Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1865
Versão para cópiaCapítulo III
Janeiro - Nova cura de uma jovem obsedada de Marmande
Janeiro
Nova cura de uma jovem obsedada de Marmande
Transmite-nos o Sr. Dombre o relato seguinte de uma nova cura das mais notáveis, obtida pelo círculo espírita de Marmande. A despeito de sua extensão, julgamos dever publicá-lo de uma vez, dado o alto interesse que ele apresenta e para que se possa melhor captar o encadeamento dos fatos. Pensamos que os leitores nos serão gratos. Apenas suprimimos alguns detalhes que não nos pareceram de importância capital. Os ensinamentos dela decorrentes são numerosos e graves, e lançam uma luz nova sobre essa questão de atualidade e esses fenômenos que tendem a multiplicar-se. Dada a extensão deste artigo, faremos as considerações no próximo número, a fim de lhes dar os desenvolvimentos necessários.
Senhor Allan Kardec,
É com uma força nova e uma confiança em Deus corroborada pelos fatos que me entusiasmam sem me surpreender, que venho fazer-vos o relato de uma cura de obsessão, notável sob vários aspectos. Oh! Muito cego é quem nisto não vê o dedo de Deus! Todos os princípios da sublime doutrina do Espiritismo aí se acham confirmados: a individualidade da alma, a intervenção dos Espíritos no mundo corpóreo, a expiação, o castigo e a reencarnação são demonstrados de maneira chocante nos fatos com os quais vou entreter-vos. Lamento, como já vos disse, ser obrigado a vos falar de mim, do papel que me coube nesta circunstância, como instrumento de que Deus se dignou servir-se para ferir os olhos. Deveria eu manter silêncio acerca dos fatos relacionados comigo? Penso que não. Estais encarregado de controlar, estudar, analisar os fatos e espalhar a luz. Os menores detalhes devem, pois, ser levados ao vosso conhecimento. Deus, que lê no fundo dos corações, sabe que uma vã satisfação do amor-próprio não foi o meu móvel; aliás, não ignoro que aquele que por privilégio é chamado a fazer qualquer bem, em breve é reduzido à impotência se desconhecer um instante a intervenção divina, e será mesmo feliz se não for castigado!
Chego ao relato dos fatos.
Desde os primeiros dias de setembro de 1864, não se cogitava, em certo bairro da cidade, senão das crises convulsivas experimentadas por uma moça, Valentine Laurent, de treze anos. Essas crises, que se repetiam várias vezes por dia, eram de tal violência que cinco homens, que a sustentavam pela cabeça, pelos braços e pelas pernas, tinham dificuldade de mantê-la na cama. Ela encontrava força suficiente para agitá-los e às vezes até para desprender-se de suas mãos. Então suas mãos se agarravam a tudo. Camisas, vestidos, cobertas da cama eram rasgadas num instante; os dentes também exerciam um papel muito ativo em seus furores, apavorando com razão as pessoas que a cercavam. Se não a tivessem segurado, ela teria partido a cabeça na parede, e malgrado os esforços e as precauções, não ficou isenta de cortes e de contusões.
Não lhe faltaram os recursos da medicina. Quatro médicos a viram sucessivamente; poções de éter, pílulas, medicamentos de toda a natureza, ela tomava tudo sem repugnância; as sanguessugas atrás das orelhas, os vesicatórios nas coxas também não foram poupados, mas sem sucesso. Durante as crises, o pulso era perfeitamente regular; após as crises, nem a menor lembrança dos sofrimentos, das convulsões, mas muito espanto ao ver a casa cheia de gente e seu leito cercado de homens esbaforidos, alguns dos quais lamentavam uma camisa ou um colete rasgado.
O cura de X..., paróquia situada a dois ou três quilômetros de Marmande, gozando na região de uma celebridade nascente, entre certa gente, como curador de toda espécie de males, foi consultado pelo pai da jovem. O cura, sem conhecer a natureza do mal, lhe deu inadvertidamente um pouco de pó branco para a doente tomar, e em seguida ofereceu-se para rezar uma missa. Mas, ah! Nem o pó, nem a missa preservaram a jovem Valentine de quatorze crises no dia seguinte, o que jamais lhe havia ocorrido.
Tanto insucesso nos cuidados de toda sorte necessariamente deveriam ter feito nascer no espírito do vulgo ideias supersticiosas. Com efeito, as comadres falavam alto de malefícios e sortilégios lançados sobre a moça.
Durante esse tempo nós consultamos no silêncio da intimidade os nossos guias espirituais sobre a natureza dessa moléstia, e eis o que nos responderam:
“É uma obsessão das mais graves, cujo caráter mudará muitas vezes de fisionomia. Agi friamente, com calma; observai, estudai e chamai Germaine.”
