Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1861
Versão para cópiaCapítulo XVIII
Março - Ensinos e dissertações espíritas
Março
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A LEI DE MOISÉS E A LEI DO CRISTO
(COMUNICAÇÃO PELO SR. R..., DE MULHOUSE)
Um dos nossos assinantes de Mulhouse nos envia a carta e a comunicação que se segue:
...“Aproveito a ocasião que se apresenta de vos escrever, para mandar uma comunicação que recebi, como médium, de meu Espírito protetor, e que me parece interessante e instrutiva sob todos os pontos de vista. Se assim a julgardes, eu vos autorizo a fazer dela o uso que acrediteis mais útil. Eis qual foi o princípio. Inicialmente devo dizer-vos que professo o culto israelita e, naturalmente, sou levado às ideias religiosas em que fui educado. Eu tinha notado que, em todas as comunicações dos Espíritos, jamais se tratava senão da moral cristã, pregada pelo Cristo e que jamais se falava da lei de Moisés. Contudo, eu me dizia que os mandamentos de Deus, revelados por Moisés, me pareciam ser o fundamento da moral cristã; que o Cristo poderia ter ampliado o quadro e desenvolvido as consequências, mas que o germe estava na lei ditada no Sinai. Então me perguntei se a menção, tantas vezes repetida, da moral do Cristo, posto que a de Moisés não lhe fosse estranha, não provinha do fato de que a maior parte das comunicações recebidas emanavam de Espíritos que tinham pertencido à religião dominante, e se não seriam uma lembrança das ideias terrenas. Sob o império de tais pensamentos, evoquei meu Espírito protetor, que foi um dos meus parentes próximos e se chamava Mardoqueu R... Eis as perguntas que lhe dirigi e as respostas dadas por ele, etc....
1. ─ Em todas as comunicações feitas à Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, cita-se Jesus como sendo o que ensinou a mais bela moral. Que devo pensar disto?
─ Sim. O Cristo foi o iniciador da moral mais pura, a mais sublime: a moral evangélica cristã, que deve renovar o mundo, reaproximar os homens e os tornar a todos irmãos; a moral que deve fazer jorrar de todos os corações humanos a caridade, o amor ao próximo; que deve criar entre todos os homens uma solidariedade comum; a moral, enfim, que deve transfigurar a Terra e dela fazer uma morada para Espíritos superiores aos que hoje a habitam. É a lei do progresso, à qual está submetida a Natureza, que se realiza; e o Espiritismo é uma das forças vivas de que Deus se serve para propiciar o adiantamento da Humanidade na via do progresso moral. São chegados os tempos em que as ideias morais devem desenvolver-se para realizar o progresso que está nos desígnios de Deus. Elas devem seguir a mesma rota que as ideias de liberdade percorreram e das quais eram precursoras. Mas não se deve crer que esse desenvolvimento se faça sem lutas. Não. Para chegar à maturidade, elas necessitam de abalos e discussões, a fim de que atraiam a atenção das massas; mas, uma vez fixada a atenção, a beleza e a santidade da moral sensibilizarão os Espíritos, e eles aplicar-se-ão a uma ciência que lhes dá a chave da vida futura e lhes abre as portas da felicidade eterna.
Deus é único, e Moisés é o Espírito que Deus enviou em missão para se fazer conhecer, não só aos hebreus, mas também aos povos pagãos. O povo hebreu foi o instrumento de que Deus se serviu para fazer sua revelação, através de Moisés e dos profetas, e as vicissitudes desse povo tão admirável eram feitas para ferir os olhos e fazer cair o véu que aos homens ocultava a Divindade.
2. ─ Em que, pois, a moral de Moisés é inferior à do Cristo?
─ A moral de Moisés era apropriada ao estado de adiantamento em que se achavam os povos que ela estava destinada a regenerar. Esses povos, meio selvagens quanto ao aperfeiçoamento de sua alma, não teriam compreendido que se pudesse adorar Deus de outra maneira senão pelos holocaustos, nem que era preciso perdoar a um inimigo. Sua inteligência, notável do ponto de vista da matéria, e mesmo das artes e das ciências, estava muito atrasada em moralidade e não se teria convertido sob o império de uma religião inteiramente espiritual. Era-lhes necessária uma representação semimaterial, tal qual oferecia, então, a religião hebraica. É assim que os holocaustos lhes falavam aos sentidos, enquanto a ideia de Deus lhes falava ao espírito.
Os mandamentos de Deus recebidos por Moisés trazem o germe da moral cristã mais ampla, mas os comentários da Bíblia estreitavam o sentido, porque, se fosse posta em prática em toda a sua pureza, não teria sido então compreendida. Mas os dez mandamentos de Deus nem por isso deixaram de estabelecer-se como o brilhante frontispício, como o farol que deveria iluminar a Humanidade na rota que ela tinha a percorrer. Foi Moisés que abriu o caminho; Jesus continuou a obra; o Espiritismo a acabará.
