Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1861

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Capítulo XI

Fevereiro - Palestras familiares de além-túmulo - Suicídio de um ateu

Fevereiro
O Sr. J. B. D..., evocado a pedido de um de seus parentes, era um homem instruído, mas até o último grau imbuído de ideias materialistas. Não acreditava na alma nem em Deus. Afogou-se voluntariamente há dois anos.

1. (Evocação). ─ Sofro! Sou um condenado.

2. ─ Pediram-nos que vos chamasse da parte de um dos vossos parentes, que deseja conhecer a vossa sorte. Podeis dizer se esta evocação é agradável ou penosa? ─ Penosa.

3. ─ Vossa morte foi voluntária? ─ Sim. Observação: O Espírito escreve com extrema dificuldade. A letra é grande, irregular, convulsa e quase ilegível. De início denota cólera, quebra o lápis e rasga o papel.

4. ─ Tende calma. Rogaremos por vós a Deus. ─ Sou forçado a crer em Deus.

5. ─ Que motivo vos levou a vos destruirdes? ─ Tédio da vida sem esperança. Observação: Compreende-se o suicídio quando a vida é sem esperança. Querse fugir à infelicidade a todo custo. Com o Espiritismo o futuro se desenrola e a esperança se legitima. O suicídio, então, não tem objetivo; ainda mais, reconhece-se que por tal meio não se escapa a um mal senão para cair num outro cem vezes pior. Eis por que o Espiritismo já subtraiu tantas vítimas à morte voluntária. Estão errados e são sonhadores aqueles que nele buscam, antes de mais nada, o fim moral e filosófico? Muito culpados são aqueles que, por sofismas científicos e no suposto nome da razão, se esforçam por prestigiar a ideia desesperada, fonte de tantos males e crimes, de que tudo acaba com a vida. Serão responsáveis não só por seus próprios erros, mas por todos os males de que tiverem sido causadores.

6. ─ Quisestes escapar às vicissitudes da vida. Conseguistes alguma coisa? Sois mais feliz agora? ─ Por que o nada não existe?!

7. ─ Teríeis a bondade de descrever-nos o melhor possível a vossa situação? ─ Sofro por ser obrigado a crer em tudo aquilo que negava. Minha alma está como que num braseiro, horrivelmente atormentada.

8. ─ De onde vinham as ideias materialistas que tínheis em vida? ─ Em outra existência eu tinha sido mau, e meu Espírito estava condenado a sofrer os tormentos da dúvida durante minha vida. Assim, matei-me. Observação: Existe aqui toda uma ordem de ideias. Frequentemente nos perguntamos como pode haver materialistas, de vez que, já tendo passado pelo mundo espírita, deveríamos ter-lhe a intuição. Ora, é precisamente essa intuição que é recusada, como castigo, a certos Espíritos que conservaram o orgulho e não se arrependeram de suas faltas. Não devemos esquecer que a Terra é um lugar de expiação. Eis por que ela encerra tantos Espíritos maus encarnados.

9. ─ Quando vos afogastes, que pensáveis que vos iria acontecer? Que reflexões fizestes naquele momento? ─ Nenhuma. Para mim era o nada. Vi depois que não tendo esgotado a minha pena, ainda iria sofrer muito.

10. ─ Agora estais bem convencido da existência de Deus, da alma e da vida futura? ─ Oh! Sou terrivelmente atormentado por isto!

11. ─ Revistes vossa mulher e vosso irmão? ─ Oh! não!

12. ─ Por quê? ─ Por que reunir nossos tormentos? A gente se exila na desgraça e só se reúne na felicidade. Ai de mim!

13. ─ Gostaríeis de rever o vosso irmão, que poderíamos chamar para o vosso lado? ─ Não, não! Eu estou muito mal.

14. ─ Por que não quereis que o chamemos? ─ É que também ele não é feliz.

15. ─ Temeis a sua presença. Entretanto, ela não vos poderia fazer bem? ─ Não. Mais tarde.

16. ─ Vosso parente pergunta se assististes ao vosso enterro e se ficastes satisfeito com o que ele fez na ocasião. ─ Sim.

