Dias Venturosos

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CAPÍTULO 21

O reino de luz

O imediatismo é característica predominante em a natureza humana, em face dos conflitos que a tipificam e das heranças ancestrais das quais procede.

Guiada por impulsos gerados no instinto de conserva- ção da vida, os seus movimentos e aspirações centralizam-se no desejo do prazer, no gozo dos sentidos, cuja libertação se dá vagarosamente, por disciplinas impostas pela razão, à medida que a lucidez do pensamento faculta a compreensão dos objetivos existenciais.

Por isso mesmo, os indivíduos estagiam por largo tempo no primarismo, e quando despertam para as realidades mais elevadas, permanecem ainda vinculados mais ao passado do que conquistando o presente, menos aspirando ao futuro.

Mas a marcha da evolução é inexorável e o corcel fogoso que galopa desenfreado cansa, cedendo lugar ao cavaleiro hábil e racional que passa ao comando, no qual estão desenhados o destino feliz e a conquista dos altiplanos que o aguardam, onde a visão do infinito é mais profunda e clara.

Quem se recusa à ascensão permanece enfermo, asfixiado pelos vapores mefíticos das baixadas onde os cadáveres se decompõem e o lodo se acumula.

É imprescindível crescer, alcançar as alturas e planar nas asas vigorosas do progresso.

Esse processo-desafio para o desligamento das faixas mais densas e perturbadoras constitui a meta essencial, prioritária da reencarnação, que faculta conquistas mais relevantes à medida que as etapas iniciais são vencidas e ultrapassados os obstáculos.

Era compreensível, portanto, que Jesus, no seu tempo, enfrentasse dificuldades quase intransponíveis, quando veio instalar os alicerces do reino de Deus.

Os homens se disputavam então os reinos dos outros homens.

As guerras encarniçadas destruíam, vítimavam, eram abutres sobrevoando destroços onde se misturavam ruínas e escombros com vidas ceifadas em putrefação.

Esses reinos eram e são conquistados pela traição, à força; pelas armas, à crueldade.

Os vencedores desfilavam, e ainda hoje passam sobre corpos vencidos, arrastando troféus que exibem e escravos que desfalecem sob os pesados ferros que têm de carregar.

Seus triunfos, no entanto, eram breves, e logo outros odientos conquistadores os esmagavam, tornando-os hilotas, humilhados e vencidos.

A roda do triunfo-derrota não parava de movimentar-se, ensanguentada, esmigalhando coroas, cetros, armas e criaturas que ficavam despojadas de tudo, até mesmo da existência física.

Mantinha-se o círculo vicioso do poder-desgraça, gló- ria-derrota, que fascinava os aficionados da ilusão.

Infelizmente, ainda hoje é quase assim. . .

Os milênios de acerbas dores e as páginas lúgubres da História não conseguiram despertar os filhos do deus da guerra, apaziguando-os, ou ensinar aos gananciosos e prepotentes que só existe uma vitória duradoura, e essa é a que se dá sobre si mesmo.

Os conquistadores de fora sempre tombam vencidos sobre os seus conquistados.

Terrível ironia essa, a do destino dos poderosos transitórios do mundo!

Quando assim não lhes sucede de imediato, a morte os abocanha e sepulta na vala comum da igualdade entre os que os precederam na arena das batalhas perdidas.

Alguns ficam homenageados em pedras frias ou metais trabalhados, porém sem vida, retornando, eles mesmos, muitas vezes, para preservarem a memória, cuidando dos restos inertes que o mundo lhes legou, isto quando voltam logo, e não se escondem na loucura, na hebetação, nas deformidades, a fim de fugirem das vítimas que ensanguentaram, ou fizeram definhar pela fome, pelas doenças, nos cárceres hediondos onde foram jogados até a morte. . .

Não podiam compreender Jesus e o seu reino, esses indivíduos; reino que é destituído de características externas, que não promove ruídos nem agita bandeiras que tremulam sobre cadáveres nos campos bélicos da Terra.

Os seus reinos se fixam sobre ruínas e são cobertos de sombras.

O reino de Jesus se levanta nas terras altas do bem e é vestido de luz. Os reinos do mundo são feitos de esplendor rápido e decadência demorada.

O reino de Jesus é erguido vagarosamente e esplende para sempre.

O reino terrestre muda de comando, e o de Jesus permanece sob a sua governança.

Diferem frontalmente os dois reinos: o passageiro e o definitivo.

Todos aqueles que, dizendo atender-lhe ao apelo, trombetearam suas conquistas e exibiram os espólios que trouxeram das lutas, não O entenderam, e batalharam por eles mesmos, não pela sua mensagem.

Quase todos eles que O escutaram queriam a posse do reino terrestre, enquanto sua voz se referia ao celeste; ambicionavam triunfar sobre os outros, ao tempo em que o apelo era para a vitória sobre si mesmos; disputavam-se as coisas do mundo, e o convite se fazia em relação ao despojamento; combatiam em favor da autoglorificação, embora o apelo fosse em prol da autolibertação. . .

A sociedade, sacudida por tempestades, vendavais destruidores, perdera a sensibilidade para as aragens leves do Evangelho; acostumada ao carro das calamidades que passava destruindo, já não possuía audição para as melodias da esperança, que ora lhe rociavam a acústica da alma.

Jesus compreendia aqueles que O não compreendiam.

Ele iniciava o ministério do despertamento das consciências obnubiladas e aguardaria que o tempo e a dor produzissem o acordar demorado das vidas quase perdidas, quase fanadas.

Assim mesmo, lançou as balizas do reino de luz nas sombras dominantes, colocando pilotis vigorosos nas almas, a fim de que o tempo não desestabilizasse as bases da futura construção.

Cimentou cada bloco com o amor e desdobrou os planos que apresentou ao mundo na carta magna das bemaventuranças.


O programa tornou-se indispensável para a humani-

dade.


Redesenhou as paisagens das lutas, interiorizando-

as, por saber que os mais terríveis inimigos da criatura são as suas paixões selvagens, que dormem no íntimo de cada qual, acenando com a possibilidade de vitórias internas após os combates silenciosos contra o egoísmo, o orgulho e seus sequazes, estes, sim, os verdugos reais da sociedade.

Fez-se modelo, oferecendo-se em holocausto, para demonstrar que esse reino vence o do mundo e submete-o à sua luminescência, triunfando para sempre, sem transitoriedade nenhuma. . .

Renitentes no erro e no vício, retornaram os homens à luta externa em nome dEle, e ergueram construções monumentais, acumularam quinquilharias que poderiam salvar milhões de vidas e permanecem nos subterrâneos fortalecidos da avareza, mantendo a pompa e a ilusão, a titulação e os enganos do mundo, embora ele houvesse dito que o seu reino não é deste mundo, conforme ainda o repetem esses dominadores do mundo.

vã utopia da insensatez e da loucura!

Lentamente, porém, o reino que Ele veio instalar concretiza-se no país das almas que realmente O amam, e já lhes amanhece o dia que Ele anunciou, quando, cansados da larga noite, os homens e as mulheres do mundo deixamnO preencher-lhes o vazio dos corações.




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