3. ─ O sábado é um dia consagrado?
─ Sim. O sábado é um dia consagrado ao repouso, à prece. É o emblema da felicidade eterna, a que aspiram todos os Espíritos e à qual eles só chegarão depois de se haverem aperfeiçoado pelo trabalho e se despojado, pelas encarnações, de todas as impurezas do coração humano.
4. ─ Que motivo, então, levou cada seita a consagrar um dia diferente?
─ Cada seita, é verdade, consagrou um dia diferente, mas isto não é um motivo de inconformação. Deus aceita as preces e as formas de cada religião, desde que os atos correspondam aos ensinos. Seja qual for a forma sob a qual Deus é invocado, a prece lhe é agradável, se a intenção for pura.
5. ─ Pode-se esperar o estabelecimento de uma religião universal?
─ Não. Não em nosso planeta, ou, pelo menos, não antes que ele tenha feito progressos que muitos milhares de gerações nem mesmo verão.
MARDOQUEU R...
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LIÇÕES FAMILIARES DE MORAL
(ENVIADAS PELA MÉDIUM SRA. CONDESSA F..., DE VARSÓVIA)
(TRADUZIDAS DO POLONÊS)
I
Meus caros filhos, vossa maneira de compreender a vontade de Deus está errada, porque tomais tudo o que acontece como expressão dessa vontade. Certamente Deus conhece tudo o que é, tudo o que foi e tudo o que será; sendo sempre a sua santa vontade a expressão de seu amor divino, traz, ao realizar-se, a graça e a bênção, enquanto que, afastando-se dessa via única, o homem atrai a si sofrimentos que são apenas advertências. Infelizmente, o homem de hoje, enceguecido pelo orgulho de seu espírito, ou afogado no lamaçal de suas paixões, não as quer compreender. Ora, meus filhos, sabei que se aproxima o tempo no qual começará o reinado da vontade de Deus na Terra. Então, infeliz daquele que ainda ousar opor-se, pois será quebrado como o caniço, ao passo que aqueles que se tiverem emendado verão para si abrir-se os tesouros da misericórdia infinita. Vedes por aí que se a vontade de Deus é a expressão de seu amor e, por isso mesmo, imutável e eterna, todo ato de rebeldia contra essa vontade, embora suportado pela incompreensível sabedoria, é apenas temporário e passageiro, como prova da paciente misericórdia de Deus, e não como expressão de sua vontade.
II
Vejo com prazer, meus filhos, que vossa fé não enfraquece, malgrado os ataques dos incrédulos. Se todos os homens tivessem acolhido com o mesmo zelo, a mesma perseverança, e sobretudo com a mesma pureza de intenção essa manifestação extraordinária da bondade divina, nova porta aberta ao vosso adiantamento, teria sido uma prova evidente de que o mundo não é tão mau nem tão endurecido quanto parece e que, o que é inadmissível, a mão de Deus se tenha injustamente vergado sobre os seres humanos. Não fiqueis, pois, admirados da oposição que o Espiritismo encontra no mundo. Destinado a combater vitoriosamente o egoísmo e trazer a vitória da caridade, está naturalmente exposto às perseguições do egoísmo e do fanatismo dele sempre derivado. Lembrai-vos do que foi dito há muitos séculos: “Muitos serão os chamados, poucos os escolhidos.” Entretanto, o bem que vem de Deus sempre acabará por triunfar do mal que vem dos homens.
III
Deus fez a fé e a caridade descerem à Terra para ajudar os homens a sacudirem a dupla tirania do pecado e da arbitrariedade, e não há dúvida de que, com esses dois divinos motores, há muito tempo teriam eles atingido uma felicidade tão perfeita quanto comportam a natureza humana e o estado físico do vosso globo, se os homens não tivessem deixado a fé enlanguescer e os corações secarem. Por um momento, eles chegaram a acreditar que poderiam dispensá-la e salvar-se apenas pela caridade. Foi então que se viu nascer essa porção de sistemas sociais, bons na intenção que os ditava, mas defeituosos e impraticáveis na forma. Perguntareis: Por que são impraticáveis? Não se baseiam no desinteresse de cada um? Sim, sem dúvida, mas para se basear no desinteresse é necessário, de saída, que exista o desinteresse. Ora, não basta decretá-lo; é necessário inspirá-lo. Sem a fé que dá a certeza das compensações da vida futura, o desinteresse é um engano aos olhos do egoísta. Por isso os sistemas que não repousam senão nos interesses materiais são instáveis, tanto é certo que o homem nada poderia construir de harmonioso e durável sem a fé que não só o dota de uma força moral superior a todas as forças físicas, mas lhe abre a assistência do mundo espiritual e lhe permite beber na fonte da onipotência divina.
