Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1864

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Capítulo VII

Janeiro - Perguntas e problemas

Janeiro
Progresso nas primeiras encarnações

Pergunta. Duas almas criadas simples e ignorantes não conhecem o bem nem o mal ao virem à Terra. Se, nessa primeira existência, uma segue o caminho do bem e a outra o do mal, como, de certo modo, é o acaso que as conduz, elas não merecem castigo nem recompensa. Essa primeira viagem terrestre não deve ter servido senão para dar a cada uma delas a consciência de sua existência, consciência que antes não tinham.

Para ser lógico, seria preciso admitir que os castigos e as recompensas não começariam a ser infringidos ou concedidas senão a partir da segunda encarnação, quando os Espíritos já sabem distinguir o bem do mal, experiência que lhes faltava quando de sua criação, mas que adquiriam por meio da primeira encarnação. Tal opinião tem fundamento?

Resposta. Posto a pergunta já esteja resolvida pela Doutrina Espírita, vamos responder, para instrução de todos.

Ignoramos absolutamente em que condições se dão as primeiras encarnações da alma, porque é um dos princípios das coisas que estão nos segredos de Deus. Apenas sabemos que são criadas simples e ignorantes, tendo todas, assim, o mesmo ponto de partida, o que é conforme à justiça. O que também sabemos é que o livre-arbítrio só se desenvolve pouco a pouco, e após numerosas evoluções na vida corpórea. Não é, pois, nem após a primeira, nem após a segunda encarnação que a alma tem consciência bastante nítida de si mesma para ser responsável por seus atos. Pode ser que só aconteça após a centésima ou talvez após a milésima. Dá-se o mesmo com a criança, que não goza da plenitude de suas faculdades nem um nem dois dias após o nascimento, mas depois de anos. Além disto, quando a alma goza do livre-arbítrio, a responsabilidade cresce em razão do desenvolvimento de sua inteligência. É assim, por exemplo, que um selvagem que come os seus semelhantes é menos castigado que o homem civilizado que comete uma simples injustiça. Sem dúvida os nossos selvagens estão muito atrasados em relação a nós, contudo, já estão bem longe de seu ponto de partida.

Durante longos períodos, a alma encarnada é submetida à influência exclusiva do instinto de conservação. Pouco a pouco esses instintos se transformam em instintos inteligentes, ou melhor, se equilibram com a inteligência, e só mais tarde, e sempre gradativamente, a inteligência domina os instintos. Só então é que começa a séria responsabilidade.

Além disso, o autor da pergunta comete dois erros graves. O primeiro é o de admitir que o acaso decide do bom ou do mau caminho que o Espírito segue em seu princípio. Se houvesse acaso ou fatalidade, toda responsabilidade seria injusta. Como dissemos, o Espírito fica num estado inconsciente durante numerosas encarnações; a luz da inteligência só se faz pouco a pouco e a responsabilidade real só começa quando o Espírito age livremente e com conhecimento de causa.

O segundo erro é o de admitir que as primeiras encarnações humanas ocorram na Terra. A Terra foi, mas não é mais um mundo primitivo. Os mais atrasados seres humanos que se encontram na face da Terra já se despojaram dos primeiros cueiros da encarnação, e nossos selvagens estão em progresso, comparativamente ao que eram antes que seu Espírito viesse encarnar neste globo. Julgue-se agora o número de existências necessárias a esses selvagens para transporem todos os degraus que os separam da mais adiantada civilização. Todos esses degraus intermediários se acham na Terra sem solução de continuidade, e podem ser seguidos observando-se as nuanças que distinguem os vários povos. Só o começo e o fim aí não se encontram, e o começo se perde, para nós, nas profundezas do passado, que não nos é dado penetrar. Aliás, isto pouco importa, pois tal conhecimento nada significaria para nós em termos de evolução.

Nós não somos perfeitos, eis o que é positivo. Sabemos que nossas imperfeições são o único obstáculo à nossa felicidade futura. Estudemos, pois, a fim de nos aperfeiçoarmos.

No ponto em que estamos, a inteligência está bastante desenvolvida para permitir ao homem julgar criteriosamente o bem e o mal, e é também neste ponto que a sua responsabilidade é mais seriamente empenhada, porque não mais se pode dizer o que dizia Jesus: “Perdoai-lhes, Senhor, pois não sabem o que fazem.”


Abril INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS

Abril

Nota. – Nesta sessão foram dirigidos agradecimentos ao Espírito Guttemberg, com o pedido de tomar parte em nossas conversas, quando julgasse conveniente.

Na mesma sessão, a presença de vários dignitários estrangeiros da Ordem Maçônica motivou a seguinte pergunta: Que concurso o Espiritismo pode encontrar na Franco-maçonaria?

Várias dissertações foram obtidas sobre o assunto.


I.


Senhor Presidente, agradeço o vosso amável convite. É a primeira vez que uma de minhas comunicações é lida na Sociedade Espírita de Paris e, espero, não será a última.

Talvez tenhais achado em minhas reflexões, um tanto longas sobre a imprensa, alguns pensamentos que não aprovais completamente. Mas, refletindo na dificuldade que sentimos ao nos pormos em relação com os médiuns e utilizar as suas faculdades, havereis de passar de leve sobre certas expressões ou modo de dizer, que nem sempre dominamos. Mais tarde a eletricidade fará a sua revolução mediúnica, e como tudo será mudado na maneira de reproduzir o pensamento do Espírito, não mais encontrareis essas lacunas por vezes lamentáveis, sobretudo quando as comunicações são lidas diante de estranhos.

Falastes da franco-maçonaria, e tendes razão de nela esperar encontrar bons elementos. O que se pede a todo maçom iniciado? Crer na imortalidade da alma, no Divino Arquiteto e em seres benfeitores, devotados, sociáveis, dignos e humildes. Ali se pratica a igualdade na mais larga escala. Há, pois, nessas sociedades uma afinidade com o Espiritismo de tal modo evidente que salta aos olhos.

A questão do Espiritismo foi posta na ordem do dia em várias lojas e eis o resultado: leram volumosos relatórios muito complicados a este respeito, mas não o estudaram a fundo, o que fez que nisto, como em muitas outras coisas, discutissem um tema que não conheciam, julgando por ouvir dizer, mais do que pela realidade. Entretanto, muitos maçons são espíritas e trabalham bastante na propagação dessa crença. Todos escutam, e se o hábito diz: Não, a razão diz: Sim.

Esperai, então, porque o tempo é um aliciador sem igual; por ele as impressões se modificam e, necessariamente, no vasto campo dos estudos, abertos nas lojas, o estudo espírita entrará como complemento; isto já está no ar. Riram, falaram; não riem mais, meditam.

Assim, tereis um seminário espírita nessas sociedades essencialmente liberais. Por elas entrareis plenamente neste segundo período, que deve preparar os caminhos prometidos. Os homens inteligentes da maçonaria vos bendirão por sua vez, pois a moral dos Espíritos dará um corpo a esta seita tão comprometida, tão temida, mas que tem feito mais bem do que se pensa.

Tudo tem um parto laborioso, uma afinidade misteriosa; e se isto existe para o que perturba as camadas sociais, é muito mais verdadeiro para o que conduz o progresso moral dos povos.


Guttemberg.

(Médium: Sr. Leymarie.)


II.


Meu caro irmão em doutrina (o Espírito se dirige a um dos franco-maçons espíritas presentes na sessão), venho com alegria responder ao benévolo apelo que fazeis aos Espíritos que amaram e fundaram as instituições franco-maçônicas. Para consolidar essa instituição generosa, duas vezes derramei o meu sangue; duas vezes as praças públicas desta cidade ficaram tintas do sangue do pobre Jacques Molé. Caros irmãos, seria preciso dá-lo uma terceira vez? Direi com satisfação: não. Já vos foi dito: Quanto mais sangue, mais despotismo, mais carrascos! Uma sociedade de irmãos, de amigos, de homens cheios de boa vontade, que só desejam uma coisa: conhecer a verdade para fazer o bem! Eu ainda não me havia comunicado nesta assembleia. Enquanto falastes de ciência espírita, de filosofia espírita, cedi o lugar aos Espíritos que são mais aptos a vos dar conselhos sobre esses vários pontos e esperava pacientemente, sabendo que chegaria a minha vez. Há tempo para tudo, como há um momento para cada um. Assim, creio que soou a hora e é o momento oportuno. Posso, pois, dar-vos a minha opinião no que respeita ao Espiritismo e à franco-maçonaria.

As instituições maçônicas foram para a sociedade um encaminhamento à felicidade. Numa época em que toda ideia liberal era considerada um crime, os homens precisavam de uma força que, embora inteiramente submissa às leis, não fosse menos emancipada por suas crenças, por suas instituições e pela unidade de seu ensino. Nessa época a religião ainda era, não uma mãe consoladora, mas uma força despótica que, pela voz de seus ministros, ordenava, feria, fazia tudo se curvar à sua vontade; era um assunto de pavor para quem quisesse, como livre-pensador, agir e dar aos homens sofredores alguma coragem e, no infortúnio, algum consolo moral. Unidos pelo coração, pela fortuna e pela caridade, nossos templos foram os únicos altares onde não se havia desconhecido o verdadeiro Deus, onde o homem ainda podia dizer-se homem, onde a criança podia esperar encontrar, mais tarde, um protetor, e o abandonado, amigos.

Vários séculos se passaram e cada um juntou algumas flores à coroa maçônica. Foram mártires, homens letrados, legisladores, que aumentaram a sua glória, tornando-se seus defensores e conservadores. No século dezenove vem o Espiritismo, com seu facho luminoso, dar a mão aos comendadores, aos rosa-cruzes, e com voz trovejante lhes grita: Vamos, meus irmãos; eu sou verdadeiramente a voz que se faz ouvir no Oriente e à qual o Ocidente responde, dizendo: Glória, honra, vitória aos filhos dos homens! Mais alguns dias e o Espiritismo terá transposto o muro que separa a maior parte do recinto do templo dos segredos; e, nesse dia, a sociedade verá florescer no seu seio a mais bela flor espírita que, deixando suas pétalas caírem, dará uma semente regeneradora da verdadeira liberdade. O Espiritismo fez progressos, mas no dia em que tiver dado a mão à franco-maçonaria, todas as dificuldades serão vencidas, todo obstáculo retirado, a verdade transparecerá e maior progresso moral será realizado; terá transposto os primeiros degraus do trono, onde logo deverá reinar.

A vós, saudação fraternal e amizade.

Jacques Molé.


III.


Fiquei satisfeitíssimo em me juntar às discussões deste centro tão profundamente espiritualista, e venho a ele atraído por Guttemberg, como outro dia o fora por Jacquard. [v. Jacquard e Vaucanson.]

A maior parte da dissertação do grande tipógrafo tratou da questão do ponto de vista do tear, e ele não viu nessa bela invenção senão o lado prático, material, utilitário. Ampliemos o debate e coloquemos a questão mais no alto.

Seria erro acreditar que a imprensa veio substituir a arquitetura, pois esta permanecerá para continuar seu papel historiógrafo, por meio de monumentos característicos, assinalados pelo espírito de cada século, de cada geração, de cada revolução humanitária. Não, dizemos bem alto, a imprensa nada veio derrubar; veio para completar, por sua obra especial, grande e emancipadora. Chegou na hora certa, como todas as descobertas que eclodem providencialmente aqui. Contemporâneo do monge que inventou a pólvora e que, por isso, revolucionou a velha arte das batalhas, Guttemberg trouxe uma nova alavanca à expansão das ideias. Não o esqueçamos: a imprensa não podia ter sua legítima razão de ser senão pela emancipação das massas e o desenvolvimento intelectual dos indivíduos. Sem essa necessidade a satisfazer, sem esse alimento, esse maná espiritual a distribuir, por muito tempo a imprensa ainda se teria debatido no vazio e não teria sido considerada senão um sonho de louco, ou uma utopia sem alcance. Não é assim que foram tratados os primeiros inventores, melhor dizendo, os primeiros que descobriram e constataram as propriedades do vapor? Fazei Guttemberg nascer nas ilhas Andaman e a imprensa aborta fatalmente. [Vide comunicação de Guttemberg: A imprensa.]

A ideia, portanto, é a alavanca primordial que deve ser considerada. Sem a ideia, sem o trabalho fecundo dos pensadores, dos filósofos, dos ideólogos e, mesmo, dos monges sonhadores da Idade Média a imprensa teria ficado letra morta. Guttemberg pode, pois, acender mais de uma vela em honra aos dialéticos da escola, que fizeram germinar a ideia e burilar as inteligências. A ideia febril, que reveste uma forma plástica no cérebro humano, é e será sempre o maior motor das descobertas e das invenções. Criar uma necessidade nova no meio das sociedades modernas é abrir um novo caminho à ideia perpetuamente inovadora; é impelir o homem inteligente à busca do que satisfaça essa nova necessidade da Humanidade. Eis por que, por toda parte onde a ideia for soberana, onde for acolhida com respeito, enfim, onde os pensadores forem honrados, o progresso para Deus está garantido.

A franco-maçonaria, contra a qual tanto gritaram, contra a qual a Igreja romana foi pródiga em anátemas, nem por isto, deixou de sobreviver, abrindo de par em par as portas de seus templos ao culto emancipador da ideia. Em seu seio todas as questões mais graves foram tratadas e, antes que o Espiritismo tivesse aparecido, os veneráveis e os grão-mestres sabiam e professavam que a alma é imortal e que os mundos visível e invisível se comunicam entre si. É aí, nesses santuários onde os profanos não eram admitidos, que os Swedenborg, os Pasqualis, os Saint-Martin obtiveram resultados fulminantes; é aí onde essa grande Sofia, essa etérea inspiradora, veio ensinar aos primogênitos da Humanidade os dogmas emancipadores, onde 1789 hauriu seus princípios fecundos e generosos; é ai onde, muito antes dos vossos médiuns contemporâneos, precursores da vossa mediunidade, grandes desconhecidos, tinham evocado e feito aparecerem os sábios da antiguidade e dos primeiros séculos desta era; é aí… Mas eu me detenho. O quadro restrito de vossas sessões, o tempo que se escoa, não me permitem alongar-me, como gostaria, sobre esse assunto interessante. A ele voltaremos mais tarde. Tudo quanto direi é que o Espiritismo encontrará no seio das lojas maçônicas uma falange numerosa e compacta de crentes, não de crentes efêmeros, mas sérios, resolutos e inabaláveis em sua fé.

O Espiritismo realiza todas as aspirações generosas e beneficentes da franco-maçonaria; sanciona as crenças que esta professa, dando provas irrecusáveis da imortalidade da alma; conduz a Humanidade ao objetivo que ela se propõe: a união, a paz, a fraternidade universal, pela fé em Deus e no futuro. Os espíritas sinceros de todas as nações, de todos os cultos e de todas as camadas sociais não se olham como irmãos? Entre eles não há uma verdadeira franco-maçonaria, com a só diferença de que, em vez de secreta, é praticada aos olhos de todos? Homens esclarecidos, como os que possui, que põem suas luzes acima dos preconceitos de camarilhas e de castas, não pode ver com indiferença o movimento que esta nova doutrina, essencialmente emancipadora, produz no mundo. Repelir um elemento tão poderoso de progresso moral seria abjurar seus princípios e pôr-se ao nível de homens retrógrados. Não; tenho certeza de que não se deixarão desviar, pois vejo que, sob a nossa influência, vão chamar a si esta grave questão.

O Espiritismo é uma corrente irresistível de ideias, que deve ganhar todo o mundo: é apenas questão de tempo. Ora, seria desconhecer o caráter da instituição maçônica crer que esta possa se aniquilar e representar um papel negativo em meio ao movimento que impele a Humanidade para frente; crer, sobretudo, que ela apague o facho, como se temesse a luz.

Que fique bem claro que aqui falo da alta franco-maçonaria, e não dessas lojas feitas para a ilusão, onde mais se reúnem para comer e beber, ou para rir das perplexidades que inocentes experiências causam aos neófitos, do que para discutir questões de moral e de filosofia. Era mesmo necessário, para que a franco-maçonaria pudesse continuar sua vasta missão sem entraves, que houvesse, de espaço em espaço, de raio em raio, de meridiano em meridiano, templos fora do templo, lugares profanos fora dos lugares sagrados, falsos tabernáculos fora da arca. É nesses centros que, inutilmente, os adeptos do Espiritismo têm tentado se fazerem entendidos.

Em suma, a franco-maçonaria ensinou o dogma precursor do vosso e, em segredo, professou o que proclamais dos telhados. Como disse, voltarei a estas questões, caso o permitam os grandes Espíritos que presidem aos vossos trabalhos. Por ora, afirmo que a Doutrina Espírita pode perfeitamente unir-se à das grandes lojas do Oriente. Agora, glória ao Grande Arquiteto!


Um antigo franco-maçon, Vaucanson.






Abril

Nota. – Nesta sessão foram dirigidos agradecimentos ao Espírito Guttemberg, com o pedido de tomar parte em nossas conversas, quando julgasse conveniente.

Na mesma sessão, a presença de vários dignitários estrangeiros da Ordem Maçônica motivou a seguinte pergunta: Que concurso o Espiritismo pode encontrar na Franco-maçonaria?

Várias dissertações foram obtidas sobre o assunto.


I.


Senhor Presidente, agradeço o vosso amável convite. É a primeira vez que uma de minhas comunicações é lida na Sociedade Espírita de Paris e, espero, não será a última.

Talvez tenhais achado em minhas reflexões, um tanto longas sobre a imprensa, alguns pensamentos que não aprovais completamente. Mas, refletindo na dificuldade que sentimos ao nos pormos em relação com os médiuns e utilizar as suas faculdades, havereis de passar de leve sobre certas expressões ou modo de dizer, que nem sempre dominamos. Mais tarde a eletricidade fará a sua revolução mediúnica, e como tudo será mudado na maneira de reproduzir o pensamento do Espírito, não mais encontrareis essas lacunas por vezes lamentáveis, sobretudo quando as comunicações são lidas diante de estranhos.

Falastes da franco-maçonaria, e tendes razão de nela esperar encontrar bons elementos. O que se pede a todo maçom iniciado? Crer na imortalidade da alma, no Divino Arquiteto e em seres benfeitores, devotados, sociáveis, dignos e humildes. Ali se pratica a igualdade na mais larga escala. Há, pois, nessas sociedades uma afinidade com o Espiritismo de tal modo evidente que salta aos olhos.

A questão do Espiritismo foi posta na ordem do dia em várias lojas e eis o resultado: leram volumosos relatórios muito complicados a este respeito, mas não o estudaram a fundo, o que fez que nisto, como em muitas outras coisas, discutissem um tema que não conheciam, julgando por ouvir dizer, mais do que pela realidade. Entretanto, muitos maçons são espíritas e trabalham bastante na propagação dessa crença. Todos escutam, e se o hábito diz: Não, a razão diz: Sim.

Esperai, então, porque o tempo é um aliciador sem igual; por ele as impressões se modificam e, necessariamente, no vasto campo dos estudos, abertos nas lojas, o estudo espírita entrará como complemento; isto já está no ar. Riram, falaram; não riem mais, meditam.

Assim, tereis um seminário espírita nessas sociedades essencialmente liberais. Por elas entrareis plenamente neste segundo período, que deve preparar os caminhos prometidos. Os homens inteligentes da maçonaria vos bendirão por sua vez, pois a moral dos Espíritos dará um corpo a esta seita tão comprometida, tão temida, mas que tem feito mais bem do que se pensa.

Tudo tem um parto laborioso, uma afinidade misteriosa; e se isto existe para o que perturba as camadas sociais, é muito mais verdadeiro para o que conduz o progresso moral dos povos.


Guttemberg.

(Médium: Sr. Leymarie.)


II.


Meu caro irmão em doutrina (o Espírito se dirige a um dos franco-maçons espíritas presentes na sessão), venho com alegria responder ao benévolo apelo que fazeis aos Espíritos que amaram e fundaram as instituições franco-maçônicas. Para consolidar essa instituição generosa, duas vezes derramei o meu sangue; duas vezes as praças públicas desta cidade ficaram tintas do sangue do pobre Jacques Molé. Caros irmãos, seria preciso dá-lo uma terceira vez? Direi com satisfação: não. Já vos foi dito: Quanto mais sangue, mais despotismo, mais carrascos! Uma sociedade de irmãos, de amigos, de homens cheios de boa vontade, que só desejam uma coisa: conhecer a verdade para fazer o bem! Eu ainda não me havia comunicado nesta assembleia. Enquanto falastes de ciência espírita, de filosofia espírita, cedi o lugar aos Espíritos que são mais aptos a vos dar conselhos sobre esses vários pontos e esperava pacientemente, sabendo que chegaria a minha vez. Há tempo para tudo, como há um momento para cada um. Assim, creio que soou a hora e é o momento oportuno. Posso, pois, dar-vos a minha opinião no que respeita ao Espiritismo e à franco-maçonaria.

As instituições maçônicas foram para a sociedade um encaminhamento à felicidade. Numa época em que toda ideia liberal era considerada um crime, os homens precisavam de uma força que, embora inteiramente submissa às leis, não fosse menos emancipada por suas crenças, por suas instituições e pela unidade de seu ensino. Nessa época a religião ainda era, não uma mãe consoladora, mas uma força despótica que, pela voz de seus ministros, ordenava, feria, fazia tudo se curvar à sua vontade; era um assunto de pavor para quem quisesse, como livre-pensador, agir e dar aos homens sofredores alguma coragem e, no infortúnio, algum consolo moral. Unidos pelo coração, pela fortuna e pela caridade, nossos templos foram os únicos altares onde não se havia desconhecido o verdadeiro Deus, onde o homem ainda podia dizer-se homem, onde a criança podia esperar encontrar, mais tarde, um protetor, e o abandonado, amigos.

