Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1865

Versão para cópia
Capítulo XXXV

Maio - Manifestações diversas - curas - chuvas de drágeas

Maio
Manifestações diversas - curas - chuvas de drágeas

Carta do Sr. Delanne

Em data de 2 de abril último escreve-nos nosso colega Sr. Delanne:

Caríssimo mestre, revi nossos irmãos de Barcelona. Lá, como na França, a doutrina se propaga, os adeptos são zelosos e fervorosos. Num grupo que visitei, vi dignos êmulos desse caro Sr. Dombre, de Marmande. Constatei a cura completa de uma senhora atingida por uma obsessão assustadora que datava de quinze anos, pelo menos, muito antes que tivesse ouvido falar de Espíritos. Médicos, padres, exorcismos, tudo havia sido em pregado inutilmente. Hoje essa mãe de família voltou aos seus, que não cessam de dar graças a Deus por tão miraculosa cura. Dois meses bastaram para obter tal resultado, tanto pela evocação do obsessor quanto pela influência de preces coletivas e simpáticas.

Numa outra sessão foi feita a evocação do Espírito que obsidia, há dezoito anos, um manobrista chamado Joseph, agora em vias de cura. Jamais fiquei tão penosamente emocionado quanto em presença das dores do paciente no momento da evocação. A princípio calmo, ele é tomado, de repente, de sobressaltos, de espasmos e de tremores nervosos; é tomado por seu inimigo invisível, agita-se em convulsões terríveis; o peito se estufa, ele sufoca e depois, retomando a respiração, se torce como uma serpente, rola no chão, ergue-se de um salto e se bate na cabeça. Só pronunciava palavras entrecortadas, sobretudo: Não! Não! A médium, que é uma senhora, estava em prece. Ela toma da pena, e eis que o invisível, deixando sua presa por um instante, apodera-se de sua mão e tê-la-ia maltratado se tivessem deixado.

Há quinze dias evocam esse Espírito da pior espécie, porém, ele nunca quis dizer o motivo de sua vingança. Premido por mim com perguntas, enfim confessou que esse Joseph lhe havia roubado aquela a quem ele ama. Nós lhe fizemos compreender que se quisesse não mais atormentá-lo e dar o menor sinal de arrependimento, Deus lhe permitiria revê-la.

─ Por ela, diz ele, farei tudo.

─ Então dizei: Meu Deus, perdoai minhas faltas.

Depois de hesitar, ele nos disse:

─ Vou tentar, mas ai dele se não me fizerdes vê-la!

E escreveu: “Meu Deus, perdoai os meus erros!”

O momento era crítico. Que iria acontecer? Consultamos os guias que disseram: Fizestes bem em pôr toda a confiança em Deus e em nós. Tendes a chave para reconduzi-lo a vós. Ele verá mais tarde aquela a quem ama. Nada temais. É uma promessa que deveis aproveitar para reconduzi-lo ao bem. Depois desta cena, Joseph, esgotado como um lutador, extenuado de fadiga, se ressente da terrível possessão de seu inimigo invisível. Então, operando enérgicos passes magnéticos, o Sr. B... acabou acalmando-o completamente. Deus queira que esta cura seja tão brilhante quanto a precedente.

Eis a que se aplicam esses caros irmãos. Que energia, que convicção, que coragem não são precisas para fazer semelhantes curas! Apenas a fé, a esperança e sobretudo a caridade podem vencer tão grandes obstáculos e afrontar tão temerariamente um grupo de tão temíveis adversários. Eu saí arrasado!

Alguns dias depois eu assistia em Carcassonne a movimentações de um gênero bem diferente. Fiz uma visita ao Sr. Presidente Jaubert. “Temos inúmeros transportes há algum tempo”, disse-me ele. “Vou levar-vos à senhorita que é objeto de tais manifestações.” Como se de propósito, a senhorita estava indisposta. Seu estômago estava enfartado a ponto de não poder abotoar o vestido. Consultados os guias, a sessão foi adiada para o dia seguinte, às oito da noite. O Sr. C..., capitão reformado, pôs seu salão à nossa disposição. É uma grande peça despida, apenas atapetada, que tem como único ornamento um espelho sobre a lareira, uma cômoda e cadeiras; nem quadros, nem cortinas, nem panos: um verdadeiro apartamento de rapaz. Éramos ao todo nove pessoas, todos adeptos convictos.

Assim que entramos, uma chuva de bombons caiu com estrondo num canto da sala! Seria difícil traduzir-vos minha emoção, porque aqui a honorabilidade dos assistentes, esta sala nua e escolhida, dir-se-ia tudo preparado pelos Espíritos para afastar quaisquer dúvidas. Nada havia que pudesse fazer suspeitar de uma manobra fraudulenta, e, malgrado esse prodígio, eu não parava de olhar, de vasculhar as paredes com o olhar e lhes perguntar se não eram cúmplices de um arranjo qualquer.