IV
“Mesmo quando houverdes cumprido tudo quanto vos foi ordenado, considerai-vos como servos inúteis.” Estas palavras do Cristo vos ensinam a humildade como a primeira base da fé e uma das primeiras condições da caridade. Aquele que tem fé não esquece que Deus conhece todas as imperfeições; por consequência, jamais se lembra de querer parecer melhor do que é, aos olhos do próximo. Aquele que tem humildade sempre acolhe com suavidade as censuras que lhe fazem, por mais injustas que sejam, porque, sabei-o bem, a injustiça jamais irrita o justo, mas é pondo o dedo sobre alguma chaga envenenada de vossa alma que se faz subir ao vosso rosto o calor da vergonha, indício seguro de um orgulho mal disfarçado. O orgulho, meus filhos, é o maior obstáculo ao vosso aperfeiçoamento, porque não vos deixa aproveitar as lições que vos dão. É, pois, combatendo-o sem tréguas e sem quartel que melhor trabalhareis o vosso adiantamento.
V
Se lançardes o olhar sobre o mundo que vos cerca, vereis que tudo aí é harmonia. A harmonia do mundo material é o belo. Contudo, é ainda a parte menos nobre da Criação. A harmonia do mundo espiritual é o amor, emanação divina que enche os espaços e conduz a criatura ao seu Criador. Procurai, meus filhos, com ele encher os vossos corações. Tudo quanto pudésseis fazer de grande, fora desta lei, não vos seria levado em conta. Só o amor, quando tiverdes assegurado o seu triunfo na Terra, fará vir a vós o reino de Deus prometido pelos apóstolos.
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OS MISSIONÁRIOS
(ENVIADA PELO SR. SABÒ, DE BORDÉUS)
Vou dizer-vos algumas palavras para vos dar a compreender o objetivo a que se propõem os Missionários, deixando pátria e família para ir evangelizar tribos ignorantes e ferozes, entretanto irmãos, mas inclinados ao mal e desconhecedores do bem; ou para ir pregar a mortificação, a confiança em Deus, a prece, a fé, a resignação na dor, a caridade, a esperança de uma vida melhor depois do arrependimento. Perguntareis: Isto não é Espiritismo? Sim, almas de escol, que sempre servistes a Deus e fielmente observais as suas leis; que amais e socorreis o vosso próximo, vós sois espíritas. Mas não conheceis esta palavra de criação nova e nela vedes um perigo. Ora! Já que a palavra nos apavora, não a pronunciaremos mais diante de vós, até que vós mesmos venhais perguntar esse nome, que resume a existência dos Espíritos e suas manifestações: o Espiritismo.
Amados irmãos, o que são os Missionários junto a nações na infância? Espíritos em missão, enviados por Deus, nosso Pai, para esclarecer pobres Espíritos mais ignorantes; para lhes ensinar a esperar nele, a conhecê-lo, a amá-lo, a ser bons esposos, bons pais, bons para com os semelhantes; para lhes dar, tanto quanto comporta sua natureza inculta, a ideia do bem e do belo. Ora, vós que sois tão orgulhosos de vossa inteligência, sabei que partistes tão de baixo quanto eles, e que ainda tendes muito a fazer para chegardes ao mais alto grau. Eu vos pergunto, amigos: Sem as missões e os Missionários, em que se tornaria essa pobre gente abandonada às suas paixões e à sua natureza selvagem? Mas dizei: Sois vós que, a exemplo desses homens devotados, ides pregar o Evangelho a esses irmãos broncos? Não, não sereis vós. Vós tendes família, amigos, uma posição que não podeis abandonar. Não, não sereis vós, que gostais das doçuras do lar. Não, não sereis vós, que tendes fortuna, honras, todas as felicidades que satisfazem à vossa vaidade e ao vosso egoísmo. Não, não sereis vós. São necessários homens que deixem o teto paterno e a pátria com alegria; homens que façam pouco caso da vida, porque às vezes ela é cortada a ferro e fogo; são necessários homens bem convencidos de que, se vão trabalhar na vinha do Senhor e regá-la com o próprio sangue, encontrarão no Alto a recompensa a tantos sacrifícios. Dizei se os materialistas seriam capazes de tal devotamento, eles que nada mais esperam depois desta vida? Crede-me, são Espíritos enviados por Deus. Não riais mais daquilo a que chamais de tolice, porque eles são instruídos, e expondo a vida para esclarecer seus irmãos ignorantes, têm direito ao vosso respeito e à vossa simpatia. Sim, são Espíritos encarnados que têm a missão perigosa de desbravar essas inteligências incultas, como outros Espíritos, mais adiantados, têm por missão fazer que vós mesmos progridais.
