Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1865

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Capítulo 3

Março NECROLÓGIO

Março


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1. — Mais uma alma de escol acaba de deixar a Terra! O Sr. Demeure era um médico homeopata muito distinto em Albi. Seu caráter, tanto quanto o seu saber, tinham lhe granjeado a estima e a veneração de seus concidadãos. Só o conhecemos por meio de sua correspondência e da de seus amigos, mas bastou para nos revelar toda a grandeza e toda a nobreza de seus sentimentos. Sua bondade e sua caridade eram inesgotáveis e, malgrado a idade avançada, nenhuma fadiga o impedia de ir socorrer os pobres doentes. O preço das visitas era a menor de suas preocupações; preocupava-se mais com os desgraçados do que com aqueles que sabia que podiam pagar, porque, como dizia, em sua falta estes últimos sempre poderiam arranjar outro médico. Aos primeiros, não somente dava os remédios gratuitamente, mas muitas vezes provia às suas necessidades materiais, o que, algumas vezes, é o mais útil dos medicamentos. Pode dizer-se que era o Cura d’Ars da Medicina.

O Sr. Demeure havia abraçado com ardor a Doutrina Espírita, na qual encontrara a chave dos mais graves problemas, cuja solução pedira em vão à Ciência e a todas as filosofias. Seu Espírito profundo e investigador fê-lo compreender imediatamente todo o seu alcance, de tal modo que se tornou um de seus mais zelosos propagadores. Embora jamais nos tivéssemos visto, dizia-nos em uma de suas cartas que estava convicto de que não éramos estranho um ao outro e que havia relações anteriores entre nós. Sua prontidão em vir até nós assim que morreu, sua solicitude por nós e os cuidados que nos dispensou na circunstância em que nos achávamos no momento [Kardec estava enfermo; vide Primeira comunicação da Sra. viúva Foulon], o papel que parece chamado a desempenhar, parecem confirmar esta previsão, que ainda não pudemos verificar.

Soubemos de sua morte em 30 de janeiro, e nosso primeiro pensamento foi o de nos entretermos com ele. Eis a comunicação que nos deu naquela mesma noite, através da Sra. Cazemajour, médium:


2. — “Eis-me aqui. Ainda em vida prometi a mim mesmo desde que estivesse morto, que viria, se possível, apertar a mão do meu caro mestre e amigo Allan Kardec.

“A morte havia dado à minha alma esse pesado sono que se chama letargia; mas o pensamento velava. Sacudi esse torpor funesto, que prolonga a perturbação que segue a morte, despertei e, de um salto, fiz a viagem.

“Como estou feliz! Já não sou velho nem enfermo; meu corpo era apenas um disfarce imposto; sou jovem e belo, belo dessa eterna juventude dos Espíritos, cujas rugas não mais sulcam o rosto, cujos cabelos não embranquecem sob a ação do tempo. Sou leve como o pássaro que em voo rápido atravessa o horizonte de vosso céu nebuloso; admiro, contemplo, bendigo, amo e me inclino, átomo que sou, ante a grandeza, a sabedoria, a ciência de nosso Criador, ante a grandeza das maravilhas que me cercam.

“Estava junto de vós, caro e venerado amigo, quando o Sr. Sabò falou em fazer a minha evocação, e eu o segui.

“Sou feliz; estou na glória! Oh! quem poderia jamais descrever as esplêndidas belezas da terra dos eleitos: os céus, os mundos, os sóis, seu papel no grande concerto da harmonia universal? Pois bem! eu tentarei, meu mestre; vou fazer o seu estudo e virei depor junto a vós a homenagem de meus trabalhos de Espírito, que antecipadamente vos dedico. Até logo.”


Demeure.


Observação. – As duas comunicações seguintes, dadas em 1º e 2 de fevereiro, são relativas à doença que nos acometeu subitamente em 31 de janeiro. Embora sejam pessoais, nós as publicamos porque provam que o Dr. Demeure é tão bom como Espírito quanto o era como homem e porque oferecem, além disso, um ensinamento. É um testemunho de gratidão, que devemos à solicitude de que fomos objeto de sua parte, nessa circunstância:


3. — “Meu bom amigo, tende confiança em nós e muita coragem. Esta crise, não obstante fatigante e dolorosa, não será longa e, com os cuidados prescritos, podereis, conforme os vossos desejos, completar a obra, de que a vossa existência foi o principal objetivo. No entanto, sou aquele que está sempre junto de vós, com o Espírito de Verdade, que me permite tomar a palavra em seu nome, como o último de vossos amigos vindos entre os Espíritos! Eles me fazem as honras das boas-vindas. Caro mestre, como estou feliz por ter morrido a tempo para estar com eles neste momento! Se tivesse morrido mais cedo, talvez vos pudesse ter evitado esta crise que eu não previa; havia pouquíssimo tempo que estava desencarnado para me ocupar de outra coisa que não fosse o espiritual. Mas agora velarei por vós. Caro mestre, é vosso irmão e amigo que é feliz de ser Espírito para estar junto de vós e vos prodigalizar cuidados na vossa moléstia. “Ajuda-te, e o céu te ajudará.” Ajudai, pois, os bons Espíritos nos cuidados que vos dispensam, submetendo-vos estritamente às suas prescrições.

