Luz do Mundo

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CAPÍTULO 21

O CANTOR E A CANÇÃO

O luar de Nisan bordava a paisagem com pingentes de prata e uma aragem fresca varria a noite silenciosa.

Emudecera Jesus a celeste canção, Sua oração sacerdotal.

Demoravam-se no quadrado da sala as modulações musicais da Sua voz.

A hora chegara. A hora para a qual viera.

Há pouco cingira-se com uma toalha e exemplificara a culminante lição da humildade, lavando os pés dos discípulos.

O Filho do Homem fazia-se o menor de todos para ensinar mais uma vez a grandeza sublime do amor — a razão da Sua vinda ao seio dos homens!

As emoções estalavam lágrimas nos olhos dos companheiros, lágrimas que não se atreviam a correr. Todos estavam com o espírito e o coração túmidos de expectativas, angustiantes expectativas. Aquela fora uma ceia de despedida...

Viveram quase 3 anos com Ele e todavia não O conheceram devidamente. Mais se agigantara naqueles últimos dias, especialmente a partir do momento em que, montado no jumento, Ele varara a Porta Dourada, entrando na cidade. As homenagens com que O receberam muitos que ali se aglutinaram pareciam entristecê-Lo...

Agora a Sua canção se erguia e morria nas lembranças de todos, a inolvidável oração sacerdotal que Ele proferira após a ceia pascal, a derradeira daquele ciclo.


Despedira-se dos companheiros há poucos minutos e logo depois falara ao Pai em sublime solilóquio, não obstante a presença deles:

"Pai, é chegada a hora. Glorifica a teu Filho, para que o Filho te glorifique a Ti. Assim como lhe deste poder sobre toda a Humanidade, a fim de que ele conceda vida eterna a todos aqueles que Tu lhe tens dado... A vida eterna, porém, é esta: que conheçam a Ti, único, verdadeiro Deus e a Jesus Cristo aquele que enviaste. Eu te glorifiquei na terra, cumprindo a obra que me tens dado para fazer. Agora glorifica-me Tu, Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive junto de Ti, antes que houvesse mundo. " (João 17:5) Silenciou momentaneamente. Asserenavam-se todas as ânsias na sala aromatizada, iluminada por lâmpadas resinosas.

Estava diáfano, envolto por uma beleza extra-terrena... Então, continuou: "Manifestei o Teu nome aos homens... Eram teus e mos deste... Agora sabem...

"Eu rogo por eles, não pelo mundo, mas por eles...

"Neles sou glorificado...

"Não estarei mais no mundo, eles porém, sim...

"Pai Santo, guarda-os no Teu nome!...

" Quando eu estava com eles, guardava-os no Teu nome, protegi-os e nenhum deles se perdeu, exceto...

"Vou agora para Ti...

"Tenho-lhes dado a Tua palavra e o mundo os aborreceu, porque eles não são do mundo, como eu não o sou...

"Não rogo que os tires do mundo, mas que os guardes do mal...

"Santifica-os na verdade...

"Assim como me enviaste, também eu os enviarei...

"Por amor deles me santifico para que eles também em mim mesmo sejam santificados em verdade... (João 17:19) Uma pausa lenificadora coroou a sublime canção e os lábios do Divino Cantor silenciaram.

Jamais se voltaria a ouvir tão nobre oração-poema.

Os discípulos aproximaram-se.

Judas, que estava atormentado, não pôde reter o pranto. As duas naturezas em conflito: o homem profundamente infeliz e o espírito necessitado, entrechocavam-se naquele instante que nunca mais se voltaria a repetir.

Os claros olhos de João bordavam-se de pérolas a se liquefazerem, brilhantes, no tremeluzir das chamas crepitantes nas lâmpadas.

Cada um repassava mentalmente todo o tempo que convivera ao Seu lado, com Ele...

A melodia da Sua voz voltou ao murmúrio doce que penetrava os ouvidos atentos e se fixava indelevelmente nos espíritos.

"Não rogo somente por estes...

... Para que sejamos todos Um em Ti...

"Eu lhes tenho dado a glória... Para que o mundo conheça que me enviaste e que Tu os amaste, como também a mim me amaste.

"Pai: quero que, onde estou, estejam comigo os que me tens dado, a fim de verem a minha glória que me deste, pois que me amas antes que o Mundo fosse fundado.

