Pelos Caminhos de Jesus

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CAPÍTULO 24

BARRABÁS, PILATOS E JESUS

A noite fria, de certo modo, representava o estado de alma enregelada daqueles acusadores atormentados.

Dominados pela ira infrene, decorrente da inveja sórdida, não trepidavam em cometer o terrível crime contra a vítima inocente.

Haviam-nO visto curar e distender as mãos misericordiosas em favor da miséria e do sofrimento sem conforto. A Sua havia sido uma vida pública inatacável. Nenhuma atitude Lhe contradizia as palavras assinaladas pela sabedoria e pelo amor.

Todo o Seu ministério fora realizado com base na justiça e na misericórdia. Os Seus momentos foram assinalados pela ternura e pela abnegação.

E certo que Ele não convivia com o crime a que estavam acostumados os "filhos de Israel" que, não obstante se rebelassem contra a arbitrária dominação romana, submetiam-se, subservientes, aos senhores, embora o ódio agasalhado contra César e os seus sequazes.

Jesus definira os rumos do Seu trabalho, estabelecendo, publicamente, que não se serve bem a dois senhores, pois que esta atitude ambígua deixa um deles em falta.

Por ser o filho de Deus, mantinha a postura excelente, exteriorizada nos atos superiores de que dava mostras.

O julgamento absurdo que não dissimulava o rancor da indignidade contra a honradez levava ao cumprimento da Lei que estabelecera a necessidade de o justo ser punido pelos delitos do amor e da perfeita doação.

Assim, o ódio farisaico desperta no povo ingrato a sede de sangue, e a malta bem trabalhada pelo verbo da revolta amotinouse, exigindo-Lhe a morte infamante.

Passado pelas hábeis mãos do sacerdócio organizado, fora, agora, empurrado para o poder civil, a fim de que o representante do imperador ficasse responsável pela punição, carregando na consciência culpada a vida do Homem que viera mudar os rumos da História e da Humanidade.

Desta forma, a frieza da noite era semelhante à frialdade dos sentimentos entorpecidos e apaixonados, na cegueira da própria alucinação...

Pôncio Pilatos, dúbio e venal, sabia-O inocente.

Inquirira-O, repetidas vezes, submetendo-O ao jogo difícil das palavras, tentando encontrar-Lhe culpa, confundi-lO.

Transparente, porém, na Sua pureza ímpar, Ele respondera com nobreza, baseando-se no conteúdo das questões apresentadas, ou então silenciando...

Não tinha o de que defender-se.

Ali estava, exposto pelos Seus familiares, os de Sua raça e quase absolvido pelo poder gentio, dominador, que n’Ele não detectava crime.

Era o grande paradoxo. Israel O acusava e Roma O defendia.

Pilatos vezes várias tentou salvá-lO da sanha geral, pois que não Lhe encontrava delito algum, exceto o de ser portador da Verdade.

A verdade exige pesado ônus de quem a conduz, pois que, não compactuando com as licenças morais nem a delinquência dissimulada de legalidade, que passa disfarçada como direito de uns em detrimento de outros, faz-se detestada e perseguida.

Os vanguardeiros e porta-vozes da Verdade ainda pagam o tributo da coragem de vivê-la.

Jesus era a representação da Verdade, no ambiente de ambições mentirosas e vãs, de ilusões enganadoras e insensatas.

Pilatos o sabia. Estava sempre cercado de bajuladores mesquinhos, acostumado aos famanazes da indignidade, que lhe recolhiam as migalhas do poder, que também não lhe pertencia, e na sua transitoriedade passava de mãos... Sabia não possuir amigos, e sim exploradores da situação.

Aquele Homem nada lhe pedia, nem mesmo se justificava ou aguardava qualquer compaixão.

Rei, não solicitava nem esperava consideração, por que o Seu não era o reino terrestre, pois que se encontrava além e acima das vacuidades humanas, que erigem e derrubam tronos em batalhas de sangue e de impiedade...

Vendo-O seviciado, numa tentativa de aplacar a sede dos perseguidores, não se pôde furtar por covardia moral ao atendimento da imposição que bradava: — "Morte! Crucifica-O" Fugindo à posição de legislador e homem de governo, temendo a turba que odiava, aquiesceu, perdendo a paz.

Ofereceu Barrabás, que também se chamava Jesus, e eles não aceitaram a troca. Este, segundo alguns, era revolucionário terrestre, enquanto o outro era-O celeste.

O bandido agradava a multidão e a conveniência dos poderosos de um dia. Este podia viver.

O outro, espiritual e celeste, abalava as estruturas da mentira e dos interesses mesquinhos. Ele deveria morrer.

Lavando as mãos, Pôncio Pilatos não limpou a consciência ultrajada, que permaneceria exigindo-lhe retificação de conduta.


* * *

Os anos se passaram...

Tibério César cedeu o seu lugar, vitimado em Anacapri, a outro temporário e iludido imperador, que foi Calígula...

Pilatos, caindo em desgraça, retornou a Roma e foi mandado para o exílio na Suíça.

A neurose de culpa ficou-lhe impressa na conduta atormentada.

O ato de lavar as mãos repetiu-se cruel, constante, em tentativa tormentosa de auto-liberação.

O olhar do Inocente eram, na sua lembrança, duas estrelas de intensidade ímpar, penetrando-lhe os esconsos redutos da alma sofrida.

Desarmado de fé e corroído pelos remorsos incessantes, com o sangue nas mãos, da vítima que representava todas as vítimas que lhe sofreram a injunção criminosa, que se avolumava, e sem valor moral para a reabilitação através do bem, atirou-se, inerme, infeliz, na cratera profunda de um vulcão extinto, fugindo da vida física para adentrar-se na 5ida onde a Verdade estua perene.

O sonho da esposa, naquela noite terrível e fria, cumprira-se.

Ela o advertira: — "Este homem, durante toda a noite, fez-me sofrer em sonho. Não te envolvas com Ele. " Em todos os tempos, os Pilatos do mundo requintado e torpe lavam as mãos a respeito dos destinos dos Cristos-amor, perseguidos pelos dominadores dominados pelas quimeras.

O amor, porém, sobrenada no mar dos ultrizes comportamentos apaixonados.

São eles que repetem o código soberano das bem-aventuranças, abrindo espaços para os que anelam por um mundo melhor e mais feliz, edificando o "Reino de Deus" no país das almas.

Barrabás, Pilatos ou Jesus - eis o desafio de ontem e de hoje.

No passado, os adversários de Jesus preferiram Barrabás - filho de pai - e Pilatos, na representação da suprema covardia moral.

Estes, no entanto, passaram, a morte os recolheu...

Quem, no entanto, elegeu Jesus, vive na memória do bem e desfruta felicidades, embora a vida os tenha chamado...

Os primeiros, Barrabás e Pilatos, são símbolos de execração, enquanto Jesus permanece como o ideal de dignificação e engrandecimento do homem e da sociedade, amado e aguardado.




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