Pelos Caminhos de Jesus

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CAPÍTULO 6

HERDEIROS DA TERRA

Contrastando com a harmonia da Natureza esplendente de cor e onomatopeias ritmadas, naquele dia, as inquietações humanas perturbavam a alma simples e generosa de Simão.

O maduro companheiro de Jesus sempre exultava diante das ocorrências felizes que presenciava: cegos recuperando a visão;

paralíticos voltando aos movimentos rápidos; surdos em exclamações de felicidade após recomporem a acústica auditiva;

enfermos outros em transe de saúde momentânea e a gratidão estampada na face dos beneficiários do inexcedível Amor que lhes dispensara as bênçãos.

Não poucas vezes, observava, igualmente, o Amigo envolto em sublimes claridades que O aureolavam, produzindo uma visão inesquecível. Noutras oportunidades, percebera-O preocupado, em estranhos mutismos como a pressentir as tragédias inevitáveis que se acercavam...

Todavia, eram os Seus sermões que o atemorizavam. É verdade que Ele falava com invulgar autoridade, conseguindo submeter quantos Lhe escutavam as assertivas, como se uma força transcendente magnetizasse as multidões, silenciando-as, consolando-as, erguendo-as com dignidade, como dantes jamais alguém conseguira feito equivalente.

A urdidura maléfica produzida pela inveja e despeito dos fariseus, dos saduceus e publicanos — as castas poderosas e dominadoras — já se alastrava, gerando descontentamentos, que Ele ignorava com sobranceria.

Um exame acurado dos Seus ensinamentos proporcionaria recursos para voltá-Lo contra Israel ou Roma, que O espiavam pelos olhos cobiçosos de traidores bem-remunerados...

Os Seus amigos eram a pobreza, o sofrimento, representados pelos oprimidos e desditosos impossibilitados de O ajudarem num momento grave.

Foi, portanto, sacudido por tais reflexões pessimistas, que o pescador galileu se acercou do Mestre, na praia, nas circunvizinhanças de Cafarnaum e apresentou-Lhe as preocupações tormentosas.

Arrolou algumas diretrizes basilares da Boa-nova e solicitou esclarecimentos, entre tímido e emocionado.

O Senhor ouviu-o com a habitual gentileza, na qual transpareciam a compreensão e a sabedoria.


Após as considerações preliminares, o discípulo, receoso, indagou:

— A Lei manda que se preserve a capa, mesmo a daquele que está caído em desgraça, porquanto está lhe pode servir, na emergência da miséria, como agasalho, na friagem da noite, e, no entanto, propões que lhes dês também a quem a pedir a túnica. Como conciliar esta atitude com o Estatuto de Israel?


O Mestre olhou em derredor e, abarcando a paisagem luminosa do dia em festa, respondeu:

— Vê a tua volta, Simão. O Sol que oscula o monte beija o vale, dando vida a toda a paisagem sem distinção de área a visitar... Tomar capa de quem nada possui é uma arbitrariedade; todavia, dá-la, por amor, afim de auxiliar a quem lhe pede túnica, é conquista superior de solidariedade.

— E a face, Mestre? —, redarguiu o amigo, interessado. — Disseste que se deve oferecer o outro lado, quando esbordoado...

As condições legais estatuem que bater na face de um homem é uma ofensa imperdoável. E tu violas o regulamento, propondo a doação do lado oposto para a mesma agressão?

— Não venho derrogar - ripostou o Ouvinte - nenhum item da legislação a que nos submetemos, entretanto, revidar o golpe é gerar complexidades do ódio. Quem é vítima conquista a paz, mas o agressor perde a dignidade e se apresenta sempre como enfermo que ignora a doença que o consome. Reagir contra o fraco que agride, transforma-se num duelo de desequilibrados. A Boa-nova é mensagem de edificação, jamais de rebaixamento e vileza.

— Ainda assim — aduziu, interrogando, o companheiro —, mandas amar o inimigo, ajudar o próximo, embora este pertença a outra regra. Não será perigoso sustentar o adversário, quando ele merece punição?

— De certo modo tens razão — anuiu o Interlocutor Divino —, porque o inimigo, o adversário do homem, não é o outro homem, mas ele mesmo, são as suas paixões e mesquinhezas, seu egoísmo, seu amor-próprio; e esses cruéis verdugos devem ser frenados, corrigidos, e não aquelas imperfeições que impelem o outro, o próximo, a assumir atitudes hostis. Israel, no cativeiro no Egito e na Babilônia, deveria ter aprendido quanto é dolorosa a situação de alguém em terra estrangeira... Inobstante, trata com benevolência aqueles alienígenas que aceitam a sua Lei, perseguindo os que não lhe compartem os ideais e tachando estes de gentios, olvidando-se que Deus é o Pai de todos os homens, destes fazendo, em consequência, irmãos da mesma família universal...

Sim, sim, concordo - aquiesceu Pedro. — Apesar disso, revelas que somente os que porfiarem até o fim herdarão a Terra, exaltando os pobres e oprimidos. Não será esta afirmação um risco?


— Simão — elucidou o Benfeitor Amoroso o próprio Moisés, que teve a incumbência de conduzir o povo à terra da promissão, nela não se adentrou... Isto porque a morte a todos arrebata, não ficando pessoa alguma proprietária de qualquer bem. Os que porfiarem até o fim, no ideal do amor, herdarão a terra da felicidade, no país dos sentimentos nobres. Os oprimidos se libertarão das mãos escravagistas; os pobres se enriquecerão de bênçãos; os infelizes se rejubilarão; os combalidos se apresentarão fortalecidos, caso perseverem no amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmos, porque não há situação penosa ou feliz, gratificante ou inditosa que, no mundo, não passe. "A morte é a grande libertadora que altera a face das coisas, e, viajando nas asas do tempo, a todos os seres alcança, conduzindo-os à consciência pessoal livre, que os situará no plano a que fazem jus, na Casa de meu Pai. " O discípulo ainda desejou argumentar, no entanto, Jesus, acompanhando a marcha da luz do dia, apontou as boninas escarlates que coloriam a grama verde, ao lado dos junquilhos alvinitentes, e encerrou a entrevista dizendo:

— Nossas vidas estão nas mãos do Pai, que cuida das flores miúdas, das aves dos céus, dos bosques e dos animais, cumprindo-nos o dever de fazer a nossa parte, que é o bem sem cessar, amando sempre e ensinando a verdade sem receio, nunca temendo aqueles que podem, cruéis, matar os corpos, não fugindo, por sua vez, à lei da própria consumpção carnal...


Assim, trabalhemos e implantemos o Reino de Deus em nós, ajudando e confiando até o fim, para herdarmos a terra da fraternidade pura, inaugurando, desde agora, a Era da verdade nas mentes e corações humanos com os olhos postos no futuro. " Silenciando, por momentos, enquanto o discípulo se ensimesmava em reflexões, convidou-o, por fim:

— Saiamos daqui. E necessário trabalhar. O tempo urge. Sigamos. A multidão espera por nós na terra das necessidades.




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