Na primeira evocação, esse Espírito foi pródigo nas injúrias e mostrou uma grande relutância em responder às nossas interpelações. Nenhum de nós tinha entrado na casa da doente e, antes de intervir queríamos deixar a família esgotar todos os meios que a sua solicitude podia inspirar. Só quando a impotência da ciência e da Igreja foi constatada é que induzimos o pai desesperado a vir assistir à nossa reunião para saber a verdadeira causa do mal de sua filha, e o remédio moral a administrar. Essa primeira sessão foi levada a efeito no dia 16 de setembro de 1864. Antes da evocação de Germaine, nossos guias nos deram a seguinte instrução:
“Tende muito cuidado, muita senso de observação e muito zelo. Tratareis com um Espírito mistificador, que alia a astúcia e a habilidade hipócrita a um caráter muito mau. Não cesseis de estudar, de trabalhar pela moralização desse Espírito e de orar com esse propósito. Recomendai aos pais que, em presença da menina, evitem qualquer manifestação de medo por seu estado. Ele devem, ao contrário, fazê-la entregar-se às suas ocupações ordinárias, e sobretudo não ser bruscos com ela. Que lhe digam, sobretudo, que não há feiticeiros: isto é muito importante. O cérebro jovem e flexível recebe as impressões com muita facilidade e seu moral poderia sofrer com isso; que não a deixem entretida com pessoas susceptíveis de lhe contar histórias absurdas, que dão às crianças ideias falsas e por vezes perniciosas. Que os próprios pais tenham a certeza de que a prece sincera é o único remédio que deve libertar a menina.
Chego ao relato dos fatos.
Desde os primeiros dias de setembro de 1864, não se cogitava, em certo bairro da cidade, senão das crises convulsivas experimentadas por uma moça, Valentine Laurent, de treze anos. Essas crises, que se repetiam várias vezes por dia, eram de tal violência que cinco homens, que a sustentavam pela cabeça, pelos braços e pelas pernas, tinham dificuldade de mantê-la na cama. Ela encontrava força suficiente para agitá-los e às vezes até para desprender-se de suas mãos. Então suas mãos se agarravam a tudo. Camisas, vestidos, cobertas da cama eram rasgadas num instante; os dentes também exerciam um papel muito ativo em seus furores, apavorando com razão as pessoas que a cercavam. Se não a tivessem segurado, ela teria partido a cabeça na parede, e malgrado os esforços e as precauções, não ficou isenta de cortes e de contusões.
Não lhe faltaram os recursos da medicina. Quatro médicos a viram sucessivamente; poções de éter, pílulas, medicamentos de toda a natureza, ela tomava tudo sem repugnância; as sanguessugas atrás das orelhas, os vesicatórios nas coxas também não foram poupados, mas sem sucesso. Durante as crises, o pulso era perfeitamente regular; após as crises, nem a menor lembrança dos sofrimentos, das convulsões, mas muito espanto ao ver a casa cheia de gente e seu leito cercado de homens esbaforidos, alguns dos quais lamentavam uma camisa ou um colete rasgado.
O cura de X..., paróquia situada a dois ou três quilômetros de Marmande, gozando na região de uma celebridade nascente, entre certa gente, como curador de toda espécie de males, foi consultado pelo pai da jovem. O cura, sem conhecer a natureza do mal, lhe deu inadvertidamente um pouco de pó branco para a doente tomar, e em seguida ofereceu-se para rezar uma missa. Mas, ah! Nem o pó, nem a missa preservaram a jovem Valentine de quatorze crises no dia seguinte, o que jamais lhe havia ocorrido.
Tanto insucesso nos cuidados de toda sorte necessariamente deveriam ter feito nascer no espírito do vulgo ideias supersticiosas. Com efeito, as comadres falavam alto de malefícios e sortilégios lançados sobre a moça.
Durante esse tempo nós consultamos no silêncio da intimidade os nossos guias espirituais sobre a natureza dessa moléstia, e eis o que nos responderam:
“É uma obsessão das mais graves, cujo caráter mudará muitas vezes de fisionomia. Agi friamente, com calma; observai, estudai e chamai Germaine.”
Na primeira evocação, esse Espírito foi pródigo nas injúrias e mostrou uma grande relutância em responder às nossas interpelações. Nenhum de nós tinha entrado na casa da doente e, antes de intervir queríamos deixar a família esgotar todos os meios que a sua solicitude podia inspirar. Só quando a impotência da ciência e da Igreja foi constatada é que induzimos o pai desesperado a vir assistir à nossa reunião para saber a verdadeira causa do mal de sua filha, e o remédio moral a administrar. Essa primeira sessão foi levada a efeito no dia 16 de setembro de 1864. Antes da evocação de Germaine, nossos guias nos deram a seguinte instrução:
“Tende muito cuidado, muita senso de observação e muito zelo. Tratareis com um Espírito mistificador, que alia a astúcia e a habilidade hipócrita a um caráter muito mau. Não cesseis de estudar, de trabalhar pela moralização desse Espírito e de orar com esse propósito. Recomendai aos pais que, em presença da menina, evitem qualquer manifestação de medo por seu estado. Ele devem, ao contrário, fazê-la entregar-se às suas ocupações ordinárias, e sobretudo não ser bruscos com ela. Que lhe digam, sobretudo, que não há feiticeiros: isto é muito importante. O cérebro jovem e flexível recebe as impressões com muita facilidade e seu moral poderia sofrer com isso; que não a deixem entretida com pessoas susceptíveis de lhe contar histórias absurdas, que dão às crianças ideias falsas e por vezes perniciosas. Que os próprios pais tenham a certeza de que a prece sincera é o único remédio que deve libertar a menina.
