Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1868
Versão para cópiaMaio 2 A CONDESSA DE MONTE-CRISTO
1. — A literatura contemporânea, periódica e outras, penetra-se diariamente de ideias espíritas; e tanto isto é verdade, como temos dito desde muito tempo, que essas ideias são uma mina fecunda para os trabalhos de imaginação, rica em quadros poéticos e em situações cativantes; assim, os escritores aí colhem a mancheias. As doutrinas materialistas lhes oferecem um campo muito limitado, muito prosaico. O que daí se pode tirar, susceptível de tocar o coração e de elevar o pensamento? que poesia oferece a perspectiva do nada, da destruição eterna de si mesmo e daqueles a quem se ama? O materialista sente necessidade de falar à alma de seus leitores, se não as quiser gelar; de oferecer uma alma às suas personagens, se quiser que se interessem. Em todos os tempos os poetas e os literatos tomaram das ideias espiritualistas suas mais belas imagens e suas mais emocionantes situações. Mas hoje o Espiritismo, precisando as crenças no futuro, dá corpo aos pensamentos e uma acentuação que eles não tinham; abre um novo campo que começa a ser explorado. Já citamos numerosos exemplos do fato, e continuaremos a fazê-lo, de vez em quando, porque é um sinal característico da reação que se opera nas ideias.
Além das obras literárias propriamente ditas, a imprensa também registra, diariamente, fatos que entram no quadro do Espiritismo.
2. A CONDESSA DE MONTE-CRISTO.
Sob esse título, o jornal Petite Presse publica um romance-folhetim, no qual se encontram as passagens seguintes, extraídas dos capítulos 30 e XXXI:
“— Meu paraíso, querida mãe, dizia à condessa de Monte-Cristo sua filha agonizante, será ficar perto de ti, junto a vós! sempre viva em vossos pensamentos, escutando-vos e vos respondendo, conversando baixinho com as vossas almas.
“Quando a flor embalsamar o jardim, e a levares ao teu lábio, estarei na flor e serei eu quem receberá o beijo! Também me farei o raio, o sopro que passa, o murmúrio que sussurra. O vento que agitar os teus cabelos será a minha carícia; o perfume que dos lilases floridos se elevar para a tua janela será o meu hálito; o canto longínquo que te fará chorar será a minha voz…
“Mãe, não blasfemes! Nada de cólera contra Deus! Oh! essas cóleras e essas blasfêmias talvez nos separassem para sempre.
“Enquanto ficares aqui, eu me farei tua companheira de exílio; mais tarde, porém, quando, resignada às vontades de nosso Pai, que está nos céus, por tua vez tiveres fechado os olhos para não mais os abrir, então por minha vez estarei à tua cabeceira, esperando a tua libertação; e, inebriadas de uma alegria eterna, nossos dois corações, unidos para sempre, enlaçados para a eternidade, voarão num mesmo impulso para o céu clemente. Compreendes esta alegria, mãe? jamais nos deixarmos, sempre nos amarmos, sempre! Formar, por assim dizer, ao mesmo tempo dois seres distintos e um só; ser tu e eu ao mesmo tempo? Amar e saber que se é amada e que a medida do amor que se inspira é a mesma do que se experimenta?
“Aqui não nos conhecemos; ignoro-te, como me ignoras; entre os nossos dois Espíritos nossos dois corpos representam um obstáculo; não nos vemos senão confusamente, através do véu da carne. Mas lá no alto, leremos claramente no coração uma da outra. E saber a que ponto a gente se ama é o verdadeiro paraíso, não vês?
“Ai! todas essas promessas de felicidade mística e infinita, longe de acalmar as angústias de Helena, não faziam senão torná-las mais intensas, fazendo-lhe medir o valor do bem que ia perder.
“Entretanto, de quando em quando, ao sopro destas palavras inspiradas, a alma de Helena alçava voo quase às alturas serenas onde planava a da Pippione. Suas lágrimas se estancavam, a calma voltava em seu seio transtornado; parecia-lhe que seres invisíveis flutuavam no quarto, soprando a Blanche as palavras à medida que as pronunciava.