Vários séculos se passaram e cada um juntou algumas flores à coroa maçônica. Foram mártires, homens letrados, legisladores, que aumentaram a sua glória, tornando-se seus defensores e conservadores. No século dezenove vem o Espiritismo, com seu facho luminoso, dar a mão aos comendadores, aos rosa-cruzes, e com voz trovejante lhes grita: Vamos, meus irmãos; eu sou verdadeiramente a voz que se faz ouvir no Oriente e à qual o Ocidente responde, dizendo: Glória, honra, vitória aos filhos dos homens! Mais alguns dias e o Espiritismo terá transposto o muro que separa a maior parte do recinto do templo dos segredos; e, nesse dia, a sociedade verá florescer no seu seio a mais bela flor espírita que, deixando suas pétalas caírem, dará uma semente regeneradora da verdadeira liberdade. O Espiritismo fez progressos, mas no dia em que tiver dado a mão à franco-maçonaria, todas as dificuldades serão vencidas, todo obstáculo retirado, a verdade transparecerá e maior progresso moral será realizado; terá transposto os primeiros degraus do trono, onde logo deverá reinar.

A vós, saudação fraternal e amizade.

Jacques Molé.


III.


Fiquei satisfeitíssimo em me juntar às discussões deste centro tão profundamente espiritualista, e venho a ele atraído por Guttemberg, como outro dia o fora por Jacquard. [v. Jacquard e Vaucanson.]

A maior parte da dissertação do grande tipógrafo tratou da questão do ponto de vista do tear, e ele não viu nessa bela invenção senão o lado prático, material, utilitário. Ampliemos o debate e coloquemos a questão mais no alto.

Seria erro acreditar que a imprensa veio substituir a arquitetura, pois esta permanecerá para continuar seu papel historiógrafo, por meio de monumentos característicos, assinalados pelo espírito de cada século, de cada geração, de cada revolução humanitária. Não, dizemos bem alto, a imprensa nada veio derrubar; veio para completar, por sua obra especial, grande e emancipadora. Chegou na hora certa, como todas as descobertas que eclodem providencialmente aqui. Contemporâneo do monge que inventou a pólvora e que, por isso, revolucionou a velha arte das batalhas, Guttemberg trouxe uma nova alavanca à expansão das ideias. Não o esqueçamos: a imprensa não podia ter sua legítima razão de ser senão pela emancipação das massas e o desenvolvimento intelectual dos indivíduos. Sem essa necessidade a satisfazer, sem esse alimento, esse maná espiritual a distribuir, por muito tempo a imprensa ainda se teria debatido no vazio e não teria sido considerada senão um sonho de louco, ou uma utopia sem alcance. Não é assim que foram tratados os primeiros inventores, melhor dizendo, os primeiros que descobriram e constataram as propriedades do vapor? Fazei Guttemberg nascer nas ilhas Andaman e a imprensa aborta fatalmente. [Vide comunicação de Guttemberg: A imprensa.]

A ideia, portanto, é a alavanca primordial que deve ser considerada. Sem a ideia, sem o trabalho fecundo dos pensadores, dos filósofos, dos ideólogos e, mesmo, dos monges sonhadores da Idade Média a imprensa teria ficado letra morta. Guttemberg pode, pois, acender mais de uma vela em honra aos dialéticos da escola, que fizeram germinar a ideia e burilar as inteligências. A ideia febril, que reveste uma forma plástica no cérebro humano, é e será sempre o maior motor das descobertas e das invenções. Criar uma necessidade nova no meio das sociedades modernas é abrir um novo caminho à ideia perpetuamente inovadora; é impelir o homem inteligente à busca do que satisfaça essa nova necessidade da Humanidade. Eis por que, por toda parte onde a ideia for soberana, onde for acolhida com respeito, enfim, onde os pensadores forem honrados, o progresso para Deus está garantido.

A franco-maçonaria, contra a qual tanto gritaram, contra a qual a Igreja romana foi pródiga em anátemas, nem por isto, deixou de sobreviver, abrindo de par em par as portas de seus templos ao culto emancipador da ideia. Em seu seio todas as questões mais graves foram tratadas e, antes que o Espiritismo tivesse aparecido, os veneráveis e os grão-mestres sabiam e professavam que a alma é imortal e que os mundos visível e invisível se comunicam entre si. É aí, nesses santuários onde os profanos não eram admitidos, que os Swedenborg, os Pasqualis, os Saint-Martin obtiveram resultados fulminantes; é aí onde essa grande Sofia, essa etérea inspiradora, veio ensinar aos primogênitos da Humanidade os dogmas emancipadores, onde 1789 hauriu seus princípios fecundos e generosos; é ai onde, muito antes dos vossos médiuns contemporâneos, precursores da vossa mediunidade, grandes desconhecidos, tinham evocado e feito aparecerem os sábios da antiguidade e dos primeiros séculos desta era; é aí… Mas eu me detenho. O quadro restrito de vossas sessões, o tempo que se escoa, não me permitem alongar-me, como gostaria, sobre esse assunto interessante. A ele voltaremos mais tarde. Tudo quanto direi é que o Espiritismo encontrará no seio das lojas maçônicas uma falange numerosa e compacta de crentes, não de crentes efêmeros, mas sérios, resolutos e inabaláveis em sua fé.

O Espiritismo realiza todas as aspirações generosas e beneficentes da franco-maçonaria; sanciona as crenças que esta professa, dando provas irrecusáveis da imortalidade da alma; conduz a Humanidade ao objetivo que ela se propõe: a união, a paz, a fraternidade universal, pela fé em Deus e no futuro. Os espíritas sinceros de todas as nações, de todos os cultos e de todas as camadas sociais não se olham como irmãos? Entre eles não há uma verdadeira franco-maçonaria, com a só diferença de que, em vez de secreta, é praticada aos olhos de todos? Homens esclarecidos, como os que possui, que põem suas luzes acima dos preconceitos de camarilhas e de castas, não pode ver com indiferença o movimento que esta nova doutrina, essencialmente emancipadora, produz no mundo. Repelir um elemento tão poderoso de progresso moral seria abjurar seus princípios e pôr-se ao nível de homens retrógrados. Não; tenho certeza de que não se deixarão desviar, pois vejo que, sob a nossa influência, vão chamar a si esta grave questão.

O Espiritismo é uma corrente irresistível de ideias, que deve ganhar todo o mundo: é apenas questão de tempo. Ora, seria desconhecer o caráter da instituição maçônica crer que esta possa se aniquilar e representar um papel negativo em meio ao movimento que impele a Humanidade para frente; crer, sobretudo, que ela apague o facho, como se temesse a luz.

Que fique bem claro que aqui falo da alta franco-maçonaria, e não dessas lojas feitas para a ilusão, onde mais se reúnem para comer e beber, ou para rir das perplexidades que inocentes experiências causam aos neófitos, do que para discutir questões de moral e de filosofia. Era mesmo necessário, para que a franco-maçonaria pudesse continuar sua vasta missão sem entraves, que houvesse, de espaço em espaço, de raio em raio, de meridiano em meridiano, templos fora do templo, lugares profanos fora dos lugares sagrados, falsos tabernáculos fora da arca. É nesses centros que, inutilmente, os adeptos do Espiritismo têm tentado se fazerem entendidos.

Em suma, a franco-maçonaria ensinou o dogma precursor do vosso e, em segredo, professou o que proclamais dos telhados. Como disse, voltarei a estas questões, caso o permitam os grandes Espíritos que presidem aos vossos trabalhos. Por ora, afirmo que a Doutrina Espírita pode perfeitamente unir-se à das grandes lojas do Oriente. Agora, glória ao Grande Arquiteto!


Um antigo franco-maçon, Vaucanson.






Abril

Nota. – Nesta sessão foram dirigidos agradecimentos ao Espírito Guttemberg, com o pedido de tomar parte em nossas conversas, quando julgasse conveniente.

Na mesma sessão, a presença de vários dignitários estrangeiros da Ordem Maçônica motivou a seguinte pergunta: Que concurso o Espiritismo pode encontrar na Franco-maçonaria?

Várias dissertações foram obtidas sobre o assunto.


I.


Senhor Presidente, agradeço o vosso amável convite. É a primeira vez que uma de minhas comunicações é lida na Sociedade Espírita de Paris e, espero, não será a última.

Talvez tenhais achado em minhas reflexões, um tanto longas sobre a imprensa, alguns pensamentos que não aprovais completamente. Mas, refletindo na dificuldade que sentimos ao nos pormos em relação com os médiuns e utilizar as suas faculdades, havereis de passar de leve sobre certas expressões ou modo de dizer, que nem sempre dominamos. Mais tarde a eletricidade fará a sua revolução mediúnica, e como tudo será mudado na maneira de reproduzir o pensamento do Espírito, não mais encontrareis essas lacunas por vezes lamentáveis, sobretudo quando as comunicações são lidas diante de estranhos.

Falastes da franco-maçonaria, e tendes razão de nela esperar encontrar bons elementos. O que se pede a todo maçom iniciado? Crer na imortalidade da alma, no Divino Arquiteto e em seres benfeitores, devotados, sociáveis, dignos e humildes. Ali se pratica a igualdade na mais larga escala. Há, pois, nessas sociedades uma afinidade com o Espiritismo de tal modo evidente que salta aos olhos.

A questão do Espiritismo foi posta na ordem do dia em várias lojas e eis o resultado: leram volumosos relatórios muito complicados a este respeito, mas não o estudaram a fundo, o que fez que nisto, como em muitas outras coisas, discutissem um tema que não conheciam, julgando por ouvir dizer, mais do que pela realidade. Entretanto, muitos maçons são espíritas e trabalham bastante na propagação dessa crença. Todos escutam, e se o hábito diz: Não, a razão diz: Sim.

Esperai, então, porque o tempo é um aliciador sem igual; por ele as impressões se modificam e, necessariamente, no vasto campo dos estudos, abertos nas lojas, o estudo espírita entrará como complemento; isto já está no ar. Riram, falaram; não riem mais, meditam.

Assim, tereis um seminário espírita nessas sociedades essencialmente liberais. Por elas entrareis plenamente neste segundo período, que deve preparar os caminhos prometidos. Os homens inteligentes da maçonaria vos bendirão por sua vez, pois a moral dos Espíritos dará um corpo a esta seita tão comprometida, tão temida, mas que tem feito mais bem do que se pensa.

Tudo tem um parto laborioso, uma afinidade misteriosa; e se isto existe para o que perturba as camadas sociais, é muito mais verdadeiro para o que conduz o progresso moral dos povos.


Guttemberg.

(Médium: Sr. Leymarie.)


II.


Meu caro irmão em doutrina (o Espírito se dirige a um dos franco-maçons espíritas presentes na sessão), venho com alegria responder ao benévolo apelo que fazeis aos Espíritos que amaram e fundaram as instituições franco-maçônicas. Para consolidar essa instituição generosa, duas vezes derramei o meu sangue; duas vezes as praças públicas desta cidade ficaram tintas do sangue do pobre Jacques Molé. Caros irmãos, seria preciso dá-lo uma terceira vez? Direi com satisfação: não. Já vos foi dito: Quanto mais sangue, mais despotismo, mais carrascos! Uma sociedade de irmãos, de amigos, de homens cheios de boa vontade, que só desejam uma coisa: conhecer a verdade para fazer o bem! Eu ainda não me havia comunicado nesta assembleia. Enquanto falastes de ciência espírita, de filosofia espírita, cedi o lugar aos Espíritos que são mais aptos a vos dar conselhos sobre esses vários pontos e esperava pacientemente, sabendo que chegaria a minha vez. Há tempo para tudo, como há um momento para cada um. Assim, creio que soou a hora e é o momento oportuno. Posso, pois, dar-vos a minha opinião no que respeita ao Espiritismo e à franco-maçonaria.

As instituições maçônicas foram para a sociedade um encaminhamento à felicidade. Numa época em que toda ideia liberal era considerada um crime, os homens precisavam de uma força que, embora inteiramente submissa às leis, não fosse menos emancipada por suas crenças, por suas instituições e pela unidade de seu ensino. Nessa época a religião ainda era, não uma mãe consoladora, mas uma força despótica que, pela voz de seus ministros, ordenava, feria, fazia tudo se curvar à sua vontade; era um assunto de pavor para quem quisesse, como livre-pensador, agir e dar aos homens sofredores alguma coragem e, no infortúnio, algum consolo moral. Unidos pelo coração, pela fortuna e pela caridade, nossos templos foram os únicos altares onde não se havia desconhecido o verdadeiro Deus, onde o homem ainda podia dizer-se homem, onde a criança podia esperar encontrar, mais tarde, um protetor, e o abandonado, amigos.

Vários séculos se passaram e cada um juntou algumas flores à coroa maçônica. Foram mártires, homens letrados, legisladores, que aumentaram a sua glória, tornando-se seus defensores e conservadores. No século dezenove vem o Espiritismo, com seu facho luminoso, dar a mão aos comendadores, aos rosa-cruzes, e com voz trovejante lhes grita: Vamos, meus irmãos; eu sou verdadeiramente a voz que se faz ouvir no Oriente e à qual o Ocidente responde, dizendo: Glória, honra, vitória aos filhos dos homens! Mais alguns dias e o Espiritismo terá transposto o muro que separa a maior parte do recinto do templo dos segredos; e, nesse dia, a sociedade verá florescer no seu seio a mais bela flor espírita que, deixando suas pétalas caírem, dará uma semente regeneradora da verdadeira liberdade. O Espiritismo fez progressos, mas no dia em que tiver dado a mão à franco-maçonaria, todas as dificuldades serão vencidas, todo obstáculo retirado, a verdade transparecerá e maior progresso moral será realizado; terá transposto os primeiros degraus do trono, onde logo deverá reinar.

A vós, saudação fraternal e amizade.

Jacques Molé.


III.


Fiquei satisfeitíssimo em me juntar às discussões deste centro tão profundamente espiritualista, e venho a ele atraído por Guttemberg, como outro dia o fora por Jacquard. [v. Jacquard e Vaucanson.]

A maior parte da dissertação do grande tipógrafo tratou da questão do ponto de vista do tear, e ele não viu nessa bela invenção senão o lado prático, material, utilitário. Ampliemos o debate e coloquemos a questão mais no alto.

Seria erro acreditar que a imprensa veio substituir a arquitetura, pois esta permanecerá para continuar seu papel historiógrafo, por meio de monumentos característicos, assinalados pelo espírito de cada século, de cada geração, de cada revolução humanitária. Não, dizemos bem alto, a imprensa nada veio derrubar; veio para completar, por sua obra especial, grande e emancipadora. Chegou na hora certa, como todas as descobertas que eclodem providencialmente aqui. Contemporâneo do monge que inventou a pólvora e que, por isso, revolucionou a velha arte das batalhas, Guttemberg trouxe uma nova alavanca à expansão das ideias. Não o esqueçamos: a imprensa não podia ter sua legítima razão de ser senão pela emancipação das massas e o desenvolvimento intelectual dos indivíduos. Sem essa necessidade a satisfazer, sem esse alimento, esse maná espiritual a distribuir, por muito tempo a imprensa ainda se teria debatido no vazio e não teria sido considerada senão um sonho de louco, ou uma utopia sem alcance. Não é assim que foram tratados os primeiros inventores, melhor dizendo, os primeiros que descobriram e constataram as propriedades do vapor? Fazei Guttemberg nascer nas ilhas Andaman e a imprensa aborta fatalmente. [Vide comunicação de Guttemberg: A imprensa.]

A ideia, portanto, é a alavanca primordial que deve ser considerada. Sem a ideia, sem o trabalho fecundo dos pensadores, dos filósofos, dos ideólogos e, mesmo, dos monges sonhadores da Idade Média a imprensa teria ficado letra morta. Guttemberg pode, pois, acender mais de uma vela em honra aos dialéticos da escola, que fizeram germinar a ideia e burilar as inteligências. A ideia febril, que reveste uma forma plástica no cérebro humano, é e será sempre o maior motor das descobertas e das invenções. Criar uma necessidade nova no meio das sociedades modernas é abrir um novo caminho à ideia perpetuamente inovadora; é impelir o homem inteligente à busca do que satisfaça essa nova necessidade da Humanidade. Eis por que, por toda parte onde a ideia for soberana, onde for acolhida com respeito, enfim, onde os pensadores forem honrados, o progresso para Deus está garantido.

A franco-maçonaria, contra a qual tanto gritaram, contra a qual a Igreja romana foi pródiga em anátemas, nem por isto, deixou de sobreviver, abrindo de par em par as portas de seus templos ao culto emancipador da ideia. Em seu seio todas as questões mais graves foram tratadas e, antes que o Espiritismo tivesse aparecido, os veneráveis e os grão-mestres sabiam e professavam que a alma é imortal e que os mundos visível e invisível se comunicam entre si. É aí, nesses santuários onde os profanos não eram admitidos, que os Swedenborg, os Pasqualis, os Saint-Martin obtiveram resultados fulminantes; é aí onde essa grande Sofia, essa etérea inspiradora, veio ensinar aos primogênitos da Humanidade os dogmas emancipadores, onde 1789 hauriu seus princípios fecundos e generosos; é ai onde, muito antes dos vossos médiuns contemporâneos, precursores da vossa mediunidade, grandes desconhecidos, tinham evocado e feito aparecerem os sábios da antiguidade e dos primeiros séculos desta era; é aí… Mas eu me detenho. O quadro restrito de vossas sessões, o tempo que se escoa, não me permitem alongar-me, como gostaria, sobre esse assunto interessante. A ele voltaremos mais tarde. Tudo quanto direi é que o Espiritismo encontrará no seio das lojas maçônicas uma falange numerosa e compacta de crentes, não de crentes efêmeros, mas sérios, resolutos e inabaláveis em sua fé.

O Espiritismo realiza todas as aspirações generosas e beneficentes da franco-maçonaria; sanciona as crenças que esta professa, dando provas irrecusáveis da imortalidade da alma; conduz a Humanidade ao objetivo que ela se propõe: a união, a paz, a fraternidade universal, pela fé em Deus e no futuro. Os espíritas sinceros de todas as nações, de todos os cultos e de todas as camadas sociais não se olham como irmãos? Entre eles não há uma verdadeira franco-maçonaria, com a só diferença de que, em vez de secreta, é praticada aos olhos de todos? Homens esclarecidos, como os que possui, que põem suas luzes acima dos preconceitos de camarilhas e de castas, não pode ver com indiferença o movimento que esta nova doutrina, essencialmente emancipadora, produz no mundo. Repelir um elemento tão poderoso de progresso moral seria abjurar seus princípios e pôr-se ao nível de homens retrógrados. Não; tenho certeza de que não se deixarão desviar, pois vejo que, sob a nossa influência, vão chamar a si esta grave questão.

O Espiritismo é uma corrente irresistível de ideias, que deve ganhar todo o mundo: é apenas questão de tempo. Ora, seria desconhecer o caráter da instituição maçônica crer que esta possa se aniquilar e representar um papel negativo em meio ao movimento que impele a Humanidade para frente; crer, sobretudo, que ela apague o facho, como se temesse a luz.

Que fique bem claro que aqui falo da alta franco-maçonaria, e não dessas lojas feitas para a ilusão, onde mais se reúnem para comer e beber, ou para rir das perplexidades que inocentes experiências causam aos neófitos, do que para discutir questões de moral e de filosofia. Era mesmo necessário, para que a franco-maçonaria pudesse continuar sua vasta missão sem entraves, que houvesse, de espaço em espaço, de raio em raio, de meridiano em meridiano, templos fora do templo, lugares profanos fora dos lugares sagrados, falsos tabernáculos fora da arca. É nesses centros que, inutilmente, os adeptos do Espiritismo têm tentado se fazerem entendidos.

Em suma, a franco-maçonaria ensinou o dogma precursor do vosso e, em segredo, professou o que proclamais dos telhados. Como disse, voltarei a estas questões, caso o permitam os grandes Espíritos que presidem aos vossos trabalhos. Por ora, afirmo que a Doutrina Espírita pode perfeitamente unir-se à das grandes lojas do Oriente. Agora, glória ao Grande Arquiteto!


Um antigo franco-maçon, Vaucanson.






Abril

Nota. – Nesta sessão foram dirigidos agradecimentos ao Espírito Guttemberg, com o pedido de tomar parte em nossas conversas, quando julgasse conveniente.

Na mesma sessão, a presença de vários dignitários estrangeiros da Ordem Maçônica motivou a seguinte pergunta: Que concurso o Espiritismo pode encontrar na Franco-maçonaria?

Várias dissertações foram obtidas sobre o assunto.


I.


Senhor Presidente, agradeço o vosso amável convite. É a primeira vez que uma de minhas comunicações é lida na Sociedade Espírita de Paris e, espero, não será a última.

Talvez tenhais achado em minhas reflexões, um tanto longas sobre a imprensa, alguns pensamentos que não aprovais completamente. Mas, refletindo na dificuldade que sentimos ao nos pormos em relação com os médiuns e utilizar as suas faculdades, havereis de passar de leve sobre certas expressões ou modo de dizer, que nem sempre dominamos. Mais tarde a eletricidade fará a sua revolução mediúnica, e como tudo será mudado na maneira de reproduzir o pensamento do Espírito, não mais encontrareis essas lacunas por vezes lamentáveis, sobretudo quando as comunicações são lidas diante de estranhos.

