Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1863

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Capítulo X

Janeiro - Bibliografia - A pluralidade dos mundos habitados

Janeiro
Estudos onde são expostas as condições de habitalidade das terras celestes discutidas do ponto de vista da Astronomia e da Filosofia; por Camille Flamarion, calculador do Observatório Imperial de Paris, do Bureau des Longitudes, etc. (*).


Posto não se trate de Espiritismo nessa obra, o assunto é daqueles que entram no quadro de nossas observações e dos princípios da doutrina, e nossos leitores ficarão gratos por lhes havermos chamado a atenção para ela, persuadido, antes de tudo, do enorme interesse que terão por essa leitura duplamente atrativa, pelo fundo e pela forma. Eles nela encontrarão, confirmada pela Ciência, uma das revelações capitais feitas pelos Espíritos.

O Sr. Flammarion é um dos membros da Sociedade Espírita de Paris, e seu nome figura como médium nas notáveis dissertações assinadas por Galileu, que publicamos em setembro último, sob o título de Estudos Uranográficos. Por esse duplo motivo, sentimo-nos felizes ao lhe fazer menção especial, que será ratificada, não temos a menor dúvida.

O autor buscou coligir todos os elementos da Natureza para apoiar a opinião da pluralidade dos mundos habitados, ao mesmo tempo que combate a opinião contrária. Depois de o haver lido, a gente se pergunta como é possível ter dúvidas sobre o assunto.

Acrescentemos que as considerações da mais alta ordem científica não excluem a graça nem a poesia do estilo. Isto pode ser julgado pela passagem seguinte, onde ele fala da intuição que a maioria dos homens, em contemplação ante a abóbada celeste, tem da habitabilidade dos mundos:

“...Mas, a admiração que excita em nós a cena mais comovente do espetáculo da Natureza logo se transforma num sentimento de indescritível tristeza, porque somos estranhos àqueles mundos, onde reina uma solidão aparente, e que não podem originar a impressão imediata pela qual a vida nos liga à Terra.

“Sentimos em nós a necessidade de povoar esse globos aparentemente esquecidos pela vida, e sobre aquelas plagas eternamente desertas e silenciosas procuramos olhares que respondam aos nossos, assim como um ousado navegador explorou em sonhos, por muito tempo, os desertos do oceano, buscando a terra que lhe fora revelada, varando com seu olhar de águia as mais vastas distâncias, e transpondo cuidadosamente os limites do mundo conhecido, para se perder enfim nas imensas planícies nas quais o Novo Mundo se assentava desde períodos seculares.

“Seu sonho se realizou.

“Que o nosso se desembarace do mistério que ainda o envolve e, sobre o barco do pensamento, subiremos aos céus, em busca de outras terras.”

A obra é dividida em três partes. Na primeira, sob o título de Estudo Histórico, o autor passa em revista a imensa lista de sábios e filósofos antigos e modernos, religiosos e profanos, que professaram a doutrina da pluralidade dos mundos, desde Orfeu até Herschel e Laplace.

“A maioria das seitas gregas, diz ele, a ensinaram, quer aberta e indistintamente a todos os discípulos, quer em segredo, aos iniciados da Filosofia. Se as poesias atribuídas a Orfeu são mesmo dele, podemos considerá-lo como o primeiro a ensinar a pluralidade dos mundos. Ela está implicitamente encerrada nos versos órficos, onde se diz que cada estrela é um mundo, e sobretudo nas seguintes palavras, conservadas por Proclus: ‘Deus construiu uma terra imensa que os imortais chamaram Selene, e que os homens chamam Lua, na qual se eleva um grande número de habitações, de montanhas e de cidades.’

“Pitágoras, o primeiro dos gregos que teve o nome de filósofo, ensinava em público a imobilidade da Terra e o movimento dos astros em redor dela, como um centro único da criação, ao passo que declarava aos adeptos adiantados de sua doutrina, sua crença no movimento da Terra, como planeta, e na pluralidade dos mundos.

