Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858

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Capítulo III

Janeiro - Vários modos de comunicação

Janeiro
As comunicações inteligentes entre os Espíritos e os homens podem dar-se por sinais, pela escrita e pela palavra.

Os sinais consistem no movimento significativo de certos objetos e, mais frequentemente, nos ruídos ou golpes vibrados. Quando esses fenômenos têm sentido, não permitem dúvidas quanto à intervenção de uma inteligência oculta, porquanto se todo efeito tem uma causa, todo efeito inteligente deve ter uma causa inteligente.

Sob a influência de certas pessoas, designadas pelo nome de médiuns, e algumas vezes espontaneamente, um objeto qualquer pode executar movimentos convencionados, dar um determinado número de pancadas e assim responder, pelo sim e pelo não ou pela designação das letras do alfabeto.

As pancadas podem ser ouvidas sem nenhum movimento aparente e sem causa ostensiva, quer na superfície, quer nos próprios tecidos dos corpos inertes, numa parede, numa pedra, num móvel ou em qualquer outro objeto. De todos esses objetos, por serem os mais cômodos, dada a sua mobilidade e pela facilidade com que nos colocamos em sua volta, são as mesas os mais frequentemente utilizados, daí a designação geral do fenômeno pelas expressões triviais de mesas falantes e de dança das mesas, expressões que convém banir, primeiro pelo que têm de ridículo, depois porque podem induzir em erro, levando a crer que, nesse particular, as mesas tenham qualquer influência especial.

Daremos a este modo de comunicação o nome de sematologia espírita, expressão que dá uma perfeita ideia e compreende todas as variedades de comunicações por sinais, movimento de corpos ou pancadas. Um de nossos correspondentes propunha-nos se designasse especialmente este último meio, o das pancadas, pelo vocábulo tiptologia.

O segundo modo de comunicação é a escrita. Designá-lo-emos pelo nome de psicografia, igualmente empregado por um correspondente.

Para se comunicarem pela escrita, os Espíritos empregam como intermediários certas pessoas dotadas da faculdade de escrever sob a influência da força oculta que as dirige e que obedecem a um poder evidentemente estranho ao seu controle, pois não podem parar nem prosseguir à vontade e, na maioria dos casos, não têm consciência do que escrevem. A mão é agitada por um movimento involuntário, quase febril; tomam o lápis, malgrado seu, e assim o largam. Nem a vontade, nem o desejo podem fazê-los prosseguir, caso não devam. Eis a psicografia direta.

A escrita também é obtida pela só imposição das mãos sobre um objeto colocado de modo conveniente e munido de um lápis ou qualquer outro instrumento para escrever. Os objetos mais geralmente empregados são as pranchetas ou as cestas convenientemente preparadas. A força oculta que age sobre a pessoa transmite-se ao objeto, o qual se torna, destarte, uma espécie de apêndice da mão e lhe imprime um movimento necessário para traçar os caracteres. Eis a psicografia indireta.

As comunicações transmitidas pela psicografia são mais ou menos extensas, conforme o grau da faculdade mediadora. Uns apenas obtêm palavras; noutros a faculdade se desenvolve pelo exercício e escrevem frases completas e, por vezes, dissertações desenvolvidas sobre assuntos propostos ou abordados espontaneamente pelos Espíritos, sem que se lhes tenha feito qualquer pergunta.

Às vezes a escrita é clara e legível; outras vezes só é decifrável por quem a escreveu, e este então a lê por uma espécie de intuição ou dupla vista.

Pela mão da mesma pessoa, a escrita às vezes muda, em geral de maneira completa, com a inteligência oculta que se manifesta, e o mesmo tipo de letra se reproduz sempre que se manifesta a mesma entidade. Isto, entretanto, nada tem de absoluto.

Os Espíritos transmitem por vezes certas comunicações escritas sem intervenção direta. Neste caso os caracteres são traçados espontaneamente por um poder extra-humano, visível ou não. Como é útil que cada coisa tenha o seu nome, a fim de nos podermos entender, chamaremos esse modo de comunicação escrita de espiritografia, para distingui-la da psicografia, ou escrita obtida por um médium. A diferença desses dois vocábulos é fácil de apreender. Na psicografia, a alma do médium representa, necessariamente, um certo papel, pelo menos como intermediária, ao passo que na espiritografia é o Espírito que age diretamente, por si mesmo.

