Luz do Mundo

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CAPÍTULO 8

PESCADOR DE HOMENS

Aquele fim de maio estava ardente, fenômeno comum naquela quadra do ano. Logo o Astro-Rei fazia incidir diretamente o seu facho de luz, e calor asfixiante atormentava, desafiador.

Ao longe, as encostas do Galaad, com revérberos de cobre luzido vencendo as brumas secas, são muralhas naturais e altaneiras na paisagem fronteiriça ao Lago.

Àquela hora, porém, soprava uma brisa amena, diluindo as névoas da madrugada, enquanto albatrozes e pelicanos se demoram sobre as pedras negras que se adentram pelas águas piscosas com reflexos de prata.

O recorte curvo da praia estava apinhado pela mole ansiosa, que a acorrera desde cedo, para ouvi-lo e rogar-Lhe a bênção do socorro para as múltiplas aflições de que se via possuída.

Nos dias anteriores aquela voz ecoara pelas regiões ribeirinhas como um canto de esperança, em cuja melodia as concessões do amor divino eram moduladas em convites amenos que chegaram aos ouvidos dos homens sofredores.

Todos, portanto, necessitados e curiosos, desejavam vê-Lo de perto e receberam o benefício que Suas mãos esparziam em abundância.

A Natureza estava calma e as ansiedades vibravam nos corações.


* * *

A noite fora longa e infrutífera.

Eles estiveram por todas as horas a atirar as redes e recolhê-las vazias. As águas generosas também tinham seus caprichos. Aquela era uma noite de cansaço e desaire.

Sem luar os barcos encalhavam nos bancos de areia e todo o esforço daqueles homens ofegantes redundara improfícua.

Retornavam aos penates do dia, corpos moídos, olhos ardendo, modorrentos e mal humorados...

O magote humano na praia parecia um borrão colorido e móvel, contrastando com as areias alvas.

Duas barcas foram deixadas vazias e as redes começaram a ser distendidas nas varas de sustentação da praia.

"Apertado pela multidão que ouvia a palavra de Deus... " (Lucas 5:1-11)

... Entrando numa delas em que se encontrava Simão, o seu proprietário, falou, um pouco mais ao povo expectante.

Seu verbo de luz clarificava as consciências inquietas e asserenava os espíritos em turbulência.

Sua silhueta de braços abertos bordada de ouro no contraste com o dia fulgurante, parecia a de uma ave sublime que estivesse prestes a alçar voo buscando rumos ignotos.


Havia n"Ele um poderoso magnetismo que Lhe acompanhava as palavras conhecidas e comuns, encadeadas como outrem jamais antes as enunciara, e que tocava com estranho e vigoroso poder balsamizante. Algumas penetravam como punhais; outras rociavam como perfume precioso de lavanda no ar...


Depois de haver consolado o povo que O buscara, voltou-se para Simão e disse: "Faze-te ao largo e lança as redes para a pesca. "

Mas retornamos de lá, agora, Senhor, sem nada conseguir.

Não recalcitres, Simão.

A barca desliza cantando sobre a crista das ondas levemente encrespadas, e, ao ritmo do vento que perpassa e inflama as velas coloridas, se distancia, avançando com celeridade.

Recolhe os panos — ordena, gentil, — e atira as redes.


Aí estivemos, Amigo — elucida o pescador — e tentamos até o cansaço; nossos esforços redundaram inúteis. "Porém, sobre a tua palavra, lançarei as redes. "

As redes imensas em forma de tarrafas circulares, com chumbos amarrados às pontas, se abrem no ar em leque formoso e batem sobre as águas, mergulhando as malhas resistentes, desenroladas dos braços vigorosos que as sustinham.

Logo puxadas se apresentam abarrotadas, quase arrebentando a tecedura forte.

O espanto, a algaravia e a explosão de júbilos dos homens espoucam em alacridade infantil.

A carga abundante é levantada para bordo e a barca próxima é chamada, aos gritos, em socorro...


* * *

Na popa, recortando o disco solar esfuziante, o Mestre contempla aqueles homens de alma infantil, crestados pelas lutas diárias, inundados de alegria, emocionados até o pranto.


"Sim, ama-os — medita o Desconhecido Mestre. — Viera ter com eles para que pudessem ascender ao Pai. Ser-lhe-ia necessário sofrê-los, dar-se em totalidade de oferenda, caminhar ao lado deles, assisti-los e perdoá-los sempre. Sim, amava-os!"

Longe, neles, estavam as ansiedades espirituais. Desprovidos, por enquanto, de entendimentos, se atiravam ávidos ao dia a dia, na pesca, na conquista do pão...