Falastes da franco-maçonaria, e tendes razão de nela esperar encontrar bons elementos. O que se pede a todo maçom iniciado? Crer na imortalidade da alma, no Divino Arquiteto e em seres benfeitores, devotados, sociáveis, dignos e humildes. Ali se pratica a igualdade na mais larga escala. Há, pois, nessas sociedades uma afinidade com o Espiritismo de tal modo evidente que salta aos olhos.

A questão do Espiritismo foi posta na ordem do dia em várias lojas e eis o resultado: leram volumosos relatórios muito complicados a este respeito, mas não o estudaram a fundo, o que fez que nisto, como em muitas outras coisas, discutissem um tema que não conheciam, julgando por ouvir dizer, mais do que pela realidade. Entretanto, muitos maçons são espíritas e trabalham bastante na propagação dessa crença. Todos escutam, e se o hábito diz: Não, a razão diz: Sim.

Esperai, então, porque o tempo é um aliciador sem igual; por ele as impressões se modificam e, necessariamente, no vasto campo dos estudos, abertos nas lojas, o estudo espírita entrará como complemento; isto já está no ar. Riram, falaram; não riem mais, meditam.

Assim, tereis um seminário espírita nessas sociedades essencialmente liberais. Por elas entrareis plenamente neste segundo período, que deve preparar os caminhos prometidos. Os homens inteligentes da maçonaria vos bendirão por sua vez, pois a moral dos Espíritos dará um corpo a esta seita tão comprometida, tão temida, mas que tem feito mais bem do que se pensa.

Tudo tem um parto laborioso, uma afinidade misteriosa; e se isto existe para o que perturba as camadas sociais, é muito mais verdadeiro para o que conduz o progresso moral dos povos.


Guttemberg.

(Médium: Sr. Leymarie.)


II.


Meu caro irmão em doutrina (o Espírito se dirige a um dos franco-maçons espíritas presentes na sessão), venho com alegria responder ao benévolo apelo que fazeis aos Espíritos que amaram e fundaram as instituições franco-maçônicas. Para consolidar essa instituição generosa, duas vezes derramei o meu sangue; duas vezes as praças públicas desta cidade ficaram tintas do sangue do pobre Jacques Molé. Caros irmãos, seria preciso dá-lo uma terceira vez? Direi com satisfação: não. Já vos foi dito: Quanto mais sangue, mais despotismo, mais carrascos! Uma sociedade de irmãos, de amigos, de homens cheios de boa vontade, que só desejam uma coisa: conhecer a verdade para fazer o bem! Eu ainda não me havia comunicado nesta assembleia. Enquanto falastes de ciência espírita, de filosofia espírita, cedi o lugar aos Espíritos que são mais aptos a vos dar conselhos sobre esses vários pontos e esperava pacientemente, sabendo que chegaria a minha vez. Há tempo para tudo, como há um momento para cada um. Assim, creio que soou a hora e é o momento oportuno. Posso, pois, dar-vos a minha opinião no que respeita ao Espiritismo e à franco-maçonaria.

As instituições maçônicas foram para a sociedade um encaminhamento à felicidade. Numa época em que toda ideia liberal era considerada um crime, os homens precisavam de uma força que, embora inteiramente submissa às leis, não fosse menos emancipada por suas crenças, por suas instituições e pela unidade de seu ensino. Nessa época a religião ainda era, não uma mãe consoladora, mas uma força despótica que, pela voz de seus ministros, ordenava, feria, fazia tudo se curvar à sua vontade; era um assunto de pavor para quem quisesse, como livre-pensador, agir e dar aos homens sofredores alguma coragem e, no infortúnio, algum consolo moral. Unidos pelo coração, pela fortuna e pela caridade, nossos templos foram os únicos altares onde não se havia desconhecido o verdadeiro Deus, onde o homem ainda podia dizer-se homem, onde a criança podia esperar encontrar, mais tarde, um protetor, e o abandonado, amigos.

Vários séculos se passaram e cada um juntou algumas flores à coroa maçônica. Foram mártires, homens letrados, legisladores, que aumentaram a sua glória, tornando-se seus defensores e conservadores. No século dezenove vem o Espiritismo, com seu facho luminoso, dar a mão aos comendadores, aos rosa-cruzes, e com voz trovejante lhes grita: Vamos, meus irmãos; eu sou verdadeiramente a voz que se faz ouvir no Oriente e à qual o Ocidente responde, dizendo: Glória, honra, vitória aos filhos dos homens! Mais alguns dias e o Espiritismo terá transposto o muro que separa a maior parte do recinto do templo dos segredos; e, nesse dia, a sociedade verá florescer no seu seio a mais bela flor espírita que, deixando suas pétalas caírem, dará uma semente regeneradora da verdadeira liberdade. O Espiritismo fez progressos, mas no dia em que tiver dado a mão à franco-maçonaria, todas as dificuldades serão vencidas, todo obstáculo retirado, a verdade transparecerá e maior progresso moral será realizado; terá transposto os primeiros degraus do trono, onde logo deverá reinar.

A vós, saudação fraternal e amizade.

Jacques Molé.


III.


Fiquei satisfeitíssimo em me juntar às discussões deste centro tão profundamente espiritualista, e venho a ele atraído por Guttemberg, como outro dia o fora por Jacquard. [v. Jacquard e Vaucanson.]

A maior parte da dissertação do grande tipógrafo tratou da questão do ponto de vista do tear, e ele não viu nessa bela invenção senão o lado prático, material, utilitário. Ampliemos o debate e coloquemos a questão mais no alto.

Seria erro acreditar que a imprensa veio substituir a arquitetura, pois esta permanecerá para continuar seu papel historiógrafo, por meio de monumentos característicos, assinalados pelo espírito de cada século, de cada geração, de cada revolução humanitária. Não, dizemos bem alto, a imprensa nada veio derrubar; veio para completar, por sua obra especial, grande e emancipadora. Chegou na hora certa, como todas as descobertas que eclodem providencialmente aqui. Contemporâneo do monge que inventou a pólvora e que, por isso, revolucionou a velha arte das batalhas, Guttemberg trouxe uma nova alavanca à expansão das ideias. Não o esqueçamos: a imprensa não podia ter sua legítima razão de ser senão pela emancipação das massas e o desenvolvimento intelectual dos indivíduos. Sem essa necessidade a satisfazer, sem esse alimento, esse maná espiritual a distribuir, por muito tempo a imprensa ainda se teria debatido no vazio e não teria sido considerada senão um sonho de louco, ou uma utopia sem alcance. Não é assim que foram tratados os primeiros inventores, melhor dizendo, os primeiros que descobriram e constataram as propriedades do vapor? Fazei Guttemberg nascer nas ilhas Andaman e a imprensa aborta fatalmente. [Vide comunicação de Guttemberg: A imprensa.]

A ideia, portanto, é a alavanca primordial que deve ser considerada. Sem a ideia, sem o trabalho fecundo dos pensadores, dos filósofos, dos ideólogos e, mesmo, dos monges sonhadores da Idade Média a imprensa teria ficado letra morta. Guttemberg pode, pois, acender mais de uma vela em honra aos dialéticos da escola, que fizeram germinar a ideia e burilar as inteligências. A ideia febril, que reveste uma forma plástica no cérebro humano, é e será sempre o maior motor das descobertas e das invenções. Criar uma necessidade nova no meio das sociedades modernas é abrir um novo caminho à ideia perpetuamente inovadora; é impelir o homem inteligente à busca do que satisfaça essa nova necessidade da Humanidade. Eis por que, por toda parte onde a ideia for soberana, onde for acolhida com respeito, enfim, onde os pensadores forem honrados, o progresso para Deus está garantido.

A franco-maçonaria, contra a qual tanto gritaram, contra a qual a Igreja romana foi pródiga em anátemas, nem por isto, deixou de sobreviver, abrindo de par em par as portas de seus templos ao culto emancipador da ideia. Em seu seio todas as questões mais graves foram tratadas e, antes que o Espiritismo tivesse aparecido, os veneráveis e os grão-mestres sabiam e professavam que a alma é imortal e que os mundos visível e invisível se comunicam entre si. É aí, nesses santuários onde os profanos não eram admitidos, que os Swedenborg, os Pasqualis, os Saint-Martin obtiveram resultados fulminantes; é aí onde essa grande Sofia, essa etérea inspiradora, veio ensinar aos primogênitos da Humanidade os dogmas emancipadores, onde 1789 hauriu seus princípios fecundos e generosos; é ai onde, muito antes dos vossos médiuns contemporâneos, precursores da vossa mediunidade, grandes desconhecidos, tinham evocado e feito aparecerem os sábios da antiguidade e dos primeiros séculos desta era; é aí… Mas eu me detenho. O quadro restrito de vossas sessões, o tempo que se escoa, não me permitem alongar-me, como gostaria, sobre esse assunto interessante. A ele voltaremos mais tarde. Tudo quanto direi é que o Espiritismo encontrará no seio das lojas maçônicas uma falange numerosa e compacta de crentes, não de crentes efêmeros, mas sérios, resolutos e inabaláveis em sua fé.

O Espiritismo realiza todas as aspirações generosas e beneficentes da franco-maçonaria; sanciona as crenças que esta professa, dando provas irrecusáveis da imortalidade da alma; conduz a Humanidade ao objetivo que ela se propõe: a união, a paz, a fraternidade universal, pela fé em Deus e no futuro. Os espíritas sinceros de todas as nações, de todos os cultos e de todas as camadas sociais não se olham como irmãos? Entre eles não há uma verdadeira franco-maçonaria, com a só diferença de que, em vez de secreta, é praticada aos olhos de todos? Homens esclarecidos, como os que possui, que põem suas luzes acima dos preconceitos de camarilhas e de castas, não pode ver com indiferença o movimento que esta nova doutrina, essencialmente emancipadora, produz no mundo. Repelir um elemento tão poderoso de progresso moral seria abjurar seus princípios e pôr-se ao nível de homens retrógrados. Não; tenho certeza de que não se deixarão desviar, pois vejo que, sob a nossa influência, vão chamar a si esta grave questão.

O Espiritismo é uma corrente irresistível de ideias, que deve ganhar todo o mundo: é apenas questão de tempo. Ora, seria desconhecer o caráter da instituição maçônica crer que esta possa se aniquilar e representar um papel negativo em meio ao movimento que impele a Humanidade para frente; crer, sobretudo, que ela apague o facho, como se temesse a luz.

Que fique bem claro que aqui falo da alta franco-maçonaria, e não dessas lojas feitas para a ilusão, onde mais se reúnem para comer e beber, ou para rir das perplexidades que inocentes experiências causam aos neófitos, do que para discutir questões de moral e de filosofia. Era mesmo necessário, para que a franco-maçonaria pudesse continuar sua vasta missão sem entraves, que houvesse, de espaço em espaço, de raio em raio, de meridiano em meridiano, templos fora do templo, lugares profanos fora dos lugares sagrados, falsos tabernáculos fora da arca. É nesses centros que, inutilmente, os adeptos do Espiritismo têm tentado se fazerem entendidos.

Em suma, a franco-maçonaria ensinou o dogma precursor do vosso e, em segredo, professou o que proclamais dos telhados. Como disse, voltarei a estas questões, caso o permitam os grandes Espíritos que presidem aos vossos trabalhos. Por ora, afirmo que a Doutrina Espírita pode perfeitamente unir-se à das grandes lojas do Oriente. Agora, glória ao Grande Arquiteto!


Um antigo franco-maçon, Vaucanson.






Abril

Nota. – Nesta sessão foram dirigidos agradecimentos ao Espírito Guttemberg, com o pedido de tomar parte em nossas conversas, quando julgasse conveniente.

Na mesma sessão, a presença de vários dignitários estrangeiros da Ordem Maçônica motivou a seguinte pergunta: Que concurso o Espiritismo pode encontrar na Franco-maçonaria?

Várias dissertações foram obtidas sobre o assunto.


I.


Senhor Presidente, agradeço o vosso amável convite. É a primeira vez que uma de minhas comunicações é lida na Sociedade Espírita de Paris e, espero, não será a última.

Talvez tenhais achado em minhas reflexões, um tanto longas sobre a imprensa, alguns pensamentos que não aprovais completamente. Mas, refletindo na dificuldade que sentimos ao nos pormos em relação com os médiuns e utilizar as suas faculdades, havereis de passar de leve sobre certas expressões ou modo de dizer, que nem sempre dominamos. Mais tarde a eletricidade fará a sua revolução mediúnica, e como tudo será mudado na maneira de reproduzir o pensamento do Espírito, não mais encontrareis essas lacunas por vezes lamentáveis, sobretudo quando as comunicações são lidas diante de estranhos.

Falastes da franco-maçonaria, e tendes razão de nela esperar encontrar bons elementos. O que se pede a todo maçom iniciado? Crer na imortalidade da alma, no Divino Arquiteto e em seres benfeitores, devotados, sociáveis, dignos e humildes. Ali se pratica a igualdade na mais larga escala. Há, pois, nessas sociedades uma afinidade com o Espiritismo de tal modo evidente que salta aos olhos.

A questão do Espiritismo foi posta na ordem do dia em várias lojas e eis o resultado: leram volumosos relatórios muito complicados a este respeito, mas não o estudaram a fundo, o que fez que nisto, como em muitas outras coisas, discutissem um tema que não conheciam, julgando por ouvir dizer, mais do que pela realidade. Entretanto, muitos maçons são espíritas e trabalham bastante na propagação dessa crença. Todos escutam, e se o hábito diz: Não, a razão diz: Sim.

Esperai, então, porque o tempo é um aliciador sem igual; por ele as impressões se modificam e, necessariamente, no vasto campo dos estudos, abertos nas lojas, o estudo espírita entrará como complemento; isto já está no ar. Riram, falaram; não riem mais, meditam.

Assim, tereis um seminário espírita nessas sociedades essencialmente liberais. Por elas entrareis plenamente neste segundo período, que deve preparar os caminhos prometidos. Os homens inteligentes da maçonaria vos bendirão por sua vez, pois a moral dos Espíritos dará um corpo a esta seita tão comprometida, tão temida, mas que tem feito mais bem do que se pensa.

Tudo tem um parto laborioso, uma afinidade misteriosa; e se isto existe para o que perturba as camadas sociais, é muito mais verdadeiro para o que conduz o progresso moral dos povos.


Guttemberg.

(Médium: Sr. Leymarie.)


II.


Meu caro irmão em doutrina (o Espírito se dirige a um dos franco-maçons espíritas presentes na sessão), venho com alegria responder ao benévolo apelo que fazeis aos Espíritos que amaram e fundaram as instituições franco-maçônicas. Para consolidar essa instituição generosa, duas vezes derramei o meu sangue; duas vezes as praças públicas desta cidade ficaram tintas do sangue do pobre Jacques Molé. Caros irmãos, seria preciso dá-lo uma terceira vez? Direi com satisfação: não. Já vos foi dito: Quanto mais sangue, mais despotismo, mais carrascos! Uma sociedade de irmãos, de amigos, de homens cheios de boa vontade, que só desejam uma coisa: conhecer a verdade para fazer o bem! Eu ainda não me havia comunicado nesta assembleia. Enquanto falastes de ciência espírita, de filosofia espírita, cedi o lugar aos Espíritos que são mais aptos a vos dar conselhos sobre esses vários pontos e esperava pacientemente, sabendo que chegaria a minha vez. Há tempo para tudo, como há um momento para cada um. Assim, creio que soou a hora e é o momento oportuno. Posso, pois, dar-vos a minha opinião no que respeita ao Espiritismo e à franco-maçonaria.

As instituições maçônicas foram para a sociedade um encaminhamento à felicidade. Numa época em que toda ideia liberal era considerada um crime, os homens precisavam de uma força que, embora inteiramente submissa às leis, não fosse menos emancipada por suas crenças, por suas instituições e pela unidade de seu ensino. Nessa época a religião ainda era, não uma mãe consoladora, mas uma força despótica que, pela voz de seus ministros, ordenava, feria, fazia tudo se curvar à sua vontade; era um assunto de pavor para quem quisesse, como livre-pensador, agir e dar aos homens sofredores alguma coragem e, no infortúnio, algum consolo moral. Unidos pelo coração, pela fortuna e pela caridade, nossos templos foram os únicos altares onde não se havia desconhecido o verdadeiro Deus, onde o homem ainda podia dizer-se homem, onde a criança podia esperar encontrar, mais tarde, um protetor, e o abandonado, amigos.

Vários séculos se passaram e cada um juntou algumas flores à coroa maçônica. Foram mártires, homens letrados, legisladores, que aumentaram a sua glória, tornando-se seus defensores e conservadores. No século dezenove vem o Espiritismo, com seu facho luminoso, dar a mão aos comendadores, aos rosa-cruzes, e com voz trovejante lhes grita: Vamos, meus irmãos; eu sou verdadeiramente a voz que se faz ouvir no Oriente e à qual o Ocidente responde, dizendo: Glória, honra, vitória aos filhos dos homens! Mais alguns dias e o Espiritismo terá transposto o muro que separa a maior parte do recinto do templo dos segredos; e, nesse dia, a sociedade verá florescer no seu seio a mais bela flor espírita que, deixando suas pétalas caírem, dará uma semente regeneradora da verdadeira liberdade. O Espiritismo fez progressos, mas no dia em que tiver dado a mão à franco-maçonaria, todas as dificuldades serão vencidas, todo obstáculo retirado, a verdade transparecerá e maior progresso moral será realizado; terá transposto os primeiros degraus do trono, onde logo deverá reinar.

A vós, saudação fraternal e amizade.

Jacques Molé.


III.


Fiquei satisfeitíssimo em me juntar às discussões deste centro tão profundamente espiritualista, e venho a ele atraído por Guttemberg, como outro dia o fora por Jacquard. [v. Jacquard e Vaucanson.]

A maior parte da dissertação do grande tipógrafo tratou da questão do ponto de vista do tear, e ele não viu nessa bela invenção senão o lado prático, material, utilitário. Ampliemos o debate e coloquemos a questão mais no alto.

Seria erro acreditar que a imprensa veio substituir a arquitetura, pois esta permanecerá para continuar seu papel historiógrafo, por meio de monumentos característicos, assinalados pelo espírito de cada século, de cada geração, de cada revolução humanitária. Não, dizemos bem alto, a imprensa nada veio derrubar; veio para completar, por sua obra especial, grande e emancipadora. Chegou na hora certa, como todas as descobertas que eclodem providencialmente aqui. Contemporâneo do monge que inventou a pólvora e que, por isso, revolucionou a velha arte das batalhas, Guttemberg trouxe uma nova alavanca à expansão das ideias. Não o esqueçamos: a imprensa não podia ter sua legítima razão de ser senão pela emancipação das massas e o desenvolvimento intelectual dos indivíduos. Sem essa necessidade a satisfazer, sem esse alimento, esse maná espiritual a distribuir, por muito tempo a imprensa ainda se teria debatido no vazio e não teria sido considerada senão um sonho de louco, ou uma utopia sem alcance. Não é assim que foram tratados os primeiros inventores, melhor dizendo, os primeiros que descobriram e constataram as propriedades do vapor? Fazei Guttemberg nascer nas ilhas Andaman e a imprensa aborta fatalmente. [Vide comunicação de Guttemberg: A imprensa.]

A ideia, portanto, é a alavanca primordial que deve ser considerada. Sem a ideia, sem o trabalho fecundo dos pensadores, dos filósofos, dos ideólogos e, mesmo, dos monges sonhadores da Idade Média a imprensa teria ficado letra morta. Guttemberg pode, pois, acender mais de uma vela em honra aos dialéticos da escola, que fizeram germinar a ideia e burilar as inteligências. A ideia febril, que reveste uma forma plástica no cérebro humano, é e será sempre o maior motor das descobertas e das invenções. Criar uma necessidade nova no meio das sociedades modernas é abrir um novo caminho à ideia perpetuamente inovadora; é impelir o homem inteligente à busca do que satisfaça essa nova necessidade da Humanidade. Eis por que, por toda parte onde a ideia for soberana, onde for acolhida com respeito, enfim, onde os pensadores forem honrados, o progresso para Deus está garantido.

A franco-maçonaria, contra a qual tanto gritaram, contra a qual a Igreja romana foi pródiga em anátemas, nem por isto, deixou de sobreviver, abrindo de par em par as portas de seus templos ao culto emancipador da ideia. Em seu seio todas as questões mais graves foram tratadas e, antes que o Espiritismo tivesse aparecido, os veneráveis e os grão-mestres sabiam e professavam que a alma é imortal e que os mundos visível e invisível se comunicam entre si. É aí, nesses santuários onde os profanos não eram admitidos, que os Swedenborg, os Pasqualis, os Saint-Martin obtiveram resultados fulminantes; é aí onde essa grande Sofia, essa etérea inspiradora, veio ensinar aos primogênitos da Humanidade os dogmas emancipadores, onde 1789 hauriu seus princípios fecundos e generosos; é ai onde, muito antes dos vossos médiuns contemporâneos, precursores da vossa mediunidade, grandes desconhecidos, tinham evocado e feito aparecerem os sábios da antiguidade e dos primeiros séculos desta era; é aí… Mas eu me detenho. O quadro restrito de vossas sessões, o tempo que se escoa, não me permitem alongar-me, como gostaria, sobre esse assunto interessante. A ele voltaremos mais tarde. Tudo quanto direi é que o Espiritismo encontrará no seio das lojas maçônicas uma falange numerosa e compacta de crentes, não de crentes efêmeros, mas sérios, resolutos e inabaláveis em sua fé.

