Pelos Caminhos de Jesus

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CAPÍTULO 9

CANDIDATOS AO REINO

A semana transcorria febril. A agitação substituíra a calma habitual naqueles convidados para a Nova Era. Haviam deixado os seus haveres e interesses, abraçando as perspectivas e ambições diferentes, que lhes acenara, quase sem palavras, o estranho e poderoso Rabi.

O Seu olhar, ao alcançar-lhes a intimidade das almas, fizera que um incêndio interior lhes devorasse as pequenezes anteriores a que se aferravam.

Parecia que O aguardavam, fazia muito, e que já O conheciam desde antes, num remoto passado de que a memória não lograva recordar.

O primeiro encontro fora-lhes definitivo. Em vão revolveram os refolhos da alma, procurando identificá-lO. Esforçaram-se mesmo por arrancar-lhe a presença, terna e mágica, das suas vidas.

Queriam-nO e não O queriam, numa ambiguidade perturbadora de sentimentos.

Aquele amor os fascinava e atormentava.

Prometia-lhes em silêncio uma extremada ventura que os encantava e, ao mesmo tempo, fazia-os temer.

O certo é que não estavam acostumados ao amor, nem àquele suave e poderoso convívio com Jesus.

Ele os dulcificava e lhes preenchia os imensos abismos do coração.

Reconheciam as fraquezas próprias e desejavam fugir d’Ele, como se algo os ameaçasse ou conspirasse para que não fossem felizes ao Seu lado.

Não obstante, ficaram e procuravam ser-Lhe fiéis.

Já se acostumavam com as Suas profundas exortações, enquanto se fascinavam com as Suas interferências nas vidas, restaurando a saúde física e mental em todos aqueles que Lhe buscavam o socorro.

Por isso, estavam um tanto inquietos, eufóricos.

Por fim, haviam sido lançadas as bases do Reino a que Ele se referira por várias vezes.

Jesus lhes falara da grande construção, da renovação da Terra, que se modificaria e do homem novo do amanhã.

Foi nesse clima de exaltação emocional que, ao término da semana de contentamento, aproveitando a magia da noite constelada num céu de turquesa escura, Tiago, habitualmente reflexivo e reticencioso, procurou o Mestre acompanhado por três personalidades, apresentando-as ao Construtor Divino.

Não era aquele um fato inusitado.

Com certa frequência, amigo e discípulos traziam interessados, que Ele ouvia com ternura e bondade.

Podia-se notar pela suas vestes caras e adereços raros a posição social que desfrutavam.


Saudado, carinhosamente, pelo discípulo, este disse com emotividade malcontida:

— Ouvindo-Te as instruções acerca da Idade Nova que já inauguras e em torno do programa de edificações em pauta, consegui interessados para contribuírem contigo, em favor do novo Reino, na Casa de Israel.


Fazendo um silêncio para bem colocar as propostas, convidou um deles, de aspecto venerando, e o apresentou, informando:

— Este é Sadock ben Eliazar, famoso construtor, admirado e por todos buscado, graças à segurança e majestade que dá às suas obras. Ele deseja participar do empreendimento no qual nos encontramos engajados.


Dirigindo-lhe o olhar penetrante, o Senhor aguardou-lhe o pronunciamento, que se não fez demorar: — De fato - completou o candidato — encaneci os cabelos na ciência e arte da construção. As obras mais famosas de Jerusalém, à exceção do augusto Templo, passaram pelas minhas mãos ou as dos meus auxiliares nas últimas quatro décadas. "Estou interessado na tua empresa, de que fui informado, pretendendo oferecer plantas e operários, material e experiência de que disponho. Todavia... " A interrupção significativa criou um natural silêncio, que ele próprio quebrou, ao completar:

— (...) Todavia desejo o anonimato. Tenho família honrada e distinta, um nome a zelar... Tal realização, parece-me, é revolucionária e os riscos, inevitavelmente, são grandes. Roma nos esmaga, e o Sumo Sacerdote nos vigia. Qualquer deslize ou descuido pode arruinar o programa. Eu não tenho o direito de pôr em risco desnecessário aqueles que confiam em mim.

Sorriu, algo constrangido, e afastou-se com elegância.

O apóstolo, contente, apresentou o outro amigo, de meia-idade, robusto, retratando a boa nutrição e cuidados de que desfrutava.

— Aqui temos Melquíades Bar Josafá, homem dos mais estimados de nossa geração. Rico, é possuidor de largos tratos de terra e senhor de muitos trabalhadores. Justo e bom, sentiu-se atraído, graças às informações que lhe dei, a cooperar com a tarefa que se delineia.