Nós vos dissemos, espíritas, que o Espírito de Germaine tem habilidade. Ele arranjará sempre crenças ridículas, rumores que circulam em volta da menina; procurará dar-vos o troco. Tirai partido do caso: a obsessão apresentar-se-á em fases novas. Ficai atentos; pensai que deveis trabalhar com perseverança e seguir com inteligência os menores detalhes que vos porão no rastro das manobras do Espírito. Não vos fieis na calma. Se as crises são os efeitos mais chocantes nas obsessões, há consequências muito mais perigosas. Desconfiai da idiotia e da infantilidade de um obsedado que, como neste caso, não sofre fisicamente. As obsessões são tanto mais perigosas quanto mais dissimuladas; muitas vezes são puramente morais. Este não raciocina, aquele perde a lembrança do que disse e do que fez. Entretanto não se deve julgar muito precipitadamente e tudo atribuir à obsessão. Repito: estudai, discerni, trabalhai seriamente; não espereis tudo de nós; nós vos ajudaremos, pois trabalhamos de acordo, mas não repouseis, crendo que tudo vos será revelado.”
1. Evocação de Germaine ─ Eis-me aqui.
2. ─
Tendes algo a nos dizer, em continuação à nossa última conversa?
─ Não, nada, senhores.
3. ─
Sabeis que nos chocastes muito? ─ Também vós me falais muito mal.
4. ─
Nós vos demos conselhos. Refletistes neles?
─ Sim, muito, eu vo-lo juro, minhas reflexões foram
prudentes. Eu estava louca, convenho. Era delírio, mas eis-me calma.
5. ─
Então! Quereis dizer-nos por que torturais essa menina?
─ É inútil voltar ao esse assunto. Seria muito longo para
vos contar. Imagino que isto aqui não seja um tribunal. Não me peçam que me
sente no banco dos réus e responda ao interrogatório.
6. ─
Não, absolutamente; sois completamente livre; é o interesse por vós e pela
menina que nos leva a perguntar por que motivo sério ou por que capricho fazeis
esses ataques.
─ Dizeis capricho? Ah! Deveríeis desejar que fosse apenas um
capricho, porque, como sabeis, o capricho é mutável e acaba.
7. ─
Estais realmente calma?
─ Bem o vedes.
8. ─
Aparentemente sim, mas não disfarçais os vossos sentimentos? ─ Não venho
lançar-vos ciladas; não preciso disso.
9. ─
Quereis afirmá-lo ante os Espíritos que nos rodeiam?
─ Não ponhamos outras pessoas entre nós. Se temos o que
dizer e tratar, que seja de vós para mim. Não gosto da intervenção de
terceiros.
10. ─
Pois bem! Nós acreditamos que agis de boa-fé, e...
─ É por isto que vos deveríeis contentar com esta garantia.
Aliás, eu vos obrigarei a me acreditar, se fizerdes resistência. Não me
faltarão provas para vos convencer de minha sinceridade.
GERMAINE
Ao ouvir o nome de Germaine,
o pai da obsedada exclamou estupefato: Oh!
É engraçado! E ao se retirar repetia várias vezes: É engraçado!
(Isto será explicado adiante).
No dia seguinte, 17, fui pela primeira vez àquela família,
com o desejo de ser testemunha de um ataque do Espírito. Fui servido sob
medida. Valentine estava em crise; entrei com gente do bairro, que se
precipitava para dentro da casa.
Vi estendida sobre um leito uma jovem magnífica, robusta
para a sua idade, e sustentada por oito ou dez braços vigorosos, como descrevi
acima. Só a cabeça estava livre, agitando-se e chicoteando no ar, em todos os
sentidos, com a cabeleira desarranjada. A boca entreaberta deixava ver duas
fileiras de dentes brancos e sobretudo ameaçadores. O olhar estava
completamente perdido, e as pupilas, das quais só se viam os bordos, estavam
alojadas no ângulo do lado do nariz. Acrescente-se a isto uma espécie de grito
selvagem, e imaginai o quadro.
Observei um instante a força das sacudidelas e,
inclinando-me sobre o rosto da menina, pus minha mão direita sobre sua fronte e
a esquerda sobre o peito. Instantaneamente os movimentos e os esforços
convulsivos cessaram, e a cabeça pousou, calma, no travesseiro. Dirigi os dedos
da mão direita à boca, que se entreabriu e logo um sorriso aflorou em seus
lábios. Suas grandes pupilas negras retomaram seu lugar, e àquela figura
satânica sucedeu o mais gracioso rosto. A menina manifestou seu espanto por ver
tanta gente em seu redor, dizendo que não estava doente. Eram sempre essas as
suas primeiras palavras após as crises. Elevei minha alma a Deus, e senti nas
pálpebras duas lágrimas de entusiasmo e reconhecimento.
Isto acabava de se passar na manhã de 17. Voltei pelas cinco
da tarde, quando habitualmente se multiplicam as crises, mas elas tinham
acontecido antes da hora habitual, e haviam terminado. Às sete horas fui jantar
em minha casa, mas, apenas chegado, vieram avisar-me que a menina estava numa
crise terrível. Fui para lá imediatamente. Depois de tomar com uma mão, perto
dos punhos, os dois braços da menina, disse aos homens que a seguravam:
Soltai-a. Depois, com minha outra mão sobre o seu peito, vimos que ela se
acalmou de repente. A seguir, levando a mão ao seu rosto, provoquei um sorriso
e seus olhos retomaram o estado normal. Tinha-se produzido o mesmo efeito da
manhã. Fiquei junto à mocinha uma parte da noite. Ela não teve crises, mas
dormia agitada. Sua fisionomia tinha algo de convulsivo; viase-lhe o branco dos
olhos e ela parecia sofrer moralmente. Gesticulava, falava distintamente e
exclamava com um tom enérgico e comovida: Vai-te!
Vai-te!... Oh!
