Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1861
Versão para cópiaCapítulo LXXVI
Dezembro - Auto-de-fé em Barcelona
Dezembro
(Vide o número de novembro de 1861)
Os jornais espanhóis não foram tão sóbrios de reflexões quanto os jornais franceses sobre esse acontecimento. Seja qual for a opinião que se professa quanto às ideias espíritas, há no fato em si algo de tão estranho para o tempo em que vivemos, que mais excita piedade do que cólera contra gente que parece ter dormido durante vários séculos e ter despertado sem consciência do caminho que a Humanidade percorreu, julgando-se ainda no ponto de partida.
Eis um extrato do artigo a respeito, publicado por Las Novedades, um dos grandes jornais de Madrid:
“O auto de fé celebrado há alguns meses em La Coruña, onde queimaram grande número de livros, à porta de uma Igreja, tinha produzido em nosso espírito e no de todos os homens de ideias liberais uma tristíssima impressão. Mas é com uma indignação ainda bem maior que foi recebida e notícia, em toda a Espanha, do segundo auto de fé celebrado em Barcelona, nessa capital civilizada da Catalunha, em meio a uma população essencialmente liberal, à qual sem dúvida foi feito este insulto bárbaro, porque nela se reconhecem grandes qualidades.”
Depois de relatar os fatos, conforme o jornal de Barcelona, acrescenta:
“Eis o repugnante espetáculo autorizado pelos homens da União Liberal, em pleno século XIX: uma fogueira em La Corunã, outra em Barcelona, e ainda muitas outras, que não faltarão, em outros lugares. É o que devia acontecer, pois é uma consequência imediata do espírito geral que domina o atual estado de coisas e que em tudo se reflete. Reação no interior, no tocante aos projetos de lei apresentados; reação no exterior, apoiando os governos reacionários da Itália, antes e depois de sua queda, combatendo as ideias liberais em todas as ocasiões, buscando por todos os lados o apoio da reação, obtido ao preço das mais ineptas concessões.”
Seguem-se longas considerações referentes aos sintomas e às consequências desse ato, mas que, pelo seu caráter essencialmente político, não são do programa de nosso jornal.
O Diário de Barcelona, jornal ultramontano, foi o primeiro a anunciar o auto de fé, dizendo: “Os títulos dos livros queimados bastavam para justificar a sua condenação. É direito e dever da Igreja fazer respeitar a sua autoridade, tanto mais quando se dá mais latitude à liberdade de imprensa, principalmente nos países que
gozam da terrível chaga da liberdade de cultos.”
La Corona, jornal de Barcelona, faz a respeito estas reflexões:
“Esperávamos que nosso colega (o Diário), que tinha dado a notícia, tivesse a bondade de satisfazer a curiosidade do público seriamente alarmado por semelhante ato, incrível nos tempos em que vivemos, mas foi em vão que esperamos as explicações. Desde então temos sido assaltados por perguntas sobre esse acontecimento, e a bem da verdade devemos dizer que os amigos do governo com isso sofrem mais penas do que os que lhe fazem oposição.
“Com o objetivo de satisfazer a curiosidade tão vivamente excitada, pusemonos em busca da verdade e temos o pesar de dizer que o fato é verdadeiro e que, com efeito, o auto de fé foi celebrado nas seguintes circunstâncias:
(Segue o relato que demos em nosso último número).
“Os expedientes usados para chegar a esse resultado não podem ser mais expeditos nem mais eficazes. Foram apresentados ao controle da alfândega os livros acima e foi dito ao comissário que não podiam ser expedidos sem permissão do senhor bispo. O senhor bispo estava ausente. À sua volta, apresentaram-lhe um exemplar de cada obra, e depois de tê-los lido ou mandado ler por pessoas de sua confiança, conformando-se com o julgamento de sua consciência, ordenou fossem lançados ao fogo, pois eram imorais e contrários à fé católica. Reclamaram contra tal sentença e pediram ao governo, já que não permitiam a circulação de tais livros na Espanha, que pelo menos fosse permitido ao seu proprietário devolvê-los ao lugar de procedência, mas até isto foi recusado, sob a alegação de que, sendo contrários à moral e à fé católica, o governo não podia consentir que esses livros fossem perverter a moral e a religião de outros países. Apesar disto, o proprietário foi obrigado a pagar os direitos, que, parece, não deveriam ser exigidos. Uma grande multidão assistiu ao auto de fé, o que nada tem de admirável, se se levar em conta a hora e o lugar da execução e sobretudo a novidade do espetáculo. O efeito produzido sobre os assistentes foi de estupefação entre alguns, de riso em outros e de indignação no maior número, à medida que se davam conta do que se passava. Palavras de ódio saíram de várias bocas, depois vieram as piadas, os ditos galhofeiros e mordentes dos que viam com extremo prazer a cegueira de certos homens. Nisto têm razão, porque entreveem nessa reação, digna do tempo da Inquisição, o mais rápido triunfo de suas ideias. Eles zombavam, para que essa cerimônia não aumentasse o prestígio da autoridade que, com tanta complacência, se presta a exigências verdadeiramente ridículas. Quando esfriaram as cinzas dessa nova fogueira, observou-se que pessoas que estavam presentes, ou que passavam por perto e tinham sabido do fato, dirigiram-se para o local do auto de fé e recolheram como lembrança uma parte das cinzas.
