Os mensageiros

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Capítulo XXXVII

No santuário doméstico


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Terminado o culto familiar, um dos companheiros também rendeu graças.

— Esperemos que esses celeiros de sentimentos se multipliquem, — disse Aniceto, sensibilizado. O mundo pode fabricar novas indústrias, novos arranha-céus, erguer estátuas e cidades, mas, sem a bênção do lar, nunca haverá felicidade verdadeira.

— Bem-aventurados os que cultivam a paz doméstica! — Exclamou uma senhora simpática, que estivera presente ao nosso lado, durante a reunião.

Dois cooperadores de “Nosso Lar” serviram-nos alimentação leve e simples, que não me cabe especificar aqui, por falta de termos analógicos.

— Em oficinas como esta, — explicou o instrutor amigo, — é possível preservar a pureza de nossas substâncias alimentícias. Os elementos mais baixos não encontram, neste santuário, o campo imprescindível à proliferação. Temos bastante luz para neutralizar qualquer manifestação da treva.

E, enquanto a família humana de Isidoro fazia frugal refeição de chá com torradas, numa saleta próxima, fazíamos nós ligeiro repasto, entremeado de palestra elevada e proveitosa.

O ambiente continuou animado, em teor de franca alegria.

Depois das vinte e três horas, a viúva recolheu-se com os filhos, em modesto aposento.


Intraduzível a nossa sensação de paz. Aniceto, Vicente e eu, em companhia doutros amigos, fomos ao pequeno jardinzinho que rodeava a habitação.

As flores veludosas recendiam. A claridade espiritual ambiente, como que espancava as sombras da noite.

Respirando as brisas cariciosas que sopravam da Guanabara, reparei, pela primeira vez, no delicado fenômeno, que não havia observado até então. Uma pequena carinhosa, enquanto a mãezinha palestrava com um amigo, despreocupadamente, colheu um cravo perfumoso, num grito de alegria. Vi a menina colher a flor, retirá-la da haste, ao mesmo tempo que a parte material do cravo emurchecia, quase de súbito. A senhora repreendeu-a, com calor:

— Que é isso, Regina? Não temos o direito de perturbar a ordem das coisas. Não repitas, minha filha! Desgostaste a mamãe!


Aniceto, sorrindo bondoso, explicou discretamente:

— Esta é a nossa Irmã Emília, servidora em “Nosso Lar”, que vem ao encontro do esposo ainda encarnado.

— E ele virá até aqui? — Interrogou Vicente, curioso.

— Virá pelas portas do sono físico, — acrescentou nosso orientador, sorridente. — Estas ocorrências, no Círculo da Crosta, dão-se aos milhares, todas as noites. Com a maioria de irmãos encarnados, o sono apenas reflete as perturbações fisiológicas ou sentimentais a que se entregam; entretanto, existe grande número de pessoas que, com mais ou menos precisão, estão aptas a desenvolver este intercâmbio espiritual.

Estava surpreendido. Aquele trabalho interessante, a que nos trazia Aniceto, com tão vasto campo de serviços gerais, fazia-me intensamente feliz. Em cada canto pressentia atividades novas.


Embora as luzes que nos rodeavam, notei que os céus prometiam aguaceiros próximos. As brisas leves transformavam-se, repentinamente, em ventania forte. Não obstante, as sensações de sossego eram agradabilíssimas.

— O vento, na Crosta, é sempre uma bênção celeste, — exclamou Aniceto, sentencioso. — Podemos avaliar-lhe o caráter divino, em virtude da nossa condição atual. A pressão atmosférica sobre os Espíritos encarnados é, aproximadamente, de quinze mil quilos.

— Todavia, é interessante notar, — aduziu Vicente, — que não sentimos tamanho peso sobre os ombros.

— É a diferença dos veículos de manifestação, — esclareceu Aniceto, atencioso. — Nossos corpos e os de nossos companheiros encarnados apresentam diversidade essencial. Imaginemos o Círculo da Crosta como um oceano de oxigênio. As criaturas terrestres são elementos pesados que se movimentam no fundo, enquanto nós somos as gotas de óleo, que podem voltar à tona, sem maiores dificuldades, pela qualidade do material de que se constituem.

A essa altura do esclarecimento, notei que formas sombrias, algumas monstruosas, se arrastavam na rua, à procura de abrigo conveniente. Reparei, com espanto, que muitas tomavam a nossa direção, para, depois de alguns passos, recuarem amedrontadas. Provocavam assombro. Muitas, pareciam verdadeiros animais perambulando na via pública. Confesso que insopitável receio me invadira o coração.

Calmo, como sempre, Aniceto nos tranquilizou:

— Não temam, — disse. Sempre que ameaça tempestade, os seres vagabundos da sombra se movimentam procurando asilo. São os ignorantes que vagueiam nas ruas, escravizados às sensações mais fortes dos sentidos físicos. Encontram-se ainda colados às expressões mais baixas da experiência terrestre e os aguaceiros os incomodam tanto quanto ao homem comum, distante do lar. Buscam, de preferência, as casas de diversão noturna, onde a ociosidade encontra válvula nas dissipações. Quando isto não se lhes torna acessível, penetram as residências abertas, considerando que, para eles, a matéria do Plano ainda apresenta a mesma densidade característica.


E, demonstrando interesse em valorizar a lição do minuto, acrescentou:

— Observem como se inclinam para cá, fugindo, em seguida, espantados e inquietos. Estamos colhendo mais um ensinamento sobre os efeitos da prece. Nunca poderemos enumerar todos os benefícios da oração. Toda vez que se ora num lar, prepara-se a melhoria do ambiente doméstico. Cada prece do coração constitui emissão eletromagnética de relativo poder. Por isso mesmo, o culto familiar do Evangelho não é tão só um curso de iluminação interior, mas também processo avançado de defesa exterior, pelas claridades espirituais que acende em torno. O homem que ora traz consigo inalienável couraça. O lar que cultiva a prece transforma-se em fortaleza, compreenderam? As entidades da sombra experimentam choques de vulto, em contato com as vibrações luminosas deste santuário doméstico, e é por isso que se mantêm a distância, procurando outros rumos…


Daí a momentos, penetrávamos, de novo, no salão abençoado da modesta residência.

Como quem estivesse atravessando um país de surpresas, outro fato me despertava profunda admiração.

Isidoro e Isabel vieram a nós, de braços entrelaçados, irradiando ventura. Aquela viúva pobre do bairro humilde vestia-se agora lindamente, não obstante a adorável singeleza de sua presença. Sorria contente, ao lado do esposo, via-nos a todos, cumprimentava-nos, amável.

— Meus amigos, — disse ela, serena, — meu marido e eu temos uma excursão instrutiva para esta noite. Deixo-lhes as nossas crianças por algumas horas e, desde já, lhes agradeço o cuidado e o carinho.

— Vá, minha filha! — Respondeu uma senhora idosa, — aproveite o repouso corporal. Deixe os meninos conosco. Vá tranquila!

O casal afastou-se com a expressão dum sublime noivado.

Nosso orientador inclinou-se para nós e falou:

— Observam vocês como a felicidade divina se manifesta no sono dos justos? Poucas almas encarnadas conheço com a ventura desta mulher admirável, que tem sabido aprender a ciência do sacrifício individual.




André Luiz
Francisco Cândido Xavier


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