Dias Venturosos
Versão para cópiaServiço e galardão
O mês de Kislev estuava. O Sol despejava dardos de luz e calor como se travasse violenta batalha com a Terra, ressecando-a, vencendo-a.
Os trigais pelos vales e na planície de Macna se erguiam, formando imenso tapete em repouso, sem o sopro agradável do vento.
O Mestre desvelara-se, há pouco, junto à fonte de Jacó, nas cercanias de Sicar, à mulher samaritana, que saíra a anuncia-lO, como profeta, a todos da cidade que a conheciam.
Penetrando-lhe a alma, o Senhor conquistara-lhe o coração, porque lhe não revolveu as feridas morais, antes balsamizou-as, confortando-a dos duros golpes sofridos durante a existência dorida.
Quem a não conhecesse não lhe imaginaria as noites indormidas, as inquietações disfarçadas com sorrisos, as humilhações experimentadas.
O tributo à felicidade terrestre é pesada canga, que junge a padecimentos inomináveis. Somente aqueles que a carregam conhecem-lhe o peso, a constrição.
Logo mais Ele estaria no Horto das Oliveiras, receberia o beijo do traidor, seguiria a sós para o martírio e a morte. . .
. . . Para a ressurreição.
Naquele momento, porém, era a despedida, era o amor que dá vida.
Kislev(1) - Dezembro/janeiro
A mulher samaritana é um símbolo de perene atualidade.
vítima, era tida como algoz pelo crime de ser mulher.
Espezinhada na sua fragilidade, era condenada por haver-se deixado seduzir. . .
Sempre tem sido assim. Os que tombam são acusados por haverem caído, como as violetas esmagadas sob as patas animais, que não deveriam estar no caminho por onde eles passam. . .
Jesus conhecia as criaturas humanas, suas grandezas e prejuízos, amando-as conforme eram e como se apresentavam.
Na sua condição de Pastor, jamais elegia as ovelhas, deixando que essas O escolhessem.
Ao espanto dos discípulos, que O surpreenderam em quase êxtase solitário, ao retornarem da cidade, onde foram para a compra de alimentos e atendimento de necessidades outras, sucedeu-se a alegria das pessoas que tomaram conhecimento da ocorrência à borda do poço.
Profundamente tocada pela magia do Nazareno belo, a mulher samaritana não se cansava de elogiá-lO, embora Ele a houvesse desnudado.
Ela agora sabia que o pecado é desgraça, é morte e que somente a virtude é bênção de vida.
Entregara-se às extravagâncias do prazer, passando de mão em mão quase sem dar-se conta, porque nunca amara, jamais vira realmente a luz e, nas sombras, todos os movimentos são sempre silhuetas confusas.
Agora não. Acabara de vislumbrar a claridade; alcan- çara outra dimensão. . .
Dialogando com aquela mulher estranha, quase detestada, por pertencer à raça da Samaria, Jesus arrebentou as algemas do separatismo, dos preconceitos, atravessando as fronteiras colocadas pelas paixões humanas.
Universalizou o seu amor, a sua Mensagem.
Que lhe importava se a adoração ao Pai se dava no monte Garizim, na Samaria, ou no Templo de Salomão, em Jerusalém?!
O importante em si mesmo é que todos adoravam a Deus, ou pareciam fazê-lo por fora, quando o correto seria no coração, nos atos de amor para com o próximo.
Os amigos, percebendo-lhe a instrospecção, sempre preocupados com o secundário em detrimento do essencial, insistiram para que Ele comesse.
Olvidados do pão do espírito, aferravam-se ao de trigo como solução única para todos os problemas.
Por isso, Ele respondeu-lhes:
– Tenho um alimento para comer, que vós não conheceis. . . Chilreavam as aves na copa das árvores, enquanto o vento morno agitava-lhes os ramos.
O trigal exuberante ondeava sob as vagas que lhe per-
passavam em lufadas quentes, contínuas.
Atônitos, os companheiros murmuravam entre si: - Acaso lhe trouxe alguém o que comer?
viviam com Ele e não O conheciam.
Falavam e ouviam, mas não O entendiam. Ele pensava no reino dos céus, enquanto eles se imantavam ao reino da Terra.
Jesus, então, elucidou-os:
– O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou a realizar a sua obra.
E prosseguiu:
– Não dizeis vós que dentro de quatro meses chegará o tempo da ceifa? Pois bem. Eu vos digo: erguei os olhos e vede. Os campos estão brancos para a ceifa. . .
Ele ainda não se houvera desvelado, nem a João Batista, a ninguém, exceto à samaritana. . .
A sinfonia espraiava os seus primeiros acordes. Nunca mais cessaria a sua musicalidade ímpar.
A pauta da Natureza em festa forneceria por todo o sempre novos sons, novas melodias.
– O ceifeiro já recebe o salário - prosseguiu em doce tom - e recolhe o fruto para a vida eterna, de modo que o semeador se alegra juntamente com o ceifador. Pois nisso se verifica o ditado: Um é o que semeia e outro o que colhe. Enviei-vos a ceifar, o que vós não trabalhastes: outros trabalharam e vós aproveitai-vos do seu trabalho.