“Mais tarde, Demócrito, Heráclito e Metrodoro de Quios, os mais ilustres de seus discípulos, propagaram, do alto da cátedra, a opinião de seu mestre, que se tornou a de todos os pitagóricos e da maior parte dos filósofos gregos.

“Filolaus, Nicetas e Heráclides foram dos mais ardentes defensores dessa crença. Este último chegou até a pretender que cada estrela é um mundo que, como o nosso, tem uma terra, uma atmosfera e uma imensa extensão de matéria etérea”.

Mais adiante ele acrescenta:

“A ação benéfica do Sol, diz Laplace, faz nascerem os animais e plantas que cobrem a terra, e a analogia nos leva a crer que ela produza efeitos semelhantes em outros planetas, pois não é natural pensar que a matéria, cuja fecundidade vemos desenvolver-se de tantas maneiras, seja estéril num planeta tão grande como Júpiter que, como o globo terrestre, tem seus dias, suas noites, seus anos, e sobre o qual as observações indicam mudanças que pressupõem forças muito ativas...

Feito para a temperatura que suporta na Terra, não poderia o homem, segundo todas as aparências, viver em outros planetas. Mas não deve haver aí uma infinidade de organizações relativas às diversas temperaturas dos globos e dos universos? Se apenas a diferença dos elementos e dos climas cria tantas variedades nas produções terrestres, quanto mais devem diferir as dos planetas e dos satélites.”

A segunda parte é consagrada ao estudo astronômico da constituição dos diversos globos celestes, segundo os dados mais positivos da Ciência, e do qual resulta que a Terra não está, nem pela posição, nem pelo volume, nem pelos elementos de que se compõe, em situação excepcional que lhe tenha podido valer o privilégio de ser habitada com exclusão de todos os outros mundos mais favorecidos sob vários aspectos. A primeira parte é de erudição. A segunda é de Ciência.

A terceira parte trata a questão do ponto de vista fisiológico. As observações astronômicas dão a conhecer o movimento das estações, as flutuações atmosféricas e a variabilidade da temperatura na maioria dos mundos que compõem o nosso turbilhão solar. Daí ressalta que a Terra se acha numa das condições menos favorecidas, um mundo cujos habitantes devem sofrer mais vicissitudes e onde a vida deve ser mais penosa, donde o autor conclui não ser racional admitir tenha Deus reservado para morada do homem um dos mundos menos favorecidos, ao passo que os melhor dotados teriam sido condenados a não abrigar nenhum ser vivo. Tudo isto é estabelecido não sobre uma ideia sistemática, mas sobre dados positivos, para os quais todas as ciências contribuíram: Astronomia, Física, Química, Meteorologia, Geologia, Fisiologia, Mecânica etc.

“Mas, acrescenta ele, de todos os planetas, o mais favorecido, sob todos os aspectos, é o magnífico Júpiter, cujas estações, pouco distintas, têm ainda a vantagem de durar doze vezes mais que as nossas. Esse gigante planetário parece planar nos céus como um desafio aos fracos habitantes da Terra, dando-lhes a entrever os pomposos quadros de uma longa e suave existência.

“Nós, que estamos presos à bolinha terrestre por cadeias que não podemos romper, vemos extinguirem-se sucessivamente nossos dias com um tempo tão rápido que os consome, com os caprichosos períodos que os dividem, com essas estações disparatadas cujo antagonismo se perpetua na contínua desigualdade do dia e da noite e na instabilidade da temperatura.”

Após um eloquente quadro das lutas que o homem deve sustentar contra a Natureza, a fim de prover a subsistência, e das revoluções geológicas que transformam a superfície do globo e ameaçam aniquilá-lo, ele acrescenta:

“Após tais considerações, pode-se ainda pretender seja este globo, mesmo para o homem, o melhor dos mundos possíveis, e que muitos outros corpos celestes não lhe possam ser infinitamente superiores e melhor que ele reunirem as condições favoráveis ao desenvolvimento e à longa duração da existência humana?”

