Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1862

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Capítulo XXVII

Abril - Epidemia demoníaca na Sabóia

Abril
Há tempos os jornais falaram de uma monomania epidêmica que aconteceu numa região da Alta Saboia e contra a qual falharam todos os recursos da medicina e da religião. O único meio que produziu resultados mais ou menos satisfatórios foi a dispersão dos indivíduos por diversas cidades.

A respeito recebemos do capitão B..., membro da Sociedade Espírita de Paris, atualmente em Annecy, a carta adiante transcrita:

“Annecy, 7 de março de 1862.

“Sr. Presidente,

“Querendo ser útil à Sociedade, tenho a honra de remeter-lhe uma brochura, enviada por um de meus amigos, o Dr. Caille, encarregado pelo ministro de acompanhar o inquérito feito pelo Sr. Constant, inspetor das casas de alienados, sobre os casos muito numerosos de demonomania observados na comuna de Morzine, departamento de Thonon, na Alta Saboia.

“Ainda hoje essa infeliz população se acha sob a influência da obsessão, a despeito dos exorcismos, dos tratamentos médicos, das medidas tomadas pelas autoridades e do internamento nos hospitais do departamento. Os casos diminuíram um pouco, mas não cessaram e o mal existe, por assim dizer, em estado latente.

“Com o objetivo de exorcizar esses infelizes, na maioria crianças, o cura mandou trazê-los à igreja, conduzidos por homens vigorosos. Apenas pronunciou as primeiras palavras latinas, produziu-se uma cena terrificante: gritos, saltos furiosos, convulsões, etc., a tal ponto que mandaram chamar a polícia e uma companhia de infantaria para restabelecer a ordem.

“Não me foi possível obter todas as informações que desejava mandar-vos hoje, mas os fatos me parecem bastante sérios e dignos de vosso exame.

“O alienista Dr. Arthaud, de Lyon, fez um relatório para a sociedade

médica desta cidade, que foi publicado pela Gazette Médicale de Lyon e que o senhor poderá obter através do seu correspondente.

“No hospital desta cidade temos duas senhoras de Morzine, em tratamento.

“O Dr. Caille concluiu por uma afecção nervosa epidêmica rebelde a toda espécie de tratamento e de exorcismo. Só o isolamento produziu bons resultados.

“Todos os infelizes obcecados, em suas crises, pronunciam palavras sujas; dão saltos prodigiosos por cima das mesas; trepam em árvores; sobem nos telhados e às vezes profetizam.

“Se fatos idênticos ocorreram nos séculos dezesseis e dezessete nos conventos e nos campos, não é menos certo que no nosso século dezenove eles oferecem a todos os espíritas um assunto de estudo do ponto de vista da obsessão epidêmica, generalizando-se e persistindo durante anos, pois o primeiro caso observado foi há cinco anos.

“Terei a honra de vos enviar todos os documentos e informações que puder obter.

“Receba, etc.

“B...”

As duas comunicações que se seguem foram dadas sobre o assunto, na Sociedade de Paris, por nossos Espíritos habituais:

“Não são médicos, mas magnetizadores, espiritualistas ou espíritas que deveriam ser mandados para dissipar a legião de Espíritos malévolos extraviados no vosso planeta. Digo extraviados porque eles estão apenas de passagem. Entretanto, por muito tempo a infeliz população, manchada ao seu impuro contato, sofrerá, moral e fisicamente.

“Onde o remédio? perguntais. Surgirá do mal, porque os homens, apavorados com essas manifestações, acolherão com entusiasmo o benéfico contato dos bons Espíritos que os sucederão, como a aurora sucede à noite. Essa pobre população, alheia a qualquer trabalho intelectual, não teria conhecido as comunicações inteligentes dos Espíritos, e nem mesmo as teria percebido. A iniciação e os males causados por essa turba impura abrem olhos fechados e as desordens, os atos de demência, são apenas o prelúdio da iniciação, porque todos devem participar da grande luz espírita.

“Não vos lamenteis por essa maneira cruel de proceder. Tudo tem um fim e os sofrimentos devem fecundar, assim como as tempestades que destroem a colheita de uma região enquanto fertilizam outras.

“GEORGES” (Médium: Sra. Costel)


“Os casos de demonomania que agora ocorrem na Saboia também se produzem em muitos outros lugares, notadamente na Alemanha, mas muito principalmente no Oriente.

“Esse fato anormal é mais característico do que pensais. Em verdade, ao observador atento revela uma situação análoga à que se manifestou nos últimos anos do paganismo. Ninguém ignora que quando o Cristo, nosso bem-amado mestre, encarnou-se na Judeia, sob a personalidade do carpinteiro Jesus, aquela região havia sido invadida por legiões de maus Espíritos que, pela possessão, como hoje, se apoderavam das classes sociais mais ignorantes; dos Espíritos encarnados mais fracos e menos adiantados, numa palavra, dos indivíduos que guardavam os rebanhos ou que se dedicavam aos trabalhos do campo.

“Não percebeis uma grande analogia na reprodução desses fenômenos idênticos de possessão? Ah! Nisto existe um ensinamento muito profundo! Disto deveis concluir que cada vez mais se aproximam os tempos preditos e que o Filho do Homem em breve virá expulsar de novo a turba de Espíritos impuros que se abateram sobre a Terra e reavivar a fé cristã, dando a sua alta e divina sanção às consoladoras revelações e aos regeneradores ensinamentos do Espiritismo.