Os amigos em silêncio ouviam-nO com o coração, incapazes, no momento, de digerirem as palavras com a razão.
É necessário, na colheita, agradecer às mãos que antes semearam.
Quem agora chega, que abençoe o trabalho daquele que antes aqui esteve e preparou-lhe o caminho.
Todos os indivíduos no mundo têm um papel a desempenhar, sempre importante. Enquanto a escala de valores classifica-os qualitativamente, o amor iguala-os em sig-
nificado. Tanto é nobre aquele que desmata a gleba, quanto o que a enriquece de sementes, ou aqueloutro que lhe recolhe os grãos.
Não é fundamental saber quem veio antes e menos é identificar aquele que virá depois.
Sucedem-se as gerações e, à semelhança das águas que passam sob uma ponte, é provável que retornem como chuva enriquecedora, porém não importa sabê-lo por enquanto.
A samaritana colheu dos lábios de Jesus o que não houvera plantado, libertando-se das licenças morais perturbadoras, readquirindo a identidade perdida.
Por sua vez, os discípulos ceifavam a gleba plantada pelos profetas que os anteciparam, por aqueles que se sacrificaram antes que eles chegassem. . .
Assim é a vida e são assim os acontecimentos, tudo se encadeando em harmonia.
No trigal verdejante a derramar-se pelas encostas e planícies, sorriam coloridas as papoulas amarelas, vermelhas, as tulipas silvestres, enquanto os líquenes ressecavam-se ao Sol dardejante.
A moldura da tela, na qual Jesus desenharia o poema de amor, estava pronta, e o Artista começava a executar a sua obra. . .
Sensibilizados, os samaritanos vieram pedir-lhe para que ficasse um pouco com eles, após ouvirem a mulher testemunhar a seu favor.
Compadecido, o Mestre aquiesceu, ali ficando por dois dias, que passaram céleres. A alegria, o bem-estar passam rápidos, em outra dimensão do tempo.
À sombra do arvoredo, falou-lhes do reino de Deus e os enriqueceu de esperanças, confortando-os e amparando os combalidos, que receberam cargas novas de energia vitalizadora.
Sob o céu recamado de estrelas lucilantes, explicou-lhes o significado da vida terrestre, esclarecendo-os quanto às necessidades da evolução e da transitoriedade do corpo carnal.
Sua voz aquietou-os, e mesmo as criancinhas buscaram-lhe o regaço, nEle se refugiando. Ele, porém, não ficou apenas nas palavras. Era necessário agir, para que todos vissem e cressem no seu poder. E assim o fez.
Ao terceiro dia, quando se dispôs a prosseguir na marcha, estava cercado de carinho e amor.
Enfermos, que se recuperaram; loucos, recém-saídos da furna da perturbação; leprosos, que ficaram limpos; e endemoninhados, que recobraram a sanidade mental, agradeceram-lhe o obséquio da estada entre eles, asseverando que jamais O esqueceriam.
As ansiedades iniciais estavam substituídas pela paz interior.
Como a memória do mundo físico é de limitado prazo, certamente O olvidariam. . .
Mas, à mulher abençoada pela sua revelação, a uma só voz os patrícios afirmaram:
– Já não é por causa das tuas palavras que acreditamos; nós próprios ouvimos e sabemos que Ele é realmente o Salvador do mundo.
Os campos gargalhavam tons verdes e rubros à luz do Sol nascente.
Amanhecia, e as nuvens escuras adornavam-se de ouro. . .
A estrada escarpada e áspera serpenteava e perdia-se nas dobras dos montes altaneiros.
Ele e os amigos teriam que seguir adiante, a Jerusalém. . .
João 4:31-42
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João 4:31
E entretanto os seus discípulos lhe rogaram, dizendo: Rabi, come.
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João 4:32
Porém ele lhes disse: Uma comida tenho para comer, que vós não conheceis.
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João 4:33
Então os discípulos diziam uns aos outros: Trouxe-lhe porventura alguém de comer?
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João 4:34
Jesus disse-lhes: A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou, e realizar a sua obra.
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João 4:35
Não dizeis vós que ainda há quatro meses até que venha a ceifa? Eis que eu vos digo: Levantai os vossos olhos, e vede as terras, que já estão brancas para a ceifa.
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João 4:36
E o que ceifa recebe galardão, e ajunta fruto para a vida eterna; para que, assim o que semeia como o que ceifa, ambos se regozijem.
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João 4:37
Porque nisto é verdadeiro o ditado, que um é o que semeia, e outro o que ceifa.
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João 4:38
Eu vos enviei a ceifar onde vós não trabalhastes; outros trabalharam, e vós entrastes no seu trabalho.
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João 4:39
E muitos dos samaritanos daquela cidade creram nele, pela palavra da mulher, que testificou: Disse-me tudo quanto tenho feito.
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João 4:40
Indo pois ter com ele os samaritanos, rogaram-lhe que ficasse com eles; e ficou ali dois dias.
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João 4:41
E muitos mais creram nele, por causa da sua palavra.
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João 4:42
E diziam à mulher: já não é pelo teu dito que nós cremos; porque nós mesmos o temos ouvido, e sabemos que este é verdadeiramente o Cristo, o Salvador do mundo.
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