Depois, conduzindo o leitor através dos mundos, no infinito do espaço, faz com que ele veja um panorama de tal imensidade, que não podemos deixar de achar ridícula e indigna do poder de Deus a suposição de que entre tantos milhares o nosso pequeno globo, desconhecido até de uma grande parte do nosso sistema planetário, seja a única terra habitada, e nos identificarmos com o pensamento do autor, quando ele diz, ao terminar:

“Ah! Se nossa vista fosse bastante penetrante para descobrir, lá onde apenas distinguimos pontos brilhantes sobre o fundo negro do céu, os sóis resplandecentes que gravitam na amplidão, e os mundos habitados que acompanham o seu curso! Se nos fosse dado abarcar de um golpe de vista essas miríades de sistemas solidários e se, avançando com a velocidade da luz, atravessássemos durante séculos e séculos esse número ilimitado de sóis e esferas, sem jamais encontrar os limites dessa imensidade prodigiosa, onde Deus fez germinar os mundos e os seres; e se, voltando o olhar para trás, mas sem saber em que ponto do infinito encontrar de novo esse grão de poeira que se chama Terra, estacaríamos fascinados e confusos por tal espetáculo e, unindo nossas vozes ao concerto da natureza universal, diríamos, do fundo de nossa alma: Deus poderoso! Como fomos insensatos em pensar que nada havia além da Terra, e que nossa pobre morada tinha, ela só, o privilégio de refletir tua grandeza e teu poder!”

Terminaremos, de nossa parte, com uma observação: Vendo a soma de ideias contidas nessa pequena obra, a gente se admira que um jovem, na idade em que os outros ainda estão nos bancos escolares, tenha tido tempo de se apropriar delas e, com mais forte razão, aprofundá-las. É para nós uma prova evidente de que seu Espírito não se acha no início, ou que, malgrado seu, ele é assistido por outro Espírito.


___________________________________________
* Brochura grand in-8. Preço: 2 fr.; pelo correio 2 fr. 10; Bachelier, lmpr. -libr. de l’Observatoire, 55, qual des Grands-Augustins.




Dezembro INSTRUÇÃO DOS ESPÍRITOS

Dezembro


Temas Relacionados:

O sacrifício da carne foi severamente condenado pelos grandes filósofos da antiguidade. O Espírito elevado revolta-se à ideia do sangue e, sobretudo, à ideia de que o sangue é agradável à Divindade. E notai bem que aqui não se trata absolutamente de sacrifícios humanos, mas tão só de animais oferecidos em holocausto. Quando o Cristo veio anunciar a Boa Nova, não ordenou o sacrifício do sangue: ocupou-se unicamente do Espírito. Os grandes sábios da antiguidade igualmente tinham horror a estas espécies de sacrifícios e eles próprios só se alimentavam de frutos e raízes. Na Terra os encarnados têm uma missão a cumprir; têm um Espírito, que deve ser nutrido pelo Espírito, e um corpo, que deve ser alimentado pela matéria; mas a natureza da matéria influi sobre a espessura do corpo e, em consequência, sobre as manifestações do Espírito, o que é facilmente compreensível. Os temperamentos bastante fortes para viver como os anacoretas fazem bem, porque o esquecimento da carne leva mais facilmente à meditação e à prece. Mas para viver assim, em geral seria necessária uma natureza mais espiritualizada que a vossa, o que é impossível com as condições terrestres. E como, antes de tudo, a Natureza jamais age com disparate, é impossível ao homem submeter-se impunemente a essas privações. Pode ser-se bom cristão e bom espírita e comer a seu gosto, contanto que seja razoável. É uma questão um tanto leviana para os nossos estudos, mas não menos útil e proveitosa.


Lamennais.


Allan Kardec.