17. ─ Desejais que ele diga alguma coisa? ─ Que orem um pouco por mim.

18. ─ Parece que na sociedade que frequentáveis algumas pessoas partilham das opiniões que tínheis em vida. Quereríeis dizer-lhes algo a respeito? ─ Ah! Que infelizes! Possam eles acreditar numa outra vida! É o que lhes posso desejar para maior felicidade. Se pudessem compreender minha triste posição, iriam refletir bastante. Evocação do irmão do precedente, que professava as mesmas ideias mas que não se suicidou. Conquanto infeliz, está mais calmo. Sua caligrafia é clara e legível.

19. (Evocação). ─ Possa o quadro de nossos sofrimentos vos ser uma lição útil, e vos persuadir de que há uma outra vida, na qual expiamos nossas faltas e nossa incredulidade!

20. ─ Vós e o vosso irmão que acabamos de evocar vos vedes reciprocamente? ─ Não. Ele foge de mim.

21. ─ Estais mais calmo que ele. Poderíeis dar-nos uma descrição mais exata dos vossos sofrimentos? ─ Na Terra não sofrem o vosso amor próprio, o vosso orgulho, quando sois obrigados a confessar o vosso erro? Vosso Espírito não se revolta ao pensamento de vos humilhardes ante aquele que vos demonstra que estais errados? Então! Que pensais que sofra o Espírito que em toda a sua existência ficou persuadido de que nada existe além de si mesmo e que tem razão contra todos? Quando, de repente, ele se acha ante a deslumbrante verdade, sente-se aniquilado e humilhado. A isto vem juntar-se o remorso de, por tanto tempo, ter esquecido a existência de um Deus tão bom, tão indulgente. Seu estado é insuportável; não encontra calma nem repouso; não achará um pouco de tranquilidade senão no momento em que a graça santa, isto é, o amor de Deus o tocar, porque de tal modo o orgulho se apodera do nosso pobre Espírito, que o envolve inteiramente, e ainda lhe é necessário muito tempo para se desfazer dessa túnica fatal. Só a prece dos nossos irmãos nos ajuda a nos desembaraçarmos dela.

22. ─ Quereis falar de vossos irmãos vivos ou em Espírito? ─ De uns e de outros.

23. ─ Enquanto conversávamos com o vosso irmão, um dos presentes orou por ele. A prece ter-lhe-á sido útil? ─ Não será perdida. Se agora recusa a graça, ela lhe voltará quando estiver em estado de recorrer a essa divina panaceia.

O resultado dessas duas evocações foi transmitido à pessoa que no-las tinha pedido. Então recebemos a seguinte resposta:

“Não podeis imaginar, senhor, quão grande foi o bem produzido pela evocação de meu sogro e de meu tio. Nós os reconhecemos perfeitamente. Sobretudo a letra do primeiro tem uma notável analogia com a que tinha em vida, tanto mais quanto, nos últimos meses que passou conosco, ela era arrebatada e indecifrável. Aí encontramos a mesma forma das pernas, da assinatura, e de certas letras, principalmente os d, f, o, p, q, t. Quanto às palavras, às expressões e ao estilo, são ainda mais notáveis. Para nós, a analogia é perfeita, a não ser o seu maior esclarecimento sobre Deus, a alma e a eternidade, que outrora ele negava tão formalmente. Estamos, pois, perfeitamente convencidos quanto à identidade. Deus será por isso mais glorificado por nossa crença mais firme no Espiritismo, e nossos irmãos, Espíritos e vivos, assim se tornarão melhores. A identidade de seu irmão não é menos evidente. A imensa diferença entre o ateu e o crente foi reconhecida no seu caráter, no seu estilo, nas suas expressões. Uma palavra, sobretudo, nos chocou: panaceia. Era sua expressão habitual, que dizia a todos e a todo momento.