Que vilã!... E a criança... e a criança... nos rochedos... nos
rochedos.
A essa agitação sucedia uma espécie de êxtase; ela chorava e
retomava com tom plangente: Ah! Sofres
tormentos do inferno!... E eu, queres fazer-me sofrer sempre! ... sempre!... sempre! E estendendo os
braços no ar e buscando erguer-se: Bem!
Me leva, me leva!
A cada instante o pai soltava sua exclamação: Ah! É engraçado! E a mãe acrescentava: Há um mistério nisto. A partir de uma
hora da madrugada, a menina dormiu em paz até o amanhecer.
Essas agitações, essas censuras, esses êxtases, esse choro
se renovaram diariamente após os ataques violentos do Espírito, e duraram muito
mais nas noites de 18, 19 e 20 de setembro. Diariamente eu ia para junto da
doente e me instalei, por assim dizer, em sua casa. Enquanto eu estava
presente, nada se manifestava; mas logo que eu partia, produzia-se nova crise.
Eu voltava e a acalmava logo, como se viu. Isto durou vários dias. Certamente
era um fenômeno digno de atenção que as crises passassem de súbito pela só
imposição das mãos. Havia rumores em toda a cidade, e ali havia matéria para
estudo sério; contudo, lamentei não ter visto nenhum dos quatro médicos que
haviam tratado a menina virem observá-la.
Durante todo esse tempo, notei na menina, ora uma alegria um
pouco exagerada, ora uma espécie de patetice. O pai e a mãe não achavam essas
maneiras naturais, o que justificava as previsões de nossos guias.
A 21 de setembro, o pai e a menina foram comigo à sessão. No
começo, os guias nos disseram:
Chamai Germaine; pedi-lhe que fique junto de
vós, e dizei-lhe isto:
“Germaine, sois nossa irmã; esta moça é também nossa irmã e
vossa irmã. Se outrora alguma ação funesta vos ligou e fez pesar sobre vós duas
a justiça divina, podeis dobrar o juiz supremo. Fazei um apelo à sua
misericórdia infinita; pedi-lhe vosso perdão, como nós o pedimos por vós; tocai
o Senhor por vossa prece fervorosa e vosso arrependimento. É em vão que buscais
calma aos vossos remorsos e um refúgio na vingança; é em vão que procurareis
vossa justificação, acabrunhando-a ao peso de vossa acusação. Voltai, pois, à
nossa voz. Perdoai e sereis perdoada; não tenteis ludibriar-nos; não creiais
que apenas a aparência de franqueza possa seduzir-nos. Sejam quais forem os
meios que empregardes, nós os identificaremos e vos oporemos nossa força e
nossa vontade. Que vosso coração, enceguecido pelo sofrimento e pelo ódio, se
abra à piedade e ao perdão. Não cessaremos de orar ao Eterno e aos bons
Espíritos, seus mensageiros fiéis, que derramem sobre vós a consolação e o
benefício. O que queremos, Germaine, é vos livrar de vossos sofrimentos. Sereis
sempre acolhida por nós como uma irmã; sereis socorrida. Não nos olheis como
inimigos, pois queremos a vossa felicidade; não sejais surda às nossas
palavras; escutai nossos conselhos e em pouco conhecereis a paz da consciência.
O remorso terá fugido para longe, e o arrependimento terá tomado seu lugar. Os
bons Espíritos vos acolherão como uma ovelha perdida que terão encontrado. Os
maus imitarão vosso exemplo. Nesta família onde provocais a maldição, só
falarão bem de vós e haverá reconhecimento. Esta menina também orará por vós, e
se o ódio vos desune, o amor um dia vos reunirá.
“Sempre se é infeliz quando se está sedento de vingança; não
há repouso para aquele que odeia. Aquele que perdoa está perto de amar.
A
felicidade e a tranquilidade substituem o sofrimento e a inquietação. Vinde,
Germaine, vinde unirvos a nós por vossas preces. Queremos que, a exemplo de
Jules[1]
e de outros
Espíritos que como vós viviam no mal,
fiqueis perto de nós sob a feliz proteção de nossos guias. Estais só; sede a
filha adotiva desta família que ora ao Eterno pelos que sofrem, e ensina a
todos a amá-lo para serem felizes. Se vos obstinardes em permanecer cruel para
esta menina, prolongareis e agravareis os vossos sofrimentos, e ouvireis a
maldição da menina e dos que a cercam.
“Merecei, pois, dos vossos irmãos, a amizade que vos
oferecem de bom coração; cessai essas torturas, de onde vos retirais meio
morta. Crede em nossa palavra; crede, sobretudo, nos conselhos dos bons
Espíritos que nos guiam, e, particularmente, nos da Pequena Cárita. Não ficareis surda a esta prece. Dai-nos por prova
que acolheis a nossa oferta, a paz e o sono sem perturbação à menina durante
alguns dias. Vamos orar por vós e não cessaremos de pedir o fim de vossos
males.”
Chamamos Germaine e lemos o que acabava de ser ditado.
11.
─ Ouvistes bem e compreendestes os votos que
acabamos de exprimir?
─ Sim. Estou mesmo admirada de todas essas promessas. Não
mereço tanto. Mas sou um Espírito desconfiado e não ouso nelas crer. Veremos se
vossas preces me darão essa calma de que estou privada há tanto tempo. É
verdade, estou só e não conheço senão aquela
que procura estraçalhar-me.[2]
Veremos.
12.
─ Não vedes bons Espíritos junto de vós?