O Espiritismo realiza todas as aspirações generosas e beneficentes da franco-maçonaria; sanciona as crenças que esta professa, dando provas irrecusáveis da imortalidade da alma; conduz a Humanidade ao objetivo que ela se propõe: a união, a paz, a fraternidade universal, pela fé em Deus e no futuro. Os espíritas sinceros de todas as nações, de todos os cultos e de todas as camadas sociais não se olham como irmãos? Entre eles não há uma verdadeira franco-maçonaria, com a só diferença de que, em vez de secreta, é praticada aos olhos de todos? Homens esclarecidos, como os que possui, que põem suas luzes acima dos preconceitos de camarilhas e de castas, não pode ver com indiferença o movimento que esta nova doutrina, essencialmente emancipadora, produz no mundo. Repelir um elemento tão poderoso de progresso moral seria abjurar seus princípios e pôr-se ao nível de homens retrógrados. Não; tenho certeza de que não se deixarão desviar, pois vejo que, sob a nossa influência, vão chamar a si esta grave questão.

O Espiritismo é uma corrente irresistível de ideias, que deve ganhar todo o mundo: é apenas questão de tempo. Ora, seria desconhecer o caráter da instituição maçônica crer que esta possa se aniquilar e representar um papel negativo em meio ao movimento que impele a Humanidade para frente; crer, sobretudo, que ela apague o facho, como se temesse a luz.

Que fique bem claro que aqui falo da alta franco-maçonaria, e não dessas lojas feitas para a ilusão, onde mais se reúnem para comer e beber, ou para rir das perplexidades que inocentes experiências causam aos neófitos, do que para discutir questões de moral e de filosofia. Era mesmo necessário, para que a franco-maçonaria pudesse continuar sua vasta missão sem entraves, que houvesse, de espaço em espaço, de raio em raio, de meridiano em meridiano, templos fora do templo, lugares profanos fora dos lugares sagrados, falsos tabernáculos fora da arca. É nesses centros que, inutilmente, os adeptos do Espiritismo têm tentado se fazerem entendidos.

Em suma, a franco-maçonaria ensinou o dogma precursor do vosso e, em segredo, professou o que proclamais dos telhados. Como disse, voltarei a estas questões, caso o permitam os grandes Espíritos que presidem aos vossos trabalhos. Por ora, afirmo que a Doutrina Espírita pode perfeitamente unir-se à das grandes lojas do Oriente. Agora, glória ao Grande Arquiteto!


Um antigo franco-maçon, Vaucanson.






Abril

Nota. – Nesta sessão foram dirigidos agradecimentos ao Espírito Guttemberg, com o pedido de tomar parte em nossas conversas, quando julgasse conveniente.

Na mesma sessão, a presença de vários dignitários estrangeiros da Ordem Maçônica motivou a seguinte pergunta: Que concurso o Espiritismo pode encontrar na Franco-maçonaria?

Várias dissertações foram obtidas sobre o assunto.


I.


Senhor Presidente, agradeço o vosso amável convite. É a primeira vez que uma de minhas comunicações é lida na Sociedade Espírita de Paris e, espero, não será a última.

Talvez tenhais achado em minhas reflexões, um tanto longas sobre a imprensa, alguns pensamentos que não aprovais completamente. Mas, refletindo na dificuldade que sentimos ao nos pormos em relação com os médiuns e utilizar as suas faculdades, havereis de passar de leve sobre certas expressões ou modo de dizer, que nem sempre dominamos. Mais tarde a eletricidade fará a sua revolução mediúnica, e como tudo será mudado na maneira de reproduzir o pensamento do Espírito, não mais encontrareis essas lacunas por vezes lamentáveis, sobretudo quando as comunicações são lidas diante de estranhos.

Falastes da franco-maçonaria, e tendes razão de nela esperar encontrar bons elementos. O que se pede a todo maçom iniciado? Crer na imortalidade da alma, no Divino Arquiteto e em seres benfeitores, devotados, sociáveis, dignos e humildes. Ali se pratica a igualdade na mais larga escala. Há, pois, nessas sociedades uma afinidade com o Espiritismo de tal modo evidente que salta aos olhos.

A questão do Espiritismo foi posta na ordem do dia em várias lojas e eis o resultado: leram volumosos relatórios muito complicados a este respeito, mas não o estudaram a fundo, o que fez que nisto, como em muitas outras coisas, discutissem um tema que não conheciam, julgando por ouvir dizer, mais do que pela realidade. Entretanto, muitos maçons são espíritas e trabalham bastante na propagação dessa crença. Todos escutam, e se o hábito diz: Não, a razão diz: Sim.

Esperai, então, porque o tempo é um aliciador sem igual; por ele as impressões se modificam e, necessariamente, no vasto campo dos estudos, abertos nas lojas, o estudo espírita entrará como complemento; isto já está no ar. Riram, falaram; não riem mais, meditam.

Assim, tereis um seminário espírita nessas sociedades essencialmente liberais. Por elas entrareis plenamente neste segundo período, que deve preparar os caminhos prometidos. Os homens inteligentes da maçonaria vos bendirão por sua vez, pois a moral dos Espíritos dará um corpo a esta seita tão comprometida, tão temida, mas que tem feito mais bem do que se pensa.

Tudo tem um parto laborioso, uma afinidade misteriosa; e se isto existe para o que perturba as camadas sociais, é muito mais verdadeiro para o que conduz o progresso moral dos povos.


Guttemberg.

(Médium: Sr. Leymarie.)


II.


Meu caro irmão em doutrina (o Espírito se dirige a um dos franco-maçons espíritas presentes na sessão), venho com alegria responder ao benévolo apelo que fazeis aos Espíritos que amaram e fundaram as instituições franco-maçônicas. Para consolidar essa instituição generosa, duas vezes derramei o meu sangue; duas vezes as praças públicas desta cidade ficaram tintas do sangue do pobre Jacques Molé. Caros irmãos, seria preciso dá-lo uma terceira vez? Direi com satisfação: não. Já vos foi dito: Quanto mais sangue, mais despotismo, mais carrascos! Uma sociedade de irmãos, de amigos, de homens cheios de boa vontade, que só desejam uma coisa: conhecer a verdade para fazer o bem! Eu ainda não me havia comunicado nesta assembleia. Enquanto falastes de ciência espírita, de filosofia espírita, cedi o lugar aos Espíritos que são mais aptos a vos dar conselhos sobre esses vários pontos e esperava pacientemente, sabendo que chegaria a minha vez. Há tempo para tudo, como há um momento para cada um. Assim, creio que soou a hora e é o momento oportuno. Posso, pois, dar-vos a minha opinião no que respeita ao Espiritismo e à franco-maçonaria.

As instituições maçônicas foram para a sociedade um encaminhamento à felicidade. Numa época em que toda ideia liberal era considerada um crime, os homens precisavam de uma força que, embora inteiramente submissa às leis, não fosse menos emancipada por suas crenças, por suas instituições e pela unidade de seu ensino. Nessa época a religião ainda era, não uma mãe consoladora, mas uma força despótica que, pela voz de seus ministros, ordenava, feria, fazia tudo se curvar à sua vontade; era um assunto de pavor para quem quisesse, como livre-pensador, agir e dar aos homens sofredores alguma coragem e, no infortúnio, algum consolo moral. Unidos pelo coração, pela fortuna e pela caridade, nossos templos foram os únicos altares onde não se havia desconhecido o verdadeiro Deus, onde o homem ainda podia dizer-se homem, onde a criança podia esperar encontrar, mais tarde, um protetor, e o abandonado, amigos.

Vários séculos se passaram e cada um juntou algumas flores à coroa maçônica. Foram mártires, homens letrados, legisladores, que aumentaram a sua glória, tornando-se seus defensores e conservadores. No século dezenove vem o Espiritismo, com seu facho luminoso, dar a mão aos comendadores, aos rosa-cruzes, e com voz trovejante lhes grita: Vamos, meus irmãos; eu sou verdadeiramente a voz que se faz ouvir no Oriente e à qual o Ocidente responde, dizendo: Glória, honra, vitória aos filhos dos homens! Mais alguns dias e o Espiritismo terá transposto o muro que separa a maior parte do recinto do templo dos segredos; e, nesse dia, a sociedade verá florescer no seu seio a mais bela flor espírita que, deixando suas pétalas caírem, dará uma semente regeneradora da verdadeira liberdade. O Espiritismo fez progressos, mas no dia em que tiver dado a mão à franco-maçonaria, todas as dificuldades serão vencidas, todo obstáculo retirado, a verdade transparecerá e maior progresso moral será realizado; terá transposto os primeiros degraus do trono, onde logo deverá reinar.

A vós, saudação fraternal e amizade.

Jacques Molé.


III.


Fiquei satisfeitíssimo em me juntar às discussões deste centro tão profundamente espiritualista, e venho a ele atraído por Guttemberg, como outro dia o fora por Jacquard. [v. Jacquard e Vaucanson.]

A maior parte da dissertação do grande tipógrafo tratou da questão do ponto de vista do tear, e ele não viu nessa bela invenção senão o lado prático, material, utilitário. Ampliemos o debate e coloquemos a questão mais no alto.

Seria erro acreditar que a imprensa veio substituir a arquitetura, pois esta permanecerá para continuar seu papel historiógrafo, por meio de monumentos característicos, assinalados pelo espírito de cada século, de cada geração, de cada revolução humanitária. Não, dizemos bem alto, a imprensa nada veio derrubar; veio para completar, por sua obra especial, grande e emancipadora. Chegou na hora certa, como todas as descobertas que eclodem providencialmente aqui. Contemporâneo do monge que inventou a pólvora e que, por isso, revolucionou a velha arte das batalhas, Guttemberg trouxe uma nova alavanca à expansão das ideias. Não o esqueçamos: a imprensa não podia ter sua legítima razão de ser senão pela emancipação das massas e o desenvolvimento intelectual dos indivíduos. Sem essa necessidade a satisfazer, sem esse alimento, esse maná espiritual a distribuir, por muito tempo a imprensa ainda se teria debatido no vazio e não teria sido considerada senão um sonho de louco, ou uma utopia sem alcance. Não é assim que foram tratados os primeiros inventores, melhor dizendo, os primeiros que descobriram e constataram as propriedades do vapor? Fazei Guttemberg nascer nas ilhas Andaman e a imprensa aborta fatalmente. [Vide comunicação de Guttemberg: A imprensa.]

A ideia, portanto, é a alavanca primordial que deve ser considerada. Sem a ideia, sem o trabalho fecundo dos pensadores, dos filósofos, dos ideólogos e, mesmo, dos monges sonhadores da Idade Média a imprensa teria ficado letra morta. Guttemberg pode, pois, acender mais de uma vela em honra aos dialéticos da escola, que fizeram germinar a ideia e burilar as inteligências. A ideia febril, que reveste uma forma plástica no cérebro humano, é e será sempre o maior motor das descobertas e das invenções. Criar uma necessidade nova no meio das sociedades modernas é abrir um novo caminho à ideia perpetuamente inovadora; é impelir o homem inteligente à busca do que satisfaça essa nova necessidade da Humanidade. Eis por que, por toda parte onde a ideia for soberana, onde for acolhida com respeito, enfim, onde os pensadores forem honrados, o progresso para Deus está garantido.

A franco-maçonaria, contra a qual tanto gritaram, contra a qual a Igreja romana foi pródiga em anátemas, nem por isto, deixou de sobreviver, abrindo de par em par as portas de seus templos ao culto emancipador da ideia. Em seu seio todas as questões mais graves foram tratadas e, antes que o Espiritismo tivesse aparecido, os veneráveis e os grão-mestres sabiam e professavam que a alma é imortal e que os mundos visível e invisível se comunicam entre si. É aí, nesses santuários onde os profanos não eram admitidos, que os Swedenborg, os Pasqualis, os Saint-Martin obtiveram resultados fulminantes; é aí onde essa grande Sofia, essa etérea inspiradora, veio ensinar aos primogênitos da Humanidade os dogmas emancipadores, onde 1789 hauriu seus princípios fecundos e generosos; é ai onde, muito antes dos vossos médiuns contemporâneos, precursores da vossa mediunidade, grandes desconhecidos, tinham evocado e feito aparecerem os sábios da antiguidade e dos primeiros séculos desta era; é aí… Mas eu me detenho. O quadro restrito de vossas sessões, o tempo que se escoa, não me permitem alongar-me, como gostaria, sobre esse assunto interessante. A ele voltaremos mais tarde. Tudo quanto direi é que o Espiritismo encontrará no seio das lojas maçônicas uma falange numerosa e compacta de crentes, não de crentes efêmeros, mas sérios, resolutos e inabaláveis em sua fé.

O Espiritismo realiza todas as aspirações generosas e beneficentes da franco-maçonaria; sanciona as crenças que esta professa, dando provas irrecusáveis da imortalidade da alma; conduz a Humanidade ao objetivo que ela se propõe: a união, a paz, a fraternidade universal, pela fé em Deus e no futuro. Os espíritas sinceros de todas as nações, de todos os cultos e de todas as camadas sociais não se olham como irmãos? Entre eles não há uma verdadeira franco-maçonaria, com a só diferença de que, em vez de secreta, é praticada aos olhos de todos? Homens esclarecidos, como os que possui, que põem suas luzes acima dos preconceitos de camarilhas e de castas, não pode ver com indiferença o movimento que esta nova doutrina, essencialmente emancipadora, produz no mundo. Repelir um elemento tão poderoso de progresso moral seria abjurar seus princípios e pôr-se ao nível de homens retrógrados. Não; tenho certeza de que não se deixarão desviar, pois vejo que, sob a nossa influência, vão chamar a si esta grave questão.

O Espiritismo é uma corrente irresistível de ideias, que deve ganhar todo o mundo: é apenas questão de tempo. Ora, seria desconhecer o caráter da instituição maçônica crer que esta possa se aniquilar e representar um papel negativo em meio ao movimento que impele a Humanidade para frente; crer, sobretudo, que ela apague o facho, como se temesse a luz.

Que fique bem claro que aqui falo da alta franco-maçonaria, e não dessas lojas feitas para a ilusão, onde mais se reúnem para comer e beber, ou para rir das perplexidades que inocentes experiências causam aos neófitos, do que para discutir questões de moral e de filosofia. Era mesmo necessário, para que a franco-maçonaria pudesse continuar sua vasta missão sem entraves, que houvesse, de espaço em espaço, de raio em raio, de meridiano em meridiano, templos fora do templo, lugares profanos fora dos lugares sagrados, falsos tabernáculos fora da arca. É nesses centros que, inutilmente, os adeptos do Espiritismo têm tentado se fazerem entendidos.

Em suma, a franco-maçonaria ensinou o dogma precursor do vosso e, em segredo, professou o que proclamais dos telhados. Como disse, voltarei a estas questões, caso o permitam os grandes Espíritos que presidem aos vossos trabalhos. Por ora, afirmo que a Doutrina Espírita pode perfeitamente unir-se à das grandes lojas do Oriente. Agora, glória ao Grande Arquiteto!


Um antigo franco-maçon, Vaucanson.






Março INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS

Março

1. Nota. – O Sr. Leymarie, nosso colega, tendo certo dia levantado mais cedo que de costume e levado por uma força involuntária, sentiu-se induzido a escrever e obteve a seguinte dissertação espontânea:


Uma geração de operários amaldiçoou meu nome. Tinham razão? Estavam errados? Ah! o futuro deveria responder.

Eu tinha uma ideia fixa: a de aperfeiçoar e, sobretudo, economizar, suprimindo algumas mãos; como Vaucanson, eu queria simplificar o tear, que tomava a criança em baixa idade para dela fazer um pária singular, pálida, mirrada, débil, ar abobalhado, de linguagem burlesca, e que formava uma população à parte em minha cidade natal.

Meu Espírito vivia em contínua tensão; eu dormia para achar, ao despertar, um novo plano; em vez de imagens e sentimentos, meu pensamento era uma engrenagem, um cilindro, molas, polias, alavancas; em meus sonhos aparecia-me o meu anjo-da-guarda, que punha em movimento todas as minhas inspirações, todas as obras das mãos do homem. Haviam dito com razão: “Os mecânicos são os poetas da matéria.” As mais belas máquinas saíram prontas e acabadas do cérebro de um operário; as noções de mecânica que ele não possui, criou-as de novo; a paciência e a imaginação são os seus únicos recursos. Na verdade é uma inspiração dos bons Espíritos, desprezada pelas academias ou cientistas de profissão; mas não é menos certo que se Arquimedes e Vaucanson são os gênios da mecânica, os 5irgílios, se quiserdes, não passam dessa paciência, aliada a uma viva imaginação, que cria todas as descobertas com que se honra a Humanidade; e isto por quem? Por monges, ceramistas, cardadores de lã, pastores, marinheiros, um operário da seda, um ferreiro ignorante.

Humilde operário, eu não era um gênio, mas, como tantos outros, um predestinado, chamado a simplificar um tear que amputava os membros, abreviando a vida de milhares de crianças. Suprimi um suplício físico; servindo à indústria, servi ao gênero humano.

Deve-se admirar a Providência, que se serve do pobre Jacquard para transformar um tear que alimenta milhares, que digo eu? milhões de homens na Terra; e é um inseto, cujo túmulo assalaria, transforma e nutre dois quintos do globo. Deus não é um mecânico maravilhoso? Criou o bicho da seda, esse engenhoso artista, no qual fez encontrar o mais vasto problema de economia política. Que ensinamento para os orgulhosos e os indiferentes!

Questão de máquinas! terrível questão! Cada invenção arranca a ferramenta e o pão de populações inteiras; o inventor é, pois, um inimigo próximo e um benfeitor distante; decuplica o poder da arte e da indústria; multiplica o trabalho no futuro; merece bem da Humanidade, mas, também, não causa um mal no presente? O primeiro inventor da máquina de fiar destruiu o recurso de muita gente. Quem fiava a matéria bruta senão a mãe de família, a pastora, as velhas? Por mínimo que fosse o seu salário, ao menos as vestia, as fazia viver de alguma maneira.

Semelhantes aos inventores de verdades religiosas, políticas ou morais, os inventores de máquinas revolucionam a matéria; precursores do futuro, abrem violentamente seu caminho através dos interesses, espezinhando o passado; assim, esperando uma recompensa longínqua, são amaldiçoados por seus concidadãos.

Pobre Humanidade! És estúpida se te deténs, cruel se avanças. Conforme Deus, não deves ficar estacionária, se não quiseres perpetuar o mal; mas, para fazer o bem, és revolucionária a despeito de tudo.

E é por isto que neste tempo de transição Deus vos diz: Sede espíritas, isto é, profundamente imbuídos de iniciativa moral e desinteressada, isto é, prestes a todos os sacrifícios, a fim de que vossa assistência se realize.

Como o bicho da seda, rastejei penosamente, sustentado pelos bons Espíritos; como ele, constrói o meu casulo, dando tudo o que tinha; como ele, meus contemporâneos me desprezaram; mas, também, como ele, o Espírito renasce das cinzas para viver verdadeiramente e admirar esse mecânico dos mundos, esse Deus de luz e de bondade, que quis mostrar à minha cidade natal esse Espírito de verdade que a vivifica e a consola.


Jacquard


2. — Depois de lida esta comunicação na Sociedade de Paris, na sessão de 12 de fevereiro de 1864, evocou-se o Espírito Jacquard, ao qual foram dirigidas as perguntas que se seguem, com as seguintes respostas.


(Sociedade Espírita de Paris, 12 de fevereiro de 1864. – Médium: Sr. Leymarie.)

Pergunta – Sem dúvida já deveis ter dado comunicações em Lyon; no entanto, não me lembro de ter visto comunicações vossas. Como foi que viestes dar a dissertação, que acabamos de ler, ao Sr. Leymarie, em Paris, e não em um dos centros espíritas de Lyon? Por que o Sr. Leymarie foi, de certo modo, constrangido a levantar-se bem cedo para escrever a comunicação? Enfim, que pensais do Espiritismo em Lyon?

Resposta – É natural que me tenha comunicado tanto em Paris quanto em minha cidade natal, porque os pais do médium são lioneses e, particularmente, porque conheci o seu avô, que me prestou importante serviço em circunstância excepcional. E depois, o médium me foi designado pelo Espírito de seu avô, que realiza no mundo dos Espíritos uma missão idêntica à minha. E como essa missão me deixa alguns instantes livres, julguei não abusar do sono do médium, cujo devotamento, como o de tantos outros, é dedicado à causa a que serve.

Também desejava que meus compatriotas tivessem notícias minhas pela Revista Espírita. Estando sempre junto a eles, partilhando de suas alegrias e tristezas, não cessando de lhes dizer: “Amai-vos e vos estimai”, eu queria, unindo a minha a outras vozes mais influentes, estimulá-los, nesse momento de desemprego e de dificuldade, a se prepararem contra as eventualidades, contra o inimigo.