“Tal é o relato dos acontecimentos, que as pessoas que se encontram não podem deixar de comentar entre si. Indignam-se, lamentam-se ou se alegram, conforme a maneira de interpretar as coisas. Os partidários sinceros da paz, do princípio de autoridade e da religião se afligem com essas demonstrações reacionárias, porque compreendem que às reações sucedem as revoluções e porque sabem que aqueles que semeiam ventos só podem colher tempestades. Os liberais sinceros se indignam pelo fato de que semelhantes espetáculos sejam dados ao mundo por homens que não compreendem a religião sem intolerância e querem impô-la, como Maomé impunha o seu Alcorão.
“Agora, abstração feita da qualificação dada aos livros queimados, examinaremos o fato em si. Pode a jurisprudência admitir que um bispo diocesano tenha uma autoridade sem apelo e possa impedir a publicação e a circulação de um livro? Dirão que a lei de imprensa determina o que deve ser feito neste caso. Mas determina essa lei que os livros, por piores e mais perniciosos que sejam, devem ser lançados ao fogo com tal aparato? Nela não encontramos nenhum artigo que justifique ato semelhante. Além disso, os livros em questão foram publicamente declarados. Um comissário declara livros à alfândega, porque poderiam estar na categoria assinalada pelo Art. 6.º e passam pela censura diocesana. O governo poderia proibir-lhes a circulação, e a coisa estaria acabada. Os sacerdotes deveriam limitar-se a aconselhar aos seus fiéis a abstenção de tal ou qual leitura, se a julgassem contrária à moral e à religião, mas não se lhes deveria conceder um poder absoluto, que os torna juízes e carrascos. Abstemo-nos de emitir opinião sobre o valor das obras queimadas. O que vemos é o fato, são as tendências e o espírito que ele revela. De agora em diante, em que diocese se absteriam de usar, senão de abusar, de uma faculdade que, em nossa opinião, o próprio governo não tem, se em Barcelona, na liberal Barcelona, o fazem? O absolutismo é muito sagaz. Ele tenta dar um golpe de autoridade em qualquer parte. Se é bem sucedido, ousa mais. Esperemos, contudo, que os esforços do absolutismo sejam inúteis, e que todas as concessões que lhe fazem não tenham outro resultado senão o de desmascarar o partido que, renovando cenas como a de quinta-feira última, se precipite cada vez mais no abismo para onde corre às cegas. É o que nos leva a esperar o efeito produzido pelo auto de fé em Barcelona.”
Eis um extrato do artigo a respeito, publicado por Las Novedades, um dos grandes jornais de Madrid:
“O auto de fé celebrado há alguns meses em La Coruña, onde queimaram grande número de livros, à porta de uma Igreja, tinha produzido em nosso espírito e no de todos os homens de ideias liberais uma tristíssima impressão. Mas é com uma indignação ainda bem maior que foi recebida e notícia, em toda a Espanha, do segundo auto de fé celebrado em Barcelona, nessa capital civilizada da Catalunha, em meio a uma população essencialmente liberal, à qual sem dúvida foi feito este insulto bárbaro, porque nela se reconhecem grandes qualidades.”
Depois de relatar os fatos, conforme o jornal de Barcelona, acrescenta:
“Eis o repugnante espetáculo autorizado pelos homens da União Liberal, em pleno século XIX: uma fogueira em La Corunã, outra em Barcelona, e ainda muitas outras, que não faltarão, em outros lugares. É o que devia acontecer, pois é uma consequência imediata do espírito geral que domina o atual estado de coisas e que em tudo se reflete. Reação no interior, no tocante aos projetos de lei apresentados; reação no exterior, apoiando os governos reacionários da Itália, antes e depois de sua queda, combatendo as ideias liberais em todas as ocasiões, buscando por todos os lados o apoio da reação, obtido ao preço das mais ineptas concessões.”
Seguem-se longas considerações referentes aos sintomas e às consequências desse ato, mas que, pelo seu caráter essencialmente político, não são do programa de nosso jornal.
O Diário de Barcelona, jornal ultramontano, foi o primeiro a anunciar o auto de fé, dizendo: “Os títulos dos livros queimados bastavam para justificar a sua condenação. É direito e dever da Igreja fazer respeitar a sua autoridade, tanto mais quando se dá mais latitude à liberdade de imprensa, principalmente nos países que
gozam da terrível chaga da liberdade de cultos.”
La Corona, jornal de Barcelona, faz a respeito estas reflexões:
“Esperávamos que nosso colega (o Diário), que tinha dado a notícia, tivesse a bondade de satisfazer a curiosidade do público seriamente alarmado por semelhante ato, incrível nos tempos em que vivemos, mas foi em vão que esperamos as explicações. Desde então temos sido assaltados por perguntas sobre esse acontecimento, e a bem da verdade devemos dizer que os amigos do governo com isso sofrem mais penas do que os que lhe fazem oposição.
