Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1866
Versão para cópiaCapítulo XXVIII
Abril - O despertar do senhor de Cosnac
Abril
O despertar do senhor de Cosnac
Nosso colega da Sociedade de Paris, Sr. Leymarie, tendo ido há pouco tempo fazer uma viagem a Corrèze, aí se entretinha frequentemente sobre Espiritismo, e recebeu várias comunicações mediúnicas, entre outras a que damos abaixo, e que certamente não podia estar em seu pensamento, pois ele ignorava que jamais tivesse existido no mundo um indivíduo chamado Cosnac. Essa comunicação é notável porque mostra a posição singular de um Espírito que, dois séculos e meio depois de falecido, não se julgava vivo, mas se achava sob a impressão das ideias e da visão das coisas de seu tempo, sem se aperceber quanto tudo tinha mudado desde então.
(Tulle, 7 de março de 1
866)
Há dois séculos e meio, inconsciente de minha posição, vejo sem cessar o castelo-forte de meus antepassados, os fossos profundos, o senhor de Cosnac sempre ligado ao seu rei, ao seu nome, às suas lembranças de grandeza; há pajens e valetes por toda parte; homens de armas partindo para uma expedição secreta. Sigo todos esses movimentos, todo esse ruído; ouço os lamentos dos prisioneiros e dos colonos, dos servos temerosos que passam humildemente em frente à casa do senhor; ...e tudo isto não passa de um sonho!...
Meus olhos se abriram hoje para ver tudo ao contrário de meu sonho secular! Vejo uma grande habitação burguesa, mas sem linhas de defesa; tudo está calmo. As grandes árvores desapareceram; dirse-ia que uma mão de fada transformou a morada feudal e a paisagem agreste que a cerca. Por que essa mudança?... Então o nome que trago desapareceu e com ele os bons velhos tempos?... Ah! É preciso perder os meus sonhos, os meus desejos, as minhas ficções, porque um novo mundo acaba de me ser revelado. Outrora bispo, orgulhoso de meus títulos, de minhas alianças, conselheiro de um rei, eu só admitia nossas personalidades, um Deus criando raças privilegiadas, a quem o mundo pertencia de direito, um nome que devia perpetuar-se e, como base desse sistema, a tirania e o sofrimento para o servo e para o artesão.
Algumas palavras puderam despertar-me! ... Uma atração involuntária (outrora eu teria dito diabólica) atraiu-me para aquele que escreve. Ele discutiu com um padre que emprega, para defesa da Igreja, todos os argumentos que outrora eu repetia, ao passo que ele se serve de palavras novas, que explica com simplicidade e, confessá-lo-ei? É seu raciocínio que permite que meus olhos vejam e os meus ouvidos escutem.
Por ele, eu percebo as coisas tais quais são e, o que é mais estranho, depois de tê-lo seguido em mais de um lugar onde ele defende o Espiritismo, eu volto ao sentimento de minha existência como Espírito; aprecio melhor, defino melhor as grandes leis da verdade e da justiça; rebaixo o meu orgulho, causa da catarata que confundiu minha razão, meu juízo, durante dois séculos e meio, entretanto, vede a força do hábito, do orgulho de raça! A despeito da mudança radical operada nos bens de meus avós, nos costumes, nas leis e no governo; malgrado as conversas do médium que transmite meu pensamento; malgrado minha visita aos grupos espíritas de Paris, e mesmo aos Espíritos que se preparam para a emigração para mundos adiantados, ou para reencarnações terrenas, foram-me precisos oito dias de reflexão para me render à evidência.
Nesse longo combate entre um passado desaparecido e o presente que nos arrasta para as grandes esperanças, minhas resistências caíram, uma a uma, como as velhas armaduras quebradas de nossos antigos cavaleiros. Venho fazer ato de fé ante a evidência e eu, de Cosnac, antigo bispo, afirmo que eu vivo, que eu sinto, que eu julgo. Esperando minha reencarnação, preparo minhas armas espirituais; sinto Deus por toda parte e em tudo; não sou um demônio, abjuro meu orgulho de casta, e em meu envoltório fluídico rendo homenagem ao Deus criador, ao Deus de harmonia que chama a si todos os seus filhos, a fim de que depois de vidas mais ou menos acidentadas, eles cheguem purificados às esferas etéreas onde esse Deus tão magnânimo os fará gozar da suprema sabedoria.