“A criança adormecera e, em seu sonho, parecia conversar com alguém que não via, escutar vozes que só ela ouvia, e lhes responder.
“De repente, um brusco sobressalto agitou seus membros frágeis, ela abriu largamente os grandes olhos e chamou sua mãe, que sonhava apoiada à janela.
“Aproximou-se do leito e Pippione tomou sua mão, com a sua já úmida pelos últimos suores.
“— Chegou o momento, disse ela. Esta noite é a última. Eles me chamam, eu os escuto! Queria muito ficar ainda, pobre mãe, mas não posso; a vontade deles é mais forte que a minha; eles estão lá no alto e me fazem sinal.
“— Loucura! gritou Helena; visão! sonho! Tu, morrer hoje, esta noite, entre os meus braços! Isto é possível?
“— Não, não morrer, disse a Pippione; nascer! eu saio do sonho, em vez de nele entrar; o pesadelo acabou, eu desperto. Oh! se tu soubesses como é belo, e que luz brilha aqui, junto à qual o vosso Sol não passa de uma mancha negra!
“Ela se deixou cair sobre as almofadas, ficou um instante silenciosa, depois continuou:
“São curtos os instantes que tenho para passar junto de vós. Quero que todos estejais aqui para me dizer o que chamais um eterno adeus, o que não é, na realidade, senão um breve até logo. Todos, entendeste bem? Primeiro tu, o bom doutor, Úrsula, Cipriana e José.
“Este nome foi pronunciado mais baixo que os outros; era o último suspiro, o último pesar humano da Pippione. A partir desse instante ela pertencia inteiramente ao céu…
“— Era minha filha!
“— Era!… repetiu com voz quase paternal o doutor Ozam, atraindo Helena ao peito. Era!… então não é mais… Que resta aqui? um pouco de carne meio decomposta, nervos que não vibram mais, sangue que se engrossa, olhos sem olhar, uma garganta sem voz, ouvidos que não mais escutam, um pouco de lama!
“Vossa filha! este cadáver no qual a Natureza fecunda já fez germinar a vida inferior, que disseminará os seus elementos? — Vossa filha, esse lodo que amanhã reverdecerá em erva, florirá em rosas e devolverá ao solo todas as forças vivas que dele tirou? Não, não. Isto não é vossa filha! isto não passa da vestimenta delicada e encantadora que ela tinha criado para atravessar a nossa vida de provações, um andrajo que ela abandonará com desdém, como um vestido velho que se joga fora!
“Se quiserdes ter uma lembrança viva de vossa filha, pobre mulher, é preciso olhar alhures… e mais alto.
“— Vós também credes nisto, doutor, perguntou ela, nesta outra vida? Diziam que éreis materialista.
“O doutor esboçou um doce sorriso irônico.
“Talvez eu o seja, mas não da maneira por que o entendeis.
“Não é numa outra vida que eu creio, mas na vida eterna, na vida que não começou e que, por conseguinte, não terá fim. — Cada ser, no começo igual aos outros, faz, a bem dizer, a educação de sua alma e aumenta as suas faculdades e o seu poder, na medida de seus méritos e de seus atos. Consequência imediata desta argumentação: a alma mais perfeita agrega em torno de si um envoltório igualmente mais perfeito. Finalmente, chega um dia em que este envoltório não lhe basta mais, e então, como se diz, a alma rompe o corpo.
“Mas ela o rompe para encontrar outro mais em relação com as suas necessidades e qualidades novas? Onde? Quem sabe? Talvez num desses mundos superiores, que brilham sobre as nossas cabeças, num mundo onde encontrará um corpo mais perfeito, dotado de órgãos mais sensíveis, por isto mesmo melhor e mais feliz!
