Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1860
Versão para cópiaCapítulo XLIV
Junho - Ditados espontâneos e dissertações espíritas
Junho
A vaidade
(Pela Sra. Leso..., Médium)
Quero falar-te da vaidade, que se mistura a todas as ações humanas. Ela mancha todos os pensamentos delicados; penetra o coração e o cérebro. Planta má, abafa a bondade em seu germe; todas as qualidades são aniquiladas por seu veneno.
Quero falar-te da vaidade, que se mistura a todas as ações humanas. Ela mancha todos os pensamentos delicados; penetra o coração e o cérebro. Planta má, abafa a bondade em seu germe; todas as qualidades são aniquiladas por seu veneno.
Para
lutar contra ela, é preciso usar a prece; só ela nos dá a humildade e a
força. Incessantemente, ó homens ingratos, vos esqueceis de Deus. Ele
não é para vós senão o socorro implorado na aflição, e jamais o amigo
convidado para o banqueteda alegria. Para iluminar o dia, ele vos deu o
sol, radiação gloriosa, e para clarear a noite, as estrelas, flores de
ouro. Por toda parte, ao lado dos elementos necessários à Humanidade,
pôs o luxo necessário à beleza de sua obra. Deus vos tratou como faria
um anfitrião generoso que, para receber os convidados, multiplica o luxo
de sua morada e a abundância do festim. Que fazeis vós, que tendes
apenas o coração para lhe oferecer? Longe de enfeitá-lo de alegria e de
virtudes, longe de lhe oferecer as premissas de vossas esperanças, não o
desejais, não o convidais a vos penetrar o coração, senão quando o luto
e as amargas decepções vos arranharam e feriram. Ingratos! Que esperais
para amar vosso Deus? A desgraça e o abandono. Ofereceilhe antes o
vosso coração livre de dores; oferecei-lhe, como homens em pé, e não
como escravos de joelhos, vosso amor isento de medo, e na hora do perigo
ele se lembrará de vós, que não o esquecestes na hora da felicidade.
GEORGES (Espírito Familiar)
A miséria humana
A miséria humana não está na incerteza dos acontecimentos que ora nos elevam, ora nos rebaixam. Está inteira no coração ávido e insaciável que incessantemente aspira a receber, que se lamenta da secura de outrem e jamais se lembra da própria aridez. Essa desgraça de aspirar acima de si mesmo; essa desgraça de não poder satisfazer-se com as mais caras alegrias; essa desgraça, digo eu, constitui a miséria humana. Que importa o cérebro; que importam suas mais brilhantes faculdades, se elas são sempre ensombradas pelo desejo amargo e insaciável de algo que lhe escapa sem cessar? A sombra flutua junto ao corpo; a felicidade flutua junto à alma, para ela inatingível. Contudo, não vos deveis lamentar nem maldizer a sorte, porque essa sombra, essa felicidade fugidia e móvel como a onda, pelo ardor e pela angústia que deposita no coração, dá-nos a prova da divindade aprisionada na humanidade. Amai, pois, a dor e sua poesia vivificante, que faz vibrar vossos Espíritos pela lembrança da pátria eterna. O coração humano é um cálice cheio de lágrimas; mas vem a aurora, que beberá a água dos vossos corações; ela será para vós a vida que deslumbrará vossos olhos, enceguecidos pela escuridão da prisão carnal. Coragem! Cada dia é uma libertação. Marchai pelo caminho doloroso; marchai, acompanhando com o olhar a misteriosa estrela da esperança.