O que vimos de fazer, meus amigos, é Espiritismo. Não vos arreceeis desta palavra. Sobretudo, não riais, porque ela é o símbolo da lei universal que rege os seres vivos da Criação.
ADOLPHE, bispo de Alger
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A FRANÇA
(ENVIADA PELO SR. SABÒ, DE BORDÉUS)
Tu também, terra dos francos, estavas mergulhada na barbárie e tuas coortes selvagens levavam o espanto e a desolação até o seio das nações civilizadas. Oferecias montanhas de sacrifícios humanos a Teutatés e tremias à voz dos druidas, que escolhiam as suas vítimas. Os dolmens que te serviam de altares jazem em meio às charnecas estéreis! E o pastor que para ali conduz os seus magros rebanhos olha com admiração esses blocos de granito e se pergunta para que serviram essas lembranças de outros tempos!
Contudo, teus filhos, cheios de bravura, dominavam as nações e voltavam ao solo pátrio com o rosto triunfante, tendo nas mãos os troféus das vitórias e arrastando os vencidos em vergonhosa escravidão! Mas Deus queria que tomasses o teu lugar entre elas, e te enviou bons Espíritos, apóstolos de uma religião nova, que vinha pregar a teus filhos selvagens o amor, o perdão, a caridade. E quando Clóvis, à frente de seus exércitos, chamava em seu socorro esse Deus poderoso, ele acorreu à sua voz, deu-lhe a vitória e, como filho reconhecido, o vencedor abraçou o Cristianismo! O apóstolo do Cristo, derramando-lhe a santa unção, inspirado pelo Espírito de Deus, lhe ordenou que adorasse aquilo que havia queimado, e queimar o que havia adorado.
Então começou para ti uma longa luta entre os teus filhos, que não podiam enfrentar a cólera de seus deuses e de seus sacerdotes, e não foi senão depois que o sangue dos mártires regou o teu solo, para aí fazer germinarem suas pregações, que pouco a pouco desembaraçaste o coração do culto de teus pais, para seguir o de teus reis. Eles eram bravos e valentes e por sua vez iam combater as hordas selvagens dos bárbaros do Norte. Voltando calmos aos seus palácios, aplicavam-se ao progresso e à civilização de seus povos. Durante vários séculos são vistos realizando esse progresso, lentamente, é verdade, mas, enfim, te puseram no primeiro lugar.
Entretanto, foste tantas vezes culpada que o braço de Deus levantou-se e estava prestes a te exterminar. Mas, se o solo francês é um foco de incredulidade e de ateísmo, é também foco de lances generosos, da caridade e dos sublimes devotamentos. Ao lado da impiedade florescem as virtudes pregadas pelo Evangelho. Elas desarmaram o seu braço prestes a ferir-te tantas vezes e, lançando sobre esse povo a quem ama um olhar de clemência, ele o escolheu para ser o mensageiro de sua vontade; e é de seu seio que devem sair os germes da Doutrina Espírita, que ele transmite através dos bons Espíritos, a fim de que seus raios benéficos pouco a pouco penetrem o coração de todas as nações, e que os povos, consolados pelos preceitos de amor, de caridade, de perdão e de justiça marchem a passos de gigantes para a grande reforma moral que deve regenerar a Humanidade. França! Tens a tua sorte em tuas mãos. Se desconhecesses a voz celeste que te chama a esses gloriosos destinos; se tua indiferença te fizesse repelir a luz que deves espalhar, Deus te repudiaria, como outrora repudiou o povo hebreu, porque seria com ele que realizaria os seus desígnios. Apressa-te, pois, já que é chegado o momento! Que os povos aprendam contigo o caminho da verdadeira felicidade. Que o teu exemplo lhes mostre os frutos consoladores que dele devem retirar, e eles repetirão com o coro dos bons Espíritos: “Deus protege e abençoa a França!”
CARLOS MAGNO
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A INGRATIDÃO
(ENVIADA PELO SR. PICHON, MÉDIUM DE SENS)
É preciso sempre ajudar os fracos e os que desejam fazer o bem, embora sabendo de antemão que não seremos recompensados por aqueles a quem o fazemos, porque aquele que se recusa a vos ser grato pela assistência que lhe destes, nem sempre é tão ingrato quanto o imaginais. Muitas vezes ele age segundo os desígnios de Deus, mas os seus desígnios não são, e muitas vezes não podem ser apreciados por vós. Baste-vos saber que é necessário fazer o bem por dever e por amor de Deus, pois disse Jesus: “Aquele que faz o bem por interesse já recebeu sua recompensa.” Sabei que se aquele a quem prestais serviço esquece o benefício, Deus vo-lo terá mais em conta do que se já tivésseis sido recompensados pela gratidão do vosso favorecido.