Julho DISSERTAÇÕES ESPÍRITAS

Julho

Nota. – Esta comunicação foi dada a propósito de uma senhora cega, que assistia à sessão.


Meus bons amigos, não venho muito entre vós, mas hoje eis-me aqui. Por isso agradeço a Deus e aos bons Espíritos que vêm ajudar-vos a marchar pelo novo caminho. Por que me chamastes? Terá sido para que eu imponha as mãos sobre a pobre sofredora que está aqui e a cure? Ah! que sofrimento, bom Deus! Ela perdeu a vista e as trevas a envolveram. Pobre filha! Que ore e espere. Não sei fazer milagres, eu, sem que Deus o queira. Todas as curas que tenho podido obter e que vos foram assinaladas não as atribuais senão àquele que é o Pai de todos nós. Nas vossas aflições, volvei sempre para o céu o olhar e dizei do fundo do coração: “Meu Pai, cura-me, mas faze que minha alma enferma se cure antes que o meu corpo; que a minha carne seja castigada, se necessário, para que minha alma se eleve ao teu seio, com a brancura que possuía quando a criaste.” Após essa prece, meus amigos, que o bom Deus ouvirá sempre, dadas vos serão a força e a coragem e, quiçá, também a cura que apenas timidamente pedistes, em recompensa da vossa abnegação.

Contudo, uma vez que aqui me acho, numa assembleia onde principalmente se trata de estudos, dir-vos-ei que os que são privados da vista deveriam considerar-se os bem-aventurados da expiação. Lembrai-vos de que o Cristo disse convir que arrancásseis o vosso olho se fosse mau, e que mais valeria lançá-lo ao fogo, do que deixar se tornasse causa da vossa condenação. Ah! quantos há no mundo que um dia, nas trevas, maldirão o terem visto a luz! Oh! sim, como são felizes os que, por expiação, vêm a ser atingidos na vista! Os olhos não lhes serão causa de escândalo e de queda; podem viver inteiramente a vida das almas; podem ver mais do que vós que tendes límpida a visão!… Quando Deus me permite descerrar as pálpebras a algum desses pobres sofredores e lhes restituir a luz, digo a mim mesmo: Alma querida, por que não conheces todas as delícias do Espírito que vive de contemplação e de amor? Não pedirias, então, que se te concedesse ver imagens menos puras e menos suaves, do que as que te é dado entrever na tua cegueira!

Oh! bem-aventurado o cego que quer viver com Deus. Mais ditoso do que vós que aqui estais, ele toca, ele vê as almas e pode alçar-se com elas às esferas espirituais que nem mesmo os predestinados da Terra logram divisar. Abertos, os olhos estão sempre prontos a causar a falência da alma; fechados, estão prontos sempre, ao contrário, a fazê-la subir para Deus. Crede-me, bons e caros amigos, a cegueira dos olhos é, muitas vezes, a verdadeira luz do coração, ao passo que a vista é, com frequência, o anjo tenebroso que conduz à morte.

Agora, algumas palavras dirigidas a ti, minha pobre sofredora. Espera e tem ânimo! Se eu te dissesse: Minha filha, teus olhos vão abrir-se, quão jubilosa te sentirias! Mas, quem sabe se esse júbilo não ocasionaria a tua perda! Confia no bom Deus, que fez a ventura e permite a tristeza. Farei tudo o que me for consentido a teu favor; mas, a teu turno, ora e, ainda mais, pensa em tudo quanto acabo de te dizer.

Meus bons amigos: antes que me afaste, vós que aqui estais, recebei minha bênção; eu a dou a todos, aos loucos, aos sábios, aos crentes e aos infiéis desta assembleia. Que ela sirva a cada um de vós!


Vianney, cura d’Ars.