"Pai Justo: o mundo não Te conheceu, mas eu Te conheço, e eles sabem que Tu me enviaste!

"Eu, lhes fiz conhecer o Teu nome e o farei conhecer, a fim de que o amor com que me amaste esteja neles e eu neles... (João 17:26) A sala voltou a mergulhar em silêncio. O lanternim quadrado pendente continuava derramando claridade.

Ao fundo, o pequeno jardim enluarado e as velhas latadas pelos muros antigos, resguardadas pelos ciprestes altaneiros, balouçantes, murmurejantes ao vento fresco.

O dia pascal começara às 17h30 horas quando se apagavam os últimos raios de sol, naquele abril.

"Lavai-vos os pés uns dos outros" — dissera, após ter lavado os pés dos companheiros.

Eles talvez não hajam compreendido naquele momento toda a magnificência da lição, que objetivava destroçar, em definitivo, os liames do orgulho, as couraças resistentes da vaidade e da ambição, da inveja e do despeito, para que se irmanassem, vivendo num só sentimento de pura fraternidade.


"Os dominadores fazem-se reis das nações — voltara a dizer — mas vós não os imiteis. Que o maior dentre vós seja o menor, o último, e que o que governa seja igual àquele que serve... "

A sala tornara-se quase totalmente escura e os pequenos candelabros foram acesos, derramando profusão de luz.

Logo viera a ceia...

A luz que agora brilha tem outra origem: vem do Alto!

Chegara a hora de abandonar o Cenáculo acolhedor e demandar o monte das Oliveiras. Fazia-se culminante o instante. Pequena era a distância a percorrer, relativamente pequena, todavia grande...

Dissera no Seu canto que chegava a hora da luta para a qual viera, e também, em seguida, chegaram as dores para eles, os Apóstolos da Sua mensagem, elucidando que uma espada teria maior utilidade do que um manto. Os companheiros, porém, sempre acostumados aos raciocínios imediatos, interpretaram erradamente a figuração, gerando neles um arremedo de coragem, mostraram-Lhe as armas.

"Temos duas espadas" — disseram.

"É quanto basta!" — Respondera.

E o semblante fez-se-Lhe mais tristonho. Ele vivera pelo amor e chegava o instante de culminar o Messianato dando a vida. Os companheiros, todavia, pensavam em defender a vida, tomando nas mãos outras vidas!...

Começaram a marcha. A lua esplendia e a cidade dormia.

Podiam-se ver os bairros diversos, olhados do alto. Aqui, o palácio dos Sumos Sacerdotes; para a esquerda o de Herodes próximo aos monumentais jardins do Gareb. Desafiadora, em frente, além das manchas de sombras do Tiropéon, quase ao pé do Templo como a vigiá-lo, a torre Antônia representativa de "vergonha de Israel", a torre de David e mais além o Gólgota, árido e triste na distância da noite...

Judas não estava com eles, naquele momento. Fora-se...

Não poderiam atravessar a cidade àquela hora vencendo a ponte, o Tiropéon, a velha esplanada e sair pela Porta Dourada. Somente os sacerdotes entravam no Lugar Santo. Desceram pois à parte baixa, contornando as muralhas e atingindo o vale estreito onde corria o Cédron — cujas águas escuras fizeram-no granjear o nome que significa, em hebraico, "negro" ou "sujo".

Buscavam o Gethsemani (ou "engenho do azeite").

— "Sentai-vos aqui — solicitou o Amigo Divino — enquanto eu me retiro para orar.


Vós também orai para não sucumbirdes à tentação. "

E tomando a Pedro e os filhos de Zebedeu, Tiago e João, afastou-se.

— "A minha alma está numa tristeza mortal. Orai e vigiai. " (A voz estava sufocada.

Começava a agonia.) Arrojado na direção do Altíssimo experimentou Companhia.

A soledade era união com o Pai.

Voltou aos companheiros por três vezes e três vezes os surpreendeu a dormir.

— "Dormis? Não pudestes vigiar sequer uma hora?!


Orai e vigiai!"

A noite sorri pirilampos estelares e parece que mergulhava tudo em rutilações do silêncio.

Respiravam as ânsias da paisagem, levemente perfumada.

Ele mergulhou novamente na Divindade.


