Há Flores no Caminho

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CAPÍTULO 17

O condutor autêntico

A palavra do Mestre ganhava as províncias das almas, dirimindo conflitos, orientando comportamentos, estabelecendo métodos para a aquisição da felicidade.

Após os contatos com a massa sobrecarregada de dores, terminadas as azáfamas exaustivas, quando o silêncio da noite convidava o Colégio Galileu à reflexão e ao fortalecimento de forças, os discípulos incipientes, em aprendizagem libertadora, apresentavam interrogações que caracterizavam as ocorrências do dia, as que lhes haviam deixado incertezas.

Homens rudes e simples, não eram, todavia, espíritos ignorantes.

Mergulharam na carne, nas condições de trabalhadores humildes para que melhor se pudessem doar à tarefa do reino a que serviriam, sem as complexidades perturbantes das coisas-nenhumas do mundo.

Asfixiavam, nos tecidos da pobreza, as ambições desvanecedoras e aclimatavam-se nas profissões árduas do cotidiano, a fim de não estranharem as pelejas fortes junto à gleba humana por arrotear.

Viam, no entanto, a petulância, em trânsito de dominação e a arrogância farisaica, preocupada em dificultar-lhes o ministério, embora as chagas morais que disfarçavam sob indumentárias custosas.

Receavam os dominadores de um dia, que o túmulo iria receber nivelando-os na vala comum da terra com os desocupados e os infelizes, os destituídos de títulos, sem honrarias nem destaques.

Meditavam, também, quanto à majestosa personalidade do Mestre, que os enfrentava impertérrito, com natural sobranceria, sem os recear nem os evitar.


* * *

Naquele dia, o esforço desprendido no atendimento à dor e à ignorância fora exaustivo.

Quando as atividades terminavam e o povo já buscava as suas casas, o Mestre foi interrogado por fátuo zelota que se apresentava na condição de preservador da pureza da fé, falando em nome da Lei e da Religião, armado contra todos aqueles que se lhe não submetiam ao talante.

Carcomido pela inveja, embora envergando a posição brilhante e rápida do destaque de que se via objeto, ambicionava mais, e, cego na insânia, investiu, irônico e prepotente, desejando impedir a trajetória da Boa Nova, ou pelo menos submetê-la à diretriz da sua diminuta visão da realidade da vida e da soberania de Deus.

Ameaçando o Mestre, proibiu-O de falar e de agir, em nome das gentes de Israel informando, colérico, que Ele não atuava sob a direção do Templo nem dos doutores de Jerusalém. . .

Iludido, em si mesmo, blasonou as credenciais de que se dizia investido, e como não recebesse qualquer resposta, nenhuma reação do Rabi, batera em retirada, buscando a prisão dourada onde se encarcerava com outros poderosos enganados, a fim de trabalhar desforço, perseguição.

O Senhor sequer parecera notar-lhe a presença, não tecendo comentário algum.

Naquele habitual intervalo da noite, reservado ao diálogo íntimo, Simão Pedro, com carinho e respeito, inquiriu o Mestre, porque se resolvera pelo silêncio ante aquele que viera tentar dificultar-Lhe a marcha.


O Amigo auscultou os sentimentos do companheiro, visivelmente emocionado, e respondeu:

— A Boa Nova é a mensagem do amor, sem peia nem fronteira, a Deus primeiro e ao próximo logo depois. "Libertando o homem da ignorância não o submete a outro homem em servidão nem mesquinhez, concitando o aprendiz ao respeito, à ordem e aos deveres, nunca, porém, à dependência de aparentes autoridades, que a si mesmas se emprestam títulos que passam e posições que disputam com ferro e malícia, servindo à própria vaidade, esquecidas de servirem ao bem. "Isoladas, exigem considerações que não tributam aos outros, evitando conviver com a dor, mergulhadas em elaborações confusas e pergaminhos a que atribuem exagerada importância, mas que o tempo gastará, quando deviam conviver com o padecer do seu irmão e trabalhar por amenizá-la. "Refugiam-se e temem o contato do povo, porque o detestam, inseguras nos cargos brilhantes cujos alicerces se arrimam nas areias movediças da politicagem que dominam. . . "O discípulo do Evangelho é alguém que descobre a felicidade do serviço ao bem e ao amor, jamais temendo os fátuos e enganados, estejam onde quer que se encontrem. "Por amor avançam, às vezes, a sós, ligados ao Pai, nunca, porém, submetidos aos critérios das humanas paixões. "Serão incompreendidos e acicatados, padecendo acirrados embates, que lhes moverão aqueles a quem não se submetam, no entanto, não lhes temendo nem lhes desejando servir, alcançando a meta, o divino fanal da fidelidade a Mim, que os acompanharei sempre na soledade e nos sofrimentos que carpirem. " Havia nas palavras do Senhor uma segura diretriz para os servidores do Evangelho em todos os tempos.


Como Pedro, reconfortado, volvesse à questão dos que se levantariam, possivelmente, como chefes e condutores no futuro, o Senhor elucidou:
— Os que mais amarem, serão, naturalmente, os que seguirão à frente, porque estarão dotados de mais abnegação e força, eleitos pelo espírito de solidariedade e de renúncia, exemplos vivos e inderrogáveis da caridade. "Muitos homens ambicionarão o poder espiritual, mediante as tenazes mundanas, perdendo-se a si mesmos e aos que se lhes submeteram na cegueira que os dominará. "Os discípulos sinceros distingui-los-ão, não tombando nas redes e tramas que urdirão os astutos, exceto se se deixarem também consumir fora da prece e longe da vigilância. "

— Como identificá-los, porém, se serão semelhantes no ideal abrasador aos que estarão assinalados pela autenticidade? — volveu à carga o companheiro, interessado.


Jesus olhou as ondulações montanhosas do outro lado do lago sereno e arrematou:

— É natural que todo aquele que se movimenta no vale ou na planície ambicione galgar o monte. Muito justo que invista os mais fortes impulsos para lograr o acume da montanha, a fim de deslumbrar-se com a visão esplendorosa, ganhando a imensidade aos seus pés. "Dignos de apoio são todos os nobres tentames para consegui-lo, sendo credor de ajuda para colimar o desiderato. "Por esse afã todos se devem esforçar, porque a destinação da vida é a felicidade. "Não obstante, quem alcançando o ápice da subida, se engolfe no entusiasmo, deixando-se vencer pela soberba e sonhe tornar-se o dono da montanha, procurando impedir a chegada dos outros, claro está que não serve à verdade, senão a si mesmo. "Equivoca-se e agride, teme e ameaça os que seguem na retaguarda, porém, vítimado em si mesmo, tombará no torvelinho das ilusões acalentadas, para despertar na horizontalidade do túmulo, mais tarde, sofrido e infeliz. . . "A montanha do bem, quando conquistada, continua do Pai Criador para a felicidade de todos os que marcham estrada acima, na ingente luta da ascensão. " Silenciando, distendeu o olhar pela noite agradável e fresca, enquanto o mar, varrido por ventos brandos, prosseguiria na sua cantilena, arrebentando ondas nas areias úmidas.




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