Nota. – Perguntamos se esta é a linguagem do demônio e se ofendemos o cura d’Ars atribuindo-lhe tais pensamentos. Uma camponesa sem instrução, sonâmbula natural, que vê muito bem os Espíritos, tinha vindo à sessão em estado sonambúlico. Não conhecia o cura d’Ars nem mesmo de nome e, entretanto, o viu ao lado do médium e lhe fez o retrato com perfeita exatidão.





Outubro DISSERTAÇÕES ESPÍRITAS

Outubro

Ouvistes o ruído confuso do mar, retumbando quando o vento norte infla as ondas e elas se quebram, rugindo suas lâminas de prata sobre a praia? Ouvistes o fragor sonoro do raio nas nuvens sombrias ou o murmúrio da floresta ao sopro do vento do entardecer? Ouvistes nos recônditos da alma essa múltipla harmonia, que não fala aos sentidos senão para os atravessar e chegar até o ser pensante e amante? Se, pois, nem ouvistes nem compreendestes estas mudas palavras, não sois filhos da revelação e ainda não credes. A esses direi: “Saí da cidade nessa hora silenciosa, em que os raios estrelados descem do céu e, colhendo em vós mesmos os pensamentos íntimos, contemplai o espetáculo que vos cerca e chegareis antes da aurora a partilhar a fé dos vossos irmãos.” Aos que já creem na grande voz da Natureza, direi: “Filhos da nova aliança, é a voz do Criador e do conservador dos seres que fala no tumulto das ondas, no ribombar do trovão; é a voz de Deus que fala no sopro dos ventos. Amigos, escutai ainda, escutai algumas vezes, escutai muito tempo, escutai sempre, e o Senhor vos receberá de braços abertos.” Ó vós, que já ouvistes a sua potente voz aqui na Terra, vós a compreendereis melhor no outro mundo.


Galileu.




Setembro DISSERTAÇÕES ESPÍRITAS

Setembro

Nós vos demos a entrever a aurora da regeneração humana. Nisto, como em toda a marcha da Humanidade através das idades, deveis ver o dedo de Deus.

Já vo-lo dissemos muitas vezes: Tudo que acontece aqui na Terra, como tudo quanto se passa no Universo inteiro, está submetido a uma lei geral: a do progresso.

Inclinai-vos ante ela todos vós que, orgulhosos e soberbos, pretendeis colocar-vos acima dos desígnios do Todo-Poderoso! Buscai por toda parte a causa de vossas desgraças, como de vossos prazeres, e aí reconhecereis sempre o dedo de Deus.

Mas, direis, então o dedo de Deus é o fatalismo! Ah! guardai-vos de confundir essa palavra ímpia com as leis que a Providência vos impôs, essa mesma Providência que vos deve ter deixado o livre-arbítrio, para, ao mesmo tempo, vos deixar o mérito de vossos atos, mas que lhes tempera o rigor por essa voz, tantas vezes desconhecida, que vos adverte do perigo a que vos expondes.

O fatalismo é a negação do dever, porquanto, sendo nossa sorte fixada previamente, não nos cabe mudá-la.

Em que se tornaria o mundo com essa horrível teoria, que abandonaria o homem às pérfidas sugestões das piores paixões? Onde estaria o objetivo da criação? onde a razão de ser da ordem admirável que impera no Universo?

Ao contrário, o dedo de Deus é a punição sempre suspensa sobre a cabeça do culpado; é o remorso que corrói o coração, censurando-lhe os crimes a cada instante do dia; é o horrendo pesadelo que o tortura durante longas noites insones; é esse rastro sangrento que o segue em todos os lugares, como para reproduzir aos seus olhos, incessantemente, a imagem de sua malvadez; é a febre que atormenta o egoísta; são as perpétuas angústias do mau rico, que vê em todos que dele se aproximam espoliadores dispostos a lhe roubar um bem mal adquirido; é a dor que experimenta em sua última hora por não poder levar seus inúteis tesouros!