─ Mas não espero nada senão de vós.
13.
─ Então! Em troca do bem que vos queremos fazer,
não poderíeis cessar de fazer o mal, de atormentar?
─ E eu sou a causa única desse mal? Ela contribui tanto
quanto eu. Dizeis atormentar? Nós lutamos, engalfinhamo-nos; a culpabilidade é
compartilhada. Ela foi minha cúmplice. Não vejo por que faríeis pesar apenas
sobre mim a responsabilidade por esses atos violentos dos quais também eu sou
vítima.
14.
─ Entretanto a menina não vos vai procurar, e se
a atormentais, é porque quereis. Tendes o vosso livre-arbítrio.
─ Quem vos disse isso? Estais errados. Uma
fatalidade nos liga.
15.
─ Então, contai-nos tudo.
─ Não posso. Aqui não se goza de toda a
liberdade... Sou franca.
16.
─ Vamos, Germaine! Vamos orar por vós. Até outra
vez! Terminando, os guias nos disseram:
“Durante estes dias, reuni-vos no maior número possível.
Ocupai-vos mais particularmente dela. Vossa franqueza e vosso zelo a seu
respeito a tocarão, e os resultados que buscamos, assim o esperamos, serão
rápidos, graças a essa medida.
O dia 22 passou sem crise. À noite
reunimo-nos, como de costume.
Evocação de Germaine.
17. ─
Então, Germaine, acreditais em nossa ligação convosco?
─ Tenho direito de duvidar, pois dificilmente o pária
acredita no beijo fraterno, que lhe dão de passagem. Estou habituada a ver o
desdém e o desprezo me perseguindo.
18. ─
Deus quer que nos amemos uns aos outros.
─ Eu não conheço isto. Aqui, aquele a quem o remorso
persegue ou abraça é um inimigo, uma serpente que a gente evita, atirando
pedras. Credes que isto não seja revoltante para o maldito? Ele se torna, por
instinto, o inimigo de todos; a paixão e o ódio o cegam; infeliz do que cai nas
garras desse abutre.
19. ─
Nós, Germaine, vos queremos amar e vos estendemos a mão.
─ Por que não me falaram assim mais cedo? Há, entretanto,
corações generosos no mundo em que vivo. Então eu lhes causava medo? Por que
jamais me disseram:
És nossa irmã e podes partilhar a nossa
sorte? Ainda tenho o veneno na alma, sobretudo quando penso no passado. O crime
merece uma pena, mas esta punição foi muito grande. Parecia que tudo caía em
cima de mim para me esmagar. Nesses momentos desconhece-se Deus. A gente
blasfema, negando-o, e se revolta contra ele e contra os seus, quando se está
abandonado.
OBSERVAÇÃO: Este último raciocínio do Espírito é resultado
da superexcitação em que se acha, mas vem levantar uma questão importante. “Por
que, no mundo onde estou, não me falaram como vós?” Porque a ignorância do
futuro momentaneamente faz parte do castigo de certos culpados; somente quando
vencido o seu endurecimento pelo cansaço é que lhes fazem entrever um raio de
esperança como alívio às penas. É preciso que voluntariamente eles voltem os
olhos para Deus. Mas os bons Espíritos não os abandonam. Eles se esforçam por
lhes inspirar bons pensamentos; espiam os menores sinais de progresso, e, desde
que veem neles surgir o germe do arrependimento, provocam instruções que,
esclarecendo-os, podem conduzi-los ao bem. Essas instruções lhes são dadas
pelos Espíritos no devido tempo, e também podem ser dadas pelos encarnados, a
fim de mostrar a solidariedade que existe entre os mundos visível e invisível.
No caso de que se trata, era útil para a reabilitação de Germaine que o perdão
lhe viesse da parte dos que deviam queixar-se dela, o que era, ao mesmo tempo,
um mérito para estes últimos. Tal a razão pela qual a intervenção dos homens
muitas vezes é requerida para a melhora e o alívio dos Espíritos sofredores,
sobretudo nos casos de obsessão. Certamente a dos bons Espíritos lhes poderia
bastar, mas a caridade dos homens para com seus irmãos da erraticidade é para
eles próprios um meio de avanço que Deus lhes reservou.
20. ─ O
Espírito de Jules, que vedes perto de nós, era também um criminoso, um sofredor
e infeliz?...
─ Minha posição foi pior. Citai tudo quanto pode lacerar a
alma; dizei quanto o veneno queima as entranhas: eu experimentei tudo, e o mais
cruel para mim era estar só, abandonada, maldita. Eu não inspirei piedade a
ninguém. Compreendeis a raiva que transborda de meu coração? Sofri muito! Eu não podia morrer; o suicídio não me era possível. E sempre à
minha frente o mais sombrio futuro! Jamais vi surgir um clarão. Nenhuma voz me
disse: Espera! Então gritei: Raiva, vingança! A mim as vítimas! Pelo menos
terei companheiras de sofrimento. Não é a primeira vez que a menina sente os
meus abraços[3].
OBSERVAÇÃO: Se alguém nos perguntasse por que Deus permite
que maus Espíritos saciem sua raiva nos inocentes, diríamos que não há
sofrimento imerecido, e que aquele que hoje é inocente e sofre, sem dúvida tem
ainda alguma dívida a pagar. Esses maus Espíritos servem, neste caso, de
instrumento de expiação. Sua malevolência é, além disso, uma provação para a
paciência, a resignação e a caridade.
