Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1865

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Capítulo LXXXIII

Novembro - Um novo Nabucodonosor

Novembro
Um novo Nabucodonosor

Escrevem-nos de Charkow, na Rússia:

Escrevendo-vos, Sr. Presidente, ouso esperar que o Espiritismo talvez venha lançar alguma luz sobre um fato até hoje inexplicável, e que me parece oferecer um poderoso interesse. Colhi-o de uma testemunha ocular, parente próximo da pessoa em questão. Eis o que ele me contou.

Todos os membros da família R... se faziam notados pela originalidade do caráter e por suas inclinações. Mas aqui falarei apenas dos dois irmãos Alexandre e Voldemar. O que impressionava neste último eram os olhos, cuja impressão é impossível descrever. Crianças, brincávamos juntos; mesmo longe de ser um poltrão, eu não podia, entretanto, suportar o seu olhar. Fiz a observação a meu pai, que me confessou experimentar, olhando-o, o mesmo sentimento de perturbação, e aconselhou-me que o evitasse. Parece que Voldemar não era o favorito da família. Quando chegou a idade dos estudos sérios, os dois irmãos entraram para a Universidade de Kazan. Voldemar não tardou em deixar estupefatos os mestres e os colegas, por atitudes esquisitas; muitas vezes gabava-se em presença do irmão, que havia escolhido para vítima de suas troças. Mas seus sucessos não duraram. Aos dezesseis anos ele morreu nos braços de seu irmão. É deste último que nos vamos ocupar.

Mesmo em menor grau, Alexandre também possuía nos olhos negros esse magnetismo fascinante que tanto chocava em seu irmão. Também não tinha as brilhantes qualidades, mas isto não o impedia de ter muito espírito e de aprender com facilidade. A morte do irmão causou-lhe tal impressão que se tornou outro homem. Seis semanas depois, ficou sem abrir os olhos, deixou de se pentear, de se lavar, e não quis, sob nenhum pretexto, mudar de roupa, de modo que as roupas apodreciam-lhe no corpo e caíam em farrapos.

Então a mãe o levou para o campo. Um tio que morava perto conseguiu que ela lhe confiasse seu sobrinho por algum tempo, prometendo fazê-lo esquecer todas as suas fantasias. Com efeito, disse-lhe muito severamente que se quisesse manter semelhante atitude em sua casa, não teria escrúpulos com os meios de corrigi-lo. Alexandre logo tornou-se perfeitamente razoável; não ofereceu qualquer resistência às ordens do tio, mas escreveu secretamente à sua mãe, pedindo-lhe que viesse livrálo de seu carrasco. Sua mãe atendeu logo ao seu desejo. No entanto, uma vez longe do tio, as bizarrices recomeçaram mais intensas. Entre outras coisas, ele exigia que tocassem os sinos da igreja, quando se sentava à mesa. Pensaram num desarranjo cerebral e puseram-no numa casa de saúde de Kazan. Coisa estranha! Também dessa vez mudou completamente. Nada em sua conduta ou nas palavras denotava um cérebro doentio. Os médicos pensaram numa intriga de família e não mais o observaram de perto.

Uma noite, vendo que todos dormiam, ele enfiou o barrete e a jaqueta de um dos médicos, saiu do quarto, passou perto do porteiro sem ser reconhecido, ganhou a rua e fez 30 verstas[1] a pé até a sua fazenda. Entrou numa espécie de cabana, que servia de galinheiro, tirou toda a roupa e pondo-se no meio da cabana declarou que uma toesa[2] quadrada de chão bastava para a vida de um homem que de nada necessitava. Em vão a mãe, de joelhos, lhe suplicou que mudasse de ideia; em vão tentaram persuadi-lo a permitir que construíssem um teto para sua cabana. Ele ficou inabalável; quis ao seu lado apenas uma velha criada que jamais o tinha deixado e que por ele tinha uma fidelidade e um apego de cão. Seu pai, vendo que nada conseguia, ordenou a todos os seus camponeses que deixassem o lugar e fossem instalar-se a 7 verstas dali; ele próprio partiu, apelidando a aldeia de Aldeia Perdida. Então quiseram pôr a propriedade sob tutela. Nomearam comissões, mas Alexandre, que era sempre prevenido a tempo, vestiu-se, mesmo sem roupas íntimas, e veio ao encontro de todos. Respondeu a todas as perguntas com um bom-senso e uma justeza que nada deixavam a desejar, e tão bem que a comissão que ao chegar imaginava tratar com um louco, retirou-se desapontada.

