Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858

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Capítulo 2

Junho Conversas familiares de além-túmulo

Junho

No mês de março passado, um jornal inglês noticiava o seguinte sobre o Sr. Morisson, que acabava de morrer na 1nglaterra, deixando uma fortuna de cem milhões de francos. Segundo o jornal, nos últimos anos de sua vida ele era presa de singular monomania: imaginava-se reduzido à extrema pobreza e devia ganhar o pão de cada dia com um trabalho manual. Sua família e seus amigos haviam reconhecido a inutilidade de tentar fazê-lo mudar de ideia; era pobre, não possuía um centavo e devia trabalhar para viver: essa a sua convicção. Punham-lhe, pois, uma enxada nas mãos a cada manhã, e o mandavam trabalhar em seus jardins. Logo vinham procurá-lo, pois sua tarefa estava concluída; pagavam-lhe um salário modesto pelo trabalho, e ele ficava contente; seu espírito era apaziguado e sua mania satisfeita. Teria sido o mais infeliz dos homens se o tivessem contrariado.


1. Peço a Deus Todo-Poderoso permitir ao Espírito Morisson, que acaba de morrer na 1nglaterra, deixando uma fortuna considerável, que se comunique conosco.

Resposta. — Estou aqui.


2. Lembrai-vos do estado em que vos acháveis durante os dois últimos anos de vossa existência corporal?

Resposta. — É sempre a mesma.


3. Após a morte, vosso Espírito ficou ressentido da aberração de vossas faculdades durante a vida?

Resposta. — Sim. (São Luís completa a resposta, dizendo espontaneamente): “Desprendido do corpo, por algum tempo o Espírito sente a compressão dos seus laços.”


4. Assim, uma vez morto, não recobrou vosso Espírito imediatamente a plenitude de suas faculdades?

Resposta. — Não.


5. Onde estais agora?

Resposta. — Atrás de Ermance.


6. Sois feliz ou infeliz?

Resposta. — Falta-me alguma coisa… Não sei o quê… Procuro… Sim, sofro.


7. Por que sofreis?

Resposta. — “Sofre pelo bem que não fez” (São Luís).


8. De onde provinha essa mania de vos imaginar pobre com tão grande fortuna?

Resposta. — Eu o era; verdadeiramente rico é aquele que não tem necessidades.


9. Qual a origem dessa ideia de que era necessário trabalhar para viver?

Resposta. — Eu era louco e ainda o sou.


10. Essa loucura vinha de onde?

Resposta. — Que importa? Eu havia escolhido essa expiação.


11. Qual era a origem de vossa fortuna?

Resposta. — Que te importa?


12. Entretanto, a invenção que fizestes não tinha por fim o alívio da Humanidade?

Resposta. — E enriquecer-me também.


13. Que uso fizestes da fortuna quando desfrutáveis da plenitude da razão?

Resposta. — Nenhum; creio que a gozava.


14. Por que vos teria Deus concedido fortuna, já que não devíeis empregá-la em benefício dos outros?

Resposta. — Eu havia escolhido a prova.


15. O que desfruta de uma fortuna adquirida pelo trabalho não é mais desculpável por se apegar a ela do que aquele que nasceu na opulência e jamais conheceu a necessidade?

Resposta. — Menos. (São Luís acrescenta): “Aquele conhece a dor, mas não a alivia.”


16. Lembrai-vos da existência que precedeu a que acabais de deixar?

Resposta. — Sim.


17. Que éreis, então?

Resposta. — Um operário.


18. Dissestes que éreis infeliz; vedes um termo ao vosso sofrimento?

Resposta. — Não. (São Luís acrescenta): “É cedo demais.”


19. De que depende isso?

Resposta. — De mim. O que está ali mo disse.


20. Conheceis aquele que está ali?

Resposta. — Vós o chamais Luís.


21. Sabeis o que foi ele na França no século XIII?

Resposta. — Não… Conheço-o por vosso intermédio… Agradeço por aquilo que me ensinou.


22. Acreditais numa nova existência corporal?

Resposta. — Sim.


23. Se tiverdes de renascer na vida corpórea, de quem dependerá a posição social que desfrutareis?

Resposta. — De mim, suponho. Já escolhi tantas vezes que isso não pode depender senão de mim.


Observação. — Essas palavras: “Já escolhi tantas vezes” são características. Seu estado atual prova que, apesar das numerosas existências, pouco progrediu, estando sempre a recomeçar.


24. Qual a posição social que escolheríeis, caso pudésseis começar de novo?

Resposta. — Baixa; avança-se com mais segurança; só se está encarregado de si mesmo.


25. (A São Luís) Não haverá um sentimento de egoísmo na escolha de uma posição inferior, na qual só estamos encarregados de nós mesmos?

Resposta. — “Em parte alguma estamos encarregados apenas de nós mesmos; o homem responde por aqueles que o cercam, e não apenas pelas almas cuja educação lhe foi confiada, mas ainda das outras: o exemplo faz todo o mal.”


26. (A Morisson) Agradecemos por haverdes respondido às nossas perguntas e rogamos a Deus vos dê forças para que possais suportar novas provas.

Resposta. — Vós me aliviastes. Aprendi.


Observação. — Pelas respostas acima se reconhece facilmente o estado moral desse Espírito; são curtas e, quando não monossilábicas, têm algo de sombrio e de vago: um louco melancólico não falaria de outro modo. Essa persistência da aberração das ideias após a morte é um fato notável, embora não seja constante, podendo apresentar, por vezes, um caráter bem diverso. Teremos oportunidade de citar vários exemplos, onde se estudam os diferentes gêneros de loucura.




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