(COMUNICAÇÃO PELO SR. R..., DE MULHOUSE)
Um dos nossos assinantes de Mulhouse nos envia a carta e a comunicação que se segue:
...“Aproveito a ocasião que se apresenta de vos escrever, para mandar uma comunicação que recebi, como médium, de meu Espírito protetor, e que me parece interessante e instrutiva sob todos os pontos de vista. Se assim a julgardes, eu vos autorizo a fazer dela o uso que acrediteis mais útil. Eis qual foi o princípio. Inicialmente devo dizer-vos que professo o culto israelita e, naturalmente, sou levado às ideias religiosas em que fui educado. Eu tinha notado que, em todas as comunicações dos Espíritos, jamais se tratava senão da moral cristã, pregada pelo Cristo e que jamais se falava da lei de Moisés. Contudo, eu me dizia que os mandamentos de Deus, revelados por Moisés, me pareciam ser o fundamento da moral cristã; que o Cristo poderia ter ampliado o quadro e desenvolvido as consequências, mas que o germe estava na lei ditada no Sinai. Então me perguntei se a menção, tantas vezes repetida, da moral do Cristo, posto que a de Moisés não lhe fosse estranha, não provinha do fato de que a maior parte das comunicações recebidas emanavam de Espíritos que tinham pertencido à religião dominante, e se não seriam uma lembrança das ideias terrenas. Sob o império de tais pensamentos, evoquei meu Espírito protetor, que foi um dos meus parentes próximos e se chamava Mardoqueu R... Eis as perguntas que lhe dirigi e as respostas dadas por ele, etc....
1. ─ Em todas as comunicações feitas à Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, cita-se Jesus como sendo o que ensinou a mais bela moral. Que devo pensar disto?
─ Sim. O Cristo foi o iniciador da moral mais pura, a mais sublime: a moral evangélica cristã, que deve renovar o mundo, reaproximar os homens e os tornar a todos irmãos; a moral que deve fazer jorrar de todos os corações humanos a caridade, o amor ao próximo; que deve criar entre todos os homens uma solidariedade comum; a moral, enfim, que deve transfigurar a Terra e dela fazer uma morada para Espíritos superiores aos que hoje a habitam. É a lei do progresso, à qual está submetida a Natureza, que se realiza; e o Espiritismo é uma das forças vivas de que Deus se serve para propiciar o adiantamento da Humanidade na via do progresso moral. São chegados os tempos em que as ideias morais devem desenvolver-se para realizar o progresso que está nos desígnios de Deus. Elas devem seguir a mesma rota que as ideias de liberdade percorreram e das quais eram precursoras. Mas não se deve crer que esse desenvolvimento se faça sem lutas. Não. Para chegar à maturidade, elas necessitam de abalos e discussões, a fim de que atraiam a atenção das massas; mas, uma vez fixada a atenção, a beleza e a santidade da moral sensibilizarão os Espíritos, e eles aplicar-se-ão a uma ciência que lhes dá a chave da vida futura e lhes abre as portas da felicidade eterna.
Deus é único, e Moisés é o Espírito que Deus enviou em missão para se fazer conhecer, não só aos hebreus, mas também aos povos pagãos. O povo hebreu foi o instrumento de que Deus se serviu para fazer sua revelação, através de Moisés e dos profetas, e as vicissitudes desse povo tão admirável eram feitas para ferir os olhos e fazer cair o véu que aos homens ocultava a Divindade.
2. ─ Em que, pois, a moral de Moisés é inferior à do Cristo?
─ A moral de Moisés era apropriada ao estado de adiantamento em que se achavam os povos que ela estava destinada a regenerar. Esses povos, meio selvagens quanto ao aperfeiçoamento de sua alma, não teriam compreendido que se pudesse adorar Deus de outra maneira senão pelos holocaustos, nem que era preciso perdoar a um inimigo. Sua inteligência, notável do ponto de vista da matéria, e mesmo das artes e das ciências, estava muito atrasada em moralidade e não se teria convertido sob o império de uma religião inteiramente espiritual. Era-lhes necessária uma representação semimaterial, tal qual oferecia, então, a religião hebraica. É assim que os holocaustos lhes falavam aos sentidos, enquanto a ideia de Deus lhes falava ao espírito.
Os mandamentos de Deus recebidos por Moisés trazem o germe da moral cristã mais ampla, mas os comentários da Bíblia estreitavam o sentido, porque, se fosse posta em prática em toda a sua pureza, não teria sido então compreendida. Mas os dez mandamentos de Deus nem por isso deixaram de estabelecer-se como o brilhante frontispício, como o farol que deveria iluminar a Humanidade na rota que ela tinha a percorrer. Foi Moisés que abriu o caminho; Jesus continuou a obra; o Espiritismo a acabará.