Por Lyon podeis compreender o que pode o Espiritismo interpretado com bom-senso. Em que se tornaram as violências do passado, essas recriminações injustas, essas rebeliões que ensanguentaram a colmeia lionesa? E esses cabarés, outrora testemunhas de cenas licenciosas, por que hoje se esvaziam? É que a família retomou seus direitos por toda parte onde penetrou o Espiritismo e se fez sentir a sua influência benéfica; e por toda parte os operários espíritas retornaram à esperança, à ordem, ao trabalho inteligente, ao desejo de bem fazer, à vontade de progredir.

Em meu tempo foi a minha invenção que, não mais tornando o tecelão escravo da máquina, pôde regenerar todo um mundo de trabalhadores; e, por sua vez, é o Espiritismo que transforma o espírito dessa população, dando-lhe a verdadeira iniciação à vida; é toda uma legião de bons Espíritos que vêm abrir os olhos à inteligência e ao amor corações até então pervertidos.

Hoje o Espiritismo entra em nova fase, pois é tempo das aspirações generosas. A burguesia, ainda submetida ao alto clero, fica como espectadora do combate pacífico que a ideia nova oferece ao non possumus do passado. E todos esperam o fim da batalha, a fim de se colocarem ao lado dos vencedores.

Assim, caros compatriotas, escutai e segui os conselhos de Allan Kardec: são os de vossos Espíritos protetores. É por eles que afastareis o perigo das colisões e, mesmo, das coalizões. Quanto mais humildes e sérios, tanto mais fortes sereis. Os arrogantes arriarão a bandeira diante da verdade que os ofuscará; é então que se dará a transformação espiritual dessa grande cidade, que todos amamos e que quer bem particularmente à Sociedade Espírita de Paris, por sua fé no futuro e as boas esperanças que soube realizar.


Jacquard.


3. — Na mesma sessão, enquanto Jacquard escrevia a comunicação que acabamos de ler, outro médium, o Sr. d’Ambel obtinha outra sobre o mesmo assunto, assinada pelo Espírito Vaucanson.


OBJETIVO FINAL DO HOMEM NA TERRA.


Outrora os homens eram atrelados à charrua e sacrificados em trabalhos gigantescos. A construção das muralhas da Babilônia, onde vários carros marchavam lado a lado, a edificação das Pirâmides e a instalação da Esfinge custaram mais de dez batalhas sangrentas. Mais tarde os animais foram subjugados juntamente com os homens e vimos, na jovem Lutécia, bois atrelados arrastarem o carro onde se refestelavam os reis indolentes da segunda raça.

Este preâmbulo tem por objetivo mostrar aos que nos ouvem, que todas as perguntas feitas neste simpático centro aos Espíritos têm sua solução, por um ou outro de nós. Esse caro Jacquard, essa glória do tear, esse artesão engenhoso que caiu como um valente soldado no campo de honra do trabalho, tratou um lado das questões econômicas que se ligam ao labor humanitário. Ele me pôs um pouco em causa; falando das modificações que eu tinha feito na arte do tecelão, chamou-me, a bem dizer, para fazer a minha parte nesse concerto espiritual. Eis por que, encontrando entre vós um médium, como eu nascido na velha cidade dos Allobroges, esta rainha do Grésivaudan, dele me apodero com a permissão de seus guias habituais e venho completar por uma parte a exposição que meu ilustre amigo de Lyon vos deu por outro médium.

Em sua dissertação, aliás muito notável, ainda exprime certas queixas que, sob o inventor, descobrem o operário cioso de seu ganha-pão e temeroso do desemprego homicida; sente-se que o pai de família se apavora com a suspensão do trabalho, do qual depende a vida dos seus; adivinha-se o cidadão que freme ante o desastre que pode atingir a maioria de seus compatriotas. Na verdade esse sentimento é dos mais honrosos, mas denota um ponto de vista de certa estreiteza. Venho tratar da mesma questão que Jacquard, se não mais largamente que ele, ao menos de um ponto de vista mais geral. Contudo, devo constatar, para homenagear a quem de direito, que a generosa conclusão da comunicação de meu amigo resgata amplamente o lado defeituoso que assinalo.

O homem não foi feito para ficar como instrumento ininteligente de produções; por suas aptidões e seu lugar na Criação, por seu destino, é chamado a outra função, além da máquina, a um outro papel, que não o do cavalo de carrossel; deve, nos limites fixados por seu adiantamento, chegar a produzir cada vez mais intelectualmente e, enfim, emancipar-se desse estado de servilismo e de engrenagem sem inteligência, a que, durante tantas gerações, ficou escravizado. O operário é chamado a tornar-se engenheiro, a ver seus braços laboriosos substituídos por máquinas mais ativas, mais infatigáveis e mais precisas; o artesão deve tornar-se artista e conduzir o trabalho mecânico por um esforço do seu pensamento, e não mais por um esforço braçal. Aí está a prova irrecusável desta lei tão vasta do progresso, que rege todas as humanidades.

Agora que vos é permitido entrever, por uma escapadela na vida futura, a verdade dos destinos humanos; agora que estais convencidos de que esta existência não passa de um dos elos de vossa vida imortal, podeis exclamar: Que importa que cem mil indivíduos sucumbam, quando uma máquina foi descoberta para fazer o trabalho desses cem mil? Para o filósofo, que se eleva acima dos preconceitos e interesses terrenos, o fato prova, com muita singeleza, que o homem não estava mais em seu caminho, quando se consagrava a esse labor condenado pela Providência. Com efeito, é no âmbito de sua inteligência que o homem, doravante, deve fazer passar a grade e a charrua que fecundam; é unicamente por sua inteligência que poderá e deverá chegar ao melhor.

Rogo que não deis às minhas palavras um sentido por demais revolucionário; não! Mas deixai-lhes o sentido largo e superior, que comporta um ensinamento espírita, que se dirige a inteligências já avançadas e prontas a compreender todo o alcance de nossas instruções. Está provado que, se de hoje para amanhã, o artesão abandonasse o tear que o faz viver, sob pretexto de que, num dado momento, este seria substituído por um mecanismo ou qualquer outro invento, por certo seguiria uma via fatal e contrária a todas as lições dadas pelo Espiritismo.

Mas todas as nossas reflexões não têm senão um objetivo: demonstrar que ninguém deve gritar contra um progresso que substitui braços humanos por molas e engrenagens mecânicas. Além disso, é bom acrescentar que a Humanidade pagou largo preço à miséria e que, penetrando cada vez mais em todas as camadas sociais, a instrução tornará cada indivíduo mais e mais apto para funções inteligentemente chamadas liberais.

É difícil a um Espírito, que se comunica pela primeira vez a um médium, exprimir seu pensamento com muita clareza. Assim, relevareis o desconcerto de minha comunicação, cuja conclusão aqui está em duas palavras: O homem é um agente espiritual que deve chegar, num tempo não muito distante, a submeter ao seu serviço e para todas as operações materiais a própria matéria, dando-lhe por único motor a inteligência, que desabrocha nos cérebros humanos.


Vaucanson.





Abril INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS

Abril

Nota. – Nesta sessão foram dirigidos agradecimentos ao Espírito Guttemberg, com o pedido de tomar parte em nossas conversas, quando julgasse conveniente.

Na mesma sessão, a presença de vários dignitários estrangeiros da Ordem Maçônica motivou a seguinte pergunta: Que concurso o Espiritismo pode encontrar na Franco-maçonaria?

Várias dissertações foram obtidas sobre o assunto.


I.


Senhor Presidente, agradeço o vosso amável convite. É a primeira vez que uma de minhas comunicações é lida na Sociedade Espírita de Paris e, espero, não será a última.

Talvez tenhais achado em minhas reflexões, um tanto longas sobre a imprensa, alguns pensamentos que não aprovais completamente. Mas, refletindo na dificuldade que sentimos ao nos pormos em relação com os médiuns e utilizar as suas faculdades, havereis de passar de leve sobre certas expressões ou modo de dizer, que nem sempre dominamos. Mais tarde a eletricidade fará a sua revolução mediúnica, e como tudo será mudado na maneira de reproduzir o pensamento do Espírito, não mais encontrareis essas lacunas por vezes lamentáveis, sobretudo quando as comunicações são lidas diante de estranhos.

Falastes da franco-maçonaria, e tendes razão de nela esperar encontrar bons elementos. O que se pede a todo maçom iniciado? Crer na imortalidade da alma, no Divino Arquiteto e em seres benfeitores, devotados, sociáveis, dignos e humildes. Ali se pratica a igualdade na mais larga escala. Há, pois, nessas sociedades uma afinidade com o Espiritismo de tal modo evidente que salta aos olhos.

A questão do Espiritismo foi posta na ordem do dia em várias lojas e eis o resultado: leram volumosos relatórios muito complicados a este respeito, mas não o estudaram a fundo, o que fez que nisto, como em muitas outras coisas, discutissem um tema que não conheciam, julgando por ouvir dizer, mais do que pela realidade. Entretanto, muitos maçons são espíritas e trabalham bastante na propagação dessa crença. Todos escutam, e se o hábito diz: Não, a razão diz: Sim.

Esperai, então, porque o tempo é um aliciador sem igual; por ele as impressões se modificam e, necessariamente, no vasto campo dos estudos, abertos nas lojas, o estudo espírita entrará como complemento; isto já está no ar. Riram, falaram; não riem mais, meditam.

Assim, tereis um seminário espírita nessas sociedades essencialmente liberais. Por elas entrareis plenamente neste segundo período, que deve preparar os caminhos prometidos. Os homens inteligentes da maçonaria vos bendirão por sua vez, pois a moral dos Espíritos dará um corpo a esta seita tão comprometida, tão temida, mas que tem feito mais bem do que se pensa.

Tudo tem um parto laborioso, uma afinidade misteriosa; e se isto existe para o que perturba as camadas sociais, é muito mais verdadeiro para o que conduz o progresso moral dos povos.


Guttemberg.

(Médium: Sr. Leymarie.)


II.


Meu caro irmão em doutrina (o Espírito se dirige a um dos franco-maçons espíritas presentes na sessão), venho com alegria responder ao benévolo apelo que fazeis aos Espíritos que amaram e fundaram as instituições franco-maçônicas. Para consolidar essa instituição generosa, duas vezes derramei o meu sangue; duas vezes as praças públicas desta cidade ficaram tintas do sangue do pobre Jacques Molé. Caros irmãos, seria preciso dá-lo uma terceira vez? Direi com satisfação: não. Já vos foi dito: Quanto mais sangue, mais despotismo, mais carrascos! Uma sociedade de irmãos, de amigos, de homens cheios de boa vontade, que só desejam uma coisa: conhecer a verdade para fazer o bem! Eu ainda não me havia comunicado nesta assembleia. Enquanto falastes de ciência espírita, de filosofia espírita, cedi o lugar aos Espíritos que são mais aptos a vos dar conselhos sobre esses vários pontos e esperava pacientemente, sabendo que chegaria a minha vez. Há tempo para tudo, como há um momento para cada um. Assim, creio que soou a hora e é o momento oportuno. Posso, pois, dar-vos a minha opinião no que respeita ao Espiritismo e à franco-maçonaria.

As instituições maçônicas foram para a sociedade um encaminhamento à felicidade. Numa época em que toda ideia liberal era considerada um crime, os homens precisavam de uma força que, embora inteiramente submissa às leis, não fosse menos emancipada por suas crenças, por suas instituições e pela unidade de seu ensino. Nessa época a religião ainda era, não uma mãe consoladora, mas uma força despótica que, pela voz de seus ministros, ordenava, feria, fazia tudo se curvar à sua vontade; era um assunto de pavor para quem quisesse, como livre-pensador, agir e dar aos homens sofredores alguma coragem e, no infortúnio, algum consolo moral. Unidos pelo coração, pela fortuna e pela caridade, nossos templos foram os únicos altares onde não se havia desconhecido o verdadeiro Deus, onde o homem ainda podia dizer-se homem, onde a criança podia esperar encontrar, mais tarde, um protetor, e o abandonado, amigos.

Vários séculos se passaram e cada um juntou algumas flores à coroa maçônica. Foram mártires, homens letrados, legisladores, que aumentaram a sua glória, tornando-se seus defensores e conservadores. No século dezenove vem o Espiritismo, com seu facho luminoso, dar a mão aos comendadores, aos rosa-cruzes, e com voz trovejante lhes grita: Vamos, meus irmãos; eu sou verdadeiramente a voz que se faz ouvir no Oriente e à qual o Ocidente responde, dizendo: Glória, honra, vitória aos filhos dos homens! Mais alguns dias e o Espiritismo terá transposto o muro que separa a maior parte do recinto do templo dos segredos; e, nesse dia, a sociedade verá florescer no seu seio a mais bela flor espírita que, deixando suas pétalas caírem, dará uma semente regeneradora da verdadeira liberdade. O Espiritismo fez progressos, mas no dia em que tiver dado a mão à franco-maçonaria, todas as dificuldades serão vencidas, todo obstáculo retirado, a verdade transparecerá e maior progresso moral será realizado; terá transposto os primeiros degraus do trono, onde logo deverá reinar.

A vós, saudação fraternal e amizade.

Jacques Molé.


III.


Fiquei satisfeitíssimo em me juntar às discussões deste centro tão profundamente espiritualista, e venho a ele atraído por Guttemberg, como outro dia o fora por Jacquard. [v. Jacquard e Vaucanson.]

A maior parte da dissertação do grande tipógrafo tratou da questão do ponto de vista do tear, e ele não viu nessa bela invenção senão o lado prático, material, utilitário. Ampliemos o debate e coloquemos a questão mais no alto.

Seria erro acreditar que a imprensa veio substituir a arquitetura, pois esta permanecerá para continuar seu papel historiógrafo, por meio de monumentos característicos, assinalados pelo espírito de cada século, de cada geração, de cada revolução humanitária. Não, dizemos bem alto, a imprensa nada veio derrubar; veio para completar, por sua obra especial, grande e emancipadora. Chegou na hora certa, como todas as descobertas que eclodem providencialmente aqui. Contemporâneo do monge que inventou a pólvora e que, por isso, revolucionou a velha arte das batalhas, Guttemberg trouxe uma nova alavanca à expansão das ideias. Não o esqueçamos: a imprensa não podia ter sua legítima razão de ser senão pela emancipação das massas e o desenvolvimento intelectual dos indivíduos. Sem essa necessidade a satisfazer, sem esse alimento, esse maná espiritual a distribuir, por muito tempo a imprensa ainda se teria debatido no vazio e não teria sido considerada senão um sonho de louco, ou uma utopia sem alcance. Não é assim que foram tratados os primeiros inventores, melhor dizendo, os primeiros que descobriram e constataram as propriedades do vapor? Fazei Guttemberg nascer nas ilhas Andaman e a imprensa aborta fatalmente. [Vide comunicação de Guttemberg: A imprensa.]

A ideia, portanto, é a alavanca primordial que deve ser considerada. Sem a ideia, sem o trabalho fecundo dos pensadores, dos filósofos, dos ideólogos e, mesmo, dos monges sonhadores da Idade Média a imprensa teria ficado letra morta. Guttemberg pode, pois, acender mais de uma vela em honra aos dialéticos da escola, que fizeram germinar a ideia e burilar as inteligências. A ideia febril, que reveste uma forma plástica no cérebro humano, é e será sempre o maior motor das descobertas e das invenções. Criar uma necessidade nova no meio das sociedades modernas é abrir um novo caminho à ideia perpetuamente inovadora; é impelir o homem inteligente à busca do que satisfaça essa nova necessidade da Humanidade. Eis por que, por toda parte onde a ideia for soberana, onde for acolhida com respeito, enfim, onde os pensadores forem honrados, o progresso para Deus está garantido.

A franco-maçonaria, contra a qual tanto gritaram, contra a qual a Igreja romana foi pródiga em anátemas, nem por isto, deixou de sobreviver, abrindo de par em par as portas de seus templos ao culto emancipador da ideia. Em seu seio todas as questões mais graves foram tratadas e, antes que o Espiritismo tivesse aparecido, os veneráveis e os grão-mestres sabiam e professavam que a alma é imortal e que os mundos visível e invisível se comunicam entre si. É aí, nesses santuários onde os profanos não eram admitidos, que os Swedenborg, os Pasqualis, os Saint-Martin obtiveram resultados fulminantes; é aí onde essa grande Sofia, essa etérea inspiradora, veio ensinar aos primogênitos da Humanidade os dogmas emancipadores, onde 1789 hauriu seus princípios fecundos e generosos; é ai onde, muito antes dos vossos médiuns contemporâneos, precursores da vossa mediunidade, grandes desconhecidos, tinham evocado e feito aparecerem os sábios da antiguidade e dos primeiros séculos desta era; é aí… Mas eu me detenho. O quadro restrito de vossas sessões, o tempo que se escoa, não me permitem alongar-me, como gostaria, sobre esse assunto interessante. A ele voltaremos mais tarde. Tudo quanto direi é que o Espiritismo encontrará no seio das lojas maçônicas uma falange numerosa e compacta de crentes, não de crentes efêmeros, mas sérios, resolutos e inabaláveis em sua fé.

O Espiritismo realiza todas as aspirações generosas e beneficentes da franco-maçonaria; sanciona as crenças que esta professa, dando provas irrecusáveis da imortalidade da alma; conduz a Humanidade ao objetivo que ela se propõe: a união, a paz, a fraternidade universal, pela fé em Deus e no futuro. Os espíritas sinceros de todas as nações, de todos os cultos e de todas as camadas sociais não se olham como irmãos? Entre eles não há uma verdadeira franco-maçonaria, com a só diferença de que, em vez de secreta, é praticada aos olhos de todos? Homens esclarecidos, como os que possui, que põem suas luzes acima dos preconceitos de camarilhas e de castas, não pode ver com indiferença o movimento que esta nova doutrina, essencialmente emancipadora, produz no mundo. Repelir um elemento tão poderoso de progresso moral seria abjurar seus princípios e pôr-se ao nível de homens retrógrados. Não; tenho certeza de que não se deixarão desviar, pois vejo que, sob a nossa influência, vão chamar a si esta grave questão.

O Espiritismo é uma corrente irresistível de ideias, que deve ganhar todo o mundo: é apenas questão de tempo. Ora, seria desconhecer o caráter da instituição maçônica crer que esta possa se aniquilar e representar um papel negativo em meio ao movimento que impele a Humanidade para frente; crer, sobretudo, que ela apague o facho, como se temesse a luz.

Que fique bem claro que aqui falo da alta franco-maçonaria, e não dessas lojas feitas para a ilusão, onde mais se reúnem para comer e beber, ou para rir das perplexidades que inocentes experiências causam aos neófitos, do que para discutir questões de moral e de filosofia. Era mesmo necessário, para que a franco-maçonaria pudesse continuar sua vasta missão sem entraves, que houvesse, de espaço em espaço, de raio em raio, de meridiano em meridiano, templos fora do templo, lugares profanos fora dos lugares sagrados, falsos tabernáculos fora da arca. É nesses centros que, inutilmente, os adeptos do Espiritismo têm tentado se fazerem entendidos.

Em suma, a franco-maçonaria ensinou o dogma precursor do vosso e, em segredo, professou o que proclamais dos telhados. Como disse, voltarei a estas questões, caso o permitam os grandes Espíritos que presidem aos vossos trabalhos. Por ora, afirmo que a Doutrina Espírita pode perfeitamente unir-se à das grandes lojas do Oriente. Agora, glória ao Grande Arquiteto!


Um antigo franco-maçon, Vaucanson.






Abril

Nota. – Nesta sessão foram dirigidos agradecimentos ao Espírito Guttemberg, com o pedido de tomar parte em nossas conversas, quando julgasse conveniente.

Na mesma sessão, a presença de vários dignitários estrangeiros da Ordem Maçônica motivou a seguinte pergunta: Que concurso o Espiritismo pode encontrar na Franco-maçonaria?

Várias dissertações foram obtidas sobre o assunto.


I.


Senhor Presidente, agradeço o vosso amável convite. É a primeira vez que uma de minhas comunicações é lida na Sociedade Espírita de Paris e, espero, não será a última.

Talvez tenhais achado em minhas reflexões, um tanto longas sobre a imprensa, alguns pensamentos que não aprovais completamente. Mas, refletindo na dificuldade que sentimos ao nos pormos em relação com os médiuns e utilizar as suas faculdades, havereis de passar de leve sobre certas expressões ou modo de dizer, que nem sempre dominamos. Mais tarde a eletricidade fará a sua revolução mediúnica, e como tudo será mudado na maneira de reproduzir o pensamento do Espírito, não mais encontrareis essas lacunas por vezes lamentáveis, sobretudo quando as comunicações são lidas diante de estranhos.

Falastes da franco-maçonaria, e tendes razão de nela esperar encontrar bons elementos. O que se pede a todo maçom iniciado? Crer na imortalidade da alma, no Divino Arquiteto e em seres benfeitores, devotados, sociáveis, dignos e humildes. Ali se pratica a igualdade na mais larga escala. Há, pois, nessas sociedades uma afinidade com o Espiritismo de tal modo evidente que salta aos olhos.

A questão do Espiritismo foi posta na ordem do dia em várias lojas e eis o resultado: leram volumosos relatórios muito complicados a este respeito, mas não o estudaram a fundo, o que fez que nisto, como em muitas outras coisas, discutissem um tema que não conheciam, julgando por ouvir dizer, mais do que pela realidade. Entretanto, muitos maçons são espíritas e trabalham bastante na propagação dessa crença. Todos escutam, e se o hábito diz: Não, a razão diz: Sim.

