Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1859
Versão para cópiaCapítulo LXXI
Novembro - Swedenborg
Novembro
Swedenborg é um desses personagens mais conhecidos de nome que de fato, ao menos pelo vulgo. Suas obras muito volumosas, e em geral muito abstratas, são lidas quase só pelos eruditos. Assim, a maioria das pessoas que delas falam ficariam muito embaraçadas para dizer o que ele era. Para uns, é um grande homem, objeto de profunda veneração, sem saberem por quê. Para outros, um charlatão, um visionário, um taumaturgo.
Como todos os homens que professam ideias contrárias às da maioria, especialmente quando essas ideias ferem certos preconceitos, ele teve e tem ainda os seus contraditores. Se estes últimos se tivessem limitado a refutá-lo, estariam no seu direito, mas o facciosismo nada respeita, e as mais nobres qualidades não são reconhecidas por ele. Swedenborg não poderia ser uma exceção.
Sua doutrina, sem dúvida, deixa muito a desejar. Ele próprio, hoje, está longe de aprová-la em todos os pontos. Entretanto, por mais refutável que seja, nem por isso deixará de ser um dos homens mais eminentes do seu século.
Os dados que seguem foram extraídos da interessante notícia enviada pela Sra. P... à Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas.
Emmanuel Swedenborg nasceu em Estocolmo, em 1688, e morreu em Londres, em 1772, aos 84 anos de idade. Seu pai, Joeper Swedenborg, bispo de Scava, era notável pelo mérito e pelo saber. O filho, porém, o ultrapassou em muito. Destacou-se em todas as ciências, sobretudo na Teologia, na Mecânica, na Física e na Metalurgia. Sua prudência, sabedoria, modéstia e simplicidade lhe valeram a alta reputação de que ainda hoje desfruta. Os reis o chamavam para os seus conselhos. Em 1716, Carlos 12 o nomeou assessor na Escola de Metalurgia de Estocolmo. A rainha Ulrica o fez nobre, e ele ocupou os mais destacados postos, com distinção, até 1743, época em que teve a primeira revelação espírita. Tinha então 55 anos. Pediu demissão e não quis mais ocupar-se senão do seu apostolado e do estabelecimento da doutrina da Nova Jerusalém.
Eis como ele próprio conta a sua primeira revelação:
“Eu estava em Londres e jantava muito tarde, na minha modesta hospedaria, onde havia reservado um quarto, a fim de ter liberdade de meditar à vontade. Senti fome e comia com muito apetite. Depois da refeição, percebi que uma espécie de névoa se espalhava ante os meus olhos e vi o assoalho do meu quarto coberto de répteis horríveis, tais como serpentes, sapos, lagartos e outros. Sentia-me tomado de espanto, à medida que aumentavam as trevas, mas em breve elas se dissiparam.
Então vi claramente um homem em meio a uma luz viva e radiante, sentado a um canto da sala. Os répteis haviam desaparecido com as trevas. Encontrava-me só. Imaginai o medo que se apoderou de mim, quando o ouvi pronunciar distintamente, mas com um tom de voz capaz de imprimir terror: “Não comas tanto!” A essas palavras, minha vista se obscureceu, mas restabeleceu-se pouco a pouco e eu me vi sozinho no quarto. Ainda um pouco apavorado por tudo quanto havia visto, apresseime em recolher-me ao alojamento sem dizer palavra sobre o que havia acontecido.
Aí me entreguei à reflexão, mas não concebia que aquilo fosse efeito do acaso ou qualquer causa física.
“Na noite seguinte, o mesmo homem, ainda radiante de luz, apresentou-se e me disse: ‘Eu sou Deus, o Senhor, Criador e Redentor. Escolhi-te para explicar aos homens o sentido interior e espiritual da Sagrada Escritura. Ditarei o que deves escrever.’
“Dessa vez não fiquei tão apavorado, e a luz que o envolvia, embora muito viva e resplendente, não me produziu nos olhos nenhuma impressão dolorosa. Estava vestido de púrpura, e a visão durou um bom quarto de hora.
“Dessa vez não fiquei tão apavorado, e a luz que o envolvia, embora muito viva e resplendente, não me produziu nos olhos nenhuma impressão dolorosa. Estava vestido de púrpura, e a visão durou um bom quarto de hora.
“Naquela mesma noite os olhos do meu homem interior foram abertos e dispostos para ver o céu, o mundo dos Espíritos e os infernos, e eu encontrei por toda parte várias pessoas conhecidas, algumas falecidas há muito tempo, outras recentemente. Desde aquele dia renunciei a todas as ocupações mundanas para trabalhar exclusivamente nas coisas espirituais, para me submeter à ordem que eu havia recebido. Muitas vezes me aconteceu, a seguir, ter abertos os olhos de meu Espírito e de ver em pleno dia aquilo que se passava no outro mundo; de falar com os Anjos e os Espíritos como falo com os homens”.
