Há Flores no Caminho

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CAPÍTULO 18

O rebanho e o pastor

Do planalto de Bazan chegavam as notas exaltadas da multidão saciada, repercutindo pelas planuras e frinchas das rochas, até espraiarem-se pelas alturas do Esdrelon e das províncias humildes. . .

Os gritos de exaltação, após a fome atendida, exigiam um rei para Israel, que impedisse a miséria, atendesse a dor, modificando as sombrias paisagens dos aturdidos painéis da alma humana.

No alto, diante da massa agitada, quase agônica, Jesus experimentara uma grande compaixão.

Pareciam, aqueles corações, ovelhas carentes, necessitados de um Pastor.

Tomado de ternura e compreendendo o impositivo do momento, dilatou-se em inexcedível misericórdia, colocando-se a atender todas as angústias e aflições dos atônitos participantes da tarde arrebatadora.


* * *

O desafio que lhe chegara àquele momento definiria o ministério a que se daria integralmente em holocausto de amor.

Indispensável, portanto, que a ocorrência a suceder ali marcasse profundamente a alma popular sofrida . . .

Depois do compassivo atendimento Ele se recolhera à oração, penetrando-se de paz decorrente da infinita comunhão com Deus.

Sempre que a multidão O buscava quase Lhe exaurindo as forças inesgotáveis, fazia-se imprescindível buscar o Pai e nEle haurir as energias do amor infinito com que atenderia à estúrdia alma humana. . .

Ficara, portanto, a sós com Deus, enquanto as estrelas coruscavam à semelhança de lírios de luz, balouçantes no Empíreo. . .


* * *

Passadas as sucessivas cenas do mar e o deslumbramento receoso dos companheiros o grupo, ainda emocionado, chegou a Genesaré.

A cidadezinha esparramada entre praias e outeiros contrastantes em cromos de beleza rara, facilmente identificou o Profeta. . .

Por onde Ele andasse a dor dos homens caminhava ao Seu lado.

Onde a Sua figura luminosa surgisse, acendiam-se as lâmpadas da esperança e as ansiedades cantavam múltiplas baladas de expectativa e interesse.

Por isso, os familiares dos infelizes traziam-nos e depositavam seus leitos e suas misérias à orla dos caminhos, nas praças amplas, nas praias ensolaradas, aguardando que o Seu olhar neles pousasse e a Sua voz lhes ordenasse a recuperação. . .

Em Genesaré, a cidade pesqueira e humilde, a dor era comensal do dia a dia. Ali, muitas vezes, Jesus contemplaria os destroços humanos e os reuniria em novos corpos, convidando os depositários do ensejo para que se evitassem danos maiores, graças à mudança de comportamento interior em relação à vida. . .

A legião, porém, quase infinita, se renovava, exigente e caprichosa, egoísta e malsã. . .

Em Genesaré, naquele ensejo, eram lançadas as sementes da Era Nova.

Imediatistas, os homens somente se interessam, em todos os tempos, pelas paixões, exceção feita aos que se deixaram tocar pelos ideais superiores. . .

Terminada a ação beneficente e recuperadora em que as dores se acotovelavam, Ele buscou, no silêncio da noite, o recolhimento e a oração. . .

Convidados, Pedro e João acompanharam-nO com o carinho de ovelhas brandas. . .

Na mente inquieta do velho pescador bailavam interrogações que não conseguia sopitar.


Utilizando-se da expressão de ternura e afabilidade que se desenhava no rosto do Mestre, o pescador ansioso inquiriu, num misto de dor e desencanto:

— Inicia-se o ministério, Mestre, entre expectativas e sorrisos. . . As multidões se agitam e o fermento leveda a massa. . . Alguns homens mais entusiasmados falam em revolução. . . Não fosse a Tua discrição, a esta hora teria estalado o movimento que se irradiaria por todo o país, a fim de levar-Te a Jerusalém, na condição de Rei. . .


Havia na voz do discípulo notas de amargura e cansaço. Estimulado, no entanto, pelo silêncio atencioso do Amigo, prosseguiu:

— A princípio magoei-me com o Teu afastamento no instante em que poderíamos dispor do povo, para a mudança de governo e de situação entre os humildes . . . Aquiesci, irritado, ante as censuras espontâneas que espocaram entre nós, e no íntimo deixei que a mágoa me povoasse o coração. . . A medida que o tempo se foi passando, mudou-me a paisagem interior . . .


A voz se lhe fizera quase apagada. Simão passou a mão calejada pela testa larga, suarenta, e tentando recompor a calma, prosseguiu:

— A convivência com os recém-curados e os novos enfermos que chegam de toda parte cansa-me. . . As tricas e disputas que já se estabelecem exaurem-me. . . Os comentários, apaixonados uns e outros receosos, desencantam-me. . . Os ódios já estalam e as maledicências visam a diminuição dos valores reais de alguns companheiros para o banquete competitivo da insensatez, fazendo-me recear. . .


Por fim, com voz quase sumida, explodiu, entre lágrimas:

— Não aguento mais, Senhor!. . . A multidão cansa-me, as opiniões variadas perturbam-me, as lutas de paixões deperecem-me. Ainda, sequer não demos início à revolução do amor e sinto-me combalido, desanimado. Que fazer, Senhor?


Compreendendo a funda amargura que se assenhoreava do companheiro frágil, o Divino Amigo inquiriu:

— Simão, quando a terra cansada se nega a produzir em abundância, que faz o agricultor?

— Aduba-a com fertilizantes — respondeu, seguro, o devotado colaborador.

— Quando as redes se rompem, ameaçando a coleta de peixes, como age o pescador?

— Repara-as, atentamente.

— Quando o vaso precioso se parte, como procede o seu possuidor?

— Conserta-o com carinho.

— Se o camelo rebelde se nega à condução correta, que faz o almocreve?

— Domestica-o com insistência — concluiu o discípulo sem saber aonde queria chegar o Mestre. . .

— Disseste bem, Simão —, redarguiu Jesus. "Aquele que ama e necessita do amor, ante a terra exaurida, as redes rotas, o vaso quebrado e o animal rebelde não se entrega ao desalento ou à deserção. Reúne as energias e habilidades procurando revitalizar, reparar, recompor, refazer. . . "Assim deve ser em relação à criatura humana. "Como não seria justo o excesso de entusiasmo, que somente perturba, lícito não é o desencanto ante a constatação das mazelas e dos limites humanos. "O verdadeiro amor não se desarvora nem debanda. Ninguém espera compreensão alheia, reconhecimento da massa, afeição das criaturas. . .

Até hoje o Pai nos dá o exemplo: trabalha!, como eu também trabalho.


* * *

No alto brilhavam os astros, oscilando em sinfonia de bênçãos além da acústica dos débeis ouvidos humanos.

Por muitos séculos assim se demorariam os homens, não obstante a fé e o ideal, em tricas e irreflexões, sem se darem conta do mal que fazem por negligência ou desesperação, embora sem o quererem, desanimando os companheiros de luta. . . Todavia, acima de todas as circunstâncias humanas, Jesus prossegue amando e trabalhando em sublime, paciente convite como Pastor vigilante junto às ovelhas.




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