Dias Venturosos
Versão para cópiaCausas dos sofrimentos
Aquela era também uma peculiar sinfonia de vida, modificando a estrutura de outras vidas. Atingia o ápice em cada fase e recomeçava suavemente para lograr o máximo de beleza em harmonia incomparável.
Sucediam-se as multidões, como se fossem ondas de mar tangidas pelas mãos invisíveis de vento contínuo.
Chegavam e partiam, trazendo aflições e levando o poema de sons e de esperanças para as diferentes regiões de onde procediam.
Renovavam-se ao contato com o jovem e belo Messias, tocadas pela magia da sua presença e pela força da sua palavra.
Jamais alguém conseguira penetrar uma lâmina de luz como aquela, no âmago dos sentimentos em sombras das criaturas humanas, qual Ele o fazia.
As palavras que enunciava eram comuns; as lições eram quase conhecidas, as atitudes eram convencionais; no entanto, ninguém antes falara aquelas mesmas palavras conforme Ele o fazia, ou ensinara com a majestade com que o realizava, ou se apresentara com a grandeza que lhe era natural.
Jesus, sem dúvida, era especial.
DEle se irradiava peregrina beleza que fascinava os sentimentos e inundava de alegria as criaturas desesperadas. Poder-se-ia dizer que era semelhante a chuva gentil sobre terra escaldante, ou a brisa leve passando sobre ramagens paradas, ou perfume suave impregnando o ar. . .
Era impossivel permanecer insensível à sua presença.
Ou O amavam, ou, dominados pela inveja, pelo ressentimento ante a sua beleza, a sua grandiosidade, detestavam-no. Ninguém lhe ficava indiferente ao encontro, desvelando o mundo íntimo ante o silêncio ou a voz que lhe traduziam o momento.
Graças a essa força magnética incomparável, Ele se revelou o único na Terra, que nunca teve alguém, antes ou depois, que se lhe equiparasse.
Surgira, fazia pouco, e produzira uma revolução que se alongaria por todos os tempos do porvir, sem interrupção nem desaparecimento.
Aqueles abençoados dias ficariam imortalizados com a sua música na partitura da Natureza em perene festa.
Quando a azáfama do dia laborioso cessava, os seus amigos se reuniam na praia, na casa de Simão, sob a copa das árvores frondosas, agasalhados pela escumilha das noites salpicadas de astros lucilantes nela engastados, para continuar a ouvi-lO.
Noutras ocasiões, terminadas as pregações, voltavam ao grupo, a fim de comentar as realizações e solicitar esclarecimentos que lhes completassem a compreensão das ocorrências que tiveram lugar durante o festival de misericórdia.
Jesus os ouvia exaltados ou deprimidos, ansiosos ou temerosos, inquietos ou expectantes e, paciente, falavalhes com especial carinho, de forma que pudessem entesourar os ensinamentos para o tempo de todos os futuros tempos.
Indagações variadas surgiam em propostas, algumas estapafúrdias, outras assinaladas pelo sincero desejo de romper a roupagem da ignorância na qual estorcegavam, ampliando as dimensões do entendimento para melhor servir.
Foi numa dessas oportunidades, após a ocorrência do atendimento a paralíticos e enfermos outros que se recuperaram ao toque das suas mãos, que João, o discípulo amado, se acercou e, sensibilizado pelo vivo interesse de penetrar nos arcanos das Divinas Leis, interrogou, ansioso:
–"Por que, Mestre querido, existe o sofrimento no mundo? Não nos poderia haver criado, o Pai Todo-Poderoso, sem limitações, nem angústias? vejo o fórceps do desespero arrancando os corações das criaturas do seu ergástulo no peito e fico-me a perguntar, qual a razão para tanto padecimento?" Compreendendo a aflição íntima do jovem sonhador, que desejava libertar as almas dos látegos que as dilaceravam, o Mestre compassivo esclareceu: Já viste o vento paciente lapidando as montanhas, a fim de alterar-lhes os contornos, mas também viste os raios arrebentando-as em choques poderosos e alcançando a mesma finalidade. O córrego tranquilo cava o leito suavemente, seguindo a superfície da terra e modificando os seus acidentes, a fim de deslizar sem problemas, mas ocorre que as tempestades descarregam catadupas que arrasam regiões e se espraiam abrindo caminhos para escoar-se. O fogo devorador destrói o que alcança, mas a lamparina mantém a claridade sem qualquer dano. . .
Assim também sucede com os fenômenos que convidam os seres humanos à transformação moral.
A dor é mecanismo de purificação, como o fogo que derrete os metais que serão transformados em utilidades. É fórceps, como disseste, que arranca da concha grosseira o delicado ser que guarda, a fim de que ele atinja a sua finalidade existencial.