O terceiro modo de comunicação é a palavra. Certas pessoas sofrem nos órgãos vocais a influência de um poder oculto, semelhante ao que se faz sentir na mão dos que escrevem. Transmitem pela palavra tudo aquilo que os outros fazem pela escrita.

Como as comunicações escritas, as verbais se dão por vezes sem a mediação corpórea. Palavras e frases podem soar aos nossos ouvidos e em nosso cérebro sem causa física aparente. Os Espíritos também nos podem aparecer em sonho ou no estado de vigília e dirigir-nos a palavra, para nos darem avisos e instruções.

Para seguir o mesmo sistema de nomenclatura adotado para as comunicações escritas, deveríamos chamar a palavra transmitida pelo médium de psicologia e a que provém diretamente do Espírito de espiritologia. Mas o vocábulo psicologia já tem uma acepção conhecida e não a podemos transformar. Chamaremos, pois, todas as comunicações verbais de espiritologia: as primeiras serão a espiritologia mediata e as últimas a espiritologia direta.

Dos vários meios de comunicação, é a sematologia o mais incompleto. É muito lento e só dificilmente se presta a desenvolvimentos de certa extensão. Os Espíritos superiores não o empregam de boa vontade, já pela lentidão, já porque as respostas sim ou não são incompletas e sujeitas a erros. Para o ensino, preferem as mais rápidas: a escrita e a palavra.

A escrita e a palavra são, com efeito, meios mais completos para a transmissão do pensamento dos Espíritos, seja pela precisão das respostas, seja pela extensão do desenvolvimento que comportam. Tem a escrita a vantagem de deixar traços materiais e de ser um dos meios mais adequados de combate à dúvida. Aliás, não temos a liberdade de escolha: os Espíritos comunicam-se pelos meios que julgam adequados, e isto depende das aptidões.

Junho Conversas familiares de além-túmulo

Junho

Recentemente os jornais relataram o seguinte fato: “Ontem (7 de abril de 1858), pelas sete horas da noite um homem de cerca de cinquenta anos e decentemente trajado, apresentou-se no estabelecimento da Samaritana, em Paris, e mandou que lhe preparassem um banho. Decorridas cerca de duas horas, o criado de serviço, admirado pelo silêncio do freguês, resolveu entrar no seu gabinete, a fim de verificar o que ocorria.

Deparou-se-lhe então um quadro horroroso: o infeliz degolara-se com uma navalha e todo o seu sangue misturava-se à água da banheira. E, como a identidade do suicida não pôde ser averiguada, foi o cadáver removido para o necrotério.”

Pensamos que poderíamos haurir um ensinamento útil à nossa instrução, da conversa com o Espírito desse homem. Evocamo-lo, pois, no dia 13 de abril, consequentemente seis dias apenas depois de sua morte.


1. Rogo a Deus Todo-Poderoso permitir ao Espírito do indivíduo que se suicidou no dia 7 de abril de 1858, nos banhos da Samaritana, que se comunique conosco.

Resposta. – Espere… (Após alguns segundos) Ei-lo aqui.


Observação. – Para compreender essa resposta é preciso saber que geralmente há um Espírito familiar, do médium ou da família, em todas as reuniões regulares, que está sempre presente sem que se o precise chamar. É ele quem faz virem os Espíritos que são evocados e, conforme seja mais ou menos elevado, ele próprio serve como mensageiro ou dá ordens aos Espíritos que lhe são inferiores. Quando nossas reuniões têm por intérprete a Senhorita Ermance Dufaux, é sempre o Espírito São Luís que de boa vontade se encarrega dessa tarefa.


2. Onde vos achais hoje?

Resposta. – Não sei… dizei-mo.


3. Na Galeria Valois, Palais-Royal, n° 35, numa reunião de pessoas que estudam o Espiritismo e que são benévolas para convosco.