“Com o objetivo de satisfazer a curiosidade tão vivamente excitada, pusemonos em busca da verdade e temos o pesar de dizer que o fato é verdadeiro e que, com efeito, o auto de fé foi celebrado nas seguintes circunstâncias:
(Segue o relato que demos em nosso último número).
“Os expedientes usados para chegar a esse resultado não podem ser mais expeditos nem mais eficazes. Foram apresentados ao controle da alfândega os livros acima e foi dito ao comissário que não podiam ser expedidos sem permissão do senhor bispo. O senhor bispo estava ausente. À sua volta, apresentaram-lhe um exemplar de cada obra, e depois de tê-los lido ou mandado ler por pessoas de sua confiança, conformando-se com o julgamento de sua consciência, ordenou fossem lançados ao fogo, pois eram imorais e contrários à fé católica. Reclamaram contra tal sentença e pediram ao governo, já que não permitiam a circulação de tais livros na Espanha, que pelo menos fosse permitido ao seu proprietário devolvê-los ao lugar de procedência, mas até isto foi recusado, sob a alegação de que, sendo contrários à moral e à fé católica, o governo não podia consentir que esses livros fossem perverter a moral e a religião de outros países. Apesar disto, o proprietário foi obrigado a pagar os direitos, que, parece, não deveriam ser exigidos. Uma grande multidão assistiu ao auto de fé, o que nada tem de admirável, se se levar em conta a hora e o lugar da execução e sobretudo a novidade do espetáculo. O efeito produzido sobre os assistentes foi de estupefação entre alguns, de riso em outros e de indignação no maior número, à medida que se davam conta do que se passava. Palavras de ódio saíram de várias bocas, depois vieram as piadas, os ditos galhofeiros e mordentes dos que viam com extremo prazer a cegueira de certos homens. Nisto têm razão, porque entreveem nessa reação, digna do tempo da Inquisição, o mais rápido triunfo de suas ideias. Eles zombavam, para que essa cerimônia não aumentasse o prestígio da autoridade que, com tanta complacência, se presta a exigências verdadeiramente ridículas. Quando esfriaram as cinzas dessa nova fogueira, observou-se que pessoas que estavam presentes, ou que passavam por perto e tinham sabido do fato, dirigiram-se para o local do auto de fé e recolheram como lembrança uma parte das cinzas.
“Tal é o relato dos acontecimentos, que as pessoas que se encontram não podem deixar de comentar entre si. Indignam-se, lamentam-se ou se alegram, conforme a maneira de interpretar as coisas. Os partidários sinceros da paz, do princípio de autoridade e da religião se afligem com essas demonstrações reacionárias, porque compreendem que às reações sucedem as revoluções e porque sabem que aqueles que semeiam ventos só podem colher tempestades. Os liberais sinceros se indignam pelo fato de que semelhantes espetáculos sejam dados ao mundo por homens que não compreendem a religião sem intolerância e querem impô-la, como Maomé impunha o seu Alcorão.
“Agora, abstração feita da qualificação dada aos livros queimados, examinaremos o fato em si. Pode a jurisprudência admitir que um bispo diocesano tenha uma autoridade sem apelo e possa impedir a publicação e a circulação de um livro? Dirão que a lei de imprensa determina o que deve ser feito neste caso. Mas determina essa lei que os livros, por piores e mais perniciosos que sejam, devem ser lançados ao fogo com tal aparato? Nela não encontramos nenhum artigo que justifique ato semelhante. Além disso, os livros em questão foram publicamente declarados. Um comissário declara livros à alfândega, porque poderiam estar na categoria assinalada pelo Art. 6.º e passam pela censura diocesana. O governo poderia proibir-lhes a circulação, e a coisa estaria acabada. Os sacerdotes deveriam limitar-se a aconselhar aos seus fiéis a abstenção de tal ou qual leitura, se a julgassem contrária à moral e à religião, mas não se lhes deveria conceder um poder absoluto, que os torna juízes e carrascos. Abstemo-nos de emitir opinião sobre o valor das obras queimadas. O que vemos é o fato, são as tendências e o espírito que ele revela. De agora em diante, em que diocese se absteriam de usar, senão de abusar, de uma faculdade que, em nossa opinião, o próprio governo não tem, se em Barcelona, na liberal Barcelona, o fazem? O absolutismo é muito sagaz. Ele tenta dar um golpe de autoridade em qualquer parte. Se é bem sucedido, ousa mais. Esperemos, contudo, que os esforços do absolutismo sejam inúteis, e que todas as concessões que lhe fazem não tenham outro resultado senão o de desmascarar o partido que, renovando cenas como a de quinta-feira última, se precipite cada vez mais no abismo para onde corre às cegas. É o que nos leva a esperar o efeito produzido pelo auto de fé em Barcelona.”
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