Fizessem-se dóceis ao bem e ao próprio progresso as criaturas, e não necessitariam da força ciclópica que explode em toda parte, a fim de as despertar e conduzir pelos caminhos do dever.
O Pai Todo-Misericórdia nos fez simples, destituídos de complicações, com os atributos valiosos emanados do seu amor, em forma de fascículo da sua luz, a fim de que cada qual, por sua vez, desenvolvesse essa força que lhe dorme latente, ampliando-a ao infinito em cuja direção ruma.
Porque preferem o prazer ao dever, as satisfações imediatas aos investimentos de sacrifício, fecham-se nos conflitos dos problemas que criam, quando se deveriam abrir à claridade da ascensão. Não se deixam sensibilizar pelo amor, nem pela beleza, pela harmonia vigente em toda parte, nem pela alegria, antes preferindo as construções sombrias nas quais se refugiam, fazendo jus às consequências dos atos insensatos, irresponsáveis. . . " Observando que os amigos silenciaram, a fim de O ouvirem melhor, Ele fez uma pausa oportuna, dando-lhes ensejo de apreender o conteúdo das palavras, e logo prosseguiu: "A vida é única e eterna, mas as existências carnais são múltiplas. O Espírito mergulha no corpo e dele sai, pelos fenômenos da fecundação e da morte, sem que haja sido criado naquele momento ou se desintegre no outro.
Qual uma semente pequenina que possui a árvore gigantesca no íntimo, aguardando a oportunidade para desenvolvê-la, o Espírito carrega em germe a grandeza do Pai, esperando as condições próprias para agigantar-se e atender a finalidade superior que o aguarda.
Insensíveis, por enquanto, a essa mensagem de vida eterna, avançam, inconsequentes, pelas vias de perturbação, desatentos, produzindo males que lhes voltarão de maneira diferente nas novas futuras etapas, exigindo-lhes correção, reequilíbrio, ajustamento.
Nesse momento, os camartelos do sofrimento são utilizados pela vida, a fim de despertar-lhes a consciência adormecida e demonstrar-lhes que o corpo, por mais valioso e belo, é sempre transitório, e que o sentido da existência humana é mais sério e grave do que pensam.
Surdos à delicada voz do amor, escutam o chamado tonitruante do sofrimento. Indiferentes aos suaves apelos da brisa da ternura, atendem sob o medo da tempestade. . .
Desse modo, são as próprias criaturas que elaboram o seu destino através dos comportamentos que se permitem, recebendo de acordo com o que dão, colhendo conforme semeiam. Todos têm as mesmas oportunidades e são aquinhoados com iguais recursos, cabendo, a cada qual, a conduta que lhe pareça mais própria, do que decorrerá a felicidade ou a desdita futura. " Novamente silenciou por um pouco, de modo a ser entendido, para logo continuar: "Eu venho despertar os seres humanos para o cumprimento dos seus deveres, demonstrando-lhes que tudo no mundo é transitório, mas existe a vida eterna, que será conquistada a grande esforço pessoal, sem privilégios nem aventuras. Cada um ascende com o esforço dos próprios pés e conquista os espaços mediante os interesses investidos. Eu venho dar a minha vida, para que todos tenham vida em abundância, no entanto, é necessário que cada qual realize a sua parte para consegui-la.
Sempre que liberto momentaneamente alguém das amarras do seu sofrimento, em nome do amor, proporciono-lhe oportunidade para retificar o ontem de enganos, recuperar o tempo que aplicou indevidamente, crescer em Espírito e vencer-se. Por isso, recomendo-lhes que não voltem a pecar, para que não lhes aconteça nada pior.
Somente uma conduta correta merece uma vida feliz. " E desejando encerrar a questão, concluiu: "O Pai deseja a felicidade de todos os seus filhos, por essa razão mandou-me a eles, para convidá-los à ascensão libertadora.
Quanto mais alto se está, mais ampla e atraente é a paisagem. Subir, todavia, exige esforço. Sair das baixadas dos vícios para aspirar o ar puro das virtudes é o desafio que se deve enfrentar e vencer.
Eu sigo à frente, porque sou o Caminho. . . " Respiravam-se as ânsias da Natureza bordada de prata gotejante das estrelas longínquas, quando Ele silenciou.
João, enternecido, acercou-se mais e O abraçou com lágrimas nos olhos, falando-Lhe com voz embargada: "Eu seguirei contigo, amigo amado, até o fim, doando-te a minha pobre vida, para que possa ficar ao teu lado para sempre. . . "
Os séculos se dobraram sobre aquele momento inesquecível, e o discípulo amado, dando prosseguimento fiel à promessa, retornou à Terra, nas roupagens de Francisco de Assis, para convocar as criaturas distraídas a retomar o caminho do bem, único, aliás, que a Ele conduz.
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