3. ─ O sábado é um dia consagrado?
─ Sim. O sábado é um dia consagrado ao repouso, à prece. É o emblema da felicidade eterna, a que aspiram todos os Espíritos e à qual eles só chegarão depois de se haverem aperfeiçoado pelo trabalho e se despojado, pelas encarnações, de todas as impurezas do coração humano.
4. ─ Que motivo, então, levou cada seita a consagrar um dia diferente?
─ Cada seita, é verdade, consagrou um dia diferente, mas isto não é um motivo de inconformação. Deus aceita as preces e as formas de cada religião, desde que os atos correspondam aos ensinos. Seja qual for a forma sob a qual Deus é invocado, a prece lhe é agradável, se a intenção for pura.
5. ─ Pode-se esperar o estabelecimento de uma religião universal?
─ Não. Não em nosso planeta, ou, pelo menos, não antes que ele tenha feito progressos que muitos milhares de gerações nem mesmo verão.
MARDOQUEU R...
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LIÇÕES FAMILIARES DE MORAL
(ENVIADAS PELA MÉDIUM SRA. CONDESSA F..., DE VARSÓVIA)
(TRADUZIDAS DO POLONÊS)
I
Meus caros filhos, vossa maneira de compreender a vontade de Deus está errada, porque tomais tudo o que acontece como expressão dessa vontade. Certamente Deus conhece tudo o que é, tudo o que foi e tudo o que será; sendo sempre a sua santa vontade a expressão de seu amor divino, traz, ao realizar-se, a graça e a bênção, enquanto que, afastando-se dessa via única, o homem atrai a si sofrimentos que são apenas advertências. Infelizmente, o homem de hoje, enceguecido pelo orgulho de seu espírito, ou afogado no lamaçal de suas paixões, não as quer compreender. Ora, meus filhos, sabei que se aproxima o tempo no qual começará o reinado da vontade de Deus na Terra. Então, infeliz daquele que ainda ousar opor-se, pois será quebrado como o caniço, ao passo que aqueles que se tiverem emendado verão para si abrir-se os tesouros da misericórdia infinita. Vedes por aí que se a vontade de Deus é a expressão de seu amor e, por isso mesmo, imutável e eterna, todo ato de rebeldia contra essa vontade, embora suportado pela incompreensível sabedoria, é apenas temporário e passageiro, como prova da paciente misericórdia de Deus, e não como expressão de sua vontade.
II
Vejo com prazer, meus filhos, que vossa fé não enfraquece, malgrado os ataques dos incrédulos. Se todos os homens tivessem acolhido com o mesmo zelo, a mesma perseverança, e sobretudo com a mesma pureza de intenção essa manifestação extraordinária da bondade divina, nova porta aberta ao vosso adiantamento, teria sido uma prova evidente de que o mundo não é tão mau nem tão endurecido quanto parece e que, o que é inadmissível, a mão de Deus se tenha injustamente vergado sobre os seres humanos. Não fiqueis, pois, admirados da oposição que o Espiritismo encontra no mundo. Destinado a combater vitoriosamente o egoísmo e trazer a vitória da caridade, está naturalmente exposto às perseguições do egoísmo e do fanatismo dele sempre derivado. Lembrai-vos do que foi dito há muitos séculos: “Muitos serão os chamados, poucos os escolhidos.” Entretanto, o bem que vem de Deus sempre acabará por triunfar do mal que vem dos homens.
III
Deus fez a fé e a caridade descerem à Terra para ajudar os homens a sacudirem a dupla tirania do pecado e da arbitrariedade, e não há dúvida de que, com esses dois divinos motores, há muito tempo teriam eles atingido uma felicidade tão perfeita quanto comportam a natureza humana e o estado físico do vosso globo, se os homens não tivessem deixado a fé enlanguescer e os corações secarem. Por um momento, eles chegaram a acreditar que poderiam dispensá-la e salvar-se apenas pela caridade. Foi então que se viu nascer essa porção de sistemas sociais, bons na intenção que os ditava, mas defeituosos e impraticáveis na forma. Perguntareis: Por que são impraticáveis? Não se baseiam no desinteresse de cada um? Sim, sem dúvida, mas para se basear no desinteresse é necessário, de saída, que exista o desinteresse. Ora, não basta decretá-lo; é necessário inspirá-lo. Sem a fé que dá a certeza das compensações da vida futura, o desinteresse é um engano aos olhos do egoísta. Por isso os sistemas que não repousam senão nos interesses materiais são instáveis, tanto é certo que o homem nada poderia construir de harmonioso e durável sem a fé que não só o dota de uma força moral superior a todas as forças físicas, mas lhe abre a assistência do mundo espiritual e lhe permite beber na fonte da onipotência divina.
