Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1862

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Capítulo XLIV

Junho - Príncipio vital das sociedades espíritas

Junho
Senhor,

Na Revista de abril de 1862, vejo uma comunicação assinada por Gérard de Codemberg, na qual há a seguinte passagem:

“Não vos preocupeis com os irmãos que se afastam de vossas crenças. Ao contrário, fazei de modo que não se misturem no rebanho dos verdadeiros crentes, pois são ovelhas sarnentas, e vos deveis guardar contra o contágio”.

A respeito das ovelhas sarnentas, achei tal maneira de ver pouco cristã, ainda menos espírita e completamente fora dessa caridade para com todos que pregam os espíritas. Não ter preocupação com os irmãos que se afastam e guardar-se contra o seu contágio não é o meio de reconquistá-los. Parece-me que, até o presente, nossos bons guias espirituais têm mostrado mais mansuetude. Esse Gérard de Codemberg será um bom Espírito? Se é ele, eu o duvido.

Perdoai-me essa espécie de controle que acabo de fazer, mas há um objetivo sério. Uma de minhas amigas, espírita noviça, acaba de percorrer aquele fascículo e parou nessas poucas linhas, não encontrando a caridade que até agora observou nas comunicações. A respeito, consultei o meu guia, e eis o que ele me respondeu: “Não, minha filha, um Espírito elevado não se serve de tais expressões. Deixai aos Espíritos encarnados a aspereza da linguagem e reconhecei sempre o valor das comunicações pelo valor das palavras e sobretudo pelo valor dos pensamentos. (Segue-se uma comunicação de um Espírito que se supõe ter tomado o lugar de Gérard de Codemberg).

Onde está a verdade? Somente vós podeis sabê-lo.

Recebei, etc.

E. COLLINGNON


Resposta:

Em Gérard de Codemberg nada prova que seja um Espírito muito avançado. A obra que ele publicou, sob o império de evidente obsessão e com o que ele mesmo concorda, o demonstra de sobra.

Por pouco evoluído que fosse, um Espírito não poderia enganar-se a tal ponto quanto ao valor das revelações que obteve em vida, como médium, nem aceitar como sublimes, coisas evidentemente absurdas. Segue-se que seja um mau Espírito? Certamente não. Sua conduta durante a vida e sua linguagem após a morte são prova disso.

Ele está na categoria numerosa dos Espíritos inteligentes, bons, mas não suficientemente elevados para dominarem os Espíritos obsessores que dele abusaram, pois não soube reconhecê-los. Isto no que concerne ao Espírito.

A questão não é saber se é mais ou menos adiantado, mas se o conselho que dá é bom ou mau. Ora, mantenho que não há reunião espírita séria sem homogeneidade. Por toda a parte onde houver divergência de opinião, há a tendência a fazer prevalecer a própria; o desejo de impor suas ideias ou sua vontade, daí as discussões, as dissensões, depois a dissolução. Isto é inevitável e acontece em todas as sociedades, seja qual for o objetivo, onde cada um quer trilhar caminhos diferentes.

O que é necessário nas outras reuniões ainda mais o é nas reuniões espíritas sérias, nas quais a primeira condição é a calma e o recolhimento impossíveis com discussões que provocam perda de tempo em coisas inúteis. É então que os bons Espíritos vão deixando o campo livre aos Espíritos perturbadores. Eis por que os pequenos grupos são preferíveis: a homogeneidade de princípios, de gostos, de caráter e de hábitos, condição essencial da boa harmonia, aí é bem mais fácil de obter que nas grandes assembleias.

O que Gérard de Codemberg chama ovelhas sarnentas não são as pessoas que de boa-fé procuram esclarecer-se quanto às dificuldades da Ciência ou sobre aquilo que não compreendem, por uma discussão pacífica, moderada e comedida, mas as que vêm com ideia preconcebida de oposição sistemática, que a torto e a direito levantam discussões inoportunas, de natureza a perturbarem os trabalhos. Quando o Espírito diz que é preciso afastá-las tem razão, porque a existência da reunião depende disso. Ele também tem razão ao dizer que não há motivo de preocupação, porque a sua opinião pessoal, se falsa, não impedirá que prevaleça a verdade. O sentido dessa expressão é que não deve causar inquietação a sua oposição.