A agonia, a dor produzida pela ingratidão dos comensais do Seu amor feriam-

n"0 fundamente e Ele buscava o abismo do Pai.

A angústia esfacelava-O.

Ele sabia, conhecia o Mundo e suas maquinações.

Tinha segurança do que fizera Judas, o amigo inditoso.


Ergueu-se pela última vez e falou aos companheiros invigilantes:

— "Dormi agora e descansai. Basta! É chegada a hora. O Filho do Homem está sendo traído nas mãos dos pecadores. Levantai-vos, vamo-nos, pois se aproxima aquele que me trai. " (Mateus 26:45) Hora perturbadora aquela.

A noite estava fria e Ele tivera a sua máxima agonia. Ainda porejava no Seu rosto o suor (hematidrose) sanguinolento, pastoso e frio. O semblante estava marmóreo.

— Agora é tarde demais! — balbuciou, e a voz parecia uma melodia triste chorando na intimidade dos ouvidos... Tarde demais!

As duas últimas palavras assinalariam a fogo a memória dos companheiros combalidos e fracos que se irariam fortes — fortes que eram de espírito.

Inaugurava-se o programa dos sacrifícios pela Verdade.

A partir de então o caminho do Gólgota estaria assinalado para o futuro e mareado, por calhaus, pedrouços e espinhos.

Logo após, entre as oliveiras, portando varapaus o ridículo exército de mercenários enviado pelos dominadores enganados da Terra encontrou Judas que, então, marchou para identificá-Lo.

Acenderam-se lanternas e não obstante a treva era geral.

Carregavam lâmpadas e se consumiam em sombras.

O traidor acercou-se e beijou-Lhe a face...

O Amigo era entregue pelo amigo. A amizade crucificava a afeição e o amor.

No plenilúnio de Nisan, na noite varrida por ventos perfumados e frios, o Rei Celeste foi conduzido sem qualquer reação ao cárcere e logo depois crucificado...




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João 17:5

E agora glorifica-me tu, ó Pai, junto de ti mesmo, com aquela glória que tinha contigo antes que o mundo existisse.

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João 17:19

E por eles me santifico a mim mesmo, para que também eles sejam santificados na verdade.

jo 17:19
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João 17:26

E eu lhes fiz conhecer o teu nome, e lho farei conhecer mais, para que o amor com que me tens amado esteja neles, e eu neles esteja.

jo 17:26
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Mateus 26:45

Então chegou junto dos seus discípulos, e disse-lhes: Dormi agora, e repousai; eis que é chegada a hora, e o Filho do homem será entregue nas mãos dos pecadores.

mt 26:45
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João 17:1

JESUS falou assim, e, levantando seus olhos ao céu, disse: Pai, é chegada a hora; glorifica a teu Filho, para que também o teu Filho te glorifique a ti;

jo 17:1
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João 17:11

E eu já não estou mais no mundo; mas eles estão no mundo, e eu vou para ti. Pai santo, guarda em teu nome aqueles que me deste, para que sejam um, assim como nós.

jo 17:11
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João 17:12

Estando eu com eles no mundo, guardava-os em teu nome. Tenho guardado aqueles que tu me deste, e nenhum deles se perdeu, senão o filho da perdição, para que a Escritura se cumprisse.

jo 17:12
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João 17:14

Dei-lhes a tua palavra, e o mundo os aborreceu, porque não são do mundo, assim como eu não sou do mundo.

jo 17:14
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João 17:15

Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal.

jo 17:15
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João 17:18

Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo.

jo 17:18
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João 17:2

Assim como lhe deste poder sobre toda a carne, para que dê a vida eterna a todos quantos lhe deste.

jo 17:2
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João 17:24

Pai, aqueles que me deste quero que, onde eu estiver, também eles estejam comigo, para que vejam a minha glória que me deste: porque tu me hás amado antes da criação do mundo.

jo 17:24
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João 17:25

Pai justo, o mundo não te conheceu; mas eu te conheci, e estes conheceram que tu me enviaste a mim.

jo 17:25
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João 17:3

E a vida eterna é esta: que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste.

jo 17:3
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João 17:4

Eu glorifiquei-te na terra, tendo consumado a obra que me deste a fazer.

jo 17:4
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Marcos 14:42

Levantai-vos, vamos; eis que está perto o que me trai.

mc 14:42
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