Há Flores no Caminho
Versão para cópiaResistência contra o mal
Quando a noite se adornou de estrelas e os ventos brandos cantarolavam o poema da tranquilidade, na moldura da Natureza em festa, Simão Pedro utilizou-se do bucolismo ambiente para interrogar, emocionado, o Mestre querido.
Naquele dia a canção das bem-aventuranças fora entoada por primeira vez aos ouvidos da Humanidade para nunca mais silenciar sua voz.
O impacto da mensagem impregnou a Terra com uma vibração jamais sentida, assinalando profundamente a história dos tempos futuros.
O amor desatou, finalmente, seus elos e ligou as criaturas todas, umas às outras, para não mais se apartarem.
O lobo passava a conviver com o cordeiro e os chacais já não se disputariam presas.
Era um instante novo, que se fazia eterno, além dos tempos, vencendo os espaços.
A melodia articulada em palavras vibrantes, ora doces, ora fortes, ficaria dividindo os tempos em que o poder da força cedia lugar à força do amor, gerando os fundamentos do homem espiritual.
Seria impossivel, agora, ignorar-se a missão do homem inteligente, no mundo.
Não haveria lugar, no contexto da nova doutrina, para as lutas fratricidas nem para as disputas mesquinhas . . .
Jesus rompera, indimensional, a limitação do homem, concedendo-lhe força e visão imensuráveis.
O amor se tornava o zênite e o nádir dos interesses superiores.
O ar balsâmico levaria por toda parte a voz, as palavras, as regras de ouro da não-violência, da tolerância, do amor-sem-limite.
A multidão dispersara-se magnetizada pela embriaguez festiva das esperanças ditosas.
Todavia, entre o momento da canção dos lábios de Jesus e o da ação dos homens, no mundo, dobrar-se-iam os evos de dor, de reajustamento nas engrenagens da vida, de recuperação pessoal. . .
Até que se tornassem realidade os sublimes ensinos, no coração das criaturas, os lobos se uniriam aos lobos e os chacais se disputariam os despojos das presas vencidas. . .
Porque lhe constituísse uma sinfonia penetrante e bela mas difícil de dominada em toda a sua musicalidade sublime, o velho pescador, que se calejara nas lutas com os homens e não lograva dominar os ímpetos que, não poucas vezes, o martirizavam, buscou o Amigo a fim de aclarar as dúvidas e interrogações que os ensinos libertadores suscitavam.
No alto, uma lua fulgurante derramava argêntea claridade, que embelezava a terra em paz.
Mergulhado em profundo cismar, o Senhor aguardava as ansiedades dos companheiros, a fim de os libertar por dentro das aflições perturbadoras.
Dando à voz emocionada um acento de ternura, o dedicado e fiel servidor inquiriu:
— Senhor, a mensagem que ouvimos penetra-me a alma como um punhal de luz que fere a noite do meu ser com claridade nova, sangrando-me os sentimentos atormentados. Enquanto a escutava experimentei a morte e sofri a vida; mergulhei nas trevas do medo e surgi na meridiana bênção da esperança; sufoquei-me em angústias e abri-me em confiança; dor e paz se alternavam no país do meu coração, sacudindo-me em tormentas e calmarias. . .
Dando-se mais ênfase, em face do silêncio e da atenção do Mestre, prosseguiu: — A verdade é que sou passado e futuro, neste hoje que nunca morrerá. "Ante a força da humildade, da pobreza, do amor, do perdão, da pureza, surge-me o impasse de como proceder, em razão dos hábitos arraigados, antigos. "Como procedermos ante um adversário impiedoso, a quem aprendemos a odiar?" O Mestre relanceou o olhar pela noite prateada e interrogou, a seu turno:
— Simão, que sucede à noite visitada pela luz?
— Adorna-se de claridade — respondeu o interlocutor.
— E ao pântano, que vai drenado? — insistiu o Mestre.
— Oferece terra para a agricultura — contestou, prontamente, o discípulo.
— Do mesmo modo, Simão — esclareceu o Benfeitor Celeste — quem conhece o amor jamais odeia, e se traz n
"alma a vasa pútrida da animosidade, drena-a a fim de que a terra dos sentimentos se ofereça à sementeira da esperança.
— Se um amigo — instou o velho pescador — com quem privamos, no dia a dia, se volta contra nós, em acusações injustas, não será lícito fugir dele, guardando mágoa pela ofensa sistemática?
— Quando alguém se volve contra nós — elucidou, ameno, o Cantor da Vida — ele está sempre com a razão. "Se a acusação tem fundamento, deveremos amar quem no-la faz, corrigindo-nos, mesmo que a intenção dele não seja edificante. Se é destituída de verdade, ele ainda tem razão, porque, enfermo, vê o mundo e as criaturas conforme é, carecendo de piedade e auxílio fraternal. "A mágoa é veneno que corrói, interiormente, quem a conserva. "
— Todavia, se as nossas melhores palavras — insistiu o sofrido pescador — são confundidas, se nossas atitudes são transformadas em belicosidade, se os nossos sentimentos são tidos como perniciosos, será justo não conservar ressentimento de quem nos perturba, desse modo, a marcha?
— O ressentimento, Pedro, — explicou o Excelso Advogado do Be m — é como ácido, que corrói os sentimentos nobres do coração.
— Que atitude tomar, então, contra o desertor que, covarde, transfere sua fraqueza para nossa responsabilidade; em relação ao competidor inescrupuloso, que busca o triunfo da ilusão, agredindo-nos, moralmente e malsinando-nos as horas; junto ao beneficiado pelo nosso carinho, que se volta como serpente e nos pica o regaço onde encontrou apoio e amparo; quando a perturbação for provocada por membros da nossa família espiritual, em infrene agressividade?
— A do perdão constante e sistemático — ripostou Jesus —, única força capaz de vencer a agressão invigilante e a perseguição doentia. "O perdão é o amor que se movimenta em oportunidade nova para quem delinque. Mais do que uma palavra, é toda uma filosofia de comportamento humano, propiciando resistência pacífica contra o mal. "Beneficiando quem o doa, socorre a quem se destina e, compreendendo àquele que fere, abençoa o agressor. . . "O homem compreenderá, hoje ou mais tarde, que a batalha mais difícil de travar é a que deve atuar no inundo íntimo, contra as próprias paixões, através de cujo esforço se descobrirá a si mesmo. "Infelizmente, estamos ainda na antemanhã da Humanidade nova, que surgirá a penates de sacrifícios e renúncias, de dores e auto-superações até o instante da vitória do bem integral. "Para tal cometimento, eu vos mando a todos — a ti e aos demais discípulos — na condição de ovelhas mansas e confiantes ao meio dos lobos rapaces, a fim de conquistá-los. . . "A mansuetude é o meu sinal no coração de cada um e o amor será sempre o élan para os unir todos como a uma só família. "Ressentimento, mágoa, ódio, nunca! " Sereis conhecidos pelo potencial de bondade com que iluminardes o mundo e a rota dos tempos. . . " Silenciou o Rabi, que fitava os horizontes sem fim do futuro da Humanidade, encerrando, ali, o sermão das bem-aventuranças, ante o velário da noite salpicada de brilhantes estelares e prata de luar.
Chorando, em silêncio, ao lado do Mestre, sem mais interrogações, Pedro compreendeu que por Ele, pelo amor, deveria dar a vida, sem oferecer jamais resistência contra o mal.
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