Um dos pontos fundamentais da doutrina de Swedenborg repousa naquilo que ele chama as correspondências. Na sua opinião, estando o mundo espiritual e o mundo natural ligados entre si, como o interior ao exterior, resulta que as coisas espirituais e as coisas naturais constituem uma unidade, por influxo, e que há entre elas uma correspondência.
Esse é o princípio, mas o que deve ser entendido por essa correspondência e por esse influxo, eis o que é difícil apreender.
A Terra, diz Swedenborg, corresponde ao homem. Os diversos produtos que servem à nutrição do homem correspondem a diversos gêneros de bens e de verdades, a saber: Os alimentos sólidos a gêneros de bens, e os alimentos líquidos a gêneros de verdades. A casa corresponde à vontade e ao entendimento, que constitui o mental humano. Os alimentos correspondem às verdades ou às falsidades, segundo a substância, a cor e a forma que apresentam.
Os animais correspondem às afeições: os úteis e mansos, às boas afeições; os nocivos e maus às afeições más; os pássaros mansos e belos às verdades intelectuais; os maus e feios às falsidades; os peixes, às ciências que se originam das coisas sensoriais; os insetos nocivos, às falsidades que vêm dos sentidos. As árvores e os arbustos correspondem a diversos gêneros de conhecimento; as ervas e a grama a diversas verdades científicas. O ouro corresponde ao bem celeste; a prata, à verdade espiritual; o bronze, ao bem natural, etc. etc. Assim, desde os últimos degraus da criação até o sol celeste e espiritual, tudo se mantém, tudo se encadeia pelo influxo que produz a correspondência.
O segundo ponto de sua doutrina é o seguinte: há um só Deus e uma só pessoa, que é Jesus Cristo.
O homem, criado livre, segundo Swedenborg, abusou de sua liberdade e de sua razão. Ele caiu, mas a sua queda tinha sido prevista por Deus e devia ser seguida da reabilitação, porque Deus, que é o amor em si mesmo, não podia deixá-lo no estado em que sua queda o havia mergulhado. Ora, como operar tal reabilitação? Colocá-lo no estado primitivo seria o mesmo que lhe tirar o livre-arbítrio e, assim, aniquilá-lo.
Foi subordinando-o às leis de sua ordem eterna que Ele procedeu à reabilitação do gênero humano. Vem a seguir a teoria muito difusa dos três sóis transpostos por Jeová, para se aproximar de nós e provar que ele é o próprio homem. Swedenborg divide o mundo dos Espíritos em três lugares diferentes: os céus, os intermediários e os infernos, mas sem lhes assinalar um lugar. “Depois da morte”, diz ele, “entramos no mundo dos Espíritos. Os santos se dirigem de boa vontade para um dos três céus e os pecadores para um dos três infernos, de onde jamais sairão”.
Esta doutrina desesperadora anula a misericórdia de Deus, porque lhe recusa o poder de perdoar os pecadores surpreendidos por morte violenta ou acidental.
Ainda que rendendo justiça ao mérito pessoal de Swedenborg como cientista e como homem de bem, não nos podemos constituir defensores de doutrinas condenadas pelo mais elementar bom-senso. O que resulta mais claramente, conforme o que conhecemos agora dos fenômenos espíritas, é a existência de um mundo invisível e a possibilidade de nos comunicarmos com ele. Swedenborg gozou de uma faculdade que em seu tempo pareceu sobrenatural. É por isto que admiradores fanáticos o encararam como um ser excepcional. Em tempos mais remotos teriam levantado altares em sua honra. Aqueles que não acreditavam nele o consideraram como um cérebro exaltado ou um charlatão. Para nós, era um médium vidente e um escritor intuitivo, como os há aos milhares, faculdade que pertence ao rol dos fenômenos naturais.
Ele cometeu um equívoco perfeitamente perdoável, tendo em vista sua inexperiência nas coisas do mundo oculto: o de aceitar muito cegamente tudo quanto lhe era ditado, sem o submeter ao controle severo da razão. Se tivesse pesado maduramente os prós e os contras, teria reconhecido princípios inconciliáveis com a lógica, por menos rigorosa que ela fosse. Hoje, provavelmente não teria caído na mesma falta, pois disporia dos meios de julgar e apreciar o valor das comunicações de além-túmulo. Teria sabido que constituem um campo onde nem todas as ervas devem ser colhidas, e que entre umas e outras o bom-senso, que não nos foi dado à toa, deve saber escolher.
A qualidade que a si mesmo se atribuiu o Espírito que a ele se manifestou bastaria para o pôr em guarda, sobretudo considerando a trivialidade de sua apresentação. Aquilo que ele próprio não fez, devemos fazê-lo agora, só aceitando de seus escritos o que eles contêm de racional. Seus próprios erros devem ser um ensinamento para os médiuns demasiado crédulos, de que certos Espíritos procuram fascinar, lisonjeando-lhes a vaidade ou os preconceitos por uma linguagem pomposa ou de aparência enganadora.