DE COSNAC
NOTA: O penúltimo arcebispo de Sens chamava-se Jean-Joseph-Marie-Victoire de Cosnac. Ele tinha nascido em 1764, no Castelo de Cosnac, no Limousin, e aí morreu em 1843. O Boletim da Sociedade Arqueológica de Sens, volume 7, página 301, diz que ele era o décimo primeiro prelado que sua família tinha dado à Igreja. Não é impossível que um bispo com esse nome tenha existido no começo do século dezessete.
(Tulle, 7 de março de 1
866)
Há dois séculos e meio, inconsciente de minha posição, vejo sem cessar o castelo-forte de meus antepassados, os fossos profundos, o senhor de Cosnac sempre ligado ao seu rei, ao seu nome, às suas lembranças de grandeza; há pajens e valetes por toda parte; homens de armas partindo para uma expedição secreta. Sigo todos esses movimentos, todo esse ruído; ouço os lamentos dos prisioneiros e dos colonos, dos servos temerosos que passam humildemente em frente à casa do senhor; ...e tudo isto não passa de um sonho!...
Meus olhos se abriram hoje para ver tudo ao contrário de meu sonho secular! Vejo uma grande habitação burguesa, mas sem linhas de defesa; tudo está calmo. As grandes árvores desapareceram; dirse-ia que uma mão de fada transformou a morada feudal e a paisagem agreste que a cerca. Por que essa mudança?... Então o nome que trago desapareceu e com ele os bons velhos tempos?... Ah! É preciso perder os meus sonhos, os meus desejos, as minhas ficções, porque um novo mundo acaba de me ser revelado. Outrora bispo, orgulhoso de meus títulos, de minhas alianças, conselheiro de um rei, eu só admitia nossas personalidades, um Deus criando raças privilegiadas, a quem o mundo pertencia de direito, um nome que devia perpetuar-se e, como base desse sistema, a tirania e o sofrimento para o servo e para o artesão.
Algumas palavras puderam despertar-me! ... Uma atração involuntária (outrora eu teria dito diabólica) atraiu-me para aquele que escreve. Ele discutiu com um padre que emprega, para defesa da Igreja, todos os argumentos que outrora eu repetia, ao passo que ele se serve de palavras novas, que explica com simplicidade e, confessá-lo-ei? É seu raciocínio que permite que meus olhos vejam e os meus ouvidos escutem.
Por ele, eu percebo as coisas tais quais são e, o que é mais estranho, depois de tê-lo seguido em mais de um lugar onde ele defende o Espiritismo, eu volto ao sentimento de minha existência como Espírito; aprecio melhor, defino melhor as grandes leis da verdade e da justiça; rebaixo o meu orgulho, causa da catarata que confundiu minha razão, meu juízo, durante dois séculos e meio, entretanto, vede a força do hábito, do orgulho de raça! A despeito da mudança radical operada nos bens de meus avós, nos costumes, nas leis e no governo; malgrado as conversas do médium que transmite meu pensamento; malgrado minha visita aos grupos espíritas de Paris, e mesmo aos Espíritos que se preparam para a emigração para mundos adiantados, ou para reencarnações terrenas, foram-me precisos oito dias de reflexão para me render à evidência.
Nesse longo combate entre um passado desaparecido e o presente que nos arrasta para as grandes esperanças, minhas resistências caíram, uma a uma, como as velhas armaduras quebradas de nossos antigos cavaleiros. Venho fazer ato de fé ante a evidência e eu, de Cosnac, antigo bispo, afirmo que eu vivo, que eu sinto, que eu julgo. Esperando minha reencarnação, preparo minhas armas espirituais; sinto Deus por toda parte e em tudo; não sou um demônio, abjuro meu orgulho de casta, e em meu envoltório fluídico rendo homenagem ao Deus criador, ao Deus de harmonia que chama a si todos os seus filhos, a fim de que depois de vidas mais ou menos acidentadas, eles cheguem purificados às esferas etéreas onde esse Deus tão magnânimo os fará gozar da suprema sabedoria.
DE COSNAC
NOTA: O penúltimo arcebispo de Sens chamava-se Jean-Joseph-Marie-Victoire de Cosnac. Ele tinha nascido em 1764, no Castelo de Cosnac, no Limousin, e aí morreu em 1843. O Boletim da Sociedade Arqueológica de Sens, volume 7, página 301, diz que ele era o décimo primeiro prelado que sua família tinha dado à Igreja. Não é impossível que um bispo com esse nome tenha existido no começo do século dezessete.
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