A senhorita médium tomou seu lápis e escreveu: “Dize a Delanne que ponha a mão no vazio de teu estômago e essa inflamação desaparecerá. Orai antes.” Eis-nos todos em prece. Eu estava na extremidade da sala quando, em meio ao recolhimento geral, uma nova chuva de bombons se produziu no canto oposto àquele de onde tinha partido na primeira vez. Julgai de nossa alegria. Aproximei-me da doente. A inchação era muito maior que na véspera. Impus a mão e a inchação desapareceu como que por encanto. “Estou curada”, disse ela. Seu vestido, estreito demais, ficou muito largo para ela. Todos constataram o fato. Unimo-nos por pensamento para agradecer aos bons Espíritos tanta bondade. Então houve um terceiro derrame de bombons. Em minha vida não esquecerei esses fatos. Aqueles senhores estavam encantados, mais por mim do que por eles, habituados a essa espécie de manifestações. Cada um deles possui alguns objetos trazidos pelos Espíritos. Afirmou-me o Sr. Jaubert ter visto várias vezes sua mesa se virar e erguer-se sem auxílio de mãos; seu chapéu levado de um a outro canto da sala. Um fato análogo de cura instantânea também se produziu há alguns meses, sob a mão do Sr. Jaubert.

A senhorita médium, que é também sonâmbula muito lúcida, estava adormecida. Então eu lhe disse:

─ Quer acompanhar-me a Paris?

─ Sim.

─ Peço-vos a bondade de ir à minha casa.

─ Vejo vossa senhora, disse ela. Ela me agrada. Está deitada e lê.

Ela descreveu o apartamento com perfeita exatidão. Eis a conversa que teve com minha mulher:

─ Senhora, não sabeis que o vosso marido está conosco?

─ Não, mas dizei a meu marido que me escreva.

─ Vede! Eu não tinha visto vosso filho. Ele é gentil. Vossa esposa me diz que tem outro filho, também muito gentil.

─ Pedi-lhe que ela vos diga a idade dele.

─ Ele tem nove meses.

─ É isto mesmo.

Como eu sabia que havia reunião em vossa casa, pedi-lhe que vos fosse ver. Ela não ousava entrar, tamanha era a quantidade de pessoas e de grandes Espíritos que lá estavam. Ela vos detalhou muito bem, caro presidente, bem como vários de nossos colegas.


OBSERVAÇÃO: Rendamos, de início, um justo tributo de elogios aos nossos irmãos de Barcelona, por seu zelo e devotamento. Como diz o Sr. Delanne, para realizar tais coisas são necessárias coragem e perseverança que só a fé e a caridade podem dar. Que aqui recebam o testemunho da fraterna simpatia da Sociedade de Paris.

Os fatos de Carcassonne farão os incrédulos sorrirem e eles não deixarão de dizer que é representação de uma comédia. Caso contrário, diriam que seriam milagres, mas que o tempo dos milagres já passou. A isto respondemo-lhes que não há nisso o menor milagre, mas simples fenômenos naturais cuja teoria eles compreenderão quando quiserem dar-se ao trabalho de estudá-los. Por isso não nos damos ao trabalho de lhes dar explicações. Quanto à comédia, seria preciso saber em benefício de quem foi representada. Certamente a prestidigitação pode operar coisas igualmente surpreendentes, até mesmo a cura de uma inchação simulada por uma bexiga cheia. Mas, ainda uma vez, em proveito de quem? Sempre se é convincente quando se pode opor a uma acusação de charlatanismo o mais absoluto desinteresse; já não seria o mesmo se estivesse em jogo a mais leve suspeita de interesse material. E depois, quem representaria essa comédia? Uma jovem de boa família, que não participa do espetáculo, que não dá sessões em casa nem na cidade e não tem interesse que falem dela, o que não é próprio dos charlatões; um Vice-Presidente do Tribunal; honrados negociantes; oficiais recomendáveis e recebidos na melhor sociedade. Tal suspeita pode atingi-los? Dirão que é no interesse da doutrina e para fazer adeptos. Mas nem por isso deixa de ser uma fraude, indigna de pessoas que se respeitam. Por outro lado, assentar uma doutrina sobre charlatanice, por meio de gente honesta, seria um meio singular. Mas os nossos contraditores não olham isto tão de perto, em matéria de contradições, porque a lógica é a menor de suas preocupações.

Há, entretanto, uma importante observação a fazer aqui. Quem assistia à sessão descrita pelo Sr. Delanne? Havia incrédulos a quem se queria convencer? Não, nenhum. Todos eram adeptos que já tinham testemunhado esses fatos várias vezes. Então eles teriam feito a escamoteação pelo prazer de enganar a si mesmos. Por mais que faleis, senhores, os Espíritos utilizam de tantas maneiras para atestar sua presença que, em definitivo, os que riem não estarão do vosso lado. Podeis julgar pelo número sempre crescente de seus partidários. Se tivésseis encontrado um só argumento sério, não teríeis esquecido, mas caís precisamente sobre os charlatões e os exploradores, que o Espiritismo desacredita e com os quais declara nada ter de comum. Nisto nos secundais, em vez de prejudicar-nos. Assinalai a fraude onde quer que a encontreis; não pedimos mais. Nunca nos vistes tomar-lhe a defesa, nem sustentar os que, por sua falta, caíram nas mãos da justiça ou se puseram em contravenção com a lei. Todo espírita sincero, que se limita aos deveres que lhe traça a doutrina, se dá à consideração e ao respeito, e nada tem a temer.



Acima, está sendo listado apenas o item do capítulo 35.
Para visualizar o capítulo 35 completo, clique no botão abaixo:

Ver 35 Capítulo Completo
Este texto está incorreto?