Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1860

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Capítulo X

Fevereiro - Médiuns especiais

Fevereiro
Diariamente prova a experiência quanto são numerosas as variedades da faculdade mediúnica. Mas também nos prova que as várias nuanças dessa faculdade são devidas às aptidões especiais ainda não definidas, abstração feita das qualidades e dos conhecimentos do Espírito que se manifesta.

A natureza das comunicações é sempre relativa à natureza do Espírito, e traz o cunho de sua elevação ou de sua inferioridade, de seu saber ou de sua ignorância. Mas, para mérito igual, do ponto de vista hierárquico, nele há, incontestavelmente, uma propensão para ocupar-se de uma coisa em vez de outra. Por exemplo, os Espíritos batedores quase não saem das manifestações físicas, e entre os que dão manifestações inteligentes, há Espíritos poetas, músicos, desenhistas, moralistas, sábios, médicos, etc. Falamos de Espíritos de uma ordem média, porque, chegando a um certo grau, as aptidões se confundem na unidade da perfeição. Mas, ao lado da aptidão do Espírito, há a do médium, que é para aquele um instrumento mais ou menos cômodo, mais ou menos flexível, e no qual descobre qualidades particulares, que não podemos apreciar.

Façamos uma comparação: Um músico hábil tem em mãos vários violinos que para o vulgo são todos bons, mas entre os quais o artista consumado vê uma grande diferença; percebe nuanças de extrema delicadeza, que o levam a escolher uns e rejeitar outros, nuanças que compreende por intuição, mas que não pode definir. Dáse o mesmo com os médiuns: Entre médiuns com qualidades iguais quanto à força mediúnica, o Espírito preferirá este àquele, conforme o gênero de comunicação que queira dar. Assim, por exemplo, vemos pessoas, como médiuns, escreverem poesias admiráveis, embora em condições ordinárias jamais tenham podido ou sabido fazer um verso. Outras, ao contrário, sendo poetas, como médiuns só escrevem prosa, a despeito de seu desejo. O mesmo se dá quanto ao desenho, à música, etc. Há médiuns que, sem conhecimentos científicos próprios, têm uma aptidão muito especial para receber comunicações científicas; outros para estudos históricos; outros servem mais facilmente de intérpretes a Espíritos moralistas. Numa palavra, seja qual for a flexibilidade do médium, as comunicações que recebe com mais facilidade têm, em geral, um cunho especial. Há alguns, até, que não se afastam de um determinado círculo de ideias, e quando delas se afastam, temos comunicações incompletas, lacônicas e por vezes falsas. Além das causa de aptidão, os Espíritos se comunicam, ainda, mais ou menos voluntariamente por este ou aquele médium, conforme as suas simpatias. Assim, apesar da igualdade de aptidões, o mesmo Espírito será muito mais explícito através de certos médiuns, pelo simples fato de que esses melhor lhes convêm.

Seria erro, portanto, somente por se ter à mão um bom médium que escrevesse com a maior facilidade, pensar obter, por seu intermédio, boas comunicações de todos os gêneros. A primeira condição para se ter boas comunicações é, sem contradita, assegurar-se da fonte de que promanam, isto é, das qualidades do Espírito que as transmite, mas não é menos necessário atentar para as qualidades do instrumento oferecido ao Espírito. É preciso, pois, estudar a natureza do médium como se estuda a do Espírito, pois aí estão os dois elementos essenciais para resultados satisfatórios. Uma terceira condição, que representa papel igualmente importante, é a intenção, o pensamento íntimo, o sentimento mais ou menos louvável de quem interroga. E isto se concebe. Para que uma comunicação seja boa, é preciso que venha de um Espírito bom. Para que esse Espírito possa transmiti-la, é necessário um bom instrumento. Para que a queira transmitir, é preciso que o objetivo lhe convenha. O Espírito, que lê o pensamento, julga se a pergunta feita merece resposta séria e se a pessoa que a dirige é digna de recebê-la. Caso contrário, não perde seu tempo em semear bons grãos sobre pedras, e é então que os Espíritos levianos e zombadores se divertem, porque, pouco se preocupando com a verdade, não são muito corteses e são geralmente muito pouco escrupulosos quanto aos fins e aos meios.

De acordo com o que acabamos de dizer, compreende-se que deve haver Espíritos mais especialmente ocupados, por gosto ou pela razão, com o alívio da Humanidade sofredora e que, paralelamente, deve haver médiuns mais aptos do que outros para lhes servirem de intermediários. Ora, como esses Espíritos agem exclusivamente para o bem, devem procurar em seus intérpretes, além da aptidão que poderia ser chamada fisiológica, certas qualidades morais, entre as quais figuram, em primeira linha, o devotamento e o desinteresse. A cupidez sempre foi, e será sempre, um motivo de repulsa para os bons Espíritos e uma causa de atração para os outros. Pode o bom-senso aceitar que os Espíritos superiores se prestem a todas as combinações do interesse material, e que estejam às ordens do primeiro que aparecer pretendendo explorá-los? Os Espíritos, sejam quais forem, não querem ser explorados, e se alguns parecem concordar; se até mesmo se antecipam a certos desejos muito mundanos, quase sempre têm em vista uma mistificação de que se riem depois, como de uma boa peça pregada a pessoas muito crédulas. Aliás, não é inútil que alguns queimem os dedos, para aprenderem que se não deve brincar com as coisas sérias.

Seria o caso de falarmos aqui de um desses médiuns privilegiados, que os Espíritos curadores parece haverem tomado sob seu patrocínio direto. A senhorita Désirée Godu, residente em Hennebon, no Morbihan, goza, sob todos os aspectos, de uma faculdade verdadeiramente excepcional, que utiliza com a mais piedosa abnegação. A respeito, já dissemos algumas palavras num relatório das sessões da Sociedade, mas a importância do assunto merece artigo especial, que teremos a satisfação de lhe consagrar em nosso próximo número. À parte o interesse ligado ao estudo de toda faculdade rara, consideraremos sempre como um dever dar a conhecer o bem e fazer justiça a quem o pratica.