O dedo de Deus é a paz do coração reservada ao justo; é o suave perfume que vos repleta a alma após uma boa ação; é esse doce prazer que se experimenta sempre ao fazer o bem; é a bênção do pobre que se assiste; é o doce olhar de uma criança cujas lágrimas enxugamos; é a prece fervorosa de uma pobre mãe, a quem se proporcionou o trabalho que a deve arrancar da miséria; é, numa palavra, o contentamento consigo mesmo.

O dedo de Deus, enfim, é a justiça grave e austera, temperada pela misericórdia! o dedo de Deus é a esperança, que não abandona o homem em seus mais cruéis sofrimentos, que o consola sempre e deixa entrever ao mais criminoso, a quem o arrependimento tocou, um recanto da morada celeste, do qual se julgava rejeitado para sempre!


Espírito Familiar.



Outubro DISSERTAÇÕES ESPÍRITAS

Outubro

Ouvistes o ruído confuso do mar, retumbando quando o vento norte infla as ondas e elas se quebram, rugindo suas lâminas de prata sobre a praia? Ouvistes o fragor sonoro do raio nas nuvens sombrias ou o murmúrio da floresta ao sopro do vento do entardecer? Ouvistes nos recônditos da alma essa múltipla harmonia, que não fala aos sentidos senão para os atravessar e chegar até o ser pensante e amante? Se, pois, nem ouvistes nem compreendestes estas mudas palavras, não sois filhos da revelação e ainda não credes. A esses direi: “Saí da cidade nessa hora silenciosa, em que os raios estrelados descem do céu e, colhendo em vós mesmos os pensamentos íntimos, contemplai o espetáculo que vos cerca e chegareis antes da aurora a partilhar a fé dos vossos irmãos.” Aos que já creem na grande voz da Natureza, direi: “Filhos da nova aliança, é a voz do Criador e do conservador dos seres que fala no tumulto das ondas, no ribombar do trovão; é a voz de Deus que fala no sopro dos ventos. Amigos, escutai ainda, escutai algumas vezes, escutai muito tempo, escutai sempre, e o Senhor vos receberá de braços abertos.” Ó vós, que já ouvistes a sua potente voz aqui na Terra, vós a compreendereis melhor no outro mundo.


Galileu.




Setembro DISSERTAÇÕES ESPÍRITAS

Setembro

Nós vos demos a entrever a aurora da regeneração humana. Nisto, como em toda a marcha da Humanidade através das idades, deveis ver o dedo de Deus.

Já vo-lo dissemos muitas vezes: Tudo que acontece aqui na Terra, como tudo quanto se passa no Universo inteiro, está submetido a uma lei geral: a do progresso.

Inclinai-vos ante ela todos vós que, orgulhosos e soberbos, pretendeis colocar-vos acima dos desígnios do Todo-Poderoso! Buscai por toda parte a causa de vossas desgraças, como de vossos prazeres, e aí reconhecereis sempre o dedo de Deus.

Mas, direis, então o dedo de Deus é o fatalismo! Ah! guardai-vos de confundir essa palavra ímpia com as leis que a Providência vos impôs, essa mesma Providência que vos deve ter deixado o livre-arbítrio, para, ao mesmo tempo, vos deixar o mérito de vossos atos, mas que lhes tempera o rigor por essa voz, tantas vezes desconhecida, que vos adverte do perigo a que vos expondes.

O fatalismo é a negação do dever, porquanto, sendo nossa sorte fixada previamente, não nos cabe mudá-la.

Em que se tornaria o mundo com essa horrível teoria, que abandonaria o homem às pérfidas sugestões das piores paixões? Onde estaria o objetivo da criação? onde a razão de ser da ordem admirável que impera no Universo?

