Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1860

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Capítulo XVI

Março - Um médium curador

Março


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Senhorita Désirée Godu, de Hennebon (Morbihan)
Pedimos aos leitores que se reportem ao nosso artigo do mês passado, sobre os médiuns especiais. Melhor serão compreendidos os ensinamentos que vamos dar, a respeito da senhorinha Désirée Godu, cuja faculdade oferece um caráter da mais notável especialidade.

Há cerca de oito anos, passou ela sucessivamente por todas as fases da mediunidade. A princípio, poderosa médium de efeitos físicos, tornou-se, alternativamente, médium vidente, auditiva, falante, escrevente, e finalmente todas as suas faculdades se concentraram na cura de doentes, que parecia ser a sua missão, missão que desempenha com um devotamento sem limites. Deixemos falar uma testemunha ocular, o Sr. Pierre, professor em Lorient, que nos transmite esses detalhes, em resposta às perguntas que lhe fizemos.

“A senhorita Désirée Godu, de vinte e cinco anos, pertence a uma distinta família, respeitável e respeitada de Lorient. Seu pai é um antigo militar, cavaleiro da Legião de Honra, e sua mãe, senhora paciente e laboriosa, ajuda à filha o melhor que pode em sua penosa mas sublime missão. Há cerca de seis anos, essa família patriarcal dá esmolas de remédios receitados e, muitas vezes, tudo quanto necessário para curativos, tanto aos ricos quanto aos pobres que a procuram. Suas relações com os Espíritos começaram ao tempo das mesas girantes. Então ela morava em Lorient, e durante meses só se falava das maravilhas operadas pela senhorita Godu com as mesas, sempre complacentes e dóceis, sob suas mãos. Era um favor ser admitido às sessões de mesa em sua casa e lá não entrava quem quisesse. Simples e modesta, não buscava pôr-se em evidência. Contudo, como é fácil compreender, a maledicência não a poupou.

“O próprio Cristo foi escarnecido, embora só fizesse e ensinasse o bem. É de admirar que ainda se encontrem fariseus, quando ainda há homens que em nada creem? É a sorte de todos quantos mostram uma superioridade qualquer, a de serem expostos aos ataques da mediocridade invejosa e ciumenta. Nada lhe custa para derrubar aquele que ergue a cabeça acima do vulgo, nem mesmo o veneno da calúnia. O hipócrita desmascarado jamais perdoa, mas Deus é justo e quanto mais maltratado for o homem de bem, mais brilhante será sua reabilitação e mais humilhante a vergonha de seus inimigos. A posteridade o vingará.

“Esperando sua verdadeira missão, que deve começar, segundo se diz, dentro de dois anos, o Espírito que a guia lhe propôs a de curar toda sorte de moléstias, o que ela aceitou. Para se comunicar, ele agora se serve de seus órgãos, e muitas vezes contra a vontade dela, em vez das batidas nas mesas. Quando é o Espírito que fala, o timbre da voz já não é o mesmo, e os seus lábios não se movem.

