Pelos Caminhos de Jesus

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CAPÍTULO 14

A CONFIANÇA EM DEUS

Aos dias de abundância e destaque social, sucederam-se os de penúria e sofrimento.

Com a mesma brusquidão das tempestades veraniças, ele sofreu a mudança da calmaria para o tormento, vendo alterar-se a paisagem da existência.

Era como se houvesse experimentado várias vidas numa só, alternando as horas de conforto pelas de miséria.

O campo florido, que o Sol oscula na primavera, responsabilizando-se pela vida em exuberância, padece-lhe a ardência que estiola a vegetação, quando o dardeja, inclemente, com o calor.

A vida humana é um campo experimental sob o sol das oportunidades, que fomentam o seu crescimento ou danificam-no, de acordo com a incidência e qualidade dos sucessos.

A política arbitrária e trêfega, irresponsável quão criminosa nas mãos dos manipuladores desonestos, levou-o à desgraça, quando a habilidade dos intrigantes contumazes empurrou-o para o lado oposto dos interesses em voga.

Os sentimentos de elevação e de lealdade não vigem nos quadros ambiciosos dos políticos profissionais de todos os tempos.

Os seus interesses têm o preço da desonra e da consciência culpada, que anestesia por um pouco, enquanto permanecem a fatuidade e a ilusão.

Amalec Bar Aquis vivera o fastígio e a opulência em Jerusalém.

Transitava com facilidade na Torre Antônia, nos Palácios de Pôncio Pilatos e de Caifás... Pertencente ao partido dos fariseus, fizera-se intermediário dos jogos escusos entre o Sinédrio e Roma.

Amealhara fortuna, conseguira bajuladores, mas não fizera amigos.

Os poderosos, normalmente, estão cercados de homens interesseiros e ingratos, que os parecem proteger e sustentar, até quando descobrem que lhes convém mudar de equipe e de liderança.

Amam, na aparência, a si mesmos se amando.

São fiéis aos próprios propósitos, que disfarçam de altruísmo.

Acompanham os seus senhores, invejando-os, detestando-os, almejando-lhes o lugar e aguardando-lhes a queda, mediante a qual esperam oportunidade de ascensão para substituí-los.

Quase sempre, no grupo dos chamados partidários, há aqueles que anelam pelo comando.

Os mais hábeis títeres sabem disso, e, sempre que eles começam a destacar-se, podam-nos, reduzem-nos às posições vergonhosas...

Quando o não fazem, tornam-se vítimas das suas armadilhas e maquinações.

Os lobos conhecem as manhas dos lobos.

Por isso, apenas estes caem nas armadilhas que para eles são preparadas.

Os felinos escondem as unhas entre os pelos macios, prontos para ferir e estraçalhar.

A melifluidade dos falsos amigos oculta as garras dilaceradoras da maldade pronta a desvelar-se.

Amalec o sabia, agora que era tarde demais para a recuperação.

Amargava o ostracismo, padecia a perseguição dos pigmeus que se agigantavam nas expressões da inferioridade. Estes, os homens pequenos, engrandecem-se quando podem submeter aqueles que os diminuíam. Estas, a vitória dos fracos, a alegria dos vencidos...

As festas que davam início à Páscoa tiveram o seu começo ruidoso.

Destacando-se entre os acontecimentos comovedores, sucedera o da entrada triunfal do Messias galileu.

As opiniões eram desencontradas. O Messias deveria proceder do tronco de Davi, das terras da Judeia.

Aquele Rabi, porém, era tido como galileu e daquela região, dizia-se, "nada de bom poderia vir".

Jesus, em Quem se confirmavam as Escrituras, era de Belém de Judá e descendente de Davi, portanto, da tradição profética.

Iniciara o Seu ministério entre os simples e sofredores, demonstrando que o Reino em instalação diferia das imposições terrestres.

Desta forma, pairavam no ar as melodias da felicidade entre os comentários festivos em torno do Triunfador recém-chegado.

Porque Jesus houvesse escolhido a casa de amigos nos arredores da cidade, a fim de pernoitar, simpatizantes e conhecidos foram estar com Ele, de modo a haurirem conhecimentos e informações da estratégia que pretendia usar, para a batalha, que todos sentiam deveria ser travada quase de imediato.

Já não havia como postergá-la.

O clima era propício, as circunstâncias faziam-se condizentes, a hora oportuna.

Por mais que o Mestre se reportasse a Deus, os amigos pensavam, confundiam-nO com as ideias preconcebidas dos louros humanos.

