Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1861

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Capítulo XLVI

Julho - Os Espíritos e a gramática

Julho


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Grave erro de gramática foi descoberto no Livro dos Espíritos por um profundo crítico, que nos dirigiu a seguinte nota:

“Leio à página 384, § 911, linha 23, em vosso Livro dos Espíritos: ‘Há muitas pessoas que dizem: Quero; mas a vontade apenas está nos lábios; eles querem e ficam bem contentes que assim não seja.’ Se tivésseis escrito: ‘Elas querem e ficam bem contentes que assim não seja’, não credes que o francês teria lucrado? Eu seria levado a pensar que o vosso Espírito protetor escrevente seja um farsista, que vos leva a cometer erros de linguagem. Apressai-vos em puni-lo e, sobretudo, em corrigi-lo.”

Lamentamos não poder enviar os nossos agradecimentos ao autor da observação. Mas, sem dúvida, é por modéstia e para se furtar ao testemunho de nosso reconhecimento que ele esqueceu de dar nome e endereço, e limitou-se a assinar: Um Espírito protetor da língua francesa. Como parece que esse senhor, ou esse Espírito, se dá ao trabalho de ler nossas obras, pedimos aos bons Espíritos que ponham nossa resposta sob os seus olhos.

É evidente que esse senhor sabe que o substantivo pessoa é do feminino e que os adjetivos e os pronomes concordam em gênero e número com o substantivo a que se referem. Infelizmente nem tudo se aprende na escola, sobretudo em questões da língua francesa. Se esse senhor, que se declara protetor de nossa língua, tivesse transposto os limites da gramática de Lhomond, saberia que se encontra em Regnard a seguinte frase: “Embora essas três pessoas tivessem interesses muito diferentes, eles estavam, não obstante, atormentados pela mesma paixão.” E esta outra em Vaugelas: “As pessoas consumidas na virtude, em todas as coisas têm uma retidão de espírito e uma atenção judiciosa que as impede de ser murmuradores.” Daí a regra que se encontra na Grammaire normale des Examens, pelos Srs. Lévi Alvarès e Rivail, na de Boniface, etc.:

“Às vezes emprega-se, por silepse, o pronome il (ele) para substituir o substantivo personne (pessoa), embora este último seja feminino. Tal concordância só pode se dar quando, no pensamento, o vocábulo personne não representa exclusivamente mulheres e, além disso, quando il está bastante afastado para que o ouvido não seja ferido.”

A respeito do pronome personne (ninguém)[1], que é masculino, encontra-se em Boniface a seguinte observação: “Contudo, quando o pronome personne designa especialmente uma mulher, o adjetivo que a ele se refere pode ser posto no feminino. Pode-se dizer: Personne n’est plus jolie que Rosine (Ninguém é mais bonita que Rosina).

Os Espíritos que ditaram a frase em questão não são tão ignorantes quanto pretende aquele senhor. Estaríamos mesmo tentado a crer que sabem bem mais que ele, embora em geral não se preocupem muito com a correção gramatical, a exemplo de muitos dos nossos sábios, que não são todos grandes autoridades em ortografia.

Moral da história: É bom saber antes de criticar.

Seja como for, para acalmar os escrúpulos dos que não sabem muito, e pudessem julgar a doutrina em perigo por um erro de linguagem, real ou suposto, nós alteramos a redação na quinta edição do Livro dos Espíritos, que acaba de ser lançada, porque:

... Sem maiores problemas, aos rimadores audaciosos o uso ainda permite, creio, a escolha entre os dois.

... Sans peine, aux rimeurs hasardeux L’usage encor, je-crois, laisse le choix des deux.



É realmente um prazer ver o trabalho a que se dão os adversários do Espiritismo para atacá-lo com todas as armas que lhes vêm às mãos. Mas o que há de singular é que, apesar da porção de dardos que lhe atiram; apesar das pedras semeadas em seu caminho; apesar das armadilhas que lhe armam para desviá-lo de seu objetivo, ninguém encontrou o meio de deter a sua marcha e ele ganha um terreno desesperador para os que julgam abatê-lo com piparotes. Depois dos piparotes, os atletas de folhetim experimentaram as cacetadas, mas ele não se abateu. Pelo contrário, avançou mais rápido.



[1] Em francês, a palavra personne significa pessoa (substantivo) e ninguém (pronome).




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