A miséria humana não está na incerteza dos acontecimentos que ora nos elevam, ora nos rebaixam. Está inteira no coração ávido e insaciável que incessantemente aspira a receber, que se lamenta da secura de outrem e jamais se lembra da própria aridez. Essa desgraça de aspirar acima de si mesmo; essa desgraça de não poder satisfazer-se com as mais caras alegrias; essa desgraça, digo eu, constitui a miséria humana. Que importa o cérebro; que importam suas mais brilhantes faculdades, se elas são sempre ensombradas pelo desejo amargo e insaciável de algo que lhe escapa sem cessar? A sombra flutua junto ao corpo; a felicidade flutua junto à alma, para ela inatingível. Contudo, não vos deveis lamentar nem maldizer a sorte, porque essa sombra, essa felicidade fugidia e móvel como a onda, pelo ardor e pela angústia que deposita no coração, dá-nos a prova da divindade aprisionada na humanidade. Amai, pois, a dor e sua poesia vivificante, que faz vibrar vossos Espíritos pela lembrança da pátria eterna. O coração humano é um cálice cheio de lágrimas; mas vem a aurora, que beberá a água dos vossos corações; ela será para vós a vida que deslumbrará vossos olhos, enceguecidos pela escuridão da prisão carnal. Coragem! Cada dia é uma libertação. Marchai pelo caminho doloroso; marchai, acompanhando com o olhar a misteriosa estrela da esperança.
GEORGES (Espírito familiar)
A tristeza e o pesar
(Pela Sra. Leso..., Médium)
É um erro ceder frequentemente à tristeza. Não vos enganeis. O pesar é o sentimento firme e honesto que fere o homem atingido no seu coração ou nos seus interesses, mas a vil tristeza não passa de manifestação física do sangue vagaroso ou precipitado em seu curso. A tristeza encobre com seu nome muito egoísmo e muita fraqueza. Debilita o espírito que a ela se abandona. Ao contrário, o pesar é o pão dos fortes; este amargo alimento nutre as faculdades do espírito e diminui a parte animal.
É um erro ceder frequentemente à tristeza. Não vos enganeis. O pesar é o sentimento firme e honesto que fere o homem atingido no seu coração ou nos seus interesses, mas a vil tristeza não passa de manifestação física do sangue vagaroso ou precipitado em seu curso. A tristeza encobre com seu nome muito egoísmo e muita fraqueza. Debilita o espírito que a ela se abandona. Ao contrário, o pesar é o pão dos fortes; este amargo alimento nutre as faculdades do espírito e diminui a parte animal.
Não busqueis o
martírio do corpo, mas sede ávidos pelo martírio da alma. Os homens
compreendem que devem mover pernas e braços para manter a vida do corpo,
e não compreendem que devem sofrer para exercitar as faculdades morais.
A felicidade, ou apenas a alegria, são hóspedes tão passageiros da
Humanidade, que não podeis, sem ser por elas esmagados, suportar a sua
presença, por mais ligeira que seja. Fostes feitos para sofrer e sonhar
incessantemente com a felicidade, porque sois aves sem asas, pregadas ao
solo, que olhais o céu e desejais o espaço.
GEORGE (Espírito familiar)
OBSERVAÇÃO:
Estas duas comunicações encerram incontestavelmente belíssimos
pensamentos e imagens de grande elevação, mas elas nos parecem escritas
sob o império de ideias um pouco sombrias e um tanto misantrópicas.
Parece
haver nelas a expressão de um coração ulcerado. O Espírito que as ditou
morreu há poucos anos; em vida era amigo do médium, do qual, após a
morte, tornou-se o gênio familiar. Era um pintor de talento, cuja vida
tinha sido calma e muito despreocupada. Mas quem sabe se isso teria
acontecido da mesma forma na existência precedente? Seja como for, todas
as suas comunicações atestam muita profundeza e sabedoria. Poder-se-ia
crer que são o reflexo do caráter da médium. A Sra. Lesc... é, sem
contradita, uma senhora muito séria e acima do vulgar, sob muitos
aspectos, e é isso que, sem dúvida, abstração feita de sua faculdade
mediúnica, lhe granjeia a simpatia dos bons Espíritos. Mas a mensagem
seguinte, obtida na Sociedade, prova que ela pode receber comunicações
de caracteres muito variados.
A fantasia (Médium, Sra. Leso...)