“Voltando aos casos atuais de demonomania, é preciso lembrar que os cientistas e os médicos do século de Augusto trataram, conforme os processos hipocráticos, os infelizes possessos da Palestina e que toda a sua ciência fracassou ante esse poder desconhecido.

“Ora! Ainda hoje todos os vossos inspetores de epidemias; todos os vossos mais notáveis alienistas, sábios doutores em materialismo puro, fracassam do mesmo modo ante essa doença exclusivamente moral; diante dessa epidemia exclusivamente espiritual.

“Mas, que importa! Meus amigos, vós que fostes tocados pela graça nova, sabeis quanto esses males passageiros são curáveis pelos que têm fé. Esperai, pois. Esperai com confiança a vinda daquele que já resgatou a Humanidade. A hora se aproxima. O Espírito precursor já está encarnado. Em breve, pois, se efetivará o desenvolvimento completo desta doutrina que tomou por divisa: Fora da Caridade não há salvação!

“ERASTO” (Médium: Sr. d’Ambel)


Dever-se-ia concluir, do que precede, que não se trata de uma afecção orgânica, mas de uma influência oculta. Pouco nos custa crer, tendo em vista a constatação de numerosos casos isolados idênticos a este, devidos à mesma causa. Prova disto é que os meios ensinados pelo Espiritismo bastaram para fazer cessar a obsessão.

Está demonstrado pela experiência que os Espíritos perversos não só agem sobre o pensamento, mas também sobre o corpo, com o qual se identificam e do qual se servem como se lhes pertencesse. Eles provocam atos ridículos, gritos, movimentos desordenados com toda a aparência da loucura ou da monomania.

A explicação disso encontra-se em O Livro dos Médiuns, no capítulo “Da obsessão”. Num próximo artigo citaremos alguns fatos que o demonstram de modo incontestável.

Com efeito, é uma espécie de loucura, de vez que se pode dar esse nome a todo estado anormal em que o espírito não age livremente. Nesse ponto de vista, a embriaguez é uma verdadeira loucura acidental.

É necessário, pois, distinguir a loucura patológica da loucura obsessiva. A primeira é produzida por uma desordem nos órgãos da manifestação do pensamento. Notemos que nesse estado de coisas não é o Espírito que é louco, porque ele conserva a plenitude de suas faculdades, como o demonstra a observação. Contudo, estando desorganizado o instrumento de que se serve para manifestar-se, o pensamento, ou melhor, a expressão do pensamento é incoerente.

Na loucura obsessiva não há lesão orgânica. É o próprio Espírito que se acha afetado pela subjugação de um Espírito estranho que o domina e comanda. No primeiro caso é preciso tentar curar o órgão doente; no segundo, basta livrar o Espírito doente do hóspede importuno, a fim de restituir-lhe a liberdade.

Casos semelhantes são muito frequentes e comumente consideram loucura o que não passa de obsessão, para a qual deveriam empregar-se meios morais e não duchas. Pelo tratamento físico, e sobretudo pelo contato com os verdadeiros alienados, muitas vezes tem sido determinada uma loucura real onde esta não existia.

O Espiritismo, que abre novos horizontes a todas as ciências, vem esclarecer também a questão muito obscura das doenças mentais, assinalando uma causa que até agora não era levada em conta, uma causa real, evidente, provada pela experiência e cuja verdade mais tarde será reconhecida. Mas como convencer a admitirem tal causa aqueles que estão sempre dispostos a mandar para o hospício quem quer que tenha a fraqueza de acreditar que temos alma? Como convencê-los de que a alma representa um papel nas funções vitais, e que ela sobrevive ao corpo e pode atuar sobre os vivos?

Graças a Deus as ideias espíritas, para o bem da Humanidade, fazem maior progresso entre os médicos do que era dado esperar, e tudo leva a crer que em futuro não muito remoto a Medicina sairá, enfim, da rotina materialista.

Averiguados os casos isolados de obsessão física ou de subjugação, compreende-se que tal qual uma nuvem de gafanhotos, um bando de maus Espíritos pode cair sobre certo número de criaturas, delas apoderar-se e produzir uma espécie de epidemia moral.

A ignorância, a fraqueza das faculdades e a falta de cultura intelectual naturalmente lhes oferece maiores facilidades, por isso eles atuam de preferência sobre certas classes, embora as pessoas inteligentes e instruídas nem sempre estejam isentas.

Como diz Erasto, foi provavelmente uma epidemia que ocorreu ao tempo do Cristo, da qual frequentemente fala no Evangelho. Mas por que só a sua palavra bastava para expulsar os chamados demônios? Isso prova que o mal não podia ser curado senão por uma influência moral. Ora, quem poderá negar a influência moral do Cristo? Contudo, dirão, empregaram o exorcismo, que é um remédio moral, e nada foi obtido. Se nada produziu é que o remédio é ineficaz, e outro deve ser encontrado, evidentemente. Estudai o Espiritismo e compreendereis a razão. Só o Espiritismo, assinalando a verdadeira causa do mal, pode dar os meios de combater os flagelos de tal natureza.

Mas quando aconselhamos a estudá-lo, entendemos um estudo sério e não com a esperança de encontrar nele uma receita banal, para uso do primeiro que aparecer.

O que acontece na Saboia, chamando a atenção, possivelmente apressará o momento em que será reconhecida a parcela de ação do mundo invisível nos fenômenos da Natureza. Uma vez entrando nesse caminho, a Ciência possuirá a chave de muitos mistérios e verá cair a mais formidável barreira que detém o progresso: o materialismo, que restringe o círculo da observação, em vez de ampliálo.



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