Isto se passou em 1842, e até agora Alexandre permanece no mesmo estado. Ele se mantém de pé, sem nenhuma roupa, num pardieiro sem portas nem janelas, exposto a todas as intempéries e onde, no inverno, o frio chega a 30º abaixo de zero. Ele se alimenta de um pouco de geleia de uva que lhe trazem uma vez por dia numa tigela de barro; atiram-na com uma colher e ele a apanha no ar, à maneira dos animais, dos quais adotou o mugido, porque não mais se serve da voz humana. De tanto manter a cabeça inclinada, não pode mais erguê-la; seus pés atingiram uma largura desmesurada e ele não pode mais andar. Algumas vezes, à noite, acomoda-se e permite que o cubram com uma pele de carneiro. Seu aspecto nada apresenta de extraordinário, salvo os olhos. Não é gordo nem magro. O rosto tem uma expressão de sofrimento. Certa vez lhe perguntaram a razão de sua conduta extraordinária. Ele respondeu: “Não me fale nisto, é uma falta de vontade.” Não conseguiram mais. Que entendia ele por falta de vontade? Seria um voto?... Às vezes ele pronuncia o nome do irmão morto; outras vezes exclama: “Mas quando isto terminará?” Não segue nenhuma das regras de sua religião. Tinham mandado seus cabelos a um célebre sonâmbulo de Londres. A resposta foi que “era a doença de Nabucodonosor.

Contudo, ele não é louco! O que há de mais extraordinário é que ao lado dessa existência puramente bestial, há nele uma vida intelectual, pois se interessa por tudo o que se passa no mundo. Ele manda vir muitos jornais, e como o ambiente onde vive é sombrio, permitiu que fizessem um rancho ao lado do seu. Era aí que outrora, durante horas, sua mãe lia para ele. Agora que ela está morta, foi substituída por uma leitora contratada.

A comissão encarregada de aprofundar-se no caso obteve os seguintes detalhes, que no fundo apenas o embrulharam. D..., colega de Alexandre R... na universidade, disse que quando estavam juntos, pôde observar que ele era apaixonado pela mulher de um farmacêutico; era uma criatura de rara beleza e muito virtuosa. Diariamente Alexandre montava a cavalo, para ter o prazer de passar em frente às suas janelas e vê-la, às vezes, de longe. A isto se limitaram os seus amores. Contudo, diariamente, à mesma hora, vinham trazer-lhe uma carta lacrada, e se houvesse alguém em seu quarto, ele se apressava em escondê-la numa gaveta. Persuadido de que fossem bilhetes amorosos, D... não se interessava em conhecer o conteúdo. Mais tarde, quando começaram as pesquisas, só encontraram duas cartas, pois ele havia queimado todas as demais, e supõe-se que eram daquelas que ele recebia da universidade. A primeira era mais ou menos nestes termos:

“Ontem aconteceu-me uma coisa estranha. Eu voltava de nossa Suíça Russa (nome de um passeio nos arredores de Kazan), e atravessava o campo de Ars, quando ouvi gritar: Socorro! Também gritei, e me precipitando para o lugar de onde vinham os gritos, cheguei perto de um cemitério murado. Vi aparecer em cima do muro um jovem que agradecia vivamente a minha intervenção dizendo que tinha sido atacado por ladrões; mas ouvindo uma voz, fugiram. (Uma fábrica de tecidos estava situada no campo de Ars; tinham parado o trabalho por algum tempo, e alguns operários, não mais tendo como ganhar o pão, se deram ao roubo). Tomamos juntos o caminho da cidade, e estabeleceu-se entre nós uma conversa muito interessante e animada. Não posso dizer-te aqui de que se tratava, mas direi quando nos encontrarmos.

“Enfim chegamos à casa do meu desconhecido e aí passei toda a tarde. Dizendo-me adeus, agradeceu-me ainda uma vez, sem contudo convidar-me a vir vê-lo em casa. Apenas indicou-me um lugar onde passeava todos os dias a uma hora certa e onde, se eu quisesse, poderia vê-lo. O que há de estranho é que, de volta à minha casa, foi-me impossível lembrar a rua e a casa que acabara de deixar, embora conheça perfeitamente a cidade onde moro há quatro anos. Proponho-me ir ver o meu desconhecido no lugar indicado. Tratarei de ir à sua casa e certamente dessa vez eu me lembrarei.”

