Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1866

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Capítulo 4

Maio Conversas de além-túmulo

Maio


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Charles-Emmanuel Jean era um artesão bom e de caráter suave, mas dado à embriaguez desde a juventude. Tinha sido tomado de viva paixão por uma jovem de suas relações, e que inutilmente pedira em casamento. Ela o tinha sempre repelido, dizendo que jamais esposaria um bêbado. Casou-se com outra, da qual teve vários filhos; mas, absorvido pela bebida, não se preocupou com a educação deles, nem com o seu futuro. Morreu pelos idos de 1823, sem que soubessem em que se havia tornado. Um dos filhos seguiu os passos do pai; partiu para a África e dele não se ouviu mais falar. O outro era de natureza completamente diversa; sua conduta foi sempre regular. Entrando cedo no aprendizado, fez-se amado e estimado pelos patrões como operário qualificado, laborioso, ativo e inteligente. Por seu trabalho e suas economias, conquistou uma posição honrada na indústria e educou de maneira muito conveniente uma numerosa família. É hoje um espírita fervoroso e devotado.

Certo dia, numa conversa íntima, exprimia o pesar por não ter podido assegurar aos filhos uma fortuna independente; procuramos tranquilizar a sua consciência, felicitando-o, ao contrário, sobre a maneira pela qual havia cumprido seus deveres de pai. Como é bom médium, rogamos que pedisse uma comunicação, sem fazer apelo a um Espírito determinado. Escreveu:

“Sou eu, Charles-Emmanuel.”

É meu pai, disse ele. Pobre pai! não é feliz.

O Espírito continua: Sim, o mestre tem razão; fizeste mais por teus filhos do que eu por ti, por isso tenho uma tarefa rude a cumprir. Bendiz a Deus, que te deu o amor da família.


Pergunta (Pelo Sr. Allan Kardec) – Donde vinha vossa inclinação pela bebida?

Resposta – Um hábito de meu pai, que eu herdei. É uma provação que eu devia ter combatido.


Observação. – Realmente, seu pai tinha o mesmo defeito, mas não é exato dizer que era um hábito que ele havia herdado; ele simplesmente cedeu à influência do mau exemplo. Não se herdam vícios de caráter, como se herdam malformações congênitas. O livre-arbítrio tudo pode sobre os primeiros e nada sobre os segundos.


P. – Qual a vossa posição atual no mundo dos Espíritos?

Resposta. – Estou incessantemente à procura de meus filhos e daquela que tanto me fez sofrer; daquela que sempre me rejeitou.


P. – Deveis ter um consolo no vosso filho Jean, que é um homem honrado e estimado, e que ora por vós, embora pouco vos tivésseis ocupado dele.

Resposta. – Sim, eu sei; ele tem feito e o faz ainda; eis por que me é permitido falar convosco. Estou sempre perto dele, tentando aliviar suas fadigas; é a minha missão; ela só terminará com a vinda de meu filho para junto de nós.


P. – Em que situação vos encontrastes como Espírito, depois que morrestes?

Resposta. – A princípio não me julgava morto; bebia sem cessar; via Antoinette, que eu queria alcançar e que me fugia. Depois procurava meus filhos, que amava a despeito de tudo, e que minha mulher não queria dar. Então me revoltava, reconhecendo a minha insignificância e a minha impotência, e Deus me condenou a velar por meu filho Jean, que jamais morrerá por acidente, porque em toda parte e sempre eu o salvo de uma morte violenta.


Observação. – Com efeito, o Sr. Jean escapou muitas vezes, como por milagre, de perigos iminentes; por pouco não se afogou, não se queimou, não foi esmagado nas engrenagens de um motor e não explodiu com uma máquina a vapor; na juventude foi enforcado por acaso e sempre um socorro inesperado o salvava no momento mais crítico, o que se deve, conforme tudo indica, à vigilância exercida pelo pai.


P. – Dissestes que Deus vos condenou a velar pela segurança de vosso filho. Não vejo nisto uma punição; já que o amais isto deve ser, ao contrário, uma satisfação para vós. Muitos Espíritos são encarregados da guarda dos encarnados, dos quais são protetores, e esta é uma tarefa de que se sentem felizes em realizar.

Resposta. – Sim, mestre. Eu não devia ter abandonado meus filhos, como fiz. Então a lei de justiça me condena a reparar. Não o faço a contragosto; sinto-me feliz de o fazer por amor de meu filho; mas a dor que ele experimentaria nos acidentes de que o salvo, sou eu quem suporta; se ele devesse ser perfurado por dez balas eu sentiria o mal que ele suportaria se a coisa se realizasse. Eis a justa punição que eu atraí, não cumprindo junto dele meus deveres de pai quando vivo.


P. (Pelo Sr. Jean) – Vedes meu irmão Numa, e podeis dizer onde está? (O que se entregara à bebida e cuja sorte era ignorada).

Resposta. – Não, não o vejo; procuro-o. Tua filha Jeanne o viu nas costas da África, cair no mar. Eu não estava lá para o socorrer; não o podia.


Observação. – A filha do Sr. Jean, num momento de êxtase, de fato o tinha visto cair no mar, na época de seu desaparecimento.

A punição deste Espírito oferece esta particularidade: ele sente as dores que deve poupar ao filho. Compreende-se, então, que a missão seja penosa. Mas como não se queixa, a considera justa reparação e isto não diminui a sua afeição por ele, a expiação lhe é proveitosa.




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