Os indivíduos preferem entender o que ouvem, conforme lhes apraz, de acordo com os desejos acalentados.

Quando a movimentação dos visitantes diminuíra, Amalec Bar Aquis, que se insinuara entre os circunstantes, aproximou-se do Senhor, num momento de solidão, e desvelou-se.

Ele ouvira falar do Rabi e fascinara-se com as informações que lhe chegaram a Seu respeito.

Vira-O em triunfo e registara a profunda melancolia que Lhe sulcava a face.

Observara-O com a indiferença às oferendas e ao entusiasmo geral, sem trair qualquer alegria.

Fora a razão última que o trouxera ali. Sofrendo, podia identificar o sofrimento com facilidade, de relance.

O Mestre tocou-o, arrastou-o com o Seu magnetismo forte e diáfano.


Sem mais circunlóquios, compreendendo a escassez de tempo e a urgência dele, foi direto ao assunto da entrevista, indagando:

— Eu sei que sois de Deus, pois que diferis de todos os homens que jamais conheci... Carrego pesado fardo de aflições e necessito ouvir-Vos.

Tende paciência e ajudai-me. Como conduzir-se, na 5ossa visão, o homem espoliado dos seus direitos e haveres, qual cadáver sob as garras de abutres famélicos?

Mantendo a confiança irrestrita em Deus.

— E quando injustiçado, traído pelos seus amigos e relegado ao esquecimento daqueles que, inclusive, devem-lhe o que têm e o que são?

— Perseverando confiante na justiça de Deus.

— Se, adicionando aos sofrimentos experimentados, a família desertar, fugindo à solidariedade e ao dever sagrado do lar?

— Aguardando em Deus e na Sua paternidade.

— Todavia, quando a calúnia exorbita e a deslealdade ultrapassa todos os limites do suportável, sem apoio da religião, cujos representantes se voltam, agressivos e impiedosos, contra quem lhes suplica o apoio, que atitude tomar?

— Continuar fiel a Deus, sem temer aqueles que perseguem e matam, não obstante, igualmente, virão a morrer, sem fugir da consciência que os chamará à reabilitação próxima ou mais tarde.

— Então, a não reação, a submissão e a entrega são os melhores meios de conduta? Isto não significaria permitir que os maus e desonestos governem a Terra e as vítimas sacrificadas sejam pasto para a ganância deles? Tal comportamento, anuindo com o crime, não seria uma forma de aumentar-lhes o poder, ao mesmo tempo, uma maneira de esconder a covardia pessoal?

— Os violentos sempre cedem lugar a outros violentos mais impiedosos. Quando se cede por medo, demonstra-se covardia moral e física, no entanto, ao fazê-lo por consideração à vida, atesta-se coragem pelos métodos habituais... Engalfinhar-se nas lutas selvagens pela disputa de valores sem valor real é pugnar-se por nonadas, que não preenchem o vazio do coração. Os dominadores, aqueles que traem, quantos se locupletam nos desvios da honra enganam-se a si mesmos. A presença do Pai Todo Amor, neles próprios, manifesta-se-lhes, oportunamente, sem que haja novos algozes para espoliá-los e afligi-los... "As leis universais expressam-se em trocas, mediante padrões de sintonia. Não há quem logre fugir de si mesmo. A verdade sempre alcança a consciência do homem, por mais pareça bloqueada... O que não sucede agora, ocorrerá amanhã. Como o Amor não vinga nem se vinga, sempre educa sem pressa, corrigindo sem punição.

O homem bom, vitimado, é feliz, porque lhe tomando tudo, os inimigos não lhe usurpam a bondade. O homem mau, sofrendo aflições, prossegue em paz, porque perde as coisas utópicas, enquanto a si mesmo se encontra. Infeliz é quem toma, dilacera, usurpa, trai e sorri, fugindo da alucinação que o desarticula. "Sábio, ante as vicissitudes e ditoso sempre, é aquele que confia em Deus e a Deus se entrega, pois, que, filho de Deus, a Ele cabe zelar e conduzir aqueles que cumprem a Sua Lei e trabalham pela implantação do Seu Reino no mundo enfermo e atormentado... " Calando-se, fitou com profunda compreensão e simpatia o interlocutor comovido, e afastou-se, tranquilamente, na direção da noite.

No zimbório de turquesa, as estrelas cintilantes confirmavam a grandeza de Deus, cantando um hino de eterna luz além e por cima da mesquinhez humana.




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