Há Flores no Caminho

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CAPÍTULO 22

Em soledade. . . com Deus

A pouco e pouco foi-se-lhes descerrando o véu.

À alegria, assinalada pelas expectativas do triunfo humano, ia-se sucedendo a tristeza nascida na compreensão das altas responsabilidades.

Para as almas ambiciosas a ilusão matiza a vida com os tons róseos dos júbilos, enquanto a verdade tinge de sombras os horizontes infantis que as quimeras almejam, irresponsáveis.

A primeira, efêmera, dilui-se na razão em que a segunda, permanente, predomina com gáudio real.

Eles, porém, os Doze, anelavam pela concretização dos sonhos terrenos, que vibravam em toda Israel: a libertação do jugo romano, a supremacia da "raça eleita", o luxo e a governança no mundo das formas, sem dar-se conta da transitoriedade desses valores, que se consomem ante o túmulo triunfador sobre a matéria . . .

À medida que o Mestre os fascinava, transferiam-se dos interesses comezinhos para o amor espontâneo que lhes daria o legado da paz.

Compreendiam, a peso de esforços mentais, o desinteresse do Rabi pelas coisas humanas e suas posições equívocas, descobrindo a excelência da vida imortal, para a qual se deveriam voltar com inusitada dedicação.

O amor, que passavam a nutrir por Ele, abria-lhes o entendimento, facultando-lhes a compreensão das finalidades da vida.

Todos os fenômenos que presenciaram assinalaram a fogo as convicções quanto à Sua procedência, não obstante, haviam pensado que todo aquele poder seria aplicado na conquista da Terra, sem que se recordassem que Ele é o organizador e o condutor do Orbe.

Assim, a saudade daqueles dias se lhes foi aninhando no coração, dando lugar a interrogações inquietantes, que não os visitaram anteriormente.

A festa das surpresas, os hinos de louvor e as emoções que se sucederiam em explosões de bênçãos, iam ficando para trás.

Nunca haviam pensado que os acontecimentos tomassem aqueles rumos funestos.

As tricas farisaicas, os despeitos geradores de ódio e as invejas fomentadoras de disputas infelizes, nas quais as sórdidas calúnias tomavam corpo, prenunciavam dores, que nunca esperaram, mas que Ele aguardava. . .


* * *

Aqueles dias, em Betsaida, tinham algo de despedida.

As curas que se fizeram, assombraram, provocando maior soma de despeito nos homens vãos que se atribuem importância que sabem não possuir.

Logo depois, a multiplicação dos pães e dos peixes atestou o Seu conhecimento das Leis, no entanto, era mais importante o alimento da Sua palavra libertadora.

Betsaida, como Cafarnaum, que tanto receberam, não Lhe valorizaram as realizações, desejando mais sinais pedidos pela boca dos fariseus e saduceus.


Respondera-lhes, então, sofrido:

— À tarde, dizeis: "Teremos bom tempo, porque o céu está avermelhado. " Pela manhã, exclamais: "Hoje teremos tempestade, porque o céu está de um vermelho sombrio. " Sabeis, na verdade, discernir o aspecto do céu, e não podeis discernir os sinais dos tempos?


E com severa admoestação concluirá a Sua resposta:

— Uma geração má e adúltera pede um sinal: e nenhum sinal se lhe dará. . . (Mateus 16:2-4) Os homens pigmeus gostam de perturbar os gigantes.

Os que são infelizes morais invejam a paz dos justos.

Adúlteros desejam o que não merecem, exigem provas e sinais do que se negaram a ser: honrados!

A maldade urde planos contra a inocência.

O lobo tem motivos para justificar a caça ao cordeiro.

Os homens-lobo estão sempre armados, dentes rilhados, prontos contra todos os que não afinam com os seus instintos.

Jesus era o Cordeiro, pela mansidão e bondade, deveria sofrer o sacrifício.

A sanha, porém, dos algozes, não se aplacaria.

Infelizes, em si mesmos, não se encontram, senão, quando a dor os obriga ao mergulho interno, onde se detêm em largas aflições. . .


* * *

Vencendo as terras da Gaulonítida, nas regiões da Batanéia, atravessaram o sinuoso Jordão, amparado pelas árvores frondosas da orla verde-branca, em cujas copas chilreava a passarada e sob cuja sombra os animais e os homens vinham dessedentar-se.