21. ─
Agradecei a Deus por vos ter feito sofrer tanto. Esses sofrimentos são a
expiação que vos purificou.
─ Agradecer a Deus! Pedis muito! Eu sofri
demais! O Inferno era preferível ao
que eu suportava. Como me ensinaram, os
danados sofrem, choram e gritam juntos; eles podem debater-se e lutar entre si,
mas eu estava só. Oh! É horrível! Eu me sinto, ao vos fazer estas descrições,
pronta a blasfemar e a cair sobre a minha presa. Não creiais embaraçar-me,
pondo entre mim e ela um anjo sorridente. Lutarei com todos, seja quem for.
22. ─
Seja qual for o sentimento que vos agita, só vos oporemos a calma, a prece e o
amor.
─ O que mais me agrada é que me falais sem me injuriar, sem
me repelir e quereis fazer-me esperar. Oh! Não espereis que eu me entregue
imediatamente, porque receio a decepção. Depois de me terdes feito tão belas
promessas, tão belas que ainda não posso acreditar, iríeis abandonar-me? Oh!
Então o que seria de mim? E eu reflito: Por que essa consolação tão tardia? Por
que vós? Seria uma cilada escondida? Vede! Não sei no que crer e o que fazer.
Na verdade isto me parece estranho, surpreendente!
OBSERVAÇÃO: Com efeito a experiência prova que as palavras
duras e malévolas são um meio impróprio para se desembaraçar dos maus
Espíritos. Elas os irritam, o que os leva a maior encarniçamento.
23. ─
Germaine, escutai-me. Vou explicar-vos o que vos surpreende. Desde alguns anos,
a imortalidade e a relação das almas com os que ainda estão na Terra nos foram
demonstradas de maneira a não deixar qualquer dúvida. O Espiritismo ─ é o nome
desta nova doutrina ─ põe os seus adeptos no dever de amar e socorrer os seus
irmãos. Nós somos espíritas e, por amor a duas irmãs que sofrem, vós e a menina
vossa vítima, viemos a vós para vos oferecer nosso coração e o socorro de
nossas preces. Compreendeis agora?
─ Não muito. Raciocinais como jamais ouvi. Assim, tendes que
vos ocupar com os que vivem como vós e em vosso meio, e com os Espíritos que
sofrem como eu? É um trabalho a que não deve faltar mérito.
24. ─ Se
tendes o ensejo de nos julgar sinceros, quereis prometer que serão boas as
vossas disposições para com a menina?
─ Boas na medida em
que tereis sido bons para comigo. Eu vos julgo todos sinceros. Vossa
linguagem me leva a acreditar nisso, mas duvido ainda. Tirai-me essa dúvida e
estarei do vosso lado. Vou esforçar-me para fazer o que vou prometervos. À
medida que se apagar a dúvida, o mal enfraquecerá, e afastada a dúvida, terá
cessado o mal na menina. Se se brincardes comigo, desgraça! Ela morrerá
estrangulada. Uma vítima espera, ou sua liberdade, que depende de vós, ou o
golpe que tenho sobre sua cabeça. Não é uma ameaça para vos intimidar: é um
aviso de que o ódio e a raiva me cegariam. Chegastes a tempo. Ela talvez já
estivesse morta. Como nem sempre podemos conversar, dizei aos vossos amigos que
vivem onde vivo, que continuem a conversa; que não me repilam, embora minhas
maldades não tenham cessado, porque não me empenhei absolutamente. Não podeis
exigir mais do que prometi.
Pedimos aos nossos guias que dessem boa acolhida a Germaine.
Eles responderam:
“De antemão, ela é nossa irmã muito amada, tanto mais que
tem sofrido muito. Vinde, Germaine. Se jamais uma mão amiga apertou a vossa
mão, aproximai-vos; nós vos estenderemos as nossas. Só a vossa felicidade nos
ocupa. Em nós sempre encontrareis irmãos, malgrado a fraqueza de que ainda vos
sentis capaz. Nós vos lamentaremos e não vos condenaremos. Entrai em vossa
família. A felicidade nos sorri. Entre nós não correm lágrimas amargas. A
alegria substitui a dor, e o amor o ódio. Irmã, vossas mãos!”
“VOSSOS GUIAS”
O dia 23 se passou sem crise, como a da véspera. À noite a
mocinha foi com seu pai à sessão, para ouvir Germaine, pela qual já mostrava
muito interesse.
Nossos guias nos disseram:
“Começai vossos trabalhos pela evocação de Germaine. Ela o
deseja muito. Deveis provar-lhe que ela vos ocupa especialmente. Evitai tudo
quanto pudesse parecer esquecimento ou indiferença, a fim de afastar todas as
suas dúvidas. Pensai que seus ataques foram apenas suspensos. Sede prudentes.
Sede felizes sem amorpróprio e sem orgulho, e sobretudo sede fervorosos em
vossas preces. Se ela manifestar o desejo de conversar demoradamente, ainda que
tome toda a noite, não regateeis o tempo.”
“VOSSOS GUIAS”
25. Evocação de Germaine. ─ Eis-me aqui, muito mais calma. Eu quero ser justa, creio
vo-lo dever. Também vedes que agi como o havia dito. As boas relações fazem os
bons amigos. Falai-me, pois, já que sois vozes amigas. É tão estranho e tão
novo para mim, que me permitireis saborear um entretenimento onde o ódio será
substituído pelo... eu ia dizer amor, e não o conheço! Dizei-me o que devo
fazer para amar e ser amada, eu, a pobre miserável Germaine, envelhecida pela
desgraça, o opróbrio e o crime!... Entre vós batizam? Eis uma neófita.