Porque Jesus o olhasse em interrogativo silêncio, o apresentado completou sem acanhamento:

— Os meus bens procedem de ancestrais veneráveis de nossa raça, a que tenho a honra de pertencer. Pressinto que o revolucionário esperado já chegou, e que és Tu... Assim, predisponho-me a ajudar-Te, oferecendo-Te dinheiro e tudo quanto necessitas para a vitória. Entretanto, não me posso apresentar pessoalmente para as operações que serão desencadeadas. No momento, encontro-me sob pesados compromissos que me exigem a presença a fim de lograr as soluções exitosas. Cumpre-me preservar os deveres abraçados, enquanto estabeleço compromissos novos para amanhã.


O Mestre olhou para o terceiro visitante, que Tiago conduziu com entusiasmo, informando:

— Este é Benjamim, que vem da casa de Judá, e é especialista em estratégia militar. Nestes dias, consultado por patriotas insatisfeitos com os romanos e também açudados por alguns sacerdotes mais ortodoxos, aconselhou-os a esperar, por não ser este o momento hábil para abater a águia devoradora que consome as carnes do nosso povo enfraquecido.

Hábil e profundo conhecedor das manobras militares, apesar da sua juventude, fez-se conselheiro de experimentados chefes de guerra...

Ouviu-me falar de Ti e candidata-se...


Sem aguardar o convite para externar-se, foi vencido pelo entusiasmo juvenil, e acrescentou:

— E verdade, Senhor. Desde o primeiro momento em que tomei conhecimento da Vossa tarefa, que percebi ser ela a portadora da vitória.

Um homem que enternece pela palavra e que cativa pelo coração, arrasta as multidões e comove os soldados. Líder natural, faz-se símbolo do povo e agita as massas. Vosso verbo incendeia e o Vosso comando supremo arrebata. Assim, coloco-me às Vossas ordens para o combate. Servirei sob 5osso comando e estou disposto a ofertar-Vos as minhas habilidades. Sou moço e sonhador, Nada temo. Apesar disso, gostaria de governar Jerusalém, após as refregas, quando a vitória nos der a palavra da glória...

Havia emoção e alegria no jovem.

Jesus, porém, agradeceu gentilmente a oferta dos três nobres candidatos e pediu licença para retirar-se da sala.


Tiago, decepcionado com a indiferença do Amigo, após externar o seu agradecimento com encômios e bajulação aos visitantes, correu à presença do Benfeitor silencioso e, não sopitando o aborrecimento, explodiu:

— Não Te entendo! Programas uma obra, um Reino novo e uma revolução libertadora, todavia, quando Te trago o que há de melhor, não tens sequer uma palavra de consideração, entusiasmo ou estímulo para com eles ou para comigo. Que pretendes afinal?!


Jesus relanceou o olhar pelo Infinito atingível e, muito calmo, esclareceu:

— Venho fundar o Reino de Deus nas almas, sem aparências exteriores. Os do mundo são transitórios, por mais opulentos se apresentem. Erigidos com mão escrava e argamassados com sangue, carne e lágrimas, ocultam por detrás das fortes paredes as misérias dilaceradoras que não conseguem modificar. O meu Reino é estruturado com o amor e a renúncia, objetivando a libertação das consciências e dos sentimentos. Programado para a vida eterna, exige dos que se candidatam à sua edificação o sacrifício, a abnegação e o espírito de serviço.

— Mas, Senhor — interrompeu-O o companheiro, desiludido —, trata-se de excelentes cooperadores, que poderias utilizar, apressando a obra.

— Sem dúvida, Tiago - ripostou-lhe —, são pessoas distintas e poderosas. Convém, porém, recordar, que o primeiro ambiciona manter as comodidades e a projeção, distância e discrição, não se submetendo a riscos nem a sacrifícios pessoais. O segundo, montado em valores que passaram por várias gerações, pretende permanecer guindado na posição que desfruta, e o último, embora sonhador e jovem, é carniceiro presunçoso, exigindo uma governança faustosa para a vaidade que o asfixia na ambição desmedida. Contudo, respeitando-lhes a visão da vida e os interesses a que se apegam, os meus planos divergem inteiramente dos seus interesses atuais. Talvez, a minha edificação, em face da sua própria estrutura de valor íntimo e eterno, demore de ser lograda, mas será conseguida um dia. Enquanto isso, eles passarão deixando os valores que retêm momentaneamente para outras mãos, as honrarias para outros equivocados e os tronos para diversos lutadores desassisados. Eu, porém, que os antecipei, estarei acima deles, reunindo os que têm fome e sede íntimas de justiça e paz, anelando pelo Reino do Céu, destituído de aparências externas a eternizar-se no coração.

Um grande silêncio se abateu no ambiente, apenas quebrado, de quando em quando, pela voz do vento nas ramagens do arvoredo.




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