IV
“Mesmo quando houverdes cumprido tudo quanto vos foi ordenado, considerai-vos como servos inúteis.” Estas palavras do Cristo vos ensinam a humildade como a primeira base da fé e uma das primeiras condições da caridade. Aquele que tem fé não esquece que Deus conhece todas as imperfeições; por consequência, jamais se lembra de querer parecer melhor do que é, aos olhos do próximo. Aquele que tem humildade sempre acolhe com suavidade as censuras que lhe fazem, por mais injustas que sejam, porque, sabei-o bem, a injustiça jamais irrita o justo, mas é pondo o dedo sobre alguma chaga envenenada de vossa alma que se faz subir ao vosso rosto o calor da vergonha, indício seguro de um orgulho mal disfarçado. O orgulho, meus filhos, é o maior obstáculo ao vosso aperfeiçoamento, porque não vos deixa aproveitar as lições que vos dão. É, pois, combatendo-o sem tréguas e sem quartel que melhor trabalhareis o vosso adiantamento.
V
Se lançardes o olhar sobre o mundo que vos cerca, vereis que tudo aí é harmonia. A harmonia do mundo material é o belo. Contudo, é ainda a parte menos nobre da Criação. A harmonia do mundo espiritual é o amor, emanação divina que enche os espaços e conduz a criatura ao seu Criador. Procurai, meus filhos, com ele encher os vossos corações. Tudo quanto pudésseis fazer de grande, fora desta lei, não vos seria levado em conta. Só o amor, quando tiverdes assegurado o seu triunfo na Terra, fará vir a vós o reino de Deus prometido pelos apóstolos.
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OS MISSIONÁRIOS
(ENVIADA PELO SR. SABÒ, DE BORDÉUS)
Vou dizer-vos algumas palavras para vos dar a compreender o objetivo a que se propõem os Missionários, deixando pátria e família para ir evangelizar tribos ignorantes e ferozes, entretanto irmãos, mas inclinados ao mal e desconhecedores do bem; ou para ir pregar a mortificação, a confiança em Deus, a prece, a fé, a resignação na dor, a caridade, a esperança de uma vida melhor depois do arrependimento. Perguntareis: Isto não é Espiritismo? Sim, almas de escol, que sempre servistes a Deus e fielmente observais as suas leis; que amais e socorreis o vosso próximo, vós sois espíritas. Mas não conheceis esta palavra de criação nova e nela vedes um perigo. Ora! Já que a palavra nos apavora, não a pronunciaremos mais diante de vós, até que vós mesmos venhais perguntar esse nome, que resume a existência dos Espíritos e suas manifestações: o Espiritismo.
Amados irmãos, o que são os Missionários junto a nações na infância? Espíritos em missão, enviados por Deus, nosso Pai, para esclarecer pobres Espíritos mais ignorantes; para lhes ensinar a esperar nele, a conhecê-lo, a amá-lo, a ser bons esposos, bons pais, bons para com os semelhantes; para lhes dar, tanto quanto comporta sua natureza inculta, a ideia do bem e do belo. Ora, vós que sois tão orgulhosos de vossa inteligência, sabei que partistes tão de baixo quanto eles, e que ainda tendes muito a fazer para chegardes ao mais alto grau. Eu vos pergunto, amigos: Sem as missões e os Missionários, em que se tornaria essa pobre gente abandonada às suas paixões e à sua natureza selvagem? Mas dizei: Sois vós que, a exemplo desses homens devotados, ides pregar o Evangelho a esses irmãos broncos? Não, não sereis vós. Vós tendes família, amigos, uma posição que não podeis abandonar. Não, não sereis vós, que gostais das doçuras do lar. Não, não sereis vós, que tendes fortuna, honras, todas as felicidades que satisfazem à vossa vaidade e ao vosso egoísmo. Não, não sereis vós. São necessários homens que deixem o teto paterno e a pátria com alegria; homens que façam pouco caso da vida, porque às vezes ela é cortada a ferro e fogo; são necessários homens bem convencidos de que, se vão trabalhar na vinha do Senhor e regá-la com o próprio sangue, encontrarão no Alto a recompensa a tantos sacrifícios. Dizei se os materialistas seriam capazes de tal devotamento, eles que nada mais esperam depois desta vida? Crede-me, são Espíritos enviados por Deus. Não riais mais daquilo a que chamais de tolice, porque eles são instruídos, e expondo a vida para esclarecer seus irmãos ignorantes, têm direito ao vosso respeito e à vossa simpatia. Sim, são Espíritos encarnados que têm a missão perigosa de desbravar essas inteligências incultas, como outros Espíritos, mais adiantados, têm por missão fazer que vós mesmos progridais.