Não havia assinatura.


Eis a segunda carta, que é uma continuação da precedente. Apenas é muito mais curta:

“Vi o meu desconhecido no lugar indicado; ele convidou-me a ir à sua casa; passamos a tarde juntos, mas, de volta à minha casa, de novo esqueci completamente a rua e a casa.”

Sem assinatura. Examinando a letra atentamente, pareceu que havia uma grande semelhança com a de um de seus camaradas, mas quando mostraram a este último as duas cartas, ele se pôs a rir, declarando que jamais em sua vida havia escrito semelhantes coisas.

Aqui param todas as pesquisas. Supõe-se que haja nisto um grande mistério e que esse mistério seja conhecido por apenas três pessoas. Primeiro sua mãe, depois a velha criada que não o deixava nunca, e por fim sua irmã. As duas primeiras estão mortas; a terceira mora com seu marido na mesma aldeia que Alexandre. Diariamente ela vai vê-lo e permanece com ele três ou quatro horas a fio. De que podem falar? Seu irmão esquece os rugidos para falar uma linguagem humana e voltar a ser razoável? É o que ninguém sabe. O que há de singular é que esse fato tão extraordinário é muito pouco conhecido. Ele jamais foi publicado por qualquer jornal, entretanto se passa bem perto de Kazan, cidade onde há uma universidade, cientistas e médicos. É verdade que no começo fizeram pesquisas, mas parece-me que logo se desencorajaram. Contudo, que vasto campo para a observação da Ciência, sem falar do lado psicológico! É um fato atual, que qualquer um pode constatar.

Poderia o Espiritismo, que explica tantas coisas, dar a solução para esse estranho fenômeno? Não ouso pedir-vos uma resposta por escrito, pois vosso tempo é muito precioso. Apenas espero que se considerardes o fato digno do vosso exame, emitais a vossa opinião na Revista Espírita, que aqui recebemos.

Aceitai, etc.

Uma coisa ressalta evidente deste relato. É que o jovem não é louco, na acepção científica do vocábulo; ele goza da plenitude da razão, quando quer. Mas qual pode ser a causa de semelhante excentricidade, nessa idade? Cremos que muito tempo passará antes que a Ciência a encontre, com seus recursos puramente materiais. Entretanto, existe algo que não é uma simples mania: é a assimilação da voz e dos gestos dos animais. É verdade que já vimos indivíduos abandonados nos bosques, desde tenra idade, vivendo com as feras, adotando seus gritos e seus costumes por imitação. Mas não é este o caso. Esse jovem fez estudos sérios, vive em suas terras e no meio de uma aldeia; está em contacto diário com seres humanos. Neste caso, portanto, não se trata de uma questão de hábito e de isolamento.

Disse o sonâmbulo de Londres que é uma doença de Nabucodonosor. Mas que moléstia é essa? A história desse rei não é uma lenda? É possível que um homem se transforme em fera? Contudo, se aproximarmos o relato bíblico do fato atual de Alexandre R..., notaremos entre eles mais de um ponto de semelhança. Compreendese que o que se passa em nossos dias pode ter-se passado outrora, e que o rei da Babilônia pode ter sido atingido por um mal semelhante. Se, pois, aquele rei, dominado por uma influência análoga, deixou o seu palácio, como Alexandre R... deixou o seu castelo; se viveu e gritou como ele, à maneira das feras, puderam dizer, na linguagem alegórica daquela época, que ele tinha sido transformado em fera. É verdade que isto destrói o milagre. Mas quantos milagres hoje caem ante as leis da Natureza que se descobrem diariamente! A religião com isto ganhará se for aceito como natural um fato que era considerado como maravilhoso. Quando os adversários do Espiritismo dizem que ele ressuscita o sobrenatural e a superstição, eles provam que lhe ignoram as primeiras palavras, porquanto ele vem, ao contrário, provar que certos fatos reputados misteriosos não passam de efeitos naturais.

Lido este relato na Sociedade de Paris, como assunto de estudo, foi solicitado um médium que evocasse os Espíritos que pudessem dar uma explicação. Foram obtidas as três comunicações seguintes, uma do irmão falecido, Voldemar; a segunda do Espírito protetor dos dois irmãos e a terceira, do guia espiritual de outro médium.

