Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1865

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Capítulo LXV

Setembro - Da mediunidade curadora

Setembro


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Da mediunidade curadora

Escrevem-nos de Lyon, a 12 de julho de 1865:

“Caro Senhor Kardec,

“Na qualidade de espírita, venho recorrer à vossa gentileza e pedir alguns conselhos relativamente à prática da mediunidade curadora pela imposição das mãos. Um simples artigo a respeito desse assunto na Revista Espírita, contendo alguns desenvolvimentos, seria acolhido, tenho certeza, com grande interesse, não só por aqueles que como eu se ocupam desta questão com ardor, mas ainda por muitos outros a quem a leitura poderia inspirar o desejo de também dela se ocuparem. Lembro-me sempre destas palavras de uma sonâmbula que eu tinha formado. Eu a mandava, durante seu sono magnético, visitar uma doente à distância, e à minha pergunta acerca de como poderíamos curá-la, disse ela: “Há alguém em sua aldeia que poderia fazê-lo. É fulano de tal. Ele é médium curador, mas não o sabe disso.”

“Não sei até que ponto essa faculdade é especial. Cabe a vós, mais do que a qualquer outro, apreciá-la. Mas se realmente o for, quanto seria desejável que sobre tal ponto chamásseis a atenção dos espíritas. Todos aqueles que, mesmo fora de nossas opiniões, vos lessem, não poderiam sentir qualquer repugnância em experimentar uma faculdade que apenas requer fé em Deus e a prece. Que de mais geral e mais universal? Não é mais questão de Espiritismo, e cada um, no seu terreno, pode conservar suas convicções. Quantas irmãs de caridade, quantos bons curas do campo, quantos milhares de pessoas piedosas, ardentes pela caridade, poderiam ser médiuns curadores! É o que sonho em todas as religiões, em todas as seitas. Aceita por toda parte, essa faculdade, esse presente divino da bondade do Criador, em vez de ficar como apanágio de alguns, cairia, se assim me posso exprimir, no domínio público. Seria um belo dia para os que sofrem; e há tantos!

“Mas para exercer essa faculdade, independentemente de uma fé viva e da prece, podem existir condições a reunir, processos a seguir, para agir o mais eficazmente possível. Qual é a função do médium na imposição das mãos? Qual a dos Espíritos? É necessário empregar a vontade, como nas operações magnéticas, ou limitar-se a orar, deixando a influência oculta agir à vontade? Essa faculdade é, realmente, especial ou acessível a todos? O organismo aí representa um papel? Que papel? Essa faculdade é desenvolvível? Em que sentido?

“É aqui que vossa longa experiência, vossos estudos sobre as influências fluídicas, o ensino dos Espíritos elevados que vos assistem e, enfim, os documentos que recolheis de todos os recantos do mundo vos podem permitir esclarecer-nos e instruir-nos. Ninguém como vós está colocado nessa posição única. Todos os que se ocupam deste assunto desejam vossos conselhos tanto quanto eu, disto tenho certeza, e creio fazer-me o intérprete de todos. Que mina fecunda é a mediunidade curadora! Aliviar-se-á ou curar-se-á o corpo; e pelo alívio ou pela cura achar-se-á o caminho do coração, onde muitas vezes a lógica havia falhado. Que recursos possui o Espiritismo! Como é rico de meios a que está chamado a servir! Não deixemos nenhum improdutivo; que tudo contribua para elevá-lo e difundi-lo. Para tanto, nada negligenciais, caro senhor Kardec, e depois de Deus e dos bons Espíritos, o Espiritismo vos deve o que é. Já tendes uma recompensa neste mundo pela simpatia e pela afeição de milhões de corações que oram por vós, sem contar a verdadeira recompensa que vos espera no mundo melhor.

“Tenho a honra, etc.

