Quando Voltar a Primavera

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CAPÍTULO 20

O ESTRANHO ENCONTRO

Aminadab, velho e opulento mercador, resolveu aposentar-se após a laboriosa existência. Cercando-se de comodidades, apresentou à alma um programa de fascinante felicidade para os últimos dias da vida.

Quando já desfrutava dos favores que a fortuna pode adquirir, ouviu peregrinos falarem de Jesus, que afirmava se encontrarem fechadas as portas dos Céus aos opulentos e gozadores...

Impressionado pela assertiva ousada do Homem Desconhecido, e tocado no sentimento por outras anotações que coligira a respeito dos Seus discursos, o velho ambicioso resolveu partir em caravana faustosa, ao encontro do estranho Messias.

Aproveitando a quadra risonha da primavera, empreendeu a viagem, acomodando-se em liteira ornada de sedas e ouro, à moda romana, ordenando aos servos que o conduzissem às margens frescas do mar da Galileia, onde Ele costumava pregar.

Acompanhado por um cortejo de alegres amigos, passava as noites sob a luz coruscante das estrelas em barracas de cores álacres.

Embora o júbilo da jornada, Aminadab sentia no coração, indefinível, desconhecido anseio de seguir o estranho Nazareno que lhe fascinava a alma cética e cansada, ao encontrá-lO, se fossem verdadeiros os fatos que Lhe exornavam o nome.

A viagem fazia-se longa e cansativa para quem vinha de além das bandas áridas da Pereia, vencendo caminhos abrasados, onde a miséria enxameava.

Poucos dias de marcha empós, em clara manhã, a jovial caravana parou junto ao antigo poço que atendia a sede de aldeia vizinha e misérrima. Ventos impiedosos, à véspera, obstruíram a generosa fonte, deixando aflitos e infelizes os beneficiários da sua linfa clara.

Aminadab contemplou os semblantes marcados de dor em mulheres miseráveis e homens alquebrados ante a nascente perdida e, embora sentisse, num ímpeto desconhecido, veemente vontade de refazer o poço, lembrou-se da viagem encetada, continuando, indiferente, a jornada.

Adiante, quando já escutava o murmúrio do mar abraçando as praias pedregosas, crianças esfaimadas, qual bando de pardais, inspirando compaixão, cercaram a caravana, a suplicarem socorro...

O viajante experimentou novo impulso de generosidade ante os míseros meninos, desejando ofertar algumas migalhas das muitas reservas que carregava, no entanto, desculpou-se consigo mesmo, considerando não poder resolver o problema de todo mundo que passava necessidades, e avançou mais apressado, ordenando aos escravos que se afastassem de tais caminhos.

Já à orla do mar, em incendiado crepúsculo, enquanto procurava o Rabi miraculoso, Aminadab vislumbrou a certa distância um grupo entretido junto a velho barco encalhado na areia.

Acercou-se, ligeiro, dos homens, e indagou por Jesus.


A resposta fulminou as esperanças do mercador aposentado:

— Jesus partira para Jerusalém ao amanhecer daquele dia...

Fitando o rosto do interlocutor, Aminadab descobriu as pústulas da morfeia no semblante desfigurado do estranho. Não teve forças para correr. Todos os que ali estavam vinham tangidos da Síria pela dor, em busca do abençoado Taumaturgo e não O encontraram.

Desejavam seguir até Jerusalém, todavia, sem dinheiro nem pão, discutiam os meios de como continuar a empresa.

Aminadab apiedou-se deles. Quando se dispunha a doar-lhes algumas moedas de ouro, lembrou-se de si mesmo e fugiu, qual alucinado pelo pavor, indo banhar-se e untar o corpo com óleos perfumados, a fim de liberar-se do contágio.

Demorou-se pela agradável região e depois seguiu com os áulicos e amigos a Jerusalém. Quando lá chegou, todavia, o Mestre houvera partido para o Reino...

Aminadab, desencantado, então, chorou.

Abandonou sozinho a cidade, e procurando as árvores vetustas, perto dos arredores, repousou o corpo fatigado. Profundo cismar empolgou-lhe a alma decepcionada.

Por que fora tão infeliz na excursão? -, indagava-se intimamente.

Sem se aperceber orou a Jeová, o Grande Deus, ralado na alma por dores torturantes. Descobriu que amava aquele Homem que fora sacrificado e de quem todos falavam com emoção.

Tão sincera foi-lhe a prece, que, entre as sombras da noite plena, Aminadab viu um ponto luminoso modelando um homem que se aproximava do local onde descansava...

— Que queres de mim? -, perguntou o visitante de vestes luminosas.

Aminadab levantou-se de um salto e compreendeu estar diante do Filho do carpinteiro.

— Contemplar-Te a face! -, respondeu apressado.

— Não tenho tempo de parar, a fim de atender-te, amigo -retrucou Jesus.

— Mas, Senhor — retornou o negociante que programara um roteiro de felicidade para a alma, na aposentadoria do corpo — abandonei o conforto do lar para vir conhecer-Te, suportando os perigos da longa viagem, ansioso por estar Contigo e não me podes deixar banhar o Espírito no oceano da Tua paz?

— Tenho seguido contigo, companheiro — acentuou o Mestre com meiga entonação de voz.

— Como não Te vi em parte alguma, Rabi? —, indagou ansioso e desolado, o hábil mercador.


Jesus sorriu triste e elucidou: — Quando a tua liteira se ergueu da terra e repousou no dorso dos escravos, eu te admoestei em colóquio contigo: — Por que deixar que os outros te carreguem, se tens pés sadios? "Escutaste na alma e silenciaste minha voz, com um encolher de ombros. "Junto ao poço vencido pelos ventos, a caminho da Galileia, estimulei o teu coração, sussurrando: — Levanta-te e ajuda-os, eles bendirão o teu nome. "Tinhas pressa de encontrar-te comigo e não quiseste parar. "Quando as crianças em sofrimento junto às praias do mar te rogaram pão, concitei-te ao socorro, todavia te enervaste com a algazarra da miséria infantil. "Por fim, quando te conduzi aos leprosos que também me buscavam, inspirando-te auxiliá-los a chegarem até mim, fugiste apavorado, negando-lhes ajuda. Sem embargo, desperdiçaste óleo e bálsamo para limpar-te de quaisquer impurezas... Aminadab!... " Depois de algum silêncio, Jesus, dispondo-se a seguir além, acentuou:

— Se me amas, conforme supões, vem e segue-me. A dor espera por todos nós. Renuncia a tudo e, só então, eu te darei um tesouro no Céu...

O Amigo em luz desapareceu entre as trevas em redor, porém, Aminadab, contristado, voltou a Jerusalém, reuniu os companheiros, retornou às suas terras e à comodidade transitória sem comentar o estranho encontro com quem quer que fosse.




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