“Nós mesmos, seres perfeitos, dotados desde o primeiro dia de todos os sentidos que nos põem em relação com a natureza exterior, de quantos esforços não necessitamos! Que trabalhos latentes não são precisos para que a criança se torne homem, o ser ignorante e fraco, rei da Terra! E, incessantemente, até a morte, os corajosos e os bons perseveram nesta via árdua do trabalho; alargam a inteligência pelo estudo, o coração pelo devotamento. Eis o trabalho misterioso da crisálida humana, o trabalho pelo qual ela adquire o poder e o direito de romper o invólucro do corpo e de planar com asas.”
Observação. – O autor, que até aqui tinha guardado o anonimato, é o Sr. du Boys [Jean Charles du Boys, 1836-1873], jovem escritor dramático. Por certas impressões quase textuais, vê-se que, evidentemente, ele se inspirou na Doutrina.
3. O BARÃO CLOOTZ.
Sob o título de: Um voto humanitário, Anacharsis Clootz, barão prussiano, convencional francês, aos seus concidadãos de Paris e de Berlim, o Progrès de Lyon, de 27 de abril de 1867, publicava, sob a forma de uma carta supostamente escrita do outro mundo, pelo convencional Clootz, um artigo muito longo, começando assim:
“No outro mundo em que habito, desde a terrível jornada de 24 de março de 1794, que, confesso, me desiludiu um pouco sobre os homens e sobre as coisas, só a palavra guerra guarda o privilégio de me lembrar as preocupações da política terrestre. Aquilo que mais amei, que digo eu? adorei e servi, quando habitava o vosso planeta, foi a fraternidade dos povos e a paz. A esse grande objeto de estudo e de amor, dei um penhor muito sério: minha cabeça, à qual as minhas cem mil libras de renda, aos olhos de muita gente, acrescenta importante valor. O que me consolava mesmo um pouco, ao subir os degraus do cadafalso, eram os considerandos pelos quais Saint Just acabava de justificar a minha prisão. Era dito, se bem me lembro, que doravante a paz, a justiça e a probidade seriam postas na ordem do dia. Eu teria dado minha vida, declaro altivamente e sem hesitar, e duas vezes em vez de uma, para obter a metade desse resultado. E notai, por favor, que meu sacrifício seria mais completo e mais profundo do que teria sido o da maior parte dos meus colegas. Eu era de boa-fé e guardava o respeito à justiça no fundo do coração; mas, sem falar dos cultos aos quais tinha horror, o próprio Ser supremo de Robespierre me irritava os nervos, e a vida futura tinha para mim a aparência de um bonito conto de fadas. Sem dúvida me perguntareis o que ela é. Eu estava errado? Eis o grande segredo dos mortos. Julgai vós mesmos os vossos riscos e perigos. Contudo, parece que eu ia um pouco longe, porquanto, nesta ocasião solene, me é permitido vos escrever.”
Sendo o artigo exclusivamente político e saindo do nosso quadro, citamos apenas este fragmento, para mostrar que, mesmo nesses graves assuntos, pode-se tirar partido da ideia dos mortos, dirigindo-se aos vivos, para continuar junto a estes relações interrompidas. A cada instante o Espiritismo vê realizar-se esta ficção. É mais que provável que é ele que tenha dado esta ideia. Aliás, se ela fosse dada como real, ele não a desaprovaria.
4. METEMPSICOSE.
“Conheceis a causa dos ruídos que nos chegam? dizia a Sra. Des Genêts. Será alguma nova cena de tigres enfurecidos, que esses senhores nos preparam?
“– Sossegai, cara amiga, tudo está em segurança: os nossos vivos e os nossos mortos. Escutai a encantadora melodia do rouxinol, que canta no salgueiro! Talvez seja a alma de um dos nossos mártires, que plana em torno de nós sob essa forma amável. Os mortos têm esses privilégios; e eu de boa vontade me convenço de que eles voltam assim junto àqueles a quem amaram.
“– Oh! se dissésseis a verdade! exclamou vivamente a senhora Des Genêts.
“– Eu o creio sinceramente, disse a jovem duquesa. É tão bom acreditar nas coisas consoladoras! Aliás, meu pai, que é muito sábio, como não o ignorais, assegurou-me que esta crença tinha sido espalhada antigamente por grande filósofos. O próprio Lesage também nela acredita.”