Junho 1 – A VAIDADE

Junho

Quero falar da vaidade, que se mescla a todas as ações humanas. Ela macula os mais suaves pensamentos; invade o coração e o cérebro. Planta maligna, abafa a bondade em seu nascedouro; todas as qualidades são aniquiladas por seu veneno. Para lutar contra ela, é preciso exercitar a prece; somente ela nos dá força e humildade. Homens ingratos! Esqueceis de Deus incessantemente. Ele não é para vós senão o socorro implorado na aflição, e jamais o amigo convidado para o banquete da alegria. Para iluminar o dia ele vos deu o sol, radiação gloriosa, e para clarear a noite, as estrelas, flores de ouro. Por toda parte, ao lado dos elementos necessários à Humanidade, pôs o luxo necessário à beleza de sua obra. Deus vos tratou como faria um anfitrião generoso que, para receber seus convidados, multiplica o luxo de sua mansão e a abundância do festim. Que fazeis vós, que tendes apenas o coração para lhe oferecer? Longe de o honrar com as vossas virtudes e alegrias, longe de lhe oferecer as premissas de vossas esperanças, não o desejais e somente o convidais a penetrar-vos o coração quando o luto e as decepções amargas vos trabalharam e deixaram marcas. Ingratos! Que esperais para amar vosso Deus? A desgraça e o abandono. Antes lhe oferecei o coração, livre de dores; oferecei-lhe, como homens em pé, e não como escravos ajoelhados, vosso amor purificado do medo, e na hora do perigo ele se lembrará de vós, que não o esquecestes na hora da felicidade.


GEORGES. (Espírito Familiar.)


2. – A MISÉRIA HUMANA.


A miséria humana não está na incerteza dos acontecimentos, que ora nos elevam, ora nos precipitam. Reside inteira no coração ávido e insaciável, que incessantemente aspira a receber, que se lamenta da secura de outrem e jamais se lembra da própria aridez. Essa desgraça de aspirar a mais alto que a si mesmo, essa desgraça de não poder satisfazer-se com as mais caras alegrias, essa desgraça, digo eu, constitui a miséria humana. Que importa o cérebro, que importam as mais brilhantes faculdades, se elas são sempre ensombradas pelo desejo amargo e insaciável de que algo lhe escapa sem cessar? A sombra flutua junto ao corpo, a felicidade flutua junto à alma, para ela inatingível. Não deveis, entretanto, nem vos lamentar, nem maldizer a sorte; porque essa sombra, essa felicidade, fugidia e móvel como a onda, pelo ardor e pela angústia que deposita no coração, dá-nos a prova da divindade aprisionada na Humanidade. Amai, pois, a dor e sua poesia vivificante, que faz vibrar vossos Espíritos pela lembrança da pátria eterna. O coração humano é um cálice repleto de lágrimas; mas vem a aurora, e beberá a água de vossos corações; para vós ela será a vida que deslumbrará vossos olhos, enceguecidos pela obscuridade da prisão carnal. Coragem! Cada dia é uma libertação; marchai na dolorosa senda; marchai, acompanhando com o olhar a maravilhosa estrela da esperança.

GEORGES. (Espírito Familiar.)


3. – A TRISTEZA E O PESAR.


(Pela Sra. Lesc…, médium.)

É um erro ceder frequentemente à tristeza. Não vos enganeis: o pesar é o sentimento firme e honesto que se apossa do homem atingido no coração ou nos interesses; mas a fastidiosa tristeza é apenas a manifestação física do sangue em sua lentidão ou rapidez de curso. A tristeza encobre com seu nome muito egoísmo, muitas fraquezas; debilita o Espírito que a ela se abandona. O pesar, ao contrário, é o pão dos fortes. Este amargo alimento nutre as faculdades do espírito e diminui a parte animal. Não procureis o martírio do corpo, mas sede ávidos pelo tormento da alma. Os homens compreendem que devem mover suas pernas e braços para manter a vida do corpo, mas não compreendem que devem sofrer para exercitar as faculdades morais. A felicidade, ou apenas a . alegria, são hóspedes tão passageiros da Humanidade que não podeis, sem ser por elas esmagados, suportar sua presença, por mais leve que seja. Fostes feitos para sofrer e sonhar incessantemente com a felicidade, porquanto sois aves sem asas, chumbados ao solo, que olhais o céu e desejais o espaço.

GEORGES. (Espírito Familiar.)


Observação. – Estas duas comunicações encerram, incontestavelmente, belíssimos pensamentos e imagens de grande elevação; mas nos parecem escritas sob o império de ideias um pouco sombrias e um tanto misantrópicas. Dir-se-ia haver nelas a expressão de um coração ulcerado. O Espírito que as ditou faleceu há poucos anos. Em vida era amigo do médium, do qual, após a morte, se tornou o gênio familiar. Era um pintor de talento, cuja vida tinha sido calma e muito despreocupada. Mas quem sabe se teria sido o mesmo na existência anterior? Seja como for, todas as suas comunicações atestam muita profundeza e sabedoria. Poderiam pensar que fossem o reflexo do caráter do médium. A Sra. Lesc… é, incontestavelmente, uma mulher muito séria e acima do vulgo, sob muitos aspectos, e é isso, sem dúvida – abstração feita à sua faculdade mediúnica – que lhe granjeia a simpatia dos bons Espíritos. Mas a comunicação seguinte, obtida na Sociedade, prova que pode receber outras de caráter muito variado.


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