(Sociedade Espírita de Paris, 13 de outubro de 1
865) (Médium: Sr. Desliens)


I


Eis-me aqui!... Que quereis?... Com que direito vos imiscuís em negócios íntimos de família?!... Sabei que ninguém jamais me ofendeu em vão, e temei incorrer em minha cólera tentando vasculhar um segredo que não vos pertence! Quereis ter a chave das razões que levam meu irmão a fazer semelhantes tolices? Sabei que toda a causa reside em mim, que o puni dessa maneira pela falta de fé com que se tornou culpado em relação a mim. Um elo nos unia, elo terrível, elo de morte!... Ele devia cumprir a sua promessa e não o fez; foi covarde!... Pois que ele sofra a pena por uma falta que não encontraria graça em mim!... Meu cúmplice na ação, ele deveria seguir-me no suplício. Por que hesitou?... Hoje ele suporta o castigo por suas hesitações.

Não podendo obrigá-lo a seguir-me, pelo menos imediatamente, empreguei a força magnética, que possuo em grau extremo, para obrigá-lo a abandonar a sua vontade e o seu ser ao meu livre-arbítrio. Ele sofre nessa posição?... Tanto melhor! Cada um de seus gemidos interiores me causa um tremor de sombria satisfação.

Estais contentes com a minha urbanidade? Achais suficientes as minhas explicações?... Não. Quereríeis moralizar-me?... Mas, que sois vós para me pregar sermões? Sois padre? Não. Pois então, a que título quereis que vos escute? Nada quero ouvir e volto ao lugar que não deveria ter deixado. Ele compreende seus males neste momento. Talvez sua vontade reaja sobre a sua matéria! Infelizes de vós se o fizerdes escapar ao meu domínio!

VOLDEMAR R...


II


Não tenteis, pelo menos agora, constranger esse pobre insensato a vos escutar. Ele não poderia fazê-lo e vossas palavras não teriam outros resultados senão excitar sua raiva brutal. Venho em seu lugar dar-vos algumas explicações que lançarão um pouco de luz sobre o drama sombrio de que esses dois seres foram autores em outra existência. Neste momento eles expiam, sofrendo as consequências da ação criminosa em cujos detalhes eu não poderia entrar hoje. Sabei apenas que, dessas duas individualidades, Alexandre, sob outro nome e noutra época, foi subordinado de Voldemar, numa condição social que podereis presumir por algumas palavras do relato que lestes. Meditai na passagem em que se diz que Alexandre exigia que fosse tocado o sino no começo de suas refeições, e estareis no caminho. Como eu vos disse, subordinado a Voldemar, e sob as instigações deste, ele perpetrou diversas ações cuja responsabilidade ambos carregam hoje, e que são a fonte de seus sofrimentos.

Alexandre era ─ e ainda é ─ um caráter fraco e vacilante, quando uma causa qualquer dava a alguém o domínio sobre ele. Em relação a todas as outras pessoas ele era altivo, despótico, brutal. Em suma, estava sob o domínio do irmão. O que ambos fizeram é o que o futuro vos dirá, no correr deste estudo. Passemos aos resultados.

Eles prometeram jamais trair-se ou se afastarem e, além disto, Voldemar se reservou o direito, com toda a sua vontade poderosa, de fazer o seu infeliz cúmplice suportar todo o seu peso. Vistes que ele o tinha tomado como alvo de suas brincadeiras, no fragmento de existência que percorreram juntos. Dotados de uma inteligência pouco comum, esses dois seres tinham formado anteriormente, pela associação de suas inclinações más, uma liga temível contra a Sociedade. Voldemar foi recolhido, por um desígnio da Providência, que assim preparava o caminho da renovação desses dois seres. Sob o império de sua promessa, Alexandre queria seguir seu irmão no túmulo, mas sua afeição por uma pessoa da qual se falou no relato, e a fadiga de um jugo que suportava com esforço, fizeram com que ele tomasse a resolução de lutar. Seu irmão não podia matá-lo materialmente, mas o matou moralmente, cercando-o de um feixe de influências que determinaram a cruel obsessão cujas consequências conheceis.