Esperai, então, porque o tempo é um aliciador sem igual; por ele as impressões se modificam e, necessariamente, no vasto campo dos estudos, abertos nas lojas, o estudo espírita entrará como complemento; isto já está no ar. Riram, falaram; não riem mais, meditam.

Assim, tereis um seminário espírita nessas sociedades essencialmente liberais. Por elas entrareis plenamente neste segundo período, que deve preparar os caminhos prometidos. Os homens inteligentes da maçonaria vos bendirão por sua vez, pois a moral dos Espíritos dará um corpo a esta seita tão comprometida, tão temida, mas que tem feito mais bem do que se pensa.

Tudo tem um parto laborioso, uma afinidade misteriosa; e se isto existe para o que perturba as camadas sociais, é muito mais verdadeiro para o que conduz o progresso moral dos povos.


Guttemberg.

(Médium: Sr. Leymarie.)


II.


Meu caro irmão em doutrina (o Espírito se dirige a um dos franco-maçons espíritas presentes na sessão), venho com alegria responder ao benévolo apelo que fazeis aos Espíritos que amaram e fundaram as instituições franco-maçônicas. Para consolidar essa instituição generosa, duas vezes derramei o meu sangue; duas vezes as praças públicas desta cidade ficaram tintas do sangue do pobre Jacques Molé. Caros irmãos, seria preciso dá-lo uma terceira vez? Direi com satisfação: não. Já vos foi dito: Quanto mais sangue, mais despotismo, mais carrascos! Uma sociedade de irmãos, de amigos, de homens cheios de boa vontade, que só desejam uma coisa: conhecer a verdade para fazer o bem! Eu ainda não me havia comunicado nesta assembleia. Enquanto falastes de ciência espírita, de filosofia espírita, cedi o lugar aos Espíritos que são mais aptos a vos dar conselhos sobre esses vários pontos e esperava pacientemente, sabendo que chegaria a minha vez. Há tempo para tudo, como há um momento para cada um. Assim, creio que soou a hora e é o momento oportuno. Posso, pois, dar-vos a minha opinião no que respeita ao Espiritismo e à franco-maçonaria.

As instituições maçônicas foram para a sociedade um encaminhamento à felicidade. Numa época em que toda ideia liberal era considerada um crime, os homens precisavam de uma força que, embora inteiramente submissa às leis, não fosse menos emancipada por suas crenças, por suas instituições e pela unidade de seu ensino. Nessa época a religião ainda era, não uma mãe consoladora, mas uma força despótica que, pela voz de seus ministros, ordenava, feria, fazia tudo se curvar à sua vontade; era um assunto de pavor para quem quisesse, como livre-pensador, agir e dar aos homens sofredores alguma coragem e, no infortúnio, algum consolo moral. Unidos pelo coração, pela fortuna e pela caridade, nossos templos foram os únicos altares onde não se havia desconhecido o verdadeiro Deus, onde o homem ainda podia dizer-se homem, onde a criança podia esperar encontrar, mais tarde, um protetor, e o abandonado, amigos.

Vários séculos se passaram e cada um juntou algumas flores à coroa maçônica. Foram mártires, homens letrados, legisladores, que aumentaram a sua glória, tornando-se seus defensores e conservadores. No século dezenove vem o Espiritismo, com seu facho luminoso, dar a mão aos comendadores, aos rosa-cruzes, e com voz trovejante lhes grita: Vamos, meus irmãos; eu sou verdadeiramente a voz que se faz ouvir no Oriente e à qual o Ocidente responde, dizendo: Glória, honra, vitória aos filhos dos homens! Mais alguns dias e o Espiritismo terá transposto o muro que separa a maior parte do recinto do templo dos segredos; e, nesse dia, a sociedade verá florescer no seu seio a mais bela flor espírita que, deixando suas pétalas caírem, dará uma semente regeneradora da verdadeira liberdade. O Espiritismo fez progressos, mas no dia em que tiver dado a mão à franco-maçonaria, todas as dificuldades serão vencidas, todo obstáculo retirado, a verdade transparecerá e maior progresso moral será realizado; terá transposto os primeiros degraus do trono, onde logo deverá reinar.

A vós, saudação fraternal e amizade.

Jacques Molé.


III.


Fiquei satisfeitíssimo em me juntar às discussões deste centro tão profundamente espiritualista, e venho a ele atraído por Guttemberg, como outro dia o fora por Jacquard. [v. Jacquard e Vaucanson.]

A maior parte da dissertação do grande tipógrafo tratou da questão do ponto de vista do tear, e ele não viu nessa bela invenção senão o lado prático, material, utilitário. Ampliemos o debate e coloquemos a questão mais no alto.

Seria erro acreditar que a imprensa veio substituir a arquitetura, pois esta permanecerá para continuar seu papel historiógrafo, por meio de monumentos característicos, assinalados pelo espírito de cada século, de cada geração, de cada revolução humanitária. Não, dizemos bem alto, a imprensa nada veio derrubar; veio para completar, por sua obra especial, grande e emancipadora. Chegou na hora certa, como todas as descobertas que eclodem providencialmente aqui. Contemporâneo do monge que inventou a pólvora e que, por isso, revolucionou a velha arte das batalhas, Guttemberg trouxe uma nova alavanca à expansão das ideias. Não o esqueçamos: a imprensa não podia ter sua legítima razão de ser senão pela emancipação das massas e o desenvolvimento intelectual dos indivíduos. Sem essa necessidade a satisfazer, sem esse alimento, esse maná espiritual a distribuir, por muito tempo a imprensa ainda se teria debatido no vazio e não teria sido considerada senão um sonho de louco, ou uma utopia sem alcance. Não é assim que foram tratados os primeiros inventores, melhor dizendo, os primeiros que descobriram e constataram as propriedades do vapor? Fazei Guttemberg nascer nas ilhas Andaman e a imprensa aborta fatalmente. [Vide comunicação de Guttemberg: A imprensa.]

A ideia, portanto, é a alavanca primordial que deve ser considerada. Sem a ideia, sem o trabalho fecundo dos pensadores, dos filósofos, dos ideólogos e, mesmo, dos monges sonhadores da Idade Média a imprensa teria ficado letra morta. Guttemberg pode, pois, acender mais de uma vela em honra aos dialéticos da escola, que fizeram germinar a ideia e burilar as inteligências. A ideia febril, que reveste uma forma plástica no cérebro humano, é e será sempre o maior motor das descobertas e das invenções. Criar uma necessidade nova no meio das sociedades modernas é abrir um novo caminho à ideia perpetuamente inovadora; é impelir o homem inteligente à busca do que satisfaça essa nova necessidade da Humanidade. Eis por que, por toda parte onde a ideia for soberana, onde for acolhida com respeito, enfim, onde os pensadores forem honrados, o progresso para Deus está garantido.

A franco-maçonaria, contra a qual tanto gritaram, contra a qual a Igreja romana foi pródiga em anátemas, nem por isto, deixou de sobreviver, abrindo de par em par as portas de seus templos ao culto emancipador da ideia. Em seu seio todas as questões mais graves foram tratadas e, antes que o Espiritismo tivesse aparecido, os veneráveis e os grão-mestres sabiam e professavam que a alma é imortal e que os mundos visível e invisível se comunicam entre si. É aí, nesses santuários onde os profanos não eram admitidos, que os Swedenborg, os Pasqualis, os Saint-Martin obtiveram resultados fulminantes; é aí onde essa grande Sofia, essa etérea inspiradora, veio ensinar aos primogênitos da Humanidade os dogmas emancipadores, onde 1789 hauriu seus princípios fecundos e generosos; é ai onde, muito antes dos vossos médiuns contemporâneos, precursores da vossa mediunidade, grandes desconhecidos, tinham evocado e feito aparecerem os sábios da antiguidade e dos primeiros séculos desta era; é aí… Mas eu me detenho. O quadro restrito de vossas sessões, o tempo que se escoa, não me permitem alongar-me, como gostaria, sobre esse assunto interessante. A ele voltaremos mais tarde. Tudo quanto direi é que o Espiritismo encontrará no seio das lojas maçônicas uma falange numerosa e compacta de crentes, não de crentes efêmeros, mas sérios, resolutos e inabaláveis em sua fé.

O Espiritismo realiza todas as aspirações generosas e beneficentes da franco-maçonaria; sanciona as crenças que esta professa, dando provas irrecusáveis da imortalidade da alma; conduz a Humanidade ao objetivo que ela se propõe: a união, a paz, a fraternidade universal, pela fé em Deus e no futuro. Os espíritas sinceros de todas as nações, de todos os cultos e de todas as camadas sociais não se olham como irmãos? Entre eles não há uma verdadeira franco-maçonaria, com a só diferença de que, em vez de secreta, é praticada aos olhos de todos? Homens esclarecidos, como os que possui, que põem suas luzes acima dos preconceitos de camarilhas e de castas, não pode ver com indiferença o movimento que esta nova doutrina, essencialmente emancipadora, produz no mundo. Repelir um elemento tão poderoso de progresso moral seria abjurar seus princípios e pôr-se ao nível de homens retrógrados. Não; tenho certeza de que não se deixarão desviar, pois vejo que, sob a nossa influência, vão chamar a si esta grave questão.

O Espiritismo é uma corrente irresistível de ideias, que deve ganhar todo o mundo: é apenas questão de tempo. Ora, seria desconhecer o caráter da instituição maçônica crer que esta possa se aniquilar e representar um papel negativo em meio ao movimento que impele a Humanidade para frente; crer, sobretudo, que ela apague o facho, como se temesse a luz.

Que fique bem claro que aqui falo da alta franco-maçonaria, e não dessas lojas feitas para a ilusão, onde mais se reúnem para comer e beber, ou para rir das perplexidades que inocentes experiências causam aos neófitos, do que para discutir questões de moral e de filosofia. Era mesmo necessário, para que a franco-maçonaria pudesse continuar sua vasta missão sem entraves, que houvesse, de espaço em espaço, de raio em raio, de meridiano em meridiano, templos fora do templo, lugares profanos fora dos lugares sagrados, falsos tabernáculos fora da arca. É nesses centros que, inutilmente, os adeptos do Espiritismo têm tentado se fazerem entendidos.

Em suma, a franco-maçonaria ensinou o dogma precursor do vosso e, em segredo, professou o que proclamais dos telhados. Como disse, voltarei a estas questões, caso o permitam os grandes Espíritos que presidem aos vossos trabalhos. Por ora, afirmo que a Doutrina Espírita pode perfeitamente unir-se à das grandes lojas do Oriente. Agora, glória ao Grande Arquiteto!


Um antigo franco-maçon, Vaucanson.






Abril

Nota. – Nesta sessão foram dirigidos agradecimentos ao Espírito Guttemberg, com o pedido de tomar parte em nossas conversas, quando julgasse conveniente.

Na mesma sessão, a presença de vários dignitários estrangeiros da Ordem Maçônica motivou a seguinte pergunta: Que concurso o Espiritismo pode encontrar na Franco-maçonaria?

Várias dissertações foram obtidas sobre o assunto.


I.


Senhor Presidente, agradeço o vosso amável convite. É a primeira vez que uma de minhas comunicações é lida na Sociedade Espírita de Paris e, espero, não será a última.

Talvez tenhais achado em minhas reflexões, um tanto longas sobre a imprensa, alguns pensamentos que não aprovais completamente. Mas, refletindo na dificuldade que sentimos ao nos pormos em relação com os médiuns e utilizar as suas faculdades, havereis de passar de leve sobre certas expressões ou modo de dizer, que nem sempre dominamos. Mais tarde a eletricidade fará a sua revolução mediúnica, e como tudo será mudado na maneira de reproduzir o pensamento do Espírito, não mais encontrareis essas lacunas por vezes lamentáveis, sobretudo quando as comunicações são lidas diante de estranhos.

Falastes da franco-maçonaria, e tendes razão de nela esperar encontrar bons elementos. O que se pede a todo maçom iniciado? Crer na imortalidade da alma, no Divino Arquiteto e em seres benfeitores, devotados, sociáveis, dignos e humildes. Ali se pratica a igualdade na mais larga escala. Há, pois, nessas sociedades uma afinidade com o Espiritismo de tal modo evidente que salta aos olhos.

A questão do Espiritismo foi posta na ordem do dia em várias lojas e eis o resultado: leram volumosos relatórios muito complicados a este respeito, mas não o estudaram a fundo, o que fez que nisto, como em muitas outras coisas, discutissem um tema que não conheciam, julgando por ouvir dizer, mais do que pela realidade. Entretanto, muitos maçons são espíritas e trabalham bastante na propagação dessa crença. Todos escutam, e se o hábito diz: Não, a razão diz: Sim.

Esperai, então, porque o tempo é um aliciador sem igual; por ele as impressões se modificam e, necessariamente, no vasto campo dos estudos, abertos nas lojas, o estudo espírita entrará como complemento; isto já está no ar. Riram, falaram; não riem mais, meditam.

Assim, tereis um seminário espírita nessas sociedades essencialmente liberais. Por elas entrareis plenamente neste segundo período, que deve preparar os caminhos prometidos. Os homens inteligentes da maçonaria vos bendirão por sua vez, pois a moral dos Espíritos dará um corpo a esta seita tão comprometida, tão temida, mas que tem feito mais bem do que se pensa.

Tudo tem um parto laborioso, uma afinidade misteriosa; e se isto existe para o que perturba as camadas sociais, é muito mais verdadeiro para o que conduz o progresso moral dos povos.


Guttemberg.

(Médium: Sr. Leymarie.)


II.


Meu caro irmão em doutrina (o Espírito se dirige a um dos franco-maçons espíritas presentes na sessão), venho com alegria responder ao benévolo apelo que fazeis aos Espíritos que amaram e fundaram as instituições franco-maçônicas. Para consolidar essa instituição generosa, duas vezes derramei o meu sangue; duas vezes as praças públicas desta cidade ficaram tintas do sangue do pobre Jacques Molé. Caros irmãos, seria preciso dá-lo uma terceira vez? Direi com satisfação: não. Já vos foi dito: Quanto mais sangue, mais despotismo, mais carrascos! Uma sociedade de irmãos, de amigos, de homens cheios de boa vontade, que só desejam uma coisa: conhecer a verdade para fazer o bem! Eu ainda não me havia comunicado nesta assembleia. Enquanto falastes de ciência espírita, de filosofia espírita, cedi o lugar aos Espíritos que são mais aptos a vos dar conselhos sobre esses vários pontos e esperava pacientemente, sabendo que chegaria a minha vez. Há tempo para tudo, como há um momento para cada um. Assim, creio que soou a hora e é o momento oportuno. Posso, pois, dar-vos a minha opinião no que respeita ao Espiritismo e à franco-maçonaria.

As instituições maçônicas foram para a sociedade um encaminhamento à felicidade. Numa época em que toda ideia liberal era considerada um crime, os homens precisavam de uma força que, embora inteiramente submissa às leis, não fosse menos emancipada por suas crenças, por suas instituições e pela unidade de seu ensino. Nessa época a religião ainda era, não uma mãe consoladora, mas uma força despótica que, pela voz de seus ministros, ordenava, feria, fazia tudo se curvar à sua vontade; era um assunto de pavor para quem quisesse, como livre-pensador, agir e dar aos homens sofredores alguma coragem e, no infortúnio, algum consolo moral. Unidos pelo coração, pela fortuna e pela caridade, nossos templos foram os únicos altares onde não se havia desconhecido o verdadeiro Deus, onde o homem ainda podia dizer-se homem, onde a criança podia esperar encontrar, mais tarde, um protetor, e o abandonado, amigos.

Vários séculos se passaram e cada um juntou algumas flores à coroa maçônica. Foram mártires, homens letrados, legisladores, que aumentaram a sua glória, tornando-se seus defensores e conservadores. No século dezenove vem o Espiritismo, com seu facho luminoso, dar a mão aos comendadores, aos rosa-cruzes, e com voz trovejante lhes grita: Vamos, meus irmãos; eu sou verdadeiramente a voz que se faz ouvir no Oriente e à qual o Ocidente responde, dizendo: Glória, honra, vitória aos filhos dos homens! Mais alguns dias e o Espiritismo terá transposto o muro que separa a maior parte do recinto do templo dos segredos; e, nesse dia, a sociedade verá florescer no seu seio a mais bela flor espírita que, deixando suas pétalas caírem, dará uma semente regeneradora da verdadeira liberdade. O Espiritismo fez progressos, mas no dia em que tiver dado a mão à franco-maçonaria, todas as dificuldades serão vencidas, todo obstáculo retirado, a verdade transparecerá e maior progresso moral será realizado; terá transposto os primeiros degraus do trono, onde logo deverá reinar.

A vós, saudação fraternal e amizade.

Jacques Molé.


III.


Fiquei satisfeitíssimo em me juntar às discussões deste centro tão profundamente espiritualista, e venho a ele atraído por Guttemberg, como outro dia o fora por Jacquard. [v. Jacquard e Vaucanson.]

A maior parte da dissertação do grande tipógrafo tratou da questão do ponto de vista do tear, e ele não viu nessa bela invenção senão o lado prático, material, utilitário. Ampliemos o debate e coloquemos a questão mais no alto.

Seria erro acreditar que a imprensa veio substituir a arquitetura, pois esta permanecerá para continuar seu papel historiógrafo, por meio de monumentos característicos, assinalados pelo espírito de cada século, de cada geração, de cada revolução humanitária. Não, dizemos bem alto, a imprensa nada veio derrubar; veio para completar, por sua obra especial, grande e emancipadora. Chegou na hora certa, como todas as descobertas que eclodem providencialmente aqui. Contemporâneo do monge que inventou a pólvora e que, por isso, revolucionou a velha arte das batalhas, Guttemberg trouxe uma nova alavanca à expansão das ideias. Não o esqueçamos: a imprensa não podia ter sua legítima razão de ser senão pela emancipação das massas e o desenvolvimento intelectual dos indivíduos. Sem essa necessidade a satisfazer, sem esse alimento, esse maná espiritual a distribuir, por muito tempo a imprensa ainda se teria debatido no vazio e não teria sido considerada senão um sonho de louco, ou uma utopia sem alcance. Não é assim que foram tratados os primeiros inventores, melhor dizendo, os primeiros que descobriram e constataram as propriedades do vapor? Fazei Guttemberg nascer nas ilhas Andaman e a imprensa aborta fatalmente. [Vide comunicação de Guttemberg: A imprensa.]

A ideia, portanto, é a alavanca primordial que deve ser considerada. Sem a ideia, sem o trabalho fecundo dos pensadores, dos filósofos, dos ideólogos e, mesmo, dos monges sonhadores da Idade Média a imprensa teria ficado letra morta. Guttemberg pode, pois, acender mais de uma vela em honra aos dialéticos da escola, que fizeram germinar a ideia e burilar as inteligências. A ideia febril, que reveste uma forma plástica no cérebro humano, é e será sempre o maior motor das descobertas e das invenções. Criar uma necessidade nova no meio das sociedades modernas é abrir um novo caminho à ideia perpetuamente inovadora; é impelir o homem inteligente à busca do que satisfaça essa nova necessidade da Humanidade. Eis por que, por toda parte onde a ideia for soberana, onde for acolhida com respeito, enfim, onde os pensadores forem honrados, o progresso para Deus está garantido.

A franco-maçonaria, contra a qual tanto gritaram, contra a qual a Igreja romana foi pródiga em anátemas, nem por isto, deixou de sobreviver, abrindo de par em par as portas de seus templos ao culto emancipador da ideia. Em seu seio todas as questões mais graves foram tratadas e, antes que o Espiritismo tivesse aparecido, os veneráveis e os grão-mestres sabiam e professavam que a alma é imortal e que os mundos visível e invisível se comunicam entre si. É aí, nesses santuários onde os profanos não eram admitidos, que os Swedenborg, os Pasqualis, os Saint-Martin obtiveram resultados fulminantes; é aí onde essa grande Sofia, essa etérea inspiradora, veio ensinar aos primogênitos da Humanidade os dogmas emancipadores, onde 1789 hauriu seus princípios fecundos e generosos; é ai onde, muito antes dos vossos médiuns contemporâneos, precursores da vossa mediunidade, grandes desconhecidos, tinham evocado e feito aparecerem os sábios da antiguidade e dos primeiros séculos desta era; é aí… Mas eu me detenho. O quadro restrito de vossas sessões, o tempo que se escoa, não me permitem alongar-me, como gostaria, sobre esse assunto interessante. A ele voltaremos mais tarde. Tudo quanto direi é que o Espiritismo encontrará no seio das lojas maçônicas uma falange numerosa e compacta de crentes, não de crentes efêmeros, mas sérios, resolutos e inabaláveis em sua fé.

O Espiritismo realiza todas as aspirações generosas e beneficentes da franco-maçonaria; sanciona as crenças que esta professa, dando provas irrecusáveis da imortalidade da alma; conduz a Humanidade ao objetivo que ela se propõe: a união, a paz, a fraternidade universal, pela fé em Deus e no futuro. Os espíritas sinceros de todas as nações, de todos os cultos e de todas as camadas sociais não se olham como irmãos? Entre eles não há uma verdadeira franco-maçonaria, com a só diferença de que, em vez de secreta, é praticada aos olhos de todos? Homens esclarecidos, como os que possui, que põem suas luzes acima dos preconceitos de camarilhas e de castas, não pode ver com indiferença o movimento que esta nova doutrina, essencialmente emancipadora, produz no mundo. Repelir um elemento tão poderoso de progresso moral seria abjurar seus princípios e pôr-se ao nível de homens retrógrados. Não; tenho certeza de que não se deixarão desviar, pois vejo que, sob a nossa influência, vão chamar a si esta grave questão.

