Há Flores no Caminho

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CAPÍTULO 20

No longe dos tempos

Na acústica da Natureza prosseguia a vigorosa balada dos "direitos dos humildes", há pouco apresentada no monte, ante a multidão embevecida, quando o Mestre chamou os companheiros e desceu o cerro na direção da cidade, na várzea além. . .

Continuavam as emoções apressando os sentimentos dos ouvintes com vistas ao futuro, parecendo que o dealbar da Era Nova dar-se-ia de imediato.

A música de felicidade permanecia em ritmo de júbilos e, no sudário estrelado da noite, as harmonias divinas confraternizavam com os limites da Terra.

Os discípulos, fascinados pelo conteúdo maravilhoso do sermão das bem-aventuranças, não cabiam em si de contentes, desejando agregar questões novas, ampliar entendimento, entretecer considerações. . .

Utilizando-se de breve repouso do Amigo, acercaram-se como crianças curiosas e obedientes, e, sem maior delonga, propuseram as interrogações que lhes bailavam na mente.

— Senhor! — falaram pela palavra ponderada de Simão — pelo que podemos observar as alegrias reservadas nos Céus aos que sofrem, na Terra, poderiam ser trasladadas para o dia a dia dos homens, caso nos dispuséssemos à vivência dos ensinos ouvidos, desde hoje. "Será possivel acreditarmos na realização do reino de justiça e bondade, para os próximos anos da Humanidade? "Como seguiremos, as criaturas humanas, na direção do futuro: sob os suaves comandos do amor ou açodados pelos espículos do sofrimento?" Havia uma ansiedade confiante que fulgia nos olhos desmesuradamente abertos do amigo, representante natural das inquietações gerais.

Podia-se ouvir os anseios da Natureza arrebentando-se em onomatopeias espontâneas.


O Senhor relanceou o olhar pelo grupo emocionado, num sentimento de união, e, antevendo os longes do futuro, começou a falar:
— A sinfonia da montanha é a carta de libertação do homem que se fazia servo das paixões dissolventes, objetivando inverter a ordem dos valores vigentes e demonstrando que a vitória da vida se baseia na estrutura do ser que se renova e se supera, com os olhos postos na imortalidade. "Examinada apenas do ponto de vista material, a vida inteligente perde o sentido, em se considerando a brevidade do seu curso, que logo se dilui aos ósculos da morte, da decomposição orgânica, das transformações . . . "Observada, porém, sob a angulação indimensional da imortalidade, adquire sentido e finalidade, apresentando meios e metas para colimar os seus objetivos. "Imediatista, no entanto, e porque ignora em profundidade o compromisso eterno para com o Pai Criador, a criatura se deixa galvanizar pelo egoísmo e as paixões armam-na com os instrumentos de destruição: a ira, a volúpia do desejo, o orgulho, o ódio, a ambição desmedida do poder. . . "Sentimentos antípodas a esses nascem no comportamento de quem compreende que o corpo é instrumento para aprendizagem, na marcha inexorável da evolução, não constituindo a realidade única, legítima. . . "
Calou-se, o Mestre, por um momento, para dar campo à reflexão mental dos companheiros, logo prosseguindo:

— Como consequência, a dor ser-lhe-á a promotora do processo redentor, porque resultado inevitável do mau uso das suas potencialidades. "Usando a inteligência apenas, que é de fácil manipulação pelo exercício das suas aptidões, engendrará, para si mesmo, o poste e o garrote da aflição desmedida de que se libertará só a penates. "O Evangelho, sua vivência, todavia, será por todo o sempre a diretriz de segurança e de amparo às aspirações relevantes do ser, auxiliando na construção dos bens eternos do espírito. " Recordam-se, então, os ouvintes, os conceitos há pouco ouvidos: "pobres de espírito", "famintos de justiça", "simples de coração", os "limpos de coração", "humildes e abnegados", "sedentos de paz", "os que choram", "os mansos" porque somente através da vivência, enriquecida de renúncia e simplicidade, poderiam fartar-se como herdeiros naturais de tudo quanto não fruíram. . .

Dando ênfase à lição, o Rabi continuou: "A inteligência guindará o homem aos astros do céu e levá-lo-á ao abismo das águas, o que fará se ensoberbeça e alucine. . . Com ela, conhecerá todos os quadrantes da Terra, identificando as leis que regem a Natureza, adentrando-se no mecanismo dos mistérios que por algum tempo o perturbarão; no entanto, porque fascinado pela própria argúcia, esquecer-se-á de amar, tornando-se vítima inerme de si mesmo, jactando-se de ser um novo deus. . . "Com o desamor, portanto, padecerá fome de compreensão e sede de amizade; conquistará o mundo e perder-se-á a si mesmo; vencerá os abismos das distâncias e caminhará a sós, separado dos seus irmãos; decifrará os enigmas de fora, afligido pelas perplexidades íntimas. . . "Só o amor poderá libertá-lo da torpe situação, oferecendo-lhe braços à solidariedade e à ternura. "O amor dar-lhe-á visão de amplitude no que tange aos direitos que lhe decorrem dos deveres retamente cumpridos. "O amor dulcificar-lhe-á as angústias, facultando-lhe ver a possibilidade de viver a felicidade pelo bem que lhe será lícito realizar, ampliando as dimensões sublimes da Vida. "O amor, exteriorização do pensamento divino do Pai, unirá, por fim, as criaturas, após as dores lancinantes que decorrem das suas alucinadas conquistas externas sob os açoites das desmedidas ambições que o egoísmo comanda. . . " Ventos frios sopravam, anunciando as horas avançadas da noite.


Pedro, sinceramente tocado, porque desejando agradecer o esclarecimento, propôs, em termos de encerramento da entrevista: — O Evangelho triunfará um dia, no mundo, abençoando os humildes e os infelizes">
— Sim, Simão — redarguiu o Divino Mestre. "Quando o homem cansar-se da vacuidade e despojar-se da ilusão por exaustão do seu uso desordenado, contemplará o caos a sua volta e ouvirá no recôndito do ser as minhas palavras deste dia: Bem aventurados os que sofrem, e, sem dar-se conta, fará a viagem de volta para dentro de si mesmo, sob o comando do amor que lhe vige inalterável, iniciando o momento ditoso de adentrar-se no "reino dos céus", no longe dos tempos que certamente chegarão. . . "


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