Dias Venturosos

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CAPÍTULO 12

Era a despedida

O mês de Nissan se iniciara sob lufadas frias decorrentes do largo inverno que ainda não terminara. Os acontecimentos se haviam precipitado em ca-

tadupas de sordidez e de infâmias.


À acalorada recepção de Jesus, entrando triunfal-

mente em Jesusalém, sucedeu-se a difamação, pelos artífices da intriga e do ódio.

Nuvens carregadas de insegurança e medo pairavam sobre a cidade monumental.

Murmurações e cochichos anunciavam tragédia tramada na ação cavilar da traição.

Judas estava sucumbindo ao espicaçar da ambição, da insegurança, dos receios injustificáveis.

Respirava-se em toda parte uma psicosfera carregada, intoxicante.

Antes dos grandiosos testemunhos na Humanidade, ocorre drástica mudança no comportamento social das criaturas, embora sem que se saiba por quê.


Nissan - Abril/maio

Os gênios da impiedade, nesses momentos, acercam-se dos homens, que os hospedam psiquicamente, e geram um bafio pestilencial que sombreia, que adoece as mentes e os corações.

O ser humano é sempre vítima das suas próprias construções mentais, das suas elaborações psíquicas.

Quando pensa de forma edificante, respira no planalto do bemestar; quando o faz negativamente, asfixia-se nos pântanos desolados. . .


* * *

Os amigos de Jesus ainda não se haviam dado conta da gravidade da hora, nem sequer daqueles momentos últimos, daquela derradeira primavera que passariam com Ele.

O volume das emoções, a sucessão de eventos aturdiam-nos, e eles se encontravam quase hebetados.

Assim, a ceia fora preparada com esmero.

Escolhida a casa, os cuidados foram tomados com zelo.

Havia treze pratos sobre a toalha de linho, que terminava em franjas quase tocando o solo.

Igualmente bem colocadas estavam as treze taças de cobre burnido, que reluziam à luz dos archotes e lâmpadas de azeite sobre vasos de barro cozido, que tremeluziam, e os assentos em almofadões derramavam-se sobre leitos largos, conforme o hábito oriental à época.

Ao longe, uma fímbria de luz do Sol colocava uma coroa de ouro nas nuvens azuis-acinzentadas.

A brisa ainda fria adentrava-se pela sala carreando os perfumes das primeiras flores silvestres, as rosas de Sharon. . .


* * *

Sucederam-se as iguarias: peixe assado e defumado, frutos secos, pastas que exsudavam azeite fino e acepipes variados.

Jesus lavou os pés dos amigos, sob os protestos deles, que não imaginavam a elevada significação daquele gesto.

O diálogo se fizera natural.

As informações eram facultadas com naturalidade. Tratava-se de uma despedida, e fazia-se necessário detalhar esclarecimentos, apresentar planos para o futuro, advertir.

Nada, porém, ocorria ali de forma patética ou trágica. Mesmo a referência ao traidor, que os chocara, não deixara mais penosas impressões.

Jesus amava os companheiros, que ainda se encontravam, de certo modo, em plena infância espiritual e tinhalhes compaixão, prevendo os testemunhos a que, frágeis, seriam chamados depois.

Somente lhes podia dizer o que lhes fosse possivel suportar.

O tempo concluiria o discurso não terminado. . .

Ele sabia que o mundo se aborreceria deles, das suas vozes, da sua pureza.


* * *

Judas levantou-se e saiu, deixando vazio o seu lugar.

Era o momento do desertor, que avançava para a torpe traição.

Judas foi vendê-lO e Ele o olhou, sabendo o que estava sendo feito, mas nada disse, nem era necessário. V Depois de glorificar o Pai, em inesquecível hino de louvor, o Mestre, enternecido, despediu-se dos amigos.

– Filhinhos, ainda estou um pouco convosco. Procurarme-eis e, como disse aos judeus, vo-lo digo agora: Para onde eu vou, vós não podeis ir. . .

As chamas crepitantes projetavam as sombras dos circunstantes na parede. Cresciam e diminuíam, qual ocorria com as suas ansiedades naquele momento culminante de despedida. . .

O silêncio na sala permitia a audição dos sons variados da Natureza em volta.

As estrelas espiavam ao longe, sem a presença do luar.

A Torre Antônia estava vigilante do alto, no interior da cidade amuralhada.

Jesus, logo mais, seria réu de morte, como, aliás, a ela estão condenados todos os seres, desde o instante do seu nascimento.

Ele prosseguiu, utilizando-se da quietude dos amigos.

– Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros. Assim como eu vos amei, vós também vos deveis amar uns aos outros. É por isto que todos saberão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros.

Fora oferecida a estratégia para o grande combate entre a luz do bem e a treva da ignorância.

O amor seria o sinal de identificação.

Ele já o recomendara em relação aos inimigos, aos perseguidores, aos déspotas, aos vingadores.

Agora o determinava para que vigesse entre os amigos, corroborando a tese na qual a casa dividida rui. . .

Ele sabia da transitoriedade dos propósitos humanos, conhecia a força das paixões primitivas, do orgulho, do ego- ísmo. . . Era necessário que os discípulos muito se amassem uns aos outros, a fim de poderem suportar tudo.

Se não for possivel amar aquele com quem se convive, que partilha do mesmo ideal, que se senta à mesa, como fazê-lo em relação aos estranhos, aos dissidentes, aos acusadores, aos fomentadores da discórdia?

Somente quem treina o amor em círculo reduzido se equipa de recursos para amar a multidão.

Toda experiência deve partir do simples para o complexo, da tentativa para a realização.

. . . Para que saibam que sois meus discípulos.

Nenhum escudo, flama ou armadura alguma, para o grande e demorado combate, que certamente começa no campo interior, a imensa arena das decisões humanas.

O amor transcende todos os limites e é o sustentáculo da vida, mesmo quando não nominado, não identificado.

A sua presença altera para melhor os conteúdos existentes no mundo.

Procedendo de Deus, é como o oxigênio, sem cuja presença a vida orgânica perece.

Atributo dos anjos, é alimento para os homens, que ainda não o sentem em plenitude, salvadas algumas exceções.

Fruto do exercício, desenvolve-se e cresce, quanto mais é vivenciado.

É bem de consumo, que mais se multiplica quanto mais se doa.

Nunca se acaba, e sempre é vital.

Os amigos entreolharam-se preocupados.

A face do Mestre subitamente cobrira-se de acentuado palor, que a claridade dos archotes permitia perceber.

Ouviam-se a respiração e o pulsar disritmado dos corações.

Ele levantou-se, dispôs-se a sair.

Os companheiros seguiram-nO e a sala ficou vazia, como acontecera ao assento de Judas, que assim permanecia.


João 13:33-35




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João 13:33

Filhinhos, ainda por um pouco estou convosco. Vós me buscareis, e, como tinha dito aos judeus: para onde eu vou não podeis vós ir: eu vo-lo digo também agora.

jo 13:33
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João 13:34

Um novo mandamento vos dou: Que vos ameis uns aos outros: como eu vos amei a vós, que também vós uns aos outros vos ameis.

jo 13:34
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João 13:35

Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros.

jo 13:35
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João 15:12

O meu mandamento é este: Que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei.

jo 15:12
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