O Espiritismo é uma corrente irresistível de ideias, que deve ganhar todo o mundo: é apenas questão de tempo. Ora, seria desconhecer o caráter da instituição maçônica crer que esta possa se aniquilar e representar um papel negativo em meio ao movimento que impele a Humanidade para frente; crer, sobretudo, que ela apague o facho, como se temesse a luz.

Que fique bem claro que aqui falo da alta franco-maçonaria, e não dessas lojas feitas para a ilusão, onde mais se reúnem para comer e beber, ou para rir das perplexidades que inocentes experiências causam aos neófitos, do que para discutir questões de moral e de filosofia. Era mesmo necessário, para que a franco-maçonaria pudesse continuar sua vasta missão sem entraves, que houvesse, de espaço em espaço, de raio em raio, de meridiano em meridiano, templos fora do templo, lugares profanos fora dos lugares sagrados, falsos tabernáculos fora da arca. É nesses centros que, inutilmente, os adeptos do Espiritismo têm tentado se fazerem entendidos.

Em suma, a franco-maçonaria ensinou o dogma precursor do vosso e, em segredo, professou o que proclamais dos telhados. Como disse, voltarei a estas questões, caso o permitam os grandes Espíritos que presidem aos vossos trabalhos. Por ora, afirmo que a Doutrina Espírita pode perfeitamente unir-se à das grandes lojas do Oriente. Agora, glória ao Grande Arquiteto!


Um antigo franco-maçon, Vaucanson.






Maio VARIEDADES

Maio

Eu vos conjuro, meus filhos, em nome dos deuses de nossa pátria, a ter respeito um pelo outro, caso conserveis algum desejo de me agradar, pois imagino que não considereis como certo que eu não seja mais nada quando tiver cessado de viver. Até agora minha alma ficou oculta aos vossos olhos; mas por suas operações, reconhecíeis que ela existia.

Não notastes também de que terrores são atormentados os homicidas pelas almas dos inocentes que fizeram morrer, e que vinganças elas tomam desses ímpios? Pensais que o culto que se presta aos mortos teria sido mantido até hoje, caso se acreditasse que suas almas fossem destituídas de todo poder? Para mim, meus filhos, jamais pude persuadir-me de que a alma, que vive enquanto está num corpo mortal, se extinga desde que dele saiu, pois vejo que é ela que vivifica os corpos destrutíveis, enquanto os habita. Também jamais me pude convencer de que ela perca sua faculdade de raciocinar no momento em que se separa de um corpo incapaz de pensar; é natural crer que a alma, então mais pura e desprendida da matéria, goze plenamente de sua inteligência. Quando um homem está morto, veem-se as diferentes partes que o compunham, unir-se aos elementos a que pertenciam: só a alma escapa aos olhares, quer durante sua estada no corpo, quer quando o deixa.

Sabeis que é durante o sono, imagem da morte, que mais a alma se aproxima da Divindade e que, nesse estado, muitas vezes prevê o futuro, sem dúvida porque, então, está inteiramente livre.

Ora, se estas coisas são como penso, e se a alma sobrevive ao corpo que abandona, fazei, em respeito à minha, o que vos recomendo; se eu estiver errado, se a alma ficar com o corpo e perecer com ele, ao menos temei os deuses, que não morrem, que tudo veem, que podem tudo, que sustentam no Universo essa ordem imutável, inalterável, invariável, cuja magnificência e majestade estão acima de qualquer expressão.

Que esse temor vos preserve de toda ação, de todo pensamento que ofenda a piedade ou a justiça… Mas sinto que minha alma me abandona; sinto-o pelos sintomas que de ordinário anunciam a nossa dissolução.


Observação. – Um espírita teria bem pouco a acrescentar a essas notáveis palavras, dignas de um filósofo cristão e onde se acham admiravelmente descritos os atributos especiais do corpo e da alma: o corpo material, destrutível, cujos elementos se dispersam, para unir-se aos elementos similares e que, durante a vida, só age por impulso do princípio inteligente; depois a alma, sobrevivendo ao corpo, conservando sua individualidade e gozando das maiores percepções quando desprendida da matéria; a liberdade da alma durante o sono; enfim, a ação da alma dos mortos sobre os vivos.

Além disso, pode ainda notar-se a distinção feita entre os deuses e a Divindade propriamente dita. Os deuses não passavam de Espíritos, em diferentes graus de elevação, encarregados de presidir, cada um em sua especialidade, a todas as coisas deste mundo, na ordem moral e na ordem material. Os deuses da pátria eram os Espíritos protetores da pátria, como os deuses lares o eram da família. Os deuses, ou Espíritos superiores, não se comunicavam aos homens senão por meio de Espíritos subalternos, chamados demônios. O vulgo não ia além disto; mas os filósofos e os iniciados reconheciam um Ser Supremo, criador e ordenador de todas as coisas. [v. Ciro.]




Abril INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS

Abril

Nota. – Nesta sessão foram dirigidos agradecimentos ao Espírito Guttemberg, com o pedido de tomar parte em nossas conversas, quando julgasse conveniente.

Na mesma sessão, a presença de vários dignitários estrangeiros da Ordem Maçônica motivou a seguinte pergunta: Que concurso o Espiritismo pode encontrar na Franco-maçonaria?

Várias dissertações foram obtidas sobre o assunto.


I.


Senhor Presidente, agradeço o vosso amável convite. É a primeira vez que uma de minhas comunicações é lida na Sociedade Espírita de Paris e, espero, não será a última.

Talvez tenhais achado em minhas reflexões, um tanto longas sobre a imprensa, alguns pensamentos que não aprovais completamente. Mas, refletindo na dificuldade que sentimos ao nos pormos em relação com os médiuns e utilizar as suas faculdades, havereis de passar de leve sobre certas expressões ou modo de dizer, que nem sempre dominamos. Mais tarde a eletricidade fará a sua revolução mediúnica, e como tudo será mudado na maneira de reproduzir o pensamento do Espírito, não mais encontrareis essas lacunas por vezes lamentáveis, sobretudo quando as comunicações são lidas diante de estranhos.

Falastes da franco-maçonaria, e tendes razão de nela esperar encontrar bons elementos. O que se pede a todo maçom iniciado? Crer na imortalidade da alma, no Divino Arquiteto e em seres benfeitores, devotados, sociáveis, dignos e humildes. Ali se pratica a igualdade na mais larga escala. Há, pois, nessas sociedades uma afinidade com o Espiritismo de tal modo evidente que salta aos olhos.

A questão do Espiritismo foi posta na ordem do dia em várias lojas e eis o resultado: leram volumosos relatórios muito complicados a este respeito, mas não o estudaram a fundo, o que fez que nisto, como em muitas outras coisas, discutissem um tema que não conheciam, julgando por ouvir dizer, mais do que pela realidade. Entretanto, muitos maçons são espíritas e trabalham bastante na propagação dessa crença. Todos escutam, e se o hábito diz: Não, a razão diz: Sim.

Esperai, então, porque o tempo é um aliciador sem igual; por ele as impressões se modificam e, necessariamente, no vasto campo dos estudos, abertos nas lojas, o estudo espírita entrará como complemento; isto já está no ar. Riram, falaram; não riem mais, meditam.

Assim, tereis um seminário espírita nessas sociedades essencialmente liberais. Por elas entrareis plenamente neste segundo período, que deve preparar os caminhos prometidos. Os homens inteligentes da maçonaria vos bendirão por sua vez, pois a moral dos Espíritos dará um corpo a esta seita tão comprometida, tão temida, mas que tem feito mais bem do que se pensa.

Tudo tem um parto laborioso, uma afinidade misteriosa; e se isto existe para o que perturba as camadas sociais, é muito mais verdadeiro para o que conduz o progresso moral dos povos.


Guttemberg.

(Médium: Sr. Leymarie.)


II.


Meu caro irmão em doutrina (o Espírito se dirige a um dos franco-maçons espíritas presentes na sessão), venho com alegria responder ao benévolo apelo que fazeis aos Espíritos que amaram e fundaram as instituições franco-maçônicas. Para consolidar essa instituição generosa, duas vezes derramei o meu sangue; duas vezes as praças públicas desta cidade ficaram tintas do sangue do pobre Jacques Molé. Caros irmãos, seria preciso dá-lo uma terceira vez? Direi com satisfação: não. Já vos foi dito: Quanto mais sangue, mais despotismo, mais carrascos! Uma sociedade de irmãos, de amigos, de homens cheios de boa vontade, que só desejam uma coisa: conhecer a verdade para fazer o bem! Eu ainda não me havia comunicado nesta assembleia. Enquanto falastes de ciência espírita, de filosofia espírita, cedi o lugar aos Espíritos que são mais aptos a vos dar conselhos sobre esses vários pontos e esperava pacientemente, sabendo que chegaria a minha vez. Há tempo para tudo, como há um momento para cada um. Assim, creio que soou a hora e é o momento oportuno. Posso, pois, dar-vos a minha opinião no que respeita ao Espiritismo e à franco-maçonaria.

As instituições maçônicas foram para a sociedade um encaminhamento à felicidade. Numa época em que toda ideia liberal era considerada um crime, os homens precisavam de uma força que, embora inteiramente submissa às leis, não fosse menos emancipada por suas crenças, por suas instituições e pela unidade de seu ensino. Nessa época a religião ainda era, não uma mãe consoladora, mas uma força despótica que, pela voz de seus ministros, ordenava, feria, fazia tudo se curvar à sua vontade; era um assunto de pavor para quem quisesse, como livre-pensador, agir e dar aos homens sofredores alguma coragem e, no infortúnio, algum consolo moral. Unidos pelo coração, pela fortuna e pela caridade, nossos templos foram os únicos altares onde não se havia desconhecido o verdadeiro Deus, onde o homem ainda podia dizer-se homem, onde a criança podia esperar encontrar, mais tarde, um protetor, e o abandonado, amigos.

Vários séculos se passaram e cada um juntou algumas flores à coroa maçônica. Foram mártires, homens letrados, legisladores, que aumentaram a sua glória, tornando-se seus defensores e conservadores. No século dezenove vem o Espiritismo, com seu facho luminoso, dar a mão aos comendadores, aos rosa-cruzes, e com voz trovejante lhes grita: Vamos, meus irmãos; eu sou verdadeiramente a voz que se faz ouvir no Oriente e à qual o Ocidente responde, dizendo: Glória, honra, vitória aos filhos dos homens! Mais alguns dias e o Espiritismo terá transposto o muro que separa a maior parte do recinto do templo dos segredos; e, nesse dia, a sociedade verá florescer no seu seio a mais bela flor espírita que, deixando suas pétalas caírem, dará uma semente regeneradora da verdadeira liberdade. O Espiritismo fez progressos, mas no dia em que tiver dado a mão à franco-maçonaria, todas as dificuldades serão vencidas, todo obstáculo retirado, a verdade transparecerá e maior progresso moral será realizado; terá transposto os primeiros degraus do trono, onde logo deverá reinar.

A vós, saudação fraternal e amizade.

Jacques Molé.


III.


Fiquei satisfeitíssimo em me juntar às discussões deste centro tão profundamente espiritualista, e venho a ele atraído por Guttemberg, como outro dia o fora por Jacquard. [v. Jacquard e Vaucanson.]

A maior parte da dissertação do grande tipógrafo tratou da questão do ponto de vista do tear, e ele não viu nessa bela invenção senão o lado prático, material, utilitário. Ampliemos o debate e coloquemos a questão mais no alto.

Seria erro acreditar que a imprensa veio substituir a arquitetura, pois esta permanecerá para continuar seu papel historiógrafo, por meio de monumentos característicos, assinalados pelo espírito de cada século, de cada geração, de cada revolução humanitária. Não, dizemos bem alto, a imprensa nada veio derrubar; veio para completar, por sua obra especial, grande e emancipadora. Chegou na hora certa, como todas as descobertas que eclodem providencialmente aqui. Contemporâneo do monge que inventou a pólvora e que, por isso, revolucionou a velha arte das batalhas, Guttemberg trouxe uma nova alavanca à expansão das ideias. Não o esqueçamos: a imprensa não podia ter sua legítima razão de ser senão pela emancipação das massas e o desenvolvimento intelectual dos indivíduos. Sem essa necessidade a satisfazer, sem esse alimento, esse maná espiritual a distribuir, por muito tempo a imprensa ainda se teria debatido no vazio e não teria sido considerada senão um sonho de louco, ou uma utopia sem alcance. Não é assim que foram tratados os primeiros inventores, melhor dizendo, os primeiros que descobriram e constataram as propriedades do vapor? Fazei Guttemberg nascer nas ilhas Andaman e a imprensa aborta fatalmente. [Vide comunicação de Guttemberg: A imprensa.]

A ideia, portanto, é a alavanca primordial que deve ser considerada. Sem a ideia, sem o trabalho fecundo dos pensadores, dos filósofos, dos ideólogos e, mesmo, dos monges sonhadores da Idade Média a imprensa teria ficado letra morta. Guttemberg pode, pois, acender mais de uma vela em honra aos dialéticos da escola, que fizeram germinar a ideia e burilar as inteligências. A ideia febril, que reveste uma forma plástica no cérebro humano, é e será sempre o maior motor das descobertas e das invenções. Criar uma necessidade nova no meio das sociedades modernas é abrir um novo caminho à ideia perpetuamente inovadora; é impelir o homem inteligente à busca do que satisfaça essa nova necessidade da Humanidade. Eis por que, por toda parte onde a ideia for soberana, onde for acolhida com respeito, enfim, onde os pensadores forem honrados, o progresso para Deus está garantido.

A franco-maçonaria, contra a qual tanto gritaram, contra a qual a Igreja romana foi pródiga em anátemas, nem por isto, deixou de sobreviver, abrindo de par em par as portas de seus templos ao culto emancipador da ideia. Em seu seio todas as questões mais graves foram tratadas e, antes que o Espiritismo tivesse aparecido, os veneráveis e os grão-mestres sabiam e professavam que a alma é imortal e que os mundos visível e invisível se comunicam entre si. É aí, nesses santuários onde os profanos não eram admitidos, que os Swedenborg, os Pasqualis, os Saint-Martin obtiveram resultados fulminantes; é aí onde essa grande Sofia, essa etérea inspiradora, veio ensinar aos primogênitos da Humanidade os dogmas emancipadores, onde 1789 hauriu seus princípios fecundos e generosos; é ai onde, muito antes dos vossos médiuns contemporâneos, precursores da vossa mediunidade, grandes desconhecidos, tinham evocado e feito aparecerem os sábios da antiguidade e dos primeiros séculos desta era; é aí… Mas eu me detenho. O quadro restrito de vossas sessões, o tempo que se escoa, não me permitem alongar-me, como gostaria, sobre esse assunto interessante. A ele voltaremos mais tarde. Tudo quanto direi é que o Espiritismo encontrará no seio das lojas maçônicas uma falange numerosa e compacta de crentes, não de crentes efêmeros, mas sérios, resolutos e inabaláveis em sua fé.

O Espiritismo realiza todas as aspirações generosas e beneficentes da franco-maçonaria; sanciona as crenças que esta professa, dando provas irrecusáveis da imortalidade da alma; conduz a Humanidade ao objetivo que ela se propõe: a união, a paz, a fraternidade universal, pela fé em Deus e no futuro. Os espíritas sinceros de todas as nações, de todos os cultos e de todas as camadas sociais não se olham como irmãos? Entre eles não há uma verdadeira franco-maçonaria, com a só diferença de que, em vez de secreta, é praticada aos olhos de todos? Homens esclarecidos, como os que possui, que põem suas luzes acima dos preconceitos de camarilhas e de castas, não pode ver com indiferença o movimento que esta nova doutrina, essencialmente emancipadora, produz no mundo. Repelir um elemento tão poderoso de progresso moral seria abjurar seus princípios e pôr-se ao nível de homens retrógrados. Não; tenho certeza de que não se deixarão desviar, pois vejo que, sob a nossa influência, vão chamar a si esta grave questão.

O Espiritismo é uma corrente irresistível de ideias, que deve ganhar todo o mundo: é apenas questão de tempo. Ora, seria desconhecer o caráter da instituição maçônica crer que esta possa se aniquilar e representar um papel negativo em meio ao movimento que impele a Humanidade para frente; crer, sobretudo, que ela apague o facho, como se temesse a luz.

Que fique bem claro que aqui falo da alta franco-maçonaria, e não dessas lojas feitas para a ilusão, onde mais se reúnem para comer e beber, ou para rir das perplexidades que inocentes experiências causam aos neófitos, do que para discutir questões de moral e de filosofia. Era mesmo necessário, para que a franco-maçonaria pudesse continuar sua vasta missão sem entraves, que houvesse, de espaço em espaço, de raio em raio, de meridiano em meridiano, templos fora do templo, lugares profanos fora dos lugares sagrados, falsos tabernáculos fora da arca. É nesses centros que, inutilmente, os adeptos do Espiritismo têm tentado se fazerem entendidos.

Em suma, a franco-maçonaria ensinou o dogma precursor do vosso e, em segredo, professou o que proclamais dos telhados. Como disse, voltarei a estas questões, caso o permitam os grandes Espíritos que presidem aos vossos trabalhos. Por ora, afirmo que a Doutrina Espírita pode perfeitamente unir-se à das grandes lojas do Oriente. Agora, glória ao Grande Arquiteto!


Um antigo franco-maçon, Vaucanson.






Março INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS

Março

1. Nota. – O Sr. Leymarie, nosso colega, tendo certo dia levantado mais cedo que de costume e levado por uma força involuntária, sentiu-se induzido a escrever e obteve a seguinte dissertação espontânea:


Uma geração de operários amaldiçoou meu nome. Tinham razão? Estavam errados? Ah! o futuro deveria responder.

Eu tinha uma ideia fixa: a de aperfeiçoar e, sobretudo, economizar, suprimindo algumas mãos; como Vaucanson, eu queria simplificar o tear, que tomava a criança em baixa idade para dela fazer um pária singular, pálida, mirrada, débil, ar abobalhado, de linguagem burlesca, e que formava uma população à parte em minha cidade natal.

Meu Espírito vivia em contínua tensão; eu dormia para achar, ao despertar, um novo plano; em vez de imagens e sentimentos, meu pensamento era uma engrenagem, um cilindro, molas, polias, alavancas; em meus sonhos aparecia-me o meu anjo-da-guarda, que punha em movimento todas as minhas inspirações, todas as obras das mãos do homem. Haviam dito com razão: “Os mecânicos são os poetas da matéria.” As mais belas máquinas saíram prontas e acabadas do cérebro de um operário; as noções de mecânica que ele não possui, criou-as de novo; a paciência e a imaginação são os seus únicos recursos. Na verdade é uma inspiração dos bons Espíritos, desprezada pelas academias ou cientistas de profissão; mas não é menos certo que se Arquimedes e Vaucanson são os gênios da mecânica, os 5irgílios, se quiserdes, não passam dessa paciência, aliada a uma viva imaginação, que cria todas as descobertas com que se honra a Humanidade; e isto por quem? Por monges, ceramistas, cardadores de lã, pastores, marinheiros, um operário da seda, um ferreiro ignorante.

Humilde operário, eu não era um gênio, mas, como tantos outros, um predestinado, chamado a simplificar um tear que amputava os membros, abreviando a vida de milhares de crianças. Suprimi um suplício físico; servindo à indústria, servi ao gênero humano.

Deve-se admirar a Providência, que se serve do pobre Jacquard para transformar um tear que alimenta milhares, que digo eu? milhões de homens na Terra; e é um inseto, cujo túmulo assalaria, transforma e nutre dois quintos do globo. Deus não é um mecânico maravilhoso? Criou o bicho da seda, esse engenhoso artista, no qual fez encontrar o mais vasto problema de economia política. Que ensinamento para os orgulhosos e os indiferentes!

Questão de máquinas! terrível questão! Cada invenção arranca a ferramenta e o pão de populações inteiras; o inventor é, pois, um inimigo próximo e um benfeitor distante; decuplica o poder da arte e da indústria; multiplica o trabalho no futuro; merece bem da Humanidade, mas, também, não causa um mal no presente? O primeiro inventor da máquina de fiar destruiu o recurso de muita gente. Quem fiava a matéria bruta senão a mãe de família, a pastora, as velhas? Por mínimo que fosse o seu salário, ao menos as vestia, as fazia viver de alguma maneira.

Semelhantes aos inventores de verdades religiosas, políticas ou morais, os inventores de máquinas revolucionam a matéria; precursores do futuro, abrem violentamente seu caminho através dos interesses, espezinhando o passado; assim, esperando uma recompensa longínqua, são amaldiçoados por seus concidadãos.

Pobre Humanidade! És estúpida se te deténs, cruel se avanças. Conforme Deus, não deves ficar estacionária, se não quiseres perpetuar o mal; mas, para fazer o bem, és revolucionária a despeito de tudo.

E é por isto que neste tempo de transição Deus vos diz: Sede espíritas, isto é, profundamente imbuídos de iniciativa moral e desinteressada, isto é, prestes a todos os sacrifícios, a fim de que vossa assistência se realize.