Seria necessário dilatar-lhes a percepção, ampliar-lhes os horizontes...

Simão ergueu os olhos úmidos e fitou-O.

Ouvira-O antes e O acompanhara desde Bethabara, de volta de Jerusalém, mas não entendera tudo quanto Ele falara.


Explodindo de emoção inesperada, baldoou o homem do mar:

— "Retira-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador", e prorrompeu em pranto espontâneo.

A confissão ingênua, a alma desnudada, o coração ardente falavam daquele timoneiro que amava o mar e nele encontrava a segurança e a vida. O plâncton que chegava trazido pelas correntes subterrâneas do Jordão, ali favorecia a piscosidade das águas e ele conhecia aquelas correntezas e os mistérios do Lago que era seu berço e o amigo com quem confidenciava nas noites longas e doridas de soledade...


"Aquele homem, no entanto, donde o conhecia? — refletiu num átimo, vencido pela força daquela voz que ordenava sem impor e ninguém desconsiderava, e daquela face... — Ele lhe parecia tão fraco e era tão forte! Não sendo um pescador, como soubera e pudera tanto?!" — "Simão, não temas: de ora em diante serás pescador de homens. "

A mensagem ecoou na sua alma, em linguagem singular; pescador, sim, o era.

"Pescador de homens!", que seria? Tranquilizou-se, porém.

Toda uma festa de sons dominou-o e ele fremiu ao peso de desconhecidas vibrações.

Desejou recusar, dizer da pequenez e miserabilidade, não pôde fazê-lo. Imobilizado naquele momento que parecia uma eternidade — ausência do tempo e anulamento do espaço — sentiu-se impossibilitado de cingi-Lo ou postar-se-Lhe aos pés.

A garganta seca, estreitada, estrangulou-lhe a voz.

Chorou, e, no íntimo, reflexionou: sabes o que fazes, Senhor!


* * *

As notícias alcançam as praias.

Há uma revoada de inusitada alegria em todos corações.

Novos grupos afluem. As carpas estremecem, ainda, em reflexos automáticos e o contentamento se generaliza.

Pedro, João, Tiago e André que participaram mais de perto do acontecimento experimentam, todavia, desconhecido pressentimento, que os seguirá desde então...

Não poderiam definir o que lhes passava, Relancearam o olhar em volta, e encontraram o Rabi, afastado, que fitava aquele amado Lago de Genesaré, enquanto o ar pesado do dia vitorioso abafava.

Pescador de homens!


* * *

Desde então, abandonaram tudo, mesmo o mar amigo, e avançaram na direção do porvir sob o Seu comando, e depois foram conduzidos por Simão a "pescar homens".




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Lucas 5:1

E ACONTECEU que, apertando-o a multidão, para ouvir a palavra de Deus, estava ele junto ao lago de Genesaré;

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Lucas 5:2

E viu estar dois barcos junto à praia do lago; e os pescadores, havendo descido deles, estavam lavando as redes.

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Lucas 5:3

E, entrando num dos barcos, que era o de Simão, pediu-lhe que o afastasse um pouco da terra; e, assentando-se, ensinava do barco a multidão.

lc 5:3
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Lucas 5:4

E, quando acabou de falar, disse a Simão: Faze-te ao mar alto, e lançai as vossas redes para pescar.

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Lucas 5:5

E, respondendo Simão, disse-lhe: Mestre, havendo trabalhado toda a noite, nada apanhamos; mas, sobre tua palavra, lançarei a rede.

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Lucas 5:6

E, fazendo assim, colheram uma grande quantidade de peixes, e rompia-se-lhes a rede.

lc 5:6
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Lucas 5:7

E fizeram sinal aos companheiros que estavam no outro barco, para que os fossem ajudar. E foram, e encheram ambos os barcos, de maneira tal que quase iam a pique.

lc 5:7
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Lucas 5:8

E, vendo isto Simão Pedro, prostrou-se aos pés de Jesus, dizendo: Senhor, ausenta-te de mim, que sou um homem pecador.

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Lucas 5:9

Pois que o espanto se apoderara dele, e de todos os que com ele estavam, por causa da pesca de peixe que haviam feito;

lc 5:9
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Lucas 5:10

E, de igual modo, também de Tiago e João, filhos de Zebedeu, que eram companheiros de Simão. E disse Jesus a Simão: Não temas: de agora em diante serás pescador de homens.

lc 5:10
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Lucas 5:11

E, levando os barcos para terra, deixaram tudo, e o seguiram.

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