Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1861

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Capítulo LIV

Setembro - Palestras familiares de além-túmulo

Setembro
A pena de Talião
(Sociedade, 9 de agosto de 1861. Médium: Sr. D'Ambel)

Um correspondente da Sociedade lhe envia a nota seguinte:

“O Sr. Antonio B..., um de meus parentes, escritor de mérito, estimado por seus concidadãos, tendo desempenhado com distinção e integridade funções públicas na Lombardia, há cerca de seis anos e em consequência de uma apoplexia, caiu num estado de morte aparente que, infelizmente, e como por vezes acontece, foi tomado como de morte real. O erro era muito mais fácil por julgaram perceber no corpo sinais de decomposição. Quinze dias após o enterro, uma circunstância fortuita levou a família a pedir a exumação. Tratava-se de um medalhão esquecido no caixão por descuido. Grande, porém, foi o estupor dos assistentes quando, ao abri-lo, reconheceu-se que o corpo tinha mudado de posição; tinha-se virado e, coisa horrível, uma das mãos fora parcialmente comida pelo defunto. Ficou, então, manifesto que o infeliz Antonio B... tinha sido enterrado vivo; devia ter sucumbido nas garras do desespero e da fome. Seja como for, deste triste acontecimento e de suas consequências morais não seria interessante, do ponto de vista espírita e psicológico, fazer um inquérito no mundo dos Espíritos?”

1. (Evocação de Antonio B...) ─ Que quereis de mim?

2. ─ Um de vossos parentes pediu-nos que vos evocássemos. Fazemo-lo com prazer, e sentir-nos-emos felizes se tiverdes a bondade de responder. ─ Sim, quero mesmo responder.

3. ─ Lembrai-vos das circunstâncias de vossa morte? ─ Ah! Claro que sim. Lembro-me. Por que despertar essa lembrança de castigo?

4. ─ É certo que fostes por descuido enterrado vivo? ─ Assim deveria ser, porque a morte aparente teve todas as características de morte real. Eu estava quase exangue. Não se deve atribuir a ninguém um fato previsto desde antes de meu nascimento.

5. ─ Se estas perguntas são de molde a vos causar sofrimento, devemos parar? ─ Não, continuai.

6. ─ Queríamos saber-vos feliz, pois deixastes a reputação de um homem decente. ─ Muito agradecido. Sei que orareis por mim. Tratarei de responder, mas se fracassar, um de vossos guias habituais me substituirá.

7. ─ Poderíeis descrever as sensações que experimentastes naquele terrível momento? ─ Oh! Que prova dolorosa! Sentir-se fechado entre quatro tábuas, de modo a não poder mover-me, nem mudar! Não poder chamar, a voz não ressoando num meio privado de ar. Oh! Que tortura a de um infeliz que em vão se esforça para respirar numa atmosfera insuficiente e desprovida de elemento respirável! Ah! Eu era como um condenado à garganta de um forno, exceto ao calor. Oh! A ninguém desejo semelhantes torturas! Não, a ninguém desejo um fim como o meu. Cruel punição de uma existência cruel e feroz! Não me pergunteis em que eu pensava. Eu mergulhava no passado e vagamente entrevia o futuro.

8. ─ Dizeis cruel punição de uma existência feroz, mas vossa reputação, até agora intacta, nada deixava supor tal situação. Podeis explicar isto? ─ Que é a duração de uma existência na eternidade? Por certo, tratei de agir bem na última encarnação, mas este fim tinha sido aceito por mim antes de voltar à Humanidade. Ah! Por que me interrogar sobre esse passado doloroso, que só eu conhecia, além dos Espíritos, ministros do Onipotente? Sabei, pois, já que é necessário dizer, que numa existência anterior eu havia emparedado viva uma mulher, a minha, num jazigo! Foi a pena de talião que tive de aplicar a mim! Olho por olho, dente por dente.

9. ─ Agradecemos a bondade de haver respondido às nossas perguntas e rogamos a Deus vos perdoe o passado em favor do mérito de vossa última existência. ─ Voltarei mais tarde. Aliás, o Espírito Erasto terá a bondade de completar.

REFLEXÕES DE LAMENNAIS SOBRE ESTA EVOCAÇÃO

Deus é bom! Mas, para chegar ao aperfeiçoamento, deve o homem sofrer as provas mais cruéis. Este infeliz viveu vários séculos durante sua desesperada agonia e, embora sua vida tenha sido honrada, esta prova deveria cumprir-se, pois a tinha escolhido.

REFLEXÕES DE ERASTO

O que deveis extrair deste ensino é que todas as vossas existências se ligam, e que nenhuma é independente das outras. As preocupações, os aborrecimentos, como as grandes dores que ferem os homens, são sempre as consequências de uma vida anterior, criminosa ou mal empregada. Contudo, devo dizer-vos que fins semelhantes ao de Antonio B... são raros, e se esse homem, cuja última existência foi isenta de censura, terminou desta maneira, é que ele próprio havia solicitado esse gênero de morte, a fim de abreviar o tempo de sua erraticidade e mais rapidamente atingir as esferas elevadas. Com efeito, após um período de perturbação e sofrimento moral para expiar ainda o seu crime espantoso, será perdoado e elevar-se-á a um mundo melhor, onde encontrará sua vítima, que o espera e que há muito o perdoou. Sabei, pois, tirar vosso proveito deste exemplo cruel, para suportar com paciência, ó meus caros espíritas, os sofrimentos corporais, os sofrimentos morais, e todas as pequenas misérias da vida.

P. ─ Que proveito pode tirar a Humanidade de semelhantes punições?

R. ─ Os castigos não são feitos para desenvolver a Humanidade, mas para castigar o indivíduo culpado. Com efeito, a Humanidade não tem nenhum interesse em ver sofrer um dos seus. Aqui a punição foi apropriada à falta. Por que os loucos? Por que os cretinos? Por que os paralíticos? Por que esses que morrem no fogo? Por que os que vivem anos nas torturas de uma longa agonia, sem poder viver nem morrer? Ah! Crede-me! Respeitai a vontade soberana e não busqueis sondar a razão dos desígnios providenciais. Sabei que Deus é justo e faz bem o que faz.

ERASTO

OBSERVAÇÃO: Não há neste fato um grande e terrível ensinamento? Assim a justiça de Deus atinge sempre o culpado, e por ser às vezes tardia, nem por isso deixa de seguir o seu curso. Não é eminentemente moral saber que se grandes culpados terminam a existência pacificamente, e muitas vezes na abundância dos bens terrenos, mais cedo ou mais tarde soará a hora da expiação? Penas de tal natureza se compreendem, não só porque de certo modo estão sob os nossos olhos, mas porque são lógicas. A gente crê nisto porque a razão o admite. Ora, perguntamos se esse quadro que o Espiritismo desenrola a cada instante aos nossos olhos, não é mais próprio para impressionar, para reter à beira do abismo, do que o medo das chamas eternas em que não acreditamos. Releiamos apenas as evocações publicadas nesta Revista e veremos que não há um só vício que não tenha o seu castigo, nem uma só virtude que não tenha sua recompensa, proporcionados ao mérito ou ao grau de culpabilidade, porque Deus leva em conta todas as circunstâncias que possam atenuar o mal ou aumentar o prêmio do bem.


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