─ O batismo que pedis, Jeanne[4],
já o recebestes, respondi eu; está no vosso arrependimento, na vossa resolução
de marchar por um novo caminho.
O dia 24 de setembro foi tão calmo quanto
o precedente.
Na reunião da noite chamamos Germaine.
26. ─ Germaine, nós vos agradecemos...
─ Não me faleis disto, porque me deixais envergonhada. Sou
eu que me inclino e peço graça. Devo-te uma grande reparação, pobre menina! A
vida de que gozam os Espíritos é eterna. Deus pôs à minha frente os meios e o
tempo para reparar as devastações causadas pela cegueira da paixão. Fica
tranquila! Ora algumas vezes pela infeliz Germaine, a criminosa que hoje
arrependida te pede perdão. Pobre menina, esquece tuas dores e aquela que as
causou; não te lembres senão de que agora ela deseja ser tua amiga. Não é mais
a mesma Germaine. A prece que derramaram sobre mim tornou minha alma mais
limpa; extinguiu-se minha sede de vingança. A lembrança de meu infame passado
será minha expiação. Minha prece, junta à vossa, amenizará o remorso que me
tortura. Obrigado a vós todos, que me chamastes ao caminho da verdade e do bem,
quando eu estava perdida nas profundezas do vício e da impenitência.
“Eu vos acredito agora. A dúvida desapareceu. Amo-vos e vos
agradeço por me haverdes salvo e curado. Também vos agradeço por esta pobre
menina, a quem restituístes a saúde e a vida.
“Posso dizer-me feliz, porque estou entre bons Espíritos que
me consolam e fortalecem por sua moral suave e persuasiva. Não mais estou só;
malgrado toda a negrura de minha alma, eles me admitiram em sua bem-aventurada
família. Eu sou a doente, eles são meus guardiões. Faltam-me expressões para
vos dizer tudo o que sinto.
“Dizei-me todos, sobretudo tu, pobre menina, que me
perdoais. Necessito ouvir esta palavra sair de teu coração. Por favor, dai-me
esta consolação.”
A jovem Valentina lhe disse:
─ Sim, Germaine, eu vos perdoo; mais
ainda: eu vos amo!
─ E nós também, disse eu logo, nós vos
amamos como uma irmã.
Germaine continuou:
─ E eu também começo a amar. A quem devo essa transformação?
Àqueles a quem injuriei e que, malgrado todo horror que eu lhes devia inspirar,
tiveram piedade de mim, me chamaram sua irmã e provaram que não me enganavam.
“Sim, abris-me o caminho para um futuro feliz. Eu era pobre
e abandonada e agora vivo entre os que têm muito: não sou mais lastimável. Os
bons Espíritos dizem que vão preparar-me para as provações que sofrerei
infalivelmente. Munida desta força, voltarei ao meio das criaturas terrenas.
Não mais será para semear a morte em redor de mim, mas para amar e merecer sua
benevolência e sua amizade.
“Eu teria muito a dizer, mas não quero ser importuna.
Oremos. Parece-me que isto me fará bem.
“Deus todo-poderoso, eterno, misericordioso, ouve minha prece.
Perdoa minhas blasfêmias, perdoa meus desvios. Eu não conhecia o caminho que
leva ao reino do justo. Meus irmãos da Terra me fizeram conhecê-lo; meus irmãos
os Espíritos para ele me conduzem. Que a justiça infinita siga o seu curso para
a pobre Germaine. Agora ela sofrerá sem se lastimar; nem um murmúrio sairá de
sua boca. Reconheço tua grandeza e tua bondade de pai para com os teus
bem-aventurados servos, que me vieram tirar do caminho do vício. Que a minha
prece suba a ti, e que os anjos que te servem e rodeiam o teu trono possam um
dia acolher-me em seu meio, como o fizeram estes bons Espíritos. Hoje
compreendo que só a virtude leva à felicidade. Concedei graça, ó meu Deus, aos
que, como eu, ainda sofrem. Concedei à menina que torturei as doçuras e as
virtudes que constituem a felicidade na Terra.
“GERMAINE”
“Ajuda-te, e o céu te ajudará, vos foi dito. Os Espíritos
que vos guiam não farão o trabalho que o dever vos impõe, mas se fordes
trabalhadores, eles abreviarão, tanto quanto puderem, a tarefa empreendida sob
a bandeira da imortal caridade. Agi, pois, sem desfalecimento e sem fraqueza.
Que vossa fé se afirme, e um dia, talvez, vos perguntareis de onde vos vem essa
força. Trabalhai pela moralização dos vossos irmãos encarnados e dos Espíritos
atrasados. Não vos contenteis em pregar as consolações do Espiritismo. Mostrai
a sua grandeza e poder por vossos atos. É a melhor refutação que podereis opor
aos adversários. As palavras voam e os atos fortalecem e levantam. Que a
felicidade que entrar na família em companhia da jovem doutrina seja devida aos
cuidados e à caridade dos sinceros adeptos. Sede confiantes, sem orgulho do que
vos acontecer, sem o que, os frutos que daí deveis retirar serão perdidos para
vós.
“VOSSOS GUIAS.”