Em segundo lugar, se aquele que tem uma diferente maneira de ver a considera melhor que a dos outros; se ela o satisfaz; se nela se obstina, por que contrariá-lo? O Espiritismo não deve impor-se. Deve ser aceito livremente e de boa vontade. Não quer nenhuma conversão por constrangimento. Aliás, a experiência aí está para provar que não é insistindo que lhe farão mudar de opinião.

Com aquele que de boa-fé procura a luz, é preciso ser todo devotamento; nada se deve poupar: é zelo bem empregado e frutuoso. Com aquele que não a quer ou que pensa tê-la, é perder tempo e semear sobre pedras.

A expressão nenhuma preocupação pode, então, ser entendida no sentido de que não se deve atormentá-lo nem violentar as suas convicções. Agir assim não é faltar à caridade. Esperam trazê-lo a ideias mais sãs? Que o façam em particular, pela persuasão, vá, mas se deve ser uma causa de perturbação para a reunião, conservá-lo não seria dar-lhe provas de caridade, pois que isso de nada lhe adiantaria, ao passo que seria uma falta para com os outros.

O Espírito de Gérard de Codemberg emite claramente, e talvez um pouco cruamente a sua opinião, sem preocupações oratórias, sem dúvida contando com o bom-senso daqueles a quem se dirige para mitigá-la na aplicação, observando o que prescrevem ao mesmo tempo a urbanidade e as conveniências. Mas, salvo a forma da linguagem, o fundo do pensamento é idêntico ao que se acha na comunicação referida a seguir, sob o título O Espiritismo Filosófico, recebida pela mesma pessoa que levantou a questão.

Aí lê-se o seguinte:

“Examinai bem em vosso redor se não há falsos irmãos, curiosos, incrédulos. Se os encontrardes, rogai-lhes com doçura, com caridade, que se retirem. Se resistirem, contentai-vos em orar com fervor para que o Senhor os esclareça e, de outra vez, não os admitais em vossos trabalhos. Não recebais em vosso meio senão os homens simples, que querem buscar a verdade e o progresso”.

Isto é, em outros termos, desembaraçar-se polidamente dos que vos entravam.

Nas reuniões livres, onde se é livre de receber quem se quer, isso é mais fácil que nas sociedades constituídas, onde os sócios são ligados e têm direito a voz e voto. Assim, não deveriam ser tomadas precauções em excesso se não se quisesse ser contrariado.

O sistema dos associados livres adotado pela Sociedade de Paris é o mais próprio a prevenir os inconvenientes, pois só admite os candidatos a título provisório e sem voz ativa nos negócios da Sociedade, durante um período que permite se observe o seu zelo, sua dedicação e seu espírito conciliador.

O essencial é formar um núcleo de fundadores titulares, unidos por uma perfeita comunhão de vistas, de opiniões e de sentimentos e estabelecer regras precisas às quais forçosamente deverão submeter-se aqueles que mais tarde quiserem a ele integrar-se.

A respeito recomendamos os regulamentos da Sociedade de Paris e as instruções que demos a tal respeito. Nosso mais caro desejo é o de vermos reinarem a união e a harmonia entre os grupos e sociedades que se formam de todos os lados. É por isso que consideramos sempre um dever ajudar com conselhos de nossa experiência os que julgarem um dever aproveitá-los.

No momento limitamo-nos a dizer que sem homogeneidade não há união simpática entre os sócios, nem relações afetuosas; sem união não há estabilidade; sem estabilidade não há calma; sem calma, não há trabalho sério, de onde concluímos que a homogeneidade é o princípio vital de toda sociedade ou reunião espírita. É o que disseram com razão Gérard de Goldemberg e Bernardin.

Quanto ao Espírito que foi tomado como substituto do primeiro, sua comunicação tem todos os caracteres de uma comunicação apócrifa.



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