“Faz muito calor aqui; este carvão é fatigante. Enquanto estiverdes doente, não o queimeis; ele continua a aumentar a vossa opressão; os gases que dele se desprendem são deletérios.”


Vosso amigo, Demeure.


4. — “Sou eu, Demeure, o amigo do Sr. Kardec. Venho dizer-lhe que estava ao seu lado quando lhe ocorreu o acidente, que poderia ter sido funesto sem uma intervenção eficaz, para a qual tive a felicidade de contribuir. Segundo minhas próprias observações e informações que colhi em boa fonte, para mim é evidente que, quanto mais cedo se der a sua desencarnação, tanto mais cedo se dará a sua reencarnação, a fim de poder completar a sua obra. Contudo, é preciso que ele dê, antes de partir, uma última demão nas obras que devem completar a teoria doutrinária, da qual é o iniciador; e ele se tornará culpado de homicídio voluntário se, por excesso de trabalho, contribuir para a falência de sua organização, que o ameaça de uma súbita partida para os nossos mundos. Não se deve ter receio em dizer-lhe toda a verdade, para que se guarde e siga rigorosamente as nossas prescrições.”


Demeure.


5. — A comunicação seguinte foi recebida em Montauban, em 1º de fevereiro, no círculo dos amigos espíritas que ele tinha naquela cidade:


“Antoine Demeure. Não estou morto para vós, meus bons amigos, mas para os que, como vós, não conhecem esta santa doutrina, que reúne os que se amaram na Terra e que tiveram os mesmos pensamentos e os mesmos sentimentos de amor e caridade.

“Sou feliz; mais feliz do que podia esperar, porquanto gozo de rara lucidez entre os Espíritos desprendidos da matéria há tão pouco tempo. Tende coragem, meus bons amigos; doravante estarei junto a vós e não deixarei de vos instruir sobre muitas coisas que ignoramos quando ligados à nossa pobre matéria, que nos oculta tantas magnificências e tantos prazeres. Orai pelos que estão privados dessa felicidade, pois não sabem o mal que fazem a si mesmos.

“Hoje não me delongarei muito, mas vos direi que não me acho completamente estranho neste mundo dos invisíveis. A mim parece que sempre o habitei. Aqui estou feliz, porque vejo os meus amigos e posso comunicar-me com eles sempre que o deseje.

“Não choreis, meus amigos; faríeis que lamentasse vos haver conhecido. Deixai correr o tempo e Deus vos conduzirá à esta morada, onde todos devemos nos reunir. Boa-noite, meus amigos: que Deus vos console; aqui estou junto a vós.”


Demeure.


Observação. – A situação do Sr. Demeure, como Espírito, é bem a que podia deixar pressentir sua vida tão dignamente e tão utilmente realizada. Mas um outro fato não menos instrutivo ressalta de suas comunicações: é a atividade que ele demonstra, quase imediatamente depois da morte, para ser útil. Por sua alta inteligência e por suas qualidades morais, pertence à ordem dos Espíritos muito adiantados; ele é muito feliz, mas sua felicidade não está na inação. Há poucos dias, cuidava dos doentes como médico e, apenas desencarnado, desvela-se em ir cuidá-los como Espírito. Algumas pessoas perguntarão: Que se ganha em estar no outro mundo, se ali não se goza de repouso? A isto lhes perguntaremos, para começar, se nada significa não mais ter preocupações, nem necessidades, nem as enfermidades da vida, ser livre e poder, sem afadigar-se, percorrer o espaço com a rapidez do pensamento, ir ver os amigos a qualquer hora, seja qual for a distância em que se encontrem? Depois acrescentamos: Quando estiverdes no outro mundo, nada vos forçará a fazer seja o que for; sereis perfeitamente livres para ficar numa ociosidade beata, tanto tempo quanto quiserdes; mas logo vos cansareis dessa ociosidade egoísta e pedireis uma ocupação. Então vos será respondido: Se vos aborreceis por nada fazerdes, buscai vós mesmos algo fazer; as ocasiões de ser útil não faltam no mundo dos Espíritos, como não faltam entre os homens. É assim que a atividade espiritual não é um constrangimento; é uma necessidade, uma satisfação para os Espíritos que procuram as ocupações segundo seus gostos e aptidões, e escolhem de preferência as que possam ajudar o seu adiantamento.





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