“A. D.” O que nos pede o honrado correspondente é nada menos que um tratado sobre a matéria. A questão foi esboçada no Livro dos Médiuns e em muitos artigos da Revista, a propósito dos casos de cura e de obsessões; ela está resumida no Evangelho segundo o Espiritismo, a propósito das preces pelos doentes e dos médiuns curadores. Se um tratado regular e completo ainda não foi feito, isto se deve a duas causas: a primeira é que, a despeito de toda a atividade que desenvolvemos em nossos trabalhos, é-nos impossível fazer tudo ao mesmo tempo; a segunda, que é mais grave, está na insuficiência de noções que possuímos a respeito do assunto. O conhecimento da mediunidade curadora é uma das conquistas que devemos ao Espiritismo; mas o Espiritismo, que começa, ainda não pode ter dito tudo; ele não pode, de um só golpe, mostrar-nos todos os fatos que abarca; diariamente ele mostra fatos novos, dos quais decorrem novos princípios, que vêm corroborar ou completar os já conhecidos, mas é necessário tempo material para tudo. A mediunidade curadora deveria ter a sua vez. Embora parte integrante do Espiritismo, ela é por si só toda uma ciência, porque se liga ao Magnetismo, e abarca não só as doenças propriamente ditas, mas todas as variedades de obsessões, tão numerosas e complexas que, também elas, influem no organismo. Não é, pois, nalgumas palavras que se pode desenvolver um assunto tão vasto. Nele trabalhamos, como em todas as outras partes do Espiritismo, mas como aí nada queremos introduzir de pessoal e de hipotético, procedemos somente pelas vias da experiência e da observação. Não nos permitindo os limites deste artigo lhe dar o desenvolvimento que comporta, resumimos alguns dos princípios fundamentais, que a experiência consagrou.

1. ─ Os médiuns que recebem indicações de remédios, da parte dos Espíritos, não são o que se chama médiuns curadores, pois eles próprios não curam; são simples médiuns escreventes, que têm uma aptidão mais especial que os outros para esse gênero de comunicações e que, por isto mesmo, podem ser chamados médiuns consultores, como outros são médiuns poetas ou desenhistas. A mediunidade curadora é exercida pela ação direta do médium sobre o doente, com o auxílio de uma espécie de magnetização de fato, ou pelo pensamento.

2. ─ Quem diz médium diz intermediário. A diferença entre o magnetizador propriamente dito e o médium curador é que o primeiro magnetiza com o seu fluido pessoal e o segundo com o fluido dos Espíritos, aos quais serve de condutor. O magnetismo produzido pelo fluido do homem é o magnetismo humano; o que provém do fluido dos Espíritos é o magnetismo espiritua1.

3. ─ O fluido magnético tem, pois, duas fontes bem distintas: os Espíritos encarnados e os Espíritos desencarnados. Essa diferença de origem produz uma grande diferença na qualidade do fluido e nos seus efeitos. O fluido humano está sempre mais ou menos impregnado de impurezas físicas e morais do encarnado; o dos bons Espíritos é necessariamente mais puro e, por isto mesmo, tem propriedades mais ativas, que acarretam uma cura mais rápida. Mas, passando através do encarnado, pode alterar-se como um pouco de água límpida passando por um vaso impuro, como todo remédio se altera se permanece muito tempo num recipiente impróprio e perde, em parte, suas propriedades benéficas. Daí, para todo verdadeiro médium curador, a necessidade absoluta de trabalhar a sua depuração, isto é, o seu melhoramento moral, segundo este princípio vulgar: Limpai o vaso antes de dele vos servirdes, se quiserdes ter algo de bom. Só isto basta para mostrar que o primeiro que aparecer não poderá ser um médium curador, na verdadeira acepção da palavra.

4. ─ O fluido espiritual será tanto mais depurado e benfazejo quanto mais o Espírito que o fornece for puro e desprendido da matéria. Compreende-se que o dos Espíritos inferiores deve aproximar-se do homem e pode ter propriedades maléficas, se o Espírito for impuro e animado de más intenções. Pela mesma razão, as qualidades do fluido humano apresentam nuanças infinitas, conforme as qualidades físicas e morais do indivíduo. É evidente que o fluido que emana de um corpo malsão pode inocular princípios mórbidos no magnetizado. As qualidades morais do magnetizador, isto é, a pureza de intenção e de sentimento, o desejo ardente e desinteressado de aliviar o seu semelhante, aliados à saúde do corpo, dão ao fluido um poder reparador que pode, em certos indivíduos, aproximar-se das qualidades do fluido espiritual. Assim, seria um erro considerar o magnetizador como simples máquina de transmissão de fluidos. Nisto, como em todas as coisas, o produto está na razão do instrumento e do agente produtor. Por estes motivos, seria imprudência submeter-se à ação magnética do primeiro desconhecido que se apresente. Abstração feita dos conhecimentos práticos indispensáveis, o fluido do magnetizador é como o leite de uma nutriz: salutar ou insalubre.