Queres que te fale da fantasia. Ela foi minha rainha, minha dona, minha escrava. Eu a servi e a dominei. Mas embora sempre sujeito às suas adoráveis flutuações, jamais lhe fui infiel. É ainda ela que me impele a falar de outra coisa: da facilidade com que o coração carrega dois amores, facilidade mal vista e muito censurada. Considero absurda essa censura dos bons burgueses que só gostam de seus pequenos vícios moderados, ainda mais enfadonhos que suas virtudes. Eles só admitem o que os seus miolos podados e cercados de sebes como um jardim de padre conseguem entender. Tens medo do que te digo; fica tranquila; Musset tem a sua garra; não se lhe podem pedir gentilezas de cãezinhos amestrados. É preciso suportar e compreender suas piadas, verdadeiras sob sua aparência frívola, tristes sob sua alegria, risonhas nas suas lágrimas.
Queres que te fale da fantasia. Ela foi minha rainha, minha dona, minha escrava. Eu a servi e a dominei. Mas embora sempre sujeito às suas adoráveis flutuações, jamais lhe fui infiel. É ainda ela que me impele a falar de outra coisa: da facilidade com que o coração carrega dois amores, facilidade mal vista e muito censurada. Considero absurda essa censura dos bons burgueses que só gostam de seus pequenos vícios moderados, ainda mais enfadonhos que suas virtudes. Eles só admitem o que os seus miolos podados e cercados de sebes como um jardim de padre conseguem entender. Tens medo do que te digo; fica tranquila; Musset tem a sua garra; não se lhe podem pedir gentilezas de cãezinhos amestrados. É preciso suportar e compreender suas piadas, verdadeiras sob sua aparência frívola, tristes sob sua alegria, risonhas nas suas lágrimas.
ALFRED DE MUSSET
OBSERVAÇÃO:
Uma pessoa que só tinha ouvido esta comunicação à sua primeira leitura
dizia, numa sessão íntima, que ela lhe parecia de pouca significação.
O
Espírito de Sócrates, que participava da conversa, respondendo a essa
observação, escreveu espontaneamente: “Não, tu te enganas; relê; há
coisas boas; ela é muito inteligente e isto tem o seu lado bom. Diz-se
que nisto se conhece o homem. Com efeito, é mais fácil provar a
identidade de um Espírito do vosso tempo do que do meu. Para certas
pessoas é útil que de vez em quando tenhais comunicações desta espécie”.
Um
outro dia, numa conversa sobre médiuns, referindo-se ao caráter de
Alfred de Musset, que um dos assistentes acusava de ter sido muito
material em vida, este escreveu espontaneamente a notável comunicação
seguinte, por um de seus médiuns preferidos.
Influência do médium sobre o Espírito (Médium, Sra. Schmidt)
Só os Espíritos superiores podem comunicar-se indistintamente com todos os médiuns e manter em todas as situações a mesma linguagem. Mas eu não sou um Espírito superior, por isso às vezes sou um pouco material. Contudo, sou mais adiantado do que pensais.
Só os Espíritos superiores podem comunicar-se indistintamente com todos os médiuns e manter em todas as situações a mesma linguagem. Mas eu não sou um Espírito superior, por isso às vezes sou um pouco material. Contudo, sou mais adiantado do que pensais.
Quando nos comunicamos por um médium, a emanação de sua
natureza se reflete mais ou menos sobre nós. Por exemplo, se o médium é
dessas naturezas em que predomina o coração; desses seres mais
adiantados, capazes de sofrer por seus irmãos; enfim, dessas almas
devotadas, grandes, que a infelicidade tornou fortes e que ficaram puras
no meio da tormenta, então o reflexo faz bem, no sentido de nos
corrigirmos espontaneamente e nossa linguagem se ressentir. Mas, no caso
contrário, se nos comunicamos através de um médium de uma natureza
menos elevada, servimo-nos meramente e simplesmente de sua faculdade
como de um instrumento. É então que nos tornamos o que chamas de um
pouco material. Dizemos coisas espirituais, se quiseres, mas pomos de
lado o coração.
Pergunta: ─ Os médiuns instruídos, de espírito culto, são mais aptos a receber comunicações elevadas que os não instruídos?
Resposta: ─ Não; repito. Só a essência da alma se reflete sobre os Espíritos, mas os Espíritos superiores são os únicos invulneráveis.
Resposta: ─ Não; repito. Só a essência da alma se reflete sobre os Espíritos, mas os Espíritos superiores são os únicos invulneráveis.
ALFRED DE MUSSET
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