O que vimos de fazer, meus amigos, é Espiritismo. Não vos arreceeis desta palavra. Sobretudo, não riais, porque ela é o símbolo da lei universal que rege os seres vivos da Criação.
ADOLPHE, bispo de Alger
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A FRANÇA
(ENVIADA PELO SR. SABÒ, DE BORDÉUS)
Tu também, terra dos francos, estavas mergulhada na barbárie e tuas coortes selvagens levavam o espanto e a desolação até o seio das nações civilizadas. Oferecias montanhas de sacrifícios humanos a Teutatés e tremias à voz dos druidas, que escolhiam as suas vítimas. Os dolmens que te serviam de altares jazem em meio às charnecas estéreis! E o pastor que para ali conduz os seus magros rebanhos olha com admiração esses blocos de granito e se pergunta para que serviram essas lembranças de outros tempos!
Contudo, teus filhos, cheios de bravura, dominavam as nações e voltavam ao solo pátrio com o rosto triunfante, tendo nas mãos os troféus das vitórias e arrastando os vencidos em vergonhosa escravidão! Mas Deus queria que tomasses o teu lugar entre elas, e te enviou bons Espíritos, apóstolos de uma religião nova, que vinha pregar a teus filhos selvagens o amor, o perdão, a caridade. E quando Clóvis, à frente de seus exércitos, chamava em seu socorro esse Deus poderoso, ele acorreu à sua voz, deu-lhe a vitória e, como filho reconhecido, o vencedor abraçou o Cristianismo! O apóstolo do Cristo, derramando-lhe a santa unção, inspirado pelo Espírito de Deus, lhe ordenou que adorasse aquilo que havia queimado, e queimar o que havia adorado.
Então começou para ti uma longa luta entre os teus filhos, que não podiam enfrentar a cólera de seus deuses e de seus sacerdotes, e não foi senão depois que o sangue dos mártires regou o teu solo, para aí fazer germinarem suas pregações, que pouco a pouco desembaraçaste o coração do culto de teus pais, para seguir o de teus reis. Eles eram bravos e valentes e por sua vez iam combater as hordas selvagens dos bárbaros do Norte. Voltando calmos aos seus palácios, aplicavam-se ao progresso e à civilização de seus povos. Durante vários séculos são vistos realizando esse progresso, lentamente, é verdade, mas, enfim, te puseram no primeiro lugar.
Entretanto, foste tantas vezes culpada que o braço de Deus levantou-se e estava prestes a te exterminar. Mas, se o solo francês é um foco de incredulidade e de ateísmo, é também foco de lances generosos, da caridade e dos sublimes devotamentos. Ao lado da impiedade florescem as virtudes pregadas pelo Evangelho. Elas desarmaram o seu braço prestes a ferir-te tantas vezes e, lançando sobre esse povo a quem ama um olhar de clemência, ele o escolheu para ser o mensageiro de sua vontade; e é de seu seio que devem sair os germes da Doutrina Espírita, que ele transmite através dos bons Espíritos, a fim de que seus raios benéficos pouco a pouco penetrem o coração de todas as nações, e que os povos, consolados pelos preceitos de amor, de caridade, de perdão e de justiça marchem a passos de gigantes para a grande reforma moral que deve regenerar a Humanidade. França! Tens a tua sorte em tuas mãos. Se desconhecesses a voz celeste que te chama a esses gloriosos destinos; se tua indiferença te fizesse repelir a luz que deves espalhar, Deus te repudiaria, como outrora repudiou o povo hebreu, porque seria com ele que realizaria os seus desígnios. Apressa-te, pois, já que é chegado o momento! Que os povos aprendam contigo o caminho da verdadeira felicidade. Que o teu exemplo lhes mostre os frutos consoladores que dele devem retirar, e eles repetirão com o coro dos bons Espíritos: “Deus protege e abençoa a França!”
CARLOS MAGNO
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A INGRATIDÃO
(ENVIADA PELO SR. PICHON, MÉDIUM DE SENS)
É preciso sempre ajudar os fracos e os que desejam fazer o bem, embora sabendo de antemão que não seremos recompensados por aqueles a quem o fazemos, porque aquele que se recusa a vos ser grato pela assistência que lhe destes, nem sempre é tão ingrato quanto o imaginais. Muitas vezes ele age segundo os desígnios de Deus, mas os seus desígnios não são, e muitas vezes não podem ser apreciados por vós. Baste-vos saber que é necessário fazer o bem por dever e por amor de Deus, pois disse Jesus: “Aquele que faz o bem por interesse já recebeu sua recompensa.” Sabei que se aquele a quem prestais serviço esquece o benefício, Deus vo-lo terá mais em conta do que se já tivésseis sido recompensados pela gratidão do vosso favorecido.
SÓCRATES
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