Como o bicho da seda, rastejei penosamente, sustentado pelos bons Espíritos; como ele, constrói o meu casulo, dando tudo o que tinha; como ele, meus contemporâneos me desprezaram; mas, também, como ele, o Espírito renasce das cinzas para viver verdadeiramente e admirar esse mecânico dos mundos, esse Deus de luz e de bondade, que quis mostrar à minha cidade natal esse Espírito de verdade que a vivifica e a consola.


Jacquard


2. — Depois de lida esta comunicação na Sociedade de Paris, na sessão de 12 de fevereiro de 1864, evocou-se o Espírito Jacquard, ao qual foram dirigidas as perguntas que se seguem, com as seguintes respostas.


(Sociedade Espírita de Paris, 12 de fevereiro de 1864. – Médium: Sr. Leymarie.)

Pergunta – Sem dúvida já deveis ter dado comunicações em Lyon; no entanto, não me lembro de ter visto comunicações vossas. Como foi que viestes dar a dissertação, que acabamos de ler, ao Sr. Leymarie, em Paris, e não em um dos centros espíritas de Lyon? Por que o Sr. Leymarie foi, de certo modo, constrangido a levantar-se bem cedo para escrever a comunicação? Enfim, que pensais do Espiritismo em Lyon?

Resposta – É natural que me tenha comunicado tanto em Paris quanto em minha cidade natal, porque os pais do médium são lioneses e, particularmente, porque conheci o seu avô, que me prestou importante serviço em circunstância excepcional. E depois, o médium me foi designado pelo Espírito de seu avô, que realiza no mundo dos Espíritos uma missão idêntica à minha. E como essa missão me deixa alguns instantes livres, julguei não abusar do sono do médium, cujo devotamento, como o de tantos outros, é dedicado à causa a que serve.

Também desejava que meus compatriotas tivessem notícias minhas pela Revista Espírita. Estando sempre junto a eles, partilhando de suas alegrias e tristezas, não cessando de lhes dizer: “Amai-vos e vos estimai”, eu queria, unindo a minha a outras vozes mais influentes, estimulá-los, nesse momento de desemprego e de dificuldade, a se prepararem contra as eventualidades, contra o inimigo.

Por Lyon podeis compreender o que pode o Espiritismo interpretado com bom-senso. Em que se tornaram as violências do passado, essas recriminações injustas, essas rebeliões que ensanguentaram a colmeia lionesa? E esses cabarés, outrora testemunhas de cenas licenciosas, por que hoje se esvaziam? É que a família retomou seus direitos por toda parte onde penetrou o Espiritismo e se fez sentir a sua influência benéfica; e por toda parte os operários espíritas retornaram à esperança, à ordem, ao trabalho inteligente, ao desejo de bem fazer, à vontade de progredir.

Em meu tempo foi a minha invenção que, não mais tornando o tecelão escravo da máquina, pôde regenerar todo um mundo de trabalhadores; e, por sua vez, é o Espiritismo que transforma o espírito dessa população, dando-lhe a verdadeira iniciação à vida; é toda uma legião de bons Espíritos que vêm abrir os olhos à inteligência e ao amor corações até então pervertidos.

Hoje o Espiritismo entra em nova fase, pois é tempo das aspirações generosas. A burguesia, ainda submetida ao alto clero, fica como espectadora do combate pacífico que a ideia nova oferece ao non possumus do passado. E todos esperam o fim da batalha, a fim de se colocarem ao lado dos vencedores.

Assim, caros compatriotas, escutai e segui os conselhos de Allan Kardec: são os de vossos Espíritos protetores. É por eles que afastareis o perigo das colisões e, mesmo, das coalizões. Quanto mais humildes e sérios, tanto mais fortes sereis. Os arrogantes arriarão a bandeira diante da verdade que os ofuscará; é então que se dará a transformação espiritual dessa grande cidade, que todos amamos e que quer bem particularmente à Sociedade Espírita de Paris, por sua fé no futuro e as boas esperanças que soube realizar.


Jacquard.


3. — Na mesma sessão, enquanto Jacquard escrevia a comunicação que acabamos de ler, outro médium, o Sr. d’Ambel obtinha outra sobre o mesmo assunto, assinada pelo Espírito Vaucanson.


OBJETIVO FINAL DO HOMEM NA TERRA.


Outrora os homens eram atrelados à charrua e sacrificados em trabalhos gigantescos. A construção das muralhas da Babilônia, onde vários carros marchavam lado a lado, a edificação das Pirâmides e a instalação da Esfinge custaram mais de dez batalhas sangrentas. Mais tarde os animais foram subjugados juntamente com os homens e vimos, na jovem Lutécia, bois atrelados arrastarem o carro onde se refestelavam os reis indolentes da segunda raça.

Este preâmbulo tem por objetivo mostrar aos que nos ouvem, que todas as perguntas feitas neste simpático centro aos Espíritos têm sua solução, por um ou outro de nós. Esse caro Jacquard, essa glória do tear, esse artesão engenhoso que caiu como um valente soldado no campo de honra do trabalho, tratou um lado das questões econômicas que se ligam ao labor humanitário. Ele me pôs um pouco em causa; falando das modificações que eu tinha feito na arte do tecelão, chamou-me, a bem dizer, para fazer a minha parte nesse concerto espiritual. Eis por que, encontrando entre vós um médium, como eu nascido na velha cidade dos Allobroges, esta rainha do Grésivaudan, dele me apodero com a permissão de seus guias habituais e venho completar por uma parte a exposição que meu ilustre amigo de Lyon vos deu por outro médium.

Em sua dissertação, aliás muito notável, ainda exprime certas queixas que, sob o inventor, descobrem o operário cioso de seu ganha-pão e temeroso do desemprego homicida; sente-se que o pai de família se apavora com a suspensão do trabalho, do qual depende a vida dos seus; adivinha-se o cidadão que freme ante o desastre que pode atingir a maioria de seus compatriotas. Na verdade esse sentimento é dos mais honrosos, mas denota um ponto de vista de certa estreiteza. Venho tratar da mesma questão que Jacquard, se não mais largamente que ele, ao menos de um ponto de vista mais geral. Contudo, devo constatar, para homenagear a quem de direito, que a generosa conclusão da comunicação de meu amigo resgata amplamente o lado defeituoso que assinalo.

O homem não foi feito para ficar como instrumento ininteligente de produções; por suas aptidões e seu lugar na Criação, por seu destino, é chamado a outra função, além da máquina, a um outro papel, que não o do cavalo de carrossel; deve, nos limites fixados por seu adiantamento, chegar a produzir cada vez mais intelectualmente e, enfim, emancipar-se desse estado de servilismo e de engrenagem sem inteligência, a que, durante tantas gerações, ficou escravizado. O operário é chamado a tornar-se engenheiro, a ver seus braços laboriosos substituídos por máquinas mais ativas, mais infatigáveis e mais precisas; o artesão deve tornar-se artista e conduzir o trabalho mecânico por um esforço do seu pensamento, e não mais por um esforço braçal. Aí está a prova irrecusável desta lei tão vasta do progresso, que rege todas as humanidades.

Agora que vos é permitido entrever, por uma escapadela na vida futura, a verdade dos destinos humanos; agora que estais convencidos de que esta existência não passa de um dos elos de vossa vida imortal, podeis exclamar: Que importa que cem mil indivíduos sucumbam, quando uma máquina foi descoberta para fazer o trabalho desses cem mil? Para o filósofo, que se eleva acima dos preconceitos e interesses terrenos, o fato prova, com muita singeleza, que o homem não estava mais em seu caminho, quando se consagrava a esse labor condenado pela Providência. Com efeito, é no âmbito de sua inteligência que o homem, doravante, deve fazer passar a grade e a charrua que fecundam; é unicamente por sua inteligência que poderá e deverá chegar ao melhor.

Rogo que não deis às minhas palavras um sentido por demais revolucionário; não! Mas deixai-lhes o sentido largo e superior, que comporta um ensinamento espírita, que se dirige a inteligências já avançadas e prontas a compreender todo o alcance de nossas instruções. Está provado que, se de hoje para amanhã, o artesão abandonasse o tear que o faz viver, sob pretexto de que, num dado momento, este seria substituído por um mecanismo ou qualquer outro invento, por certo seguiria uma via fatal e contrária a todas as lições dadas pelo Espiritismo.

Mas todas as nossas reflexões não têm senão um objetivo: demonstrar que ninguém deve gritar contra um progresso que substitui braços humanos por molas e engrenagens mecânicas. Além disso, é bom acrescentar que a Humanidade pagou largo preço à miséria e que, penetrando cada vez mais em todas as camadas sociais, a instrução tornará cada indivíduo mais e mais apto para funções inteligentemente chamadas liberais.

É difícil a um Espírito, que se comunica pela primeira vez a um médium, exprimir seu pensamento com muita clareza. Assim, relevareis o desconcerto de minha comunicação, cuja conclusão aqui está em duas palavras: O homem é um agente espiritual que deve chegar, num tempo não muito distante, a submeter ao seu serviço e para todas as operações materiais a própria matéria, dando-lhe por único motor a inteligência, que desabrocha nos cérebros humanos.


Vaucanson.





Abril INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS

Abril

Nota. – Nesta sessão foram dirigidos agradecimentos ao Espírito Guttemberg, com o pedido de tomar parte em nossas conversas, quando julgasse conveniente.

Na mesma sessão, a presença de vários dignitários estrangeiros da Ordem Maçônica motivou a seguinte pergunta: Que concurso o Espiritismo pode encontrar na Franco-maçonaria?

Várias dissertações foram obtidas sobre o assunto.


I.


Senhor Presidente, agradeço o vosso amável convite. É a primeira vez que uma de minhas comunicações é lida na Sociedade Espírita de Paris e, espero, não será a última.

Talvez tenhais achado em minhas reflexões, um tanto longas sobre a imprensa, alguns pensamentos que não aprovais completamente. Mas, refletindo na dificuldade que sentimos ao nos pormos em relação com os médiuns e utilizar as suas faculdades, havereis de passar de leve sobre certas expressões ou modo de dizer, que nem sempre dominamos. Mais tarde a eletricidade fará a sua revolução mediúnica, e como tudo será mudado na maneira de reproduzir o pensamento do Espírito, não mais encontrareis essas lacunas por vezes lamentáveis, sobretudo quando as comunicações são lidas diante de estranhos.

Falastes da franco-maçonaria, e tendes razão de nela esperar encontrar bons elementos. O que se pede a todo maçom iniciado? Crer na imortalidade da alma, no Divino Arquiteto e em seres benfeitores, devotados, sociáveis, dignos e humildes. Ali se pratica a igualdade na mais larga escala. Há, pois, nessas sociedades uma afinidade com o Espiritismo de tal modo evidente que salta aos olhos.

A questão do Espiritismo foi posta na ordem do dia em várias lojas e eis o resultado: leram volumosos relatórios muito complicados a este respeito, mas não o estudaram a fundo, o que fez que nisto, como em muitas outras coisas, discutissem um tema que não conheciam, julgando por ouvir dizer, mais do que pela realidade. Entretanto, muitos maçons são espíritas e trabalham bastante na propagação dessa crença. Todos escutam, e se o hábito diz: Não, a razão diz: Sim.

Esperai, então, porque o tempo é um aliciador sem igual; por ele as impressões se modificam e, necessariamente, no vasto campo dos estudos, abertos nas lojas, o estudo espírita entrará como complemento; isto já está no ar. Riram, falaram; não riem mais, meditam.

Assim, tereis um seminário espírita nessas sociedades essencialmente liberais. Por elas entrareis plenamente neste segundo período, que deve preparar os caminhos prometidos. Os homens inteligentes da maçonaria vos bendirão por sua vez, pois a moral dos Espíritos dará um corpo a esta seita tão comprometida, tão temida, mas que tem feito mais bem do que se pensa.

Tudo tem um parto laborioso, uma afinidade misteriosa; e se isto existe para o que perturba as camadas sociais, é muito mais verdadeiro para o que conduz o progresso moral dos povos.


Guttemberg.

(Médium: Sr. Leymarie.)


II.


Meu caro irmão em doutrina (o Espírito se dirige a um dos franco-maçons espíritas presentes na sessão), venho com alegria responder ao benévolo apelo que fazeis aos Espíritos que amaram e fundaram as instituições franco-maçônicas. Para consolidar essa instituição generosa, duas vezes derramei o meu sangue; duas vezes as praças públicas desta cidade ficaram tintas do sangue do pobre Jacques Molé. Caros irmãos, seria preciso dá-lo uma terceira vez? Direi com satisfação: não. Já vos foi dito: Quanto mais sangue, mais despotismo, mais carrascos! Uma sociedade de irmãos, de amigos, de homens cheios de boa vontade, que só desejam uma coisa: conhecer a verdade para fazer o bem! Eu ainda não me havia comunicado nesta assembleia. Enquanto falastes de ciência espírita, de filosofia espírita, cedi o lugar aos Espíritos que são mais aptos a vos dar conselhos sobre esses vários pontos e esperava pacientemente, sabendo que chegaria a minha vez. Há tempo para tudo, como há um momento para cada um. Assim, creio que soou a hora e é o momento oportuno. Posso, pois, dar-vos a minha opinião no que respeita ao Espiritismo e à franco-maçonaria.

As instituições maçônicas foram para a sociedade um encaminhamento à felicidade. Numa época em que toda ideia liberal era considerada um crime, os homens precisavam de uma força que, embora inteiramente submissa às leis, não fosse menos emancipada por suas crenças, por suas instituições e pela unidade de seu ensino. Nessa época a religião ainda era, não uma mãe consoladora, mas uma força despótica que, pela voz de seus ministros, ordenava, feria, fazia tudo se curvar à sua vontade; era um assunto de pavor para quem quisesse, como livre-pensador, agir e dar aos homens sofredores alguma coragem e, no infortúnio, algum consolo moral. Unidos pelo coração, pela fortuna e pela caridade, nossos templos foram os únicos altares onde não se havia desconhecido o verdadeiro Deus, onde o homem ainda podia dizer-se homem, onde a criança podia esperar encontrar, mais tarde, um protetor, e o abandonado, amigos.

Vários séculos se passaram e cada um juntou algumas flores à coroa maçônica. Foram mártires, homens letrados, legisladores, que aumentaram a sua glória, tornando-se seus defensores e conservadores. No século dezenove vem o Espiritismo, com seu facho luminoso, dar a mão aos comendadores, aos rosa-cruzes, e com voz trovejante lhes grita: Vamos, meus irmãos; eu sou verdadeiramente a voz que se faz ouvir no Oriente e à qual o Ocidente responde, dizendo: Glória, honra, vitória aos filhos dos homens! Mais alguns dias e o Espiritismo terá transposto o muro que separa a maior parte do recinto do templo dos segredos; e, nesse dia, a sociedade verá florescer no seu seio a mais bela flor espírita que, deixando suas pétalas caírem, dará uma semente regeneradora da verdadeira liberdade. O Espiritismo fez progressos, mas no dia em que tiver dado a mão à franco-maçonaria, todas as dificuldades serão vencidas, todo obstáculo retirado, a verdade transparecerá e maior progresso moral será realizado; terá transposto os primeiros degraus do trono, onde logo deverá reinar.

A vós, saudação fraternal e amizade.

Jacques Molé.


III.


Fiquei satisfeitíssimo em me juntar às discussões deste centro tão profundamente espiritualista, e venho a ele atraído por Guttemberg, como outro dia o fora por Jacquard. [v. Jacquard e Vaucanson.]

A maior parte da dissertação do grande tipógrafo tratou da questão do ponto de vista do tear, e ele não viu nessa bela invenção senão o lado prático, material, utilitário. Ampliemos o debate e coloquemos a questão mais no alto.

Seria erro acreditar que a imprensa veio substituir a arquitetura, pois esta permanecerá para continuar seu papel historiógrafo, por meio de monumentos característicos, assinalados pelo espírito de cada século, de cada geração, de cada revolução humanitária. Não, dizemos bem alto, a imprensa nada veio derrubar; veio para completar, por sua obra especial, grande e emancipadora. Chegou na hora certa, como todas as descobertas que eclodem providencialmente aqui. Contemporâneo do monge que inventou a pólvora e que, por isso, revolucionou a velha arte das batalhas, Guttemberg trouxe uma nova alavanca à expansão das ideias. Não o esqueçamos: a imprensa não podia ter sua legítima razão de ser senão pela emancipação das massas e o desenvolvimento intelectual dos indivíduos. Sem essa necessidade a satisfazer, sem esse alimento, esse maná espiritual a distribuir, por muito tempo a imprensa ainda se teria debatido no vazio e não teria sido considerada senão um sonho de louco, ou uma utopia sem alcance. Não é assim que foram tratados os primeiros inventores, melhor dizendo, os primeiros que descobriram e constataram as propriedades do vapor? Fazei Guttemberg nascer nas ilhas Andaman e a imprensa aborta fatalmente. [Vide comunicação de Guttemberg: A imprensa.]

A ideia, portanto, é a alavanca primordial que deve ser considerada. Sem a ideia, sem o trabalho fecundo dos pensadores, dos filósofos, dos ideólogos e, mesmo, dos monges sonhadores da Idade Média a imprensa teria ficado letra morta. Guttemberg pode, pois, acender mais de uma vela em honra aos dialéticos da escola, que fizeram germinar a ideia e burilar as inteligências. A ideia febril, que reveste uma forma plástica no cérebro humano, é e será sempre o maior motor das descobertas e das invenções. Criar uma necessidade nova no meio das sociedades modernas é abrir um novo caminho à ideia perpetuamente inovadora; é impelir o homem inteligente à busca do que satisfaça essa nova necessidade da Humanidade. Eis por que, por toda parte onde a ideia for soberana, onde for acolhida com respeito, enfim, onde os pensadores forem honrados, o progresso para Deus está garantido.

A franco-maçonaria, contra a qual tanto gritaram, contra a qual a Igreja romana foi pródiga em anátemas, nem por isto, deixou de sobreviver, abrindo de par em par as portas de seus templos ao culto emancipador da ideia. Em seu seio todas as questões mais graves foram tratadas e, antes que o Espiritismo tivesse aparecido, os veneráveis e os grão-mestres sabiam e professavam que a alma é imortal e que os mundos visível e invisível se comunicam entre si. É aí, nesses santuários onde os profanos não eram admitidos, que os Swedenborg, os Pasqualis, os Saint-Martin obtiveram resultados fulminantes; é aí onde essa grande Sofia, essa etérea inspiradora, veio ensinar aos primogênitos da Humanidade os dogmas emancipadores, onde 1789 hauriu seus princípios fecundos e generosos; é ai onde, muito antes dos vossos médiuns contemporâneos, precursores da vossa mediunidade, grandes desconhecidos, tinham evocado e feito aparecerem os sábios da antiguidade e dos primeiros séculos desta era; é aí… Mas eu me detenho. O quadro restrito de vossas sessões, o tempo que se escoa, não me permitem alongar-me, como gostaria, sobre esse assunto interessante. A ele voltaremos mais tarde. Tudo quanto direi é que o Espiritismo encontrará no seio das lojas maçônicas uma falange numerosa e compacta de crentes, não de crentes efêmeros, mas sérios, resolutos e inabaláveis em sua fé.

O Espiritismo realiza todas as aspirações generosas e beneficentes da franco-maçonaria; sanciona as crenças que esta professa, dando provas irrecusáveis da imortalidade da alma; conduz a Humanidade ao objetivo que ela se propõe: a união, a paz, a fraternidade universal, pela fé em Deus e no futuro. Os espíritas sinceros de todas as nações, de todos os cultos e de todas as camadas sociais não se olham como irmãos? Entre eles não há uma verdadeira franco-maçonaria, com a só diferença de que, em vez de secreta, é praticada aos olhos de todos? Homens esclarecidos, como os que possui, que põem suas luzes acima dos preconceitos de camarilhas e de castas, não pode ver com indiferença o movimento que esta nova doutrina, essencialmente emancipadora, produz no mundo. Repelir um elemento tão poderoso de progresso moral seria abjurar seus princípios e pôr-se ao nível de homens retrógrados. Não; tenho certeza de que não se deixarão desviar, pois vejo que, sob a nossa influência, vão chamar a si esta grave questão.

O Espiritismo é uma corrente irresistível de ideias, que deve ganhar todo o mundo: é apenas questão de tempo. Ora, seria desconhecer o caráter da instituição maçônica crer que esta possa se aniquilar e representar um papel negativo em meio ao movimento que impele a Humanidade para frente; crer, sobretudo, que ela apague o facho, como se temesse a luz.

Que fique bem claro que aqui falo da alta franco-maçonaria, e não dessas lojas feitas para a ilusão, onde mais se reúnem para comer e beber, ou para rir das perplexidades que inocentes experiências causam aos neófitos, do que para discutir questões de moral e de filosofia. Era mesmo necessário, para que a franco-maçonaria pudesse continuar sua vasta missão sem entraves, que houvesse, de espaço em espaço, de raio em raio, de meridiano em meridiano, templos fora do templo, lugares profanos fora dos lugares sagrados, falsos tabernáculos fora da arca. É nesses centros que, inutilmente, os adeptos do Espiritismo têm tentado se fazerem entendidos.

Em suma, a franco-maçonaria ensinou o dogma precursor do vosso e, em segredo, professou o que proclamais dos telhados. Como disse, voltarei a estas questões, caso o permitam os grandes Espíritos que presidem aos vossos trabalhos. Por ora, afirmo que a Doutrina Espírita pode perfeitamente unir-se à das grandes lojas do Oriente. Agora, glória ao Grande Arquiteto!


Um antigo franco-maçon, Vaucanson.






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