Quando Voltar a Primavera

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QUANDO VOLTAR A PRIMAVERA

Historiadores dedicados em estatística provável, por falta de dados exatos, numa retrospectiva dos sucessos humanos, chegaram à lamentável conclusão de que pouquíssimas vezes a Terra esteve sem a presença da infame e famigerada hidra guerreira... Os generais governaram mais do que os filósofos; os aventureiros belicosos dominaram quase sempre e dirigiram mais as nações do que os sábios.

Povos sempre têm estado lutando contra povos, e nações a cada dia se hão levantado contra nações, pouco importando o número de vidas ceifadas nas paixões militares.

A imensa caravana de conquistadores arbitrários, embora siga em marcha contínua para o túmulo, com o esboroar das suas aquisições e pilhagens resultantes do fragor de batalhas cruéis, nada ensinou à posteridade.

Homens que tiveram o poder e a governança transitória nas mãos, déspotas, bajulados nos seus carros e tronos de ouro, seguiram invejados e odiados à sepultura fria para os inconcebíveis despertamentos nas regiões de dores inomináveis e sombras, onde pululavam suas vítimas sedentas de desforços, ali se comburindo em expectativas de ódio, após constatarem a sobrevivência do corpo, que aqueles espezinharam e consumiram...

As lições do passado torpe, de lutas fratricidas, nada ensinaram historicamente às gerações futuras, senão a melhoria da estratégia de combate e as artimanhas de destruições mais violentas quanto calamitosas.

A História tem-se repetido, demonstrado que a "luta pela vida" se tornou mais feroz, desde que açulada pela cobiça desmedida.

O conhecimento arquitetado para a aquisição da felicidade, não raro, tem engendrado o despotismo, a ditadura do poder, a criminalidade desordenada...

Uma tão grande sementeira de arte, cultura, ciência e ética, em milhares de anos de civilização, parece hoje resultar numa colheita de amarguras em que o homem penetra estiolado, aturdido, sem rumo.

Em 3. 500 anos aproximados de História, apenas por menos de três séculos se viveu sem guerras! ...

Há, no momento, grandeza e miséria que se misturam como nos dias da barbárie, em trajos novos e convivência velha...

Luzes da inteligência e trevas da razão em negociatas da insensatez e do despautério.

As páginas eloquentes de Homero, Hesíodo, Sólon e Píndaro; de Plauto, Terêncio e Catão, o Antigo; de Virgílio, Horácio e Ovídio, do passado, são amarfanhadas e jogadas fora ante a onda de demência que surge em nome da permissividade, da valorização do sexo, da propaganda do escândalo, da publicidade das pústulas morais dos fracos que passam como fortes, sem sugestão sequer de terapêutica ou outra finalidade, senão vender misérias morais e fruir jogos...

As figuras venerandas de ontem, que deram valiosos contributos, tombam feridas pelo escalpelo da frivolidade, cujo gume de bisturi rebusca suas fragilidades humanas, a fim de destruir o mito, dizem os apologistas da violência, e apresentar somente suas quedas, suas desordenadas e abissais fraquezas, em irremediáveis mutilações de resultados sempre danosos...

Arquitetam-se programas de paz, celebram-se acordos de justiça e solidariedade para serem quebrados, violados um momento depois.

Os veículos poderosos de comunicação, podendo apresentar as claridades do futuro, na "aldeia global" dos homens, quase somente divulgam as sombras que dominam a atualidade.

Um longo inverno se abate sobre a Terra e o homem tomba em triste noite moral!

A "Ilíada" e a "Odisseia" são uma síntese da civilização grega, suas lutas, narrações, batalhas, poemas, discursos, epopeias cantando na boca de Homero... "Os Lusíadas" narra a grandeza de um povo que ama, que se lança ao mar para crescer e conquistar terras longínquas... "Don Quixote de la Mancha" retrata as loucas ambições de um fidalgote exaltado pela leitura dos livros de cavalaria, em personagem comovedora, assistido pela sensatez, finura de trato do seu escudeiro Sancho Pança, ardente de fé que reflete em sua alma a grandeza dos sentimentos nobres de justiça e poesia para os quais sempre se dirigem...

Shakespeare celebra a tragédia de Hamlet entre as nobres buscas da estesia do príncipe e os tormentos íntimos num meio insano e cruel que o torna louco, não obstante a ternura de Ofélia, de encantadora poesia.

O Romantismo embeleza a Terra por um dia, libertando o escritor das regras de composição e estilo clássico, e logo depois vem o Realismo, candidatando-se a reformular o romance, repetindo a vida e, logo depois, a nau da literatura, que deslizava em águas tranquilas, subitamente encalha nos escolhos sociais, morais, políticos, no que há de mais enfermo na Humanidade...

E certo que antes, também, Boccaccio, Barbosa du Bocage e seus êmulos cuidaram de assuntos fortes, da fornicação, arrancando os lados escabrosos da sexualidade, de que se aproveitou Donaciano Sade, para a revivescência das enxovias morais e deletérias da comunidade parisiense representativa da colmeia humana...

A magna Grécia, que oferecera os mais altos espécimes da Tragédia, pareceu subitamente ressuscitar na atualidade, em feições deformadas para atender à sanha dos desregramentos que dominam todas as latitudes do planeta...

Uma vaga de aflições em pelagos vorazes supera a imaginação prestes a afogar os ideais de beleza do pensamento! ...

Acima, todavia, de todos os livros e mais debatido do que todas as Obras da Humanidade, o Evangelho de Jesus retorna às criaturas destes dias.

Nenhum outro que o supere em poesia e em realismo, em romance e em tragédia simultaneamente...

Um pequeno livro, todavia, mais expressivo do que todos os que foram escritos antes ou depois dele.

Como uma fagulha ateia um incêndio; qual um grão de mostarda ou uma semente de trigo se multiplica numa Seara inteira, rica e abençoada.

Nenhuma síntese de moral pôde ultrapassá-lo.

Os combates acirrados ao seu conteúdo, por mais intensos, jamais conseguiram destruí-lo.

Os homens que lhe receberam a claridade tornaram-se luzeiros na noite humana, e mesmo quando foram perseguidos e consumidos não se deixaram vencer...

Desse livro ímpar nos utilizamos para os escritos que se lerão.

Não constituem um livro histórico sobre Jesus e Sua época. São respigares de fatos e acontecimentos que ora obedecem à cronologia da Sua vida, ora se subordinam à nossa concepção, apesar de perfeitamente localizados nos textos e nas ocorrências evangélicas.

Algumas páginas apareceram oportunamente na imprensa leiga e espírita, aqui ressurgindo coordenadas para o singelo trabalho que ora trazemos a lume.

Modesta contribuição evangélica para estes dias, são pinceladas de ternura, cromos evocativos, doações da alma para a reflexão dos que confiam no amanhã ditoso. Oxalá que estes estudos consigam luarizar alguns Espíritos em rudes batalhas ou despertar alguns outros que dormem...

Nenhuma presunção literária ou unção exegética, ou desejo vão.

Após meditar longamente no sempre jovem poema da Boa-nova, reunimos estas narrações com que desejamos homenagear os que esperam passar este inverno e esta noite na certeza de que tudo mudará quando voltar a Primavera...

Jesus prossegue sendo a eterna Primavera por que todos anelamos.

Esperar a Sua volta é a ambição que devemos, no momento, acalentar, preparando a Terra desde então para esse momento de vida, beleza e abundância...


Salvador, 14 de junho de 1976.


AMÉLIA RODRIGUES




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