“A senhorinha Godu recebeu apenas uma instrução comum, mas a parte principal de sua educação não devia ser obra dos homens. Quando ela concordou em ser médium curadora, o Espírito procedeu metodicamente à sua instrução, sem que ela nada visse além de mãos. Um misterioso personagem lhe punha sob os olhos livros, gravuras ou desenhos, e lhe explicava todo o organismo humano, as propriedades das plantas, os efeitos da eletricidade, etc. Ela não é sonâmbula. Ninguém a adormece. É desperta, e bem desperta, que ela penetra os doentes com seu olhar. O Espírito lhe indica os remédios, que geralmente ela mesma prepara e aplica, cuidando e pensando os feridos mais repugnantes com a dedicação de uma irmã de caridade. Começaram por lhe dar a composição de certos unguentos que curavam em poucos dias os panarícios e as feridas de pouca gravidade, com o objetivo de lentamente habituá-la a ver, sem muita repulsa, todas as horríveis e repugnantes misérias que deveriam aparecer aos seus olhos, pondo a finura e a delicadeza de seus sentidos às mais rudes provas. Não a imaginemos um ser sofredor, fraco e fanado. Ela goza do mens sana in corpore sano em toda a sua plenitude. Longe de tratar os doentes por um auxiliar, é ela que põe a mão em tudo, graças à sua robusta constituição. Aos doentes, sabe inspirar uma confiança sem limites. Acha no coração consolações para todas as dores, e em sua mão, remédios para todos os males. É de um caráter naturalmente alegre e brincalhão. Sua alegria é contagiosa como a fé que a anima e atua instantaneamente sobre os doentes. Vi muitos se retirarem com os olhos rasos de lágrimas, lágrimas de suave admiração, de reconhecimento e de alegria. Todas as quintas-feiras, dia de feira, e domingos das seis da manhã até as cinco ou seis da tarde, a casa não se esvazia. Para ela, trabalhar é orar, e o faz com consciência. Antes de ter que tratar de doentes, passava o dia inteiro costurando roupas para os pobres e enxovais para os recém nascidos, empregando os mais engenhosos meios para que os presentes chegassem ao destino anonimamente, de sorte que a mão esquerda sempre ignorasse o que dava a direita. Ela possui grande número de certificados autênticos, dados por eclesiásticos, por autoridades e por pessoas notáveis, atestando curas que em outros tempos teriam sido consideradas milagrosas.”

Por pessoas fidedignas, sabemos não haver exagero no relato acima e temos a satisfação de assinalar o digno emprego que a senhorita Godu faz da excepcional faculdade de que foi dotada. Esperemos que estes elogios que temos o prazer de reproduzir, no interesse da Humanidade, não alterarão sua modéstia, que dobra o valor do bem, e que ela não escutará as sugestões do espírito de orgulho. O orgulho é o escolho de grande número de médiuns e vimos muitos cujas faculdades transcendentes se aniquilaram ou perverteram, desde que deram ouvidos a esse demônio tentador. As melhores intenções não impedem seus embustes, e é precisamente contra os bons que ele dirige suas baterias, pois se satisfaz em fazê-los sucumbir e mostrar que ele é o mais forte. Insinua-se no coração com tanta habilidade que muitas vezes o enche sem que se suspeite. Assim, o orgulho é o último defeito que confessamos a nós mesmos, à semelhança dessas doenças mortais que se tem em estado latente e sobre cuja gravidade o doente se ilude até o último instante. Eis por que é tão difícil erradicá-lo. Desde que um médium possui uma faculdade, por menos notável que seja, é procurado, elogiado, adulado. Isto lhe é terrível pedra de toque, pois acaba julgando-se indispensável, se não for profundamente simples e modesto. Infeliz dele, principalmente se estiver persuadido de que só se comunica com bons Espíritos. Custa-lhe reconhecer que foi iludido, e muitas vezes escreve ou ouve sua própria condenação, sua própria censura, sem acreditar que aquilo tudo é endereçado a ele. Ora, é precisamente dessa cegueira que é presa. Os Espíritos enganadores disso se aproveitam para fasciná-lo, dominá-lo, subjugá-lo cada vez mais, a ponto de lhe fazerem tomar por verdades as coisas mais falsas. É assim que nele se perde o dom precioso que só havia recebido de Deus para tornar-se útil aos seus semelhantes, porque os bons Espíritos se retiram, sempre que alguém prefere escutar os maus. Aquele que a Providência destina a ser posto em evidência o será pela força das coisas, e os Espíritos bem saberão tirá-lo da obscuridade, caso isto seja útil, ao passo que frequentemente só haverá decepções para aquele que é atormentado pela necessidade de fazer com que falem de si. O que sabemos do caráter da senhorita Godu nos dá a firme confiança de que esteja acima dessas pequenas fraquezas, e que assim jamais comprometerá, como tantos outros, a missão que recebeu.



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