O sonâmbulo que designou essa afecção com o nome de moléstia de Nabucodonosor não estava tão longe da verdade quanto se podia crer, porque Nabucodonosor não passava de um obsedado que se convenceu de que se havia transformado em fera. É, pois, uma obsessão, que não exclui, como sabeis, a ação da inteligência e não a aniquila de maneira fatal. É um dos casos mais notáveis, cujo estudo poderá ser a todos proveitoso. Nesta noite ele nos arrastaria muito longe, pelos desenvolvimentos que requer. Limitar-me-ei a esta exposição, pedindo-vos ao mesmo tempo que reunais vossas forças espirituais para evocar Voldemar. Como o teme com razão, em sua ausência o irmão recobra a energia e pode libertar-se. Eis por que lhe repugna deixá-lo, e sobre ele exerce uma ação magnética contínua.

O guia de ambos PAULOWITCH


III


(Médium: Sra. Delanne)

Meus bem-amados irmãos, certos fatos relatados nas Escrituras, por muita gente são olhados como fábulas para as crianças. Desdenharam-nos porque não os compreenderam e recusaram dar-lhes fé. Não obstante, despido da forma alegórica, o fundo é verdadeiro, e só o Espiritismo podia dar-lhe a chave. Fatos de diversas naturezas vão produzir-se não só com os espíritas, mas com todo mundo e por toda a Terra, que forçarão os cientistas a estudar, e é então que poderão convencer-se, a despeito do que dizem alguns, que o Espiritismo ensina coisas novas, porque é por ele que se terá a explicação do que ficou incompreendido até hoje. Não vos disseram que a obsessão iria revestir novas formas? Este é um exemplo.

A punição de Nabucodonosor não é, portanto, uma fábula. Ele não foi, como dissestes muito judiciosamente, transformado em fera; mas ele era, como o caso que vos ocupa no momento, privado por algum tempo do livre exercício de suas faculdades intelectuais, e isso em condições que o assemelhavam às feras e transformavam o poderoso déspota em objeto de piedade para todos. Deus o tinha ferido no seu orgulho.

Todas estas questões se ligam às dos fluidos e do magnetismo. Nesse jovem, há obsessão e subjugação. Ele tem muita lucidez como Espírito, e seu irmão exerce sobre ele uma irresistível influência magnética; atrai-o facilmente para fora de seu corpo, quando uma pessoa amiga e simpática lá não está para retê-lo. Ele sofre quando desprendido; para ele, também, é uma punição, e é então que solta rugidos ferozes.

Não vos apresseis em condenar o que está escrito nos livros sagrados, como faz a maioria dos que só veem a letra e não o espírito. Diariamente vos esclareceis mais, e novas verdades desenrolar-se-ão aos vossos olhos, pois estais longe de ter esgotado todas as aplicações daquilo que sabeis em Espiritismo.

SÃO BENTO

Resulta desta explicação eminentemente racional, que esse jovem está sob o império de uma obsessão, ou melhor, de uma terrível subjugação, semelhante à que sofreu o rei Nabucodonosor. Isto destrói a justiça de Deus que tinha punido o monarca orgulhoso? Absolutamente não, pois sabemos que as obsessões são, ao mesmo tempo, provações e castigos. Assim, Deus podia puni-lo pondo-o sob o jugo de um Espírito maléfico que o constrangesse a agir como uma fera, sem com isso metamorfoseá-lo em fera. A primeira dessas punições é natural e se explica pela lei das relações entre o mundo visível e o invisível; a outra é antinatural, fantástica e não se explica. Uma se apresenta, em nossos dias, como uma realidade, sob as formas diversas da obsessão, a outra só se acha nos contos de fadas. Enfim, uma é aceitável pela razão, a outra não.

Do ponto de vista do Espiritismo, esse fato oferece importante tema de estudo. A obsessão aí se apresenta sob um aspecto novo quanto à forma e quanto à causa determinante, mas nada tem de surpreendente, depois do que nos é dado ver diariamente. São Bento tem toda razão ao dizer que estamos longe de haver esgotado todas as aplicações do Espiritismo e de compreendermos tudo quanto ele nos pode explicar. Tal como é, ele apresenta-nos uma rica mina a explorar, auxiliados pelas leis que nos dá a conhecer. Antes de dizer que está estacionário, saibamos, pois, tirar proveito do que ele nos ensina.



[1] Antiga medida itinerária russa equivalente a 1.067 metros.


[2] Antiga unidade de medida de comprimento, equivalente a 1,98m.




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