OBSERVAÇÃO: Como se vê, os Espíritos não
são inativos nem indiferentes
em relação aos Espíritos sofredores, que é
preciso trazer ao bem. Mas quando a intervenção do homem pode ser útil, eles
lhes deixam a iniciativa e o mérito, sem deixar de secundá-los com seus conselhos
e seu encorajamento.
A partir de 25 de setembro, seguindo os conselhos dos nossos
guias, adormeci a jovem Valentina todos os dias pelo sono magnético, para
livrá-la completamente da ação dos maus fluidos que a tinham envolvido, e
fortalecer o seu organismo. Desde sua libertação, ela experimentava mal-estar,
incômodos do estômago, pequenos abalos nervosos, consequência inevitável da
obsessão.
OBSERVAÇÃO: Para que teria servido o magnetismo se a causa
tivesse subsistido? Para começar, teria sido necessário destruir a causa, antes
de atacar os efeitos, ou pelo menos agir sobre ambos simultaneamente.
A menina estava um pouco dengosa pelos cuidados e carícias
que lhe tinham prodigalizado durante a moléstia. Ela tinha-se tornado um pouco
caprichosa e voluntariosa e com má vontade se dispunha a ser adormecida. Um dia
até se recusou e eu fui embora. Logo que cheguei em casa, vieram avisar-me que
ela estava com uma crise. “Bem, exclamei, é uma punição de Germaine.” Lá voltei
imediatamente e encontrei a menina agitando-se na cama. Essa crise não era tão
violenta quanto as precedentes, mas tinha os mesmos caracteres. Acalmei-a como
nas outras. Algumas horas depois teve uma segunda, que eu detive da mesma
forma.
À noite reunimo-nos. Germaine veio sem ser chamada; ela
disse que tinha querido dar uma lição à menina e adverti-la de que quando ela
não fosse razoável fála-ia sentir a sua presença. Além disso deu-lhe conselhos
muito bons e fez sentir aos pais os inconvenientes de ceder aos caprichos dos
filhos.
À fase da cura e da conversão do Espírito sucedeu a das
revelações relativas ao drama cujo desenlace era a obsessão violenta de
Valentine. Por mais interessante e comovedora que seja esta parte do relato,
suprimimos os seus detalhes como estranhos, até certo ponto, ao nosso assunto, e
porque trata de assuntos contemporâneos, cuja lembrança penosa ainda está
presente e tiveram por testemunhas interessadas pessoas ainda vivas. Nós os
resumimos para as conclusões que deles devemos tirar. Pelos mesmos motivos
dissimulamos os nomes próprios, que nada acrescentariam à instrução que
ressalta desta história.
Dessas revelações feitas na intimidade, fora do grupo, e por
meio de outro médium, resulta que Germaine é a avó do Sr. Laurent, pai da jovem
obsedada Valentina. Ela tinha uma filha, que teve dois filhos, dos quais um é o
próprio Sr. Laurent. O outro foi assassinado por sua avó, que o precipitou num
barranco, em baixo dos rochedos de... Por esse assassínio ela foi condenada a
dez anos de reclusão, que sofreu na prisão de C... Sobre todos esse fatos ela
deu as mais minuciosas informações, indicando com exatidão os nomes, os lugares
e as datas, de modo a não deixar qualquer dúvida quanto a sua identidade. Esses
detalhes íntimos, só conhecidos pelo Sr. Laurent e sua mulher, foram por eles
confirmados. Para ser melhor reconhecida por seu neto, ela designou-o por seu
apelido, ignorado pelo médium, e só lhe falou em dialeto, como em vida.
Não havia, pois, como se enganar. Germaine era mesmo a avó
de Laurent, a condenada por infanticídio. Quanto à sua filha, cujo filho foi
morto, é hoje a filha de Laurent, a jovem Valentine, que ela vem ainda
atormentar por uma cruel obsessão. Ela explicou a causa do ódio que lhe votava.
Elas haviam lutado entre si, como Espíritos, e essa luta continuou quando uma delas
reencarnou. Um fato vem confirmar esta asserção: As palavras da mocinha,
pronunciadas no sono.
Compreende-se que seus pais a tivessem
deixado sempre ignorar o que se havia passado na família. Estas palavras: A criança! A criança! Nos rochedos! Nos rochedos!
evidentemente eram o resultado da lembrança que seu Espírito conservava no
estado de desprendimento.
─ Então, disse eu ao pai de Valentine, estais bem convencido
de que é o Espírito de vossa avó?
─ Oh! Senhor, respondeu ele, eu já estava convencido antes
desta conversa. O nome de Germaine e as palavras de Valentine, em suas crises,
não me deixavam a menor dúvida a respeito. Eu o disse logo à minha mulher.
Ainda mais, quando me falastes do Espiritismo e da reencarnação, veio-me o
pensamento de que minha mãe estava encarnada em Valentine.
Assim se explicam as repetidas exclamações de Laurent: “É
engraçado!” E as de sua mulher: “Nisto há um mistério!”
[1] Espírito obsessor da jovem Tereza B..., de Marmande (Revista de junho de 1
864)[2] A continuação do relato permitirá que sejam entendidas estas últimas palavras.[3] Disseram-nos os pais que realmente a criança, aos seis anos, tinha tido crises que eles não podiam entender.[4] Aqui parece-nos que o correto seria Germaine. (N. revisor)
Acima, está sendo listado apenas o item do capítulo 3.
Para visualizar o capítulo 3 completo, clique no botão abaixo:
Ver 3 Capítulo Completo
Este texto está incorreto?