito às posições e crenças alheias; quanto a vos haver iludido, peço vênia para esclarecer melhor as vossas afirmativas, pois ninguém, até hoje, me exigiu, aqui, qualquer declaração concernente às minhas convicções religiosas.

Fábio Cornélio compreendeu a serenidade do homem que tinha à sua frente, considerando inútil apelar para essa ou aquela circunstância, a fim de lhe arranjar uma negativa, como remédio à situação delicada entre ambos, e, mirando-o de alto a baixo com profunda altivez, acentuou com energia:

– Considero as tuas afirmações afrontosas à minha autoridade, além de estar recebendo, simultaneamente, de tua parte o máximo de ingratidão para com quem te ofereceu a mão de benfeitor e amigo.

– Mas, senhor, será insulto, porventura, o dizer-se a verdade? – perguntou Nestório ansioso por se fazer compreendido.

– E sabes a punição que te espera? – revidou o velho censor mal-humorado.

– Não posso temer os castigos do corpo, tendo a consciência tranqüila e edificada.

– Isso é demais! Tua palavra será sempre a de um escravo intratável e odioso!... Basta! Cientificarei Helvídio do teu detestável procedimento.

E chamando Pompônio Gratus para ouvir-lhe as declarações, o orgulhoso patrício retirou-se do recinto, pisando forte, enquanto Nestório era obrigado a relatar a sua condição de adepto e propagandista do Cristianismo, reafirmando ser pai de Ciro e fornecendo outros informes, de maneira a satisfazer a autoridade com a exposição dos seus antecedentes.

– Nestório – exclamou Pompônio Gratus, assumindo ares de importância, na qualidade de inquiridor para o caso no momento –, não ignoras que as tuas afirmativas constituirão a base de um processo, cujo resultado será a tua condenação. Sabes que o Imperador tem sido justo e magnânimo para todos os que se arrependem a tempo de atitudes como a tua, desarrazoadas e infelizes. Por que não renuncias, agora, a semelhantes bruxedos?

– Negar a fé cristã seria trair a própria consciência – replicou o liberto calmamente. – Além disso, nada fiz que me pudesse induzir ao arrependimento.

– Mas não eras um escravo? Se vieste de condição penosa e miseranda, porque não transigir com as tuas idéias pessoais em sinal de gratidão para com aqueles que te deram a independência?

– No cativeiro nunca deixei de cultivar a verdade, como a melhor maneira de honrar os meus senhores; mas, ainda assim, sempre tive um outro jugo, suave e leve – o de Jesus. E agora, acredito que o Divino Senhor me convoca ao testemunho!...

– Cavas o abismo de teus males com as próprias mãos – disse o lictor com indiferença.

E acentuando as palavras, com o mais fundo interesse, acrescentou:

– Agora, faz-se mister digas onde se reúnem essas assembléias, para que as autoridades se orientem na campanha de expurgar a cidade dos elementos mais perigosos.

– Pompônio Gratus – replicou Nestório altivamente –, não posso esclarecer- te neste particular, pois o sincero adepto de Jesus não conhece a delação nem sabe fugir à responsabilidade da sua fé, acusando seus irmãos.

O lictor irritou-se, revidando com acrimônia:
– E não temes os castigos que te forçarão a fazê-lo em tempo oportuno?
– De modo algum. Chamados ao testemunho de Jesus-Cristo, não podemos

temer conveniências mundanas.
Pompônio, contudo, esboçou um gesto expressivo, como quem se havia

lembrado de uma providência nova, e acentuou:
– Aliás, temos outros recursos para encontrar esses conspiradores idiotas.

Ouviremos, ainda hoje, nesta chefia, os que prestaram as devidas informações a teu respeito.

– Sim – replicou o liberto sem se perturbar –, esses poderão esclarecer melhor a justiça do Império.

Em seguida, um grupo de soldados armados a caráter saía da Prefeitura, escoltando os dois acusados até à Prisão Mamertina, onde foram alojados num dos mais úmidos calabouços.

Não bastaram somente os novos informes de Pausanias, que o lictor Pompônio Gratus, conforme autorização do censor Fábio Cornélio, fizera questão de convocar para lhe facilitar as investigações.

Nesse mesmo dia um vulto penetrava na residência de Lólio Úrbico, ao cair das sombras do crepúsculo, para dar idêntica denúncia.

Era Hatéria, que, independentemente de Pausanias, também fora às catacumbas, em descargo das suas atividades odiosas, pondo em jogo a sua habilidade e astúcia para trazer Cláudia Sabina inteirada de quanto ocorria.

Assim que, antes de regressar a Tibur, após uma semana de repouso no lar, a antiga plebéia notificou a Quinto Bíbulo os ajuntamentos do Cristianismo além da Porta Nomentana, pintando-lhe quadros terroristas, de feição a exacerbar o receio das conjuras, que caracterizava os administradores políticos da época.

Numerosos destacamentos de pretorianos compareceram ao cemitério abandonado, na reunião subseqüente.

Centenas de prisões foram efetuadas.

Os calabouços escuros do Capitólio e os cárceres do Esquilino ficaram repletos e a circunstância mais grave é que, entre os prisioneiros, figuravam pessoas de todas as classes sociais.

Irritado, o Imperador mandou que se instaurassem processos individuais, a fim de apurar todas as responsabilidades isoladas, designando numerosos dignitários da Corte para a devassa imprescindível.

Élio Adriano nunca procedeu como Nero, que ordenava o extermínio dos cristãos sem cogitar da culpa de cada indivíduo, de conformidade com os dispositivos legais, conforme a evolução jurídica do Estado Romano; mas também não perdoou, jamais, aos adeptos do Cristo que tivessem a coragem moral de não trair a sua fé, perante a sua autoridade, ou de seus prepostos.

O inquérito começou terrível e sombrio.

Famílias desesperadas de dor acorriam às prisões, implorando piedade aos algozes.

Quantos abjurassem da crença em Jesus, diante da imagem de Júpiter Capitolino, jurando-lhe eterna fidelidade, podiam regressar livremente ao lar, retomando os bens da liberdade e da vida; os que se não prosternassem ante o ídolo romano, mantendo inabalável a fé cristã, podiam contar com o flagício e, quiçá, com a morte.

Entre mais de três centenas de criaturas, apenas trinta e cinco reafirmaram a sua fé em Jesus-Cristo, com sinceridade e fervor irredutíveis.

Para essas, as portas do cárcere se fecharam, sem piedade e sem esperança. Entre os condenados, estavam Nestório e seu filho, que, fiéis a Jesus, repousavam nos seus desígnios misericordiosos, convictos de que qualquer sacrifício, em favor da sua causa, era uma porta aberta para a luz e para a liberdade.



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João 14:6

Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, senão por mim.

jo 14:6
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Lucas 23:27

E seguia-o grande multidão de povo e de mulheres, as quais batiam nos peitos, e o lamentavam.

lc 23:27
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Atos 2:17

E nos últimos dias acontecerá, diz Deus, que do meu Espírito derramarei sobre toda a carne; e os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, os vossos mancebos terão visões, e os vossos velhos sonharão sonhos;

at 2:17
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Mateus 24:15

Quando pois virdes que a abominação da desolação, de que falou o profeta Daniel, está no lugar santo; quem lê, atenda;

mt 24:15
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Apocalipse 21:1

E VI um novo céu, e uma nova terra. Porque já o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe.

ap 21:1
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Mateus 16:24

Então disse Jesus aos seus discípulos: Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz, e siga-me;

mt 16:24
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