5. ─ Sendo o fluido humano menos ativo, exige uma magnetização continuada e um verdadeiro tratamento, por vezes muito longo. Gastando o seu próprio fluido, o magnetizador se esgota e se afadiga, pois dá de seu próprio elemento vital, por isso ele deve, de vez em quando, recuperar suas forças. O fluido espiritual, mais poderoso em razão de sua pureza, produz efeitos mais rápidos e por vezes quase instantâneos. Não sendo esse fluido do magnetizador, disso resulta que a fadiga é quase nula.

6. ─ O Espírito pode agir diretamente, sem intermediário, sobre um indivíduo, como foi constatado em muitas ocasiões, quer para aliviá-lo, para curá-lo, se possível, quer para produzir o sono sonambúlico. Quando ele age por um intermediário, trata-se de mediunidade curadora.

7. ─ O médium curador recebe o influxo fluídico do Espírito, ao passo que o magnetizador tudo tira de si mesmo. Mas os médiuns curadores, na estrita acepção da palavra, isto é, aqueles cuja personalidade se apaga completamente ante a ação espiritual, são extremamente raros, porque essa faculdade, elevada ao mais alto grau, requer um conjunto de qualidades morais raramente encontradas na Terra; só esses podem obter, pela imposição das mãos, essas curas instantâneas que nos parecem prodigiosas. Muito poucas pessoas podem pretender esse favor. Sendo o orgulho e o egoísmo as principais fontes das imperfeições humanas, daí resulta que os que se gabam de possuir esse dom, que vão a toda parte contando as curas maravilhosas que fizeram ou que dizem ter feito; que buscam a glória, a reputação ou o proveito, estão nas piores condições para obtê-lo, porque essa faculdade é privilégio exclusivo da modéstia, da humildade, do devotamento e do desinteresse. Jesus dizia àqueles que ele havia curado: Ide dar graças a Deus e não o digais a ninguém.

8. ─ Sendo, pois, a mediunidade curadora uma exceção aqui na Terra, disso resulta que há quase sempre ação simultânea do fluido espiritual e do fluido humano; quer dizer que os médiuns curadores são todos mais ou menos magnetizadores, razão pela qual agem conforme os processos magnéticos. A diferença está na predominância de um ou do outro fluido e na cura mais ou menos rápida. Todo magnetizador pode tornar-se médium curador, se souber fazer-se assistir por bons Espíritos. Neste caso os Espíritos vêm em seu auxílio, derramando sobre ele seu próprio fluido, que pode decuplicar ou centuplicar a ação do fluido puramente humano.

9. ─ Os Espíritos vêm aos que eles querem; nenhuma vontade pode constrangêlos; eles se rendem à prece, se for fervorosa, sincera, mas nunca à injunção. Disto resulta que a vontade não pode dar a mediunidade curadora e que ninguém pode ser médium curador com desígnio premeditado. Reconhece-se o médium curador pelos resultados que obtém e não por sua pretensão de o ser.

10. ─ Mas se a vontade for ineficaz quanto ao concurso dos Espíritos, é onipotente para imprimir ao fluido, espiritual ou humano, uma boa direção e uma energia maior. No homem apático e distraído, a corrente é débil e a emissão é fraca; o fluido espiritual pára nele, mas sem proveito para ele; no homem de vontade enérgica, a corrente produz o efeito de uma ducha. Não se deve confundir vontade enérgica com teimosia, porque a teimosia é sempre resultado do orgulho ou do egoísmo, ao passo que o mais humilde pode ter a vontade do devotamento. A vontade é ainda onipotente para dar aos fluidos as qualidades especiais apropriadas à qualidade do mal. Este ponto, que é capital, se liga a um princípio ainda pouco conhecido, mas que está em estudo, o das criações fluídicas e das modificações que o pensamento pode produzir na matéria. O pensamento, que provoca uma emissão fluídica, pode operar certas transformações moleculares e atômicas, como vemos se produzirem sob a influência da eletricidade, da luz ou do calor.