A anedota seguinte prova o grau de má fé dos adversários de Swedenborg, que procuravam todas as oportunidades para denegri-lo. Conhecendo suas faculdades, a rainha Luísa Ulrica o havia encarregado, um dia, de saber do Espírito de seu irmão, o príncipe da Prússia, por que algum tempo antes de sua morte não respondera a uma carta que ela lhe havia mandado, pedindo conselhos. Ao cabo de 24 horas, em audiência secreta, Swedenborg teria relatado à rainha a resposta do príncipe, concebida em termos tais, que essa, plenamente convencida de que ninguém, exceto ela própria e o seu falecido irmão conheciam o conteúdo da referida carta, foi tomada da mais profunda estupefação e reconheceu o poder miraculoso do grande homem.
Eis a explicação que dá a esse fato um dos seus antagonistas, o cavaleiro Beylon, leitor da rainha:
“Consideravam a rainha como um dos principais autores da tentativa de revolução ocorrida na Suécia em 1756, que custou a vida do conde Barhé e do marechal Horn. Pouco faltou para que o partido dos chapéus44, que então triunfava, não a tornasse responsável pelo sangue derramado.
Nessa situação crítica, ela escreveu ao irmão, o príncipe da Prússia, pedindo conselho e assistência. A rainha não recebeu resposta e como o príncipe tivesse morrido logo depois, jamais soube ela a causa de seu silêncio. Por isto encarregou Swedenborg de interrogar o Espírito do príncipe a tal respeito. Justamente à chegada da mensagem da rainha, estavam presentes os senadores Conde T... e Conde H...
Este último, que tinha interceptado a carta, sabia tão bem quanto seu cúmplice, o Conde T..., por que razão a carta ficara sem resposta, e ambos resolveram aproveitar a circunstância para fazer com que a rainha recebesse seus conselhos sobre muitas coisas. Então, foram à noite procurar o visionário e lhe ditaram a resposta. Swedenborg, que não estava inspirado, aceitou-a com açodamento. No dia seguinte correu para a rainha e, no silêncio do gabinete, lhe disse que o Espírito do príncipe lhe aparecera e o havia encarregado de anunciar-lhe o seu descontentamento e garantir-lhe que, se não respondera a carta, é que desaprovava a sua conduta, pois sua política imprudente e a sua ambição eram a causa do sangue derramado; que ela era culpada perante Deus e tinha que expiar essa culpa. Ele mandava pedir-lhe que não mais se intrometesse nos negócios do Estado, etc. etc. Convencida por esta revelação, a rainha acreditou em Swedenborg e tomou ardorosamente a sua defesa.
Esta anedota deu lugar a uma polêmica contínua entre os discípulos de Swedenborg e os seus detratores. Um padre sueco, chamado Malthesius, que veio a ficar louco, tinha publicado que Swedenborg, de quem ele era inimigo declarado, se havia retratado antes de morrer. A balela espalhou-se na Holanda, pelo outono de 1785, levando Robert Hindmarck a instaurar um inquérito e demonstrar a inteira falsidade da calúnia inventada por Malthesius.
A história de Swedenborg prova que a visão espiritual de que era dotado, em nada lhe prejudicou o exercício das faculdades naturais. Seu elogio fúnebre. Os dois partidos em luta chamavam-se dos Chapéus e dos Bonés. O primeiro era partidário de uma aliança com a França e queria a guerra. (N. do T.) pronunciado pelo acadêmico Landel, na Academia de Ciências de Estocolmo, mostra quanto era vasta a sua erudição e pelos discursos pronunciados na Dieta, em 1761 tomamos conhecimento de sua participação na direção dos negócios públicos do país.
A doutrina de Swedenborg fez numerosos prosélitos em Londres, na Holanda e mesmo em Paris, onde deu origem à Sociedade de que tratamos no número de outubro, à dos Martinistas, à dos Teósofos, etc. Se não foi aceita por todos com todas as suas consequências, teve contudo como resultado a propagação da crença na possibilidade de comunicação com os seres de além-túmulo, crença aliás muito antiga, como todos sabem, mas até agora oculta ao público pelas práticas misteriosas que a envolviam. O incontestável mérito de Swedenborg, seu profundo saber e sua alta reputação de sabedoria, tiveram grande influência na propagação dessas ideias, que hoje mais e mais se popularizam, pois crescem em plena luz e, longe de buscar a sombra do mistério, apelam à razão. Apesar dos erros do seu sistema, Swedenborg não deixa de ser uma das grandes figuras cuja lembrança ficará ligada à História do Espiritismo, do qual foi um dos primeiros e mais zelosos pioneiros.
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