O último trâmite fora realizado em silêncio mortificador.

Sabiam, pelo que haviam depreendido das muitas palavras que ouviram, que não seguiriam com Ele de imediato.

João Batista partira em holocausto de fé.

A verdade paga alto preço para sobreviver no mundo.

Imaginavam, então, o que lhes sucederia depois que Ele partisse.

Faltava-lhes astúcia para enfrentar as ciladas dos maus, esquecendo-se de que adquiririam sabedoria, que é mais importante.

Sofriam, desde já, por amor.

Este é o padecimento que eleva, liberta e felicita.

Agora adentravam-se na experiência profunda da Boa Nova.

Até então estiveram no lado externo da Revelação, passando, porém, a integrar-se nela.

O Mestre percebeu-lhes a angústia e os identificou em real crescimento.

O parto da verdade se processava através das dores naturais de qualquer nascimento.

Eles despertavam e morriam as ilusões, para que o sentido real da vida assumisse o lugar que lhe competia.

O desaparecer da ambição terrena significa surgimento da vida espiritual.

Enquanto os Doze esperavam os triunfos humanos a azáfama era grande, na sucessão dos eventos que escorriam com os dias céleres.

A seara da esperança repletava-se de infelizes que recobravam a saúde, nem sempre se renovando para a Vida.

Agora, no entanto, havia receios entre eles, indagando-se quanto ao próprio destino.


Judas, aproveitando-se de um momento em que o Mestre se recolhera à oração e ante o acabrunhamento dos amigos, interrogou:

— Que será de nós, se estiverem, realmente, próximos os testemunhos?

— Não creio que sejamos envolvidos todos — respondeu Pedro.

— Ficaremos à mercê dos juízes — adiu Tomé — que serão severos conosco, senão impiedosos.

— Ele não nos obrigou a segui-lO — redarguiu João.

— Por isso deveria poupar-nos — contestou Judas. — O nosso já é um grande sacrifício, pois que abandonamos tudo quanto tínhamos.

— Não considero assim — ripostou Natanael. — Ele buscou-me enquanto eu meditava e deu-me alegria. Eu O amo e estou disposto. . .

— A Lei é dura para com aqueles que a desrespeitam e tombam em sacrilégio contra Moisés. . . — contestou Tiago.

— Mas Ele não veio destruir a Lei — retrucou Pedro. — Tem-na vivido e nos ensinado a respeitá-la, até mesmo quando injusta. Eu temo e confio, espero e amo.

— Ele não nos deu o sinal que desejávamos — concluiu, amargo, Judas, ao vê-lO aproximar-se. — O sinal que nos demonstrasse ser Ele o Messias. Vimos muitas coisas, que outros profetas também fizeram, mas. . .

O Mestre olhou-os, calmo, e eles se desnudaram.

— O verdadeiro sinal do Céu — esclareceu Jesus, sem reproche nem mágoa — vem através daquele que, por amor, podèndo tirar a vida e tomá-la quando lhe aprouver, dá-la-á em plenitude, em extremo gesto de renúncia, de abnegação e em soledade. . .com Deus.

Um silêncio pesado, de chumbo, caiu entre os companheiros que se entreolharam, sofridos, com lágrimas repentinas de arrependimento a coroarem os olhos.




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Mateus 16:2

Mas ele, respondendo, disse-lhes: Quando é chegada a tarde, dizeis: Haverá bom tempo, porque o céu está rubro.

mt 16:2
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Mateus 16:3

E pela manhã: Hoje haverá tempestade, porque o céu está de um vermelho sombrio. Hipócritas, sabeis diferençar a face do céu, e não conheceis os sinais dos tempos?

mt 16:3
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Mateus 16:4

Uma geração má e adúltera pede um sinal, e nenhum sinal lhe será dado, senão o sinal do profeta Jonas. E, deixando-os, retirou-se.

mt 16:4
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Mateus 12:39

Mas ele lhes respondeu, e disse: Uma geração má e adúltera pede um sinal, porém não se lhe dará outro sinal senão o do profeta Jonas;

mt 12:39
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