11. ─ A prece, que é um pensamento, quando fervorosa, ardente, feita com fé, produz o efeito de uma magnetização, não só chamando o concurso dos bons Espíritos, mas dirigindo ao doente uma salutar corrente fluídica. A respeito disto chamamos a atenção para as preces contidas no Evangelho segundo o Espiritismo, pelos doentes ou pelos obsedados.

12. ─ Se a mediunidade curadora pura é privilégio das almas de escol, a possibilidade de suavizar certos sofrimentos, mesmo de curar, ainda que não instantaneamente, certas moléstias, a todos é dada, sem que haja necessidade de ser magnetizador. O conhecimento dos processos magnéticos é útil em casos complicados, mas não indispensável. Como a todos é dado apelar aos bons Espíritos, orar e querer o bem, muitas vezes basta impor as mãos sobre uma dor para acalmála; é o que pode fazer qualquer indivíduo, se ele estiver dotado de fé, fervor, vontade e confiança em Deus. É de notar que a maior parte dos médiuns curadores inconscientes, aqueles que não se dão conta de sua faculdade, e que por vezes são encontrados nas mais humildes posições e em gente privada de qualquer instrução, recomendam a prece e orando se ajudam mutuamente. Apenas sua ignorância lhes faz crer na influência desta ou daquela fórmula. Às vezes, mesmo, a isto misturam práticas evidentemente supersticiosas, às quais devemos atribuir o valor que elas merecem.

13. ─ Mas, pelo simples fato de se ter obtido resultados satisfatórios uma ou mais vezes, seria temerário considerar-se médium curador e daí concluir que se pode vencer toda espécie de mal. A experiência prova que, na acepção restrita da palavra, entre os melhor dotados não há médiuns curadores universais. Este terá restituído a saúde a um doente e nada fará sobre outro; aquele terá curado um mal numa pessoa mas não curará o mesmo mal outra vez, no mesmo doente ou em outro; aquele outro, enfim, terá a faculdade hoje e não terá amanhã, e poderá recuperá-la mais tarde, conforme as afinidades ou as condições fluídicas em que se encontre.

14. ─ A mediunidade curadora é uma aptidão inerente ao indivíduo, como todos os gêneros de mediunidade, entretanto, o resultado efetivo dessa aptidão independe de sua vontade. Incontestavelmente, ela se desenvolve pelo exercício, sobretudo pela prática do bem e da caridade; mas, como não poderia ter a constância nem a regularidade de um talento adquirido pelo estudo, e do qual se é sempre senhor, ela não poderia tornar-se uma profissão. Seria, pois, abusivo alguém apresentar-se ao público como médium curador. Estas reflexões não se aplicam aos magnetizadores, porque a força está neles e eles têm a liberdade de dela dispor.

15. ─ É um erro crer que aqueles que não partilham de nossas ideias não terão a menor repugnância em experimentar essa faculdade. A mediunidade curadora racional está intimamente ligada ao Espiritismo, porque repousa essencialmente no concurso dos Espíritos. Ora, aqueles que não creem nos Espíritos nem em sua própria alma, e ainda menos na eficácia da prece, não saberiam colocar-se nas condições requeridas, pois isto não é coisa que se possa experimentar maquinalmente. Entre os que acreditam na alma e na sua imortalidade, quantos ainda hoje não recuariam de medo ante um apelo aos bons Espíritos, por receio de atrair o demônio, e que ainda julgam de boa-fé que todas as curas são obra do diabo? O fanatismo é cego; não raciocina. Certamente não será sempre assim, mas ainda passará muito tempo antes que a luz penetre em certos cérebros. Enquanto se espera, façamos o maior bem possível, com o auxílio do Espiritismo; façamo-lo mesmo aos nossos inimigos, ainda que tivéssemos de ser pagos com a ingratidão. É o melhor meio de vencer certas resistências e de provar que o Espiritismo não é tão negro como alguns pretendem.


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