Resposta. – Dizei-me se vivo… Eu sufoco no caixão.


4. Quem vos impeliu a vir aqui?

Resposta. – Sinto-me aliviado.


5. Qual o motivo que vos arrastou ao suicídio?

Resposta. – Morto? Eu? Não… que habito o meu corpo… Não sabeis como sofro!… Sufoco-me… Oxalá que mão compassiva me aniquilasse de vez!


Observação. – Sua alma, posto que separada do corpo, está ainda completamente imersa no que poderia chamar-se o turbilhão da matéria corporal; vivazes lhe são as ideias terrenas, a ponto de se acreditar encarnado.


6. Por que não deixastes indícios que pudessem tornar-vos reconhecível?

Resposta. – Estou abandonado; fugi ao sofrimento para entregar-me à tortura.


7. Tendes ainda os mesmos motivos para ficar incógnito?

Resposta. – Sim; não revolvais com ferro candente a ferida que sangra.


8. Podereis dar-nos o vosso nome, idade, profissão e domicílio?

Resposta. – Absolutamente não.


9. Tínheis família, mulher, filhos?

Resposta. – Eu era um desprezado; ninguém me amava.


10. E que fizestes para ser assim repudiado?

Resposta. – Quantos o são como eu!… Um homem pode viver abandonado no seio da família, quando ninguém o preza.


11. No momento de vos suicidardes não experimentastes qualquer hesitação?

Resposta. – Ansiava pela morte… Esperava repousar.


12. Como é que a ideia do futuro não vos fez renunciar a um tal projeto?

Resposta. – Não acreditava nele, absolutamente. Era um desiludido. O futuro é a esperança.


13. Que reflexões vos ocorreram ao sentirdes a extinção da vida?

Resposta. – Não refleti, senti… Mas a vida não se me extinguiu… minha alma está ligada ao corpo… não estou morto… e, no entanto, sinto os vermes a me corroerem.


14. Que sensação experimentastes no momento decisivo da morte?

Resposta. – Pois ela se completou?


15. Foi doloroso o momento em que a vida se vos extinguiu?

Resposta. – Menos doloroso que depois. Só o corpo sofreu. (São Luís continua): “O Espírito descarregou o fardo que o oprimia; ressentia a volúpia da dor.”


(A São Luís): Tal estado sobrevém sempre ao suicídio?

Resposta. – “Sim. O Espírito do suicida fica ligado ao corpo até o termo dessa vida. A morte natural é a libertação da vida: o suicídio a rompe por completo.”


16. Dar-se-á o mesmo nas mortes acidentais, embora involuntárias, mas que abreviam a existência?

Resposta. – Não. Que entendeis por suicídio? O Espírito só responde pelos seus atos.


Observação. – Havíamos preparado uma série de perguntas que nos propúnhamos a dirigir ao Espírito desse homem sobre sua nova existência; diante das respostas, se tornaram sem objetivo; para nós, era evidente que ele não tinha nenhuma consciência de sua situação; seu sofrimento foi a única coisa que nos pôde descrever.

Esta dúvida da morte é muito comum nas pessoas recentemente desencarnadas e principalmente naquelas que, durante a vida, não elevam a alma acima da matéria. É um fenômeno que parece singular à primeira vista, mas que se explica naturalmente. Se a um indivíduo, pela primeira vez sonambulizado, perguntarmos se dorme, ele responderá quase sempre que não, e essa resposta é lógica: o interlocutor é que faz mal a pergunta, servindo-se de um termo impróprio. Na linguagem comum, a ideia do sono prende-se à suspensão de todas as faculdades sensitivas; ora, o sonâmbulo que pensa, que vê e sente, que tem consciência da sua liberdade, não se crê adormecido, e de fato não dorme, na acepção vulgar do vocábulo. Eis a razão por que responde não, até que se familiarize com essa maneira de apreender o fato. O mesmo acontece com o homem que acaba de desencarnar; para ele a morte era o aniquilamento do ser, e, tal como o sonâmbulo, vê, sente e fala, e assim não se considera morto, e isto afirmando até que adquira a intuição do seu novo estado.




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