Pelos Caminhos de Jesus

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CAPÍTULO 25

PRISÃO E LIBERDADE

Mal apagadas as chamas que devoraram a cidade, ainda fumegante o imenso rescaldo de Roma estupefata, e já se mobilizavam os sicários que perpetraram o crime, na busca dos responsáveis pelo incêndio da capital do Império.

Não seria a primeira vez que vítimas inermes responderiam pelo erro dos poderosos, sem direito a defesa.

Agora, porém, o populacho e a aristocracia exigiam reparação pelos danos sofridos, os imensos prejuízos experimentados.

As famílias ao desabrigo, a fome e as enfermidades rondando os milhares de flagelados espicaçavam-lhes a ira contra o imperador e seus áulicos, sob a segura suspeição da autoria da lamentável tragédia.

As promessas de reconstrução de uma cidade, mais bela e feliz do que a carbonizada, não acalmavam as angústias nem as fúrias dos prejudicados e desditosos.

A uma só voz, todos desejavam reparação pública, uma desforra.

Nesse clima de ódios, entre ansiedades e medos, Nero, inspirado pelos correligionários da alucinação desmedida, lembrou-se dos cristãos.

Tolerados pela "Lex romana", como praticamente todos os que cultuavam seus deuses e religiões trazidos para o Império na razão em que ele estendia os seus territórios, e de certo modo confundidos com o Judaísmo, que gozava do privilégio de "religião nacional", os seguidores de Jesus foram colhidos pela armadilha da impiedade quando o imperador declarou que não era "lícito ser cristão", iniciando as rudes e dilaceradoras perseguições a partir daquele tormentoso ano de 64.

A carnificina sistemática se alongaria por 249 anos, com intermitências de tolerância e recrudescimento, até o dia 13 de junho de 313, quando Constantino firmou o Edito de Milão, liberando os descendentes de Jesus da ilicitude de praticarem o seu culto e de viverem fiéis aos postulados abraçados.

Não obstante as ásperas provações de que se viam objeto, jamais se deixaram, os discípulos do Amor não amado, atemorizar.

Quanto mais se faziam cruas e perversas as técnicas de expurgo e destruição das suas vidas físicas, mais eles se multiplicavam, dando os comoventes e formosos testemunhos coletivos de martírio, de que a História tem notícia...

Ameaçados da perda da liberdade de movimentos, eles se deixavam prender e consumir sem qualquer resistência física, fiéis aos ditames da fé que os iluminava e da esperança que os fortalecia. "Liberdade maldita"— referiam-se àquela que lhes facultava viver na Terra após a atitude de apostasia, negando Cristo para se submeterem aos ídolos que constituíam um dos pilares transitórios da civilização pagã na qual viviam.

A verdadeira liberdade, consideravam ser aquela que lhes permitia crer e agir mesmo sob pressão e diante das mais torpes maquinações engendradas pela truculência humana.

Cárceres abarrotados, sem luz, sem alimento ou higiene mínima, nos quais os cadáveres se decompunham; ferro em brasa e suplícios de longo curso; cruzes e esquartejamentos sistemáticos;

lâminas cortantes a retalhar-lhes as carnes; abjeções hediondas a que eram, pela força, submetidos; feras esfaimadas e gladiadores selvagens ávidos de glórias e bajulações que os estraçalhavam;

labaredas em postes untados de breu iluminando as noites;

archotes vivos em que se transformavam; perseguição à família, com banimento e humilhação, jamais lhes quebrantavam o ânimo.

Recordavam o ensino do Mestre, que lhes houvera anunciado: "No mundo, somente tereis aflições", ao mesmo tempo d’Ele evocando a vitória sobre o mundo.

Mimetizados pela presença de Jesus, eram fortes, embora a fraqueza; faziam-se estoicos apesar da debilidade nas resistências individuais; tornavam-se ditosos, não obstante os receios, legando o mais precioso tesouro de fé de que se tem notícia.

Crianças e anciãos, homens e mulheres transfiguravam-se sob o testemunho, atormentando os verdugos que se revoltavam ante a pacificação e a coragem de que davam provas.

Ameaças cada vez mais dramáticas, e campeonatos de brutalidade não lhes diminuíam a robustez da fé.

Propostas de contemporização, promessas de absolvição e convites rendosos a que renunciassem ao Mestre não os sensibilizavam. Pelo contrário, mais os estimulavam, ao constatarem a fraqueza do opressor, que dominava por um pouco, mas que não seria poupado pela vida à inexorável jornada da morte inglória e desventurada...

Parecia tão pouco, negarem Jesus com os lábios e continuarem a segui-lO com o coração, poupando a vida, mas para eles isto representava indignidade e delação, porquanto a liberdade real decorria do valor de perseverarem livres interiormente, embora a prisão física e a injunção governamental que lhes prometia punição...

Orígenes, futuro pai da Igreja nascente, jovem, animava o genitor no cárcere, por carta, para que não se preocupasse com a família e prosseguisse fiel à consciência até o fim.

Era a glória do martírio impresso nos painéis da alma, aguardando somente a oportunidade de vivê-lo.

Eles sabiam que a adesão ao Cristo era, também, cárcere e morte, com o que se rejubilavam.

Prisão significava-lhes a consciência apóstata, o compromisso com os erros, o apoio à legislação arbitrária, a vinculação com o crime, enquanto liberdade era o estado de total ação íntima sem barreira nem limite, apesar dos calabouços onde eram jogados e das celas imundas a que eram relegados, enquanto aguardavam a hora do martírio feliz...

Policarpo, com 86 anos, convidado pelo procônsul a abjurar, sob a condição da idade provecta e tentado pelas promessas de que não lhe exigiriam maior demonstração de culto aos deuses, teve a grandeza de reagir, dizendo: — "Há 86 anos que O sirvo e não tenho de que me envergonhar. Não seria agora que iria deixar de fazê-lo. " Ante as chamas das fogueiras que clareavam as noites romanas, mais brilhavam os círios divinos da esperança, nos céus da Metrópole pagã, anunciando o futuro...

Enquanto as carnes se faziam retalhadas por garras e tenazes de ferro e os corpos apodreciam, mais eles se afervoravam na sublime transformação interior.

Fizeram-se os heróis sem nome da fé cristã, cujas vidas são o testemunho vivo da grandeza e do poder de Jesus, que permanece convidando-nos a segui-lO, apesar dos difíceis dias da atualidade.


* * *

Prisioneiros das paixões destruidoras enxameiam por toda parte, macerados e exauridos, transitando nos limitados espaços das dependências viciosas a que se ergastulam, enquanto livres das algemas do crime e da conivência infeliz com o erro, os discípulos de Cristo, na fé renovada que os 1mortais lhes trazem, deixam-se crucificar nas incompreensões, arder nas renúncias, rasgar-se nas provações, consumir-se nas tenazes dos testemunhos silenciosos, balbuciando, à hora da libertação, um canto de esperança: — Glória a Ti, que nos amas e por cujo amor estamos doando a vida!




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