“Mostrei as duas comunicações a várias pessoas, que ficaram tocadas por sua veracidade. Mas os incrédulos, os que participam das opiniões de meus dois parentes, desejavam respostas mais categóricas: que, por exemplo, o Sr. D... precisasse o lugar onde foi enterrado, onde se afogou, de que maneira procedeu, etc. Para satisfazê-los e os convencer, bem poderíeis fazer-lhe as seguintes perguntas: Onde e como cometeu o suicídio? Quanto tempo ficou mergulhado? Onde seu corpo foi encontrado? Em que lugar foi enterrado? De que maneira, civil ou religiosa se procedeu à inumação, etc.?

“Peço-vos, senhor, a bondade de exigir respostas categóricas a estas perguntas essenciais para os que ainda duvidam. Estou persuadido do imenso bem que isto produzirá. Procedo de modo que esta carta vos chegue amanhã, sexta-feira, a fim de poderdes evocá-lo na sessão da Sociedade a realizar-se nesse dia... etc.”

Reproduzimos esta carta devido à identidade que ela estabelece. Juntamos a nossa resposta, para instrução das pessoas não familiarizadas com as comunicações de além-túmulo.

“... As perguntas que desejais sejam dirigidas novamente ao Espírito de vosso sogro certamente são ditadas por louvável intenção, a de convencer os incrédulos, porque em vós não há mistura de sentimentos de dúvida e de curiosidade. Entretanto, um mais perfeito conhecimento do Espiritismo vos teria feito compreender que são supérfluas.

“Para começar, pedindo faça o vosso sogro dar respostas categóricas, certamente ignorais que não governamos os Espíritos à vontade. Eles respondem quando querem e como querem, e muitas vezes como podem. Sua liberdade de ação é ainda maior do que quando vivos e têm mais meios de subtrair-se à pressão moral que tentássemos exercer sobre eles. As melhores provas de identidade são dadas espontaneamente, de acordo com sua própria vontade ou que brotam das circunstâncias e, na maioria dos casos, é perder tempo querer provocá-las. Vosso parente provou sua identidade de modo irrecusável, segundo vossa opinião. É, pois, mais que provável que recuse responder a perguntas que de pleno direito ele considera supérfluas e feitas com o objetivo de satisfazer a curiosidade de pessoas que lhe são indiferentes. Poderia ele responder, como frequentemente fizeram outros Espíritos em casos semelhantes, perguntando:

“Qual o interesse em perguntar-me coisas que sabeis?” Acrescentarei, ainda, que o estado de perturbação e de sofrimento em que se encontra deve tornar-lhe mais penosas as pesquisas desse gênero, exatamente como se se quisesse obrigar um doente que apenas pode pensar e falar, a contar-nos detalhes de sua vida. Seria certamente faltar à consideração devida à sua posição.

“Quanto ao resultado que esperais, seria nulo, tende certeza. As provas de identidade fornecidas têm um valor ainda maior, pelo próprio fato de terem sido espontâneas e de que nada podia indicar aquele caminho. Se os incrédulos não estão satisfeitos com isso, também não o ficariam por meio de perguntas que poderiam inquinar de conivência. Há criaturas a quem nada pode convencer. Elas veriam o vosso sogro com os seus próprios olhos e diriam que estavam sendo vítimas de uma alucinação. O que de melhor se lhes pode fazer é deixá-las tranquilas e não perder tempo com palavras supérfluas. Só podemos lamentá-las, porque, mais cedo ou mais tarde aprenderão por si mesmas quanto custa terem repelido a luz que Deus lhes envia. É sobretudo contra esses que Deus manifesta a sua severidade.

“Duas palavras ainda, senhor, sobre o vosso pedido de evocação no mesmo dia em que devia receber a carta. As evocações não são feitas assim, às pressas. Nem sempre os Espíritos respondem ao nosso apelo. Para tanto, é necessário que o possam ou o queiram. Além disso, é preciso um médium que lhes convenha e que tenha a aptidão especial necessária; que esse médium esteja à disposição em dado momento; que o meio seja simpático ao Espírito, etc. Todas estas são circunstâncias pelas quais não podemos responder jamais, e que importa conhecer quando se quer fazer a coisa com seriedade.”


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