Ao contrário, o dedo de Deus é a punição sempre suspensa sobre a cabeça do culpado; é o remorso que corrói o coração, censurando-lhe os crimes a cada instante do dia; é o horrendo pesadelo que o tortura durante longas noites insones; é esse rastro sangrento que o segue em todos os lugares, como para reproduzir aos seus olhos, incessantemente, a imagem de sua malvadez; é a febre que atormenta o egoísta; são as perpétuas angústias do mau rico, que vê em todos que dele se aproximam espoliadores dispostos a lhe roubar um bem mal adquirido; é a dor que experimenta em sua última hora por não poder levar seus inúteis tesouros!

O dedo de Deus é a paz do coração reservada ao justo; é o suave perfume que vos repleta a alma após uma boa ação; é esse doce prazer que se experimenta sempre ao fazer o bem; é a bênção do pobre que se assiste; é o doce olhar de uma criança cujas lágrimas enxugamos; é a prece fervorosa de uma pobre mãe, a quem se proporcionou o trabalho que a deve arrancar da miséria; é, numa palavra, o contentamento consigo mesmo.

O dedo de Deus, enfim, é a justiça grave e austera, temperada pela misericórdia! o dedo de Deus é a esperança, que não abandona o homem em seus mais cruéis sofrimentos, que o consola sempre e deixa entrever ao mais criminoso, a quem o arrependimento tocou, um recanto da morada celeste, do qual se julgava rejeitado para sempre!


Espírito Familiar.



Agosto DISSERTAÇÕES ESPÍRITAS

Agosto

Minha filha, venho dar um ensinamento médico aos espíritas. Aqui a Astronomia e a Filosofia têm eloquentes intérpretes; a moral conta tantos escritores quantos médiuns. Por que a Medicina, em seu lado prático e fisiológico, seria negligenciada? Fui o criador da renovação médica, que hoje penetra até as fileiras dos sectários da antiga medicina. Ligados contra a homeopatia, por mais que lhe criassem diques sem número, por mais que lhe gritassem: “Não irás mais longe!”, a jovem medicina triunfante, transpôs todos os obstáculos. O Espiritismo lhe será poderoso auxiliar; graças a ele, ela abandonará a tradição materialista que, durante tanto tempo, lhe retardou o desenvolvimento. O estudo médico está inteiramente ligado à pesquisa das causas e dos efeitos espiritualistas; ela disseca os corpos e deve, também, analisar a alma. Deixai, pois, um velho médico justificar os fins e o objetivo da doutrina que propagou, e que vê estranhamente desfigurada neste mundo pelos praticantes, e no Além por Espíritos ignorantes que usurpam o seu nome. Gostaria que minha palavra ouvida tivesse o poder de corrigir os abusos que alteram a homeopatia, impedindo-a, assim, de ser tão útil quanto devia.

Se eu falasse num centro prático, onde os conselhos pudessem ser ouvidos com proveito, eu me levantaria contra a negligência de meus colegas terrestres, que desconhecem as leis primordiais do Organon, exagerando as doses e, sobretudo, não dando à trituração tão importante dos medicamentos, os cuidados que indiquei. Muitos esquecem que cem, e às vezes duzentos golpes, são absolutamente necessários à liberação do princípio médico apropriado a cada uma das plantas ou venenos que formam o nosso arsenal curador. Nenhum remédio é indiferente, nenhum medicamento é inofensivo; quando o diagnóstico mal observado o faz dar fora de propósito, ele desenvolve os germes da doença que era chamado a combater.

Mas eu me deixo arrastar por meu assunto e eis-me propenso a dar um curso de homeopatia a um auditório que não deve interessar-se por esta questão. Entretanto, não creio seja inútil iniciar os espíritas nos princípios fundamentais da ciência, a fim de os premunir contra as decepções que possam sofrer, quer da parte dos homens, quer mesmo da dos Espíritos.


Samuel Hahnemann.


Observação. – Esta observação foi motivada pela presença à sessão de um médico homeopata estrangeiro, que desejava a opinião de Hahnemann sobre o estado atual da ciência. Faremos observar que ela foi dada através de uma jovem senhora que não fez estudos médicos, e à qual são estranhos, necessariamente, muitos termos especiais.




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