Esta passagem é tirada de um romance-folhetim, intitulado: O calabouço da Torre dos Pinheiros, por Paulin Capmat, publicado pelo Liberté de 4 de novembro de 1867. Aqui a ideia não é tomada à Doutrina Espírita, porque esta, em todos os tempos, ensinou e provou que a alma humana não pode renascer num corpo animal, o que não impede que certos críticos, que não leram a primeira palavra do Espiritismo, repitam que ele professa a metempsicose; mas é sempre o pensamento da alma individual sobrevivendo ao corpo, voltando sob uma forma tangível junto daqueles a quem amou. Se a ideia não é espírita, pelo menos é espiritualista, e melhor seria ainda crer na metempsicose do que não crer em nada. Essa crença, ao menos, não é desesperadora como o materialismo; nada tem de imoral, ao contrário; ela conduziu todos os povos que a professaram a tratar os animais com doçura e benevolência. Esta exclamação: É tão bom crer nas coisas consoladoras é o grande segredo do sucesso do Espiritismo.
5. ENTERRO DO SR. MARC MICHEL.
Lê-se no Temps de 27 de março de 1868:
“Ontem, no enterro do Sr. Marc Michel, † o Sr. Jules Adenis † disse adeus, em nome da Sociedade dos Autores Dramáticos, † ao escritor que a comédia alegre e ligeira acaba de perder.
“Encontro esta frase em seu discurso:
“Foi Ferdinand Langlé † quem, recentemente, precedeu no túmulo aquele que hoje choramos… E, quem sabe? quem pode dizê-lo?… assim como acompanhamos aqui estes despojos mortais, talvez a alma de Langlé tenha vindo receber a alma de Marc Michel no limiar da eternidade.”
“Com toda certeza a falta é de meu espírito muito leviano, mas confesso que me é difícil imaginar, com a gravidade conveniente, a alma do autor do Le Sourd - Google Books, do Le camarade de lit - Google Books, de Une Sangsue - Google Books, da Grève dês portiers, vindo receber no limiar da eternidade a alma do autor de Maman Sabouleux - Google Books, de Mesdames de Montenfriche - Google Books, de Un tigre du Bengale - Google Books e de La station champbaudet - Google Books.”
X. Feyrnet.
O pensamento emitido pelo Sr. Jules Adenis é do mais puro Espiritismo. Suponhamos que o autor do artigo, o Sr. Feyrnet, que acha difícil conservar a gravidade conveniente ouvindo dizer que a alma do Sr. Ferdinand Langlé talvez esteja presente e venha receber a alma de Marc Michel, tivesse tomado a palavra e, por sua vez, assim se tivesse expressado: “Senhores, acabam de vos dizer que a alma de nosso amigo Langlé está aqui, que nos vê e nos ouve! Ele não precisaria mais senão acrescentar que nos pode falar. Não acrediteis uma só palavra; a alma de Langlé não existe mais; ou, então, o que dá no mesmo, ela se fundiu na imensidade. De Marc Michel não resta mais nada; será o mesmo quando morrerdes, como vossos pais e amigos. Esperar que eles vos aguardem, que venham vos receber no desembarque da vida, é loucura, superstição, iluminismo. Eis o positivo: Quando se morre, tudo está acabado.” Qual dos dois oradores teria encontrado mais simpatia entre os assistentes? Qual teria enxugado mais lágrimas, dado mais coragem e resignação aos aflitos? O infeliz, que não espera mais alívio neste mundo, não teria razões para lhe dizer: “Se é assim, acabemos o mais cedo possível com a vida?” Deve-se lamentar o Sr. Feyrnet por não poder manter-se sério ante a ideia de que seu pai e sua mãe caso os tenha perdido, ainda vivam, velem à sua cabeceira e que os verá de novo.
6. UM SONHO.
Extrato do Figaro de 12 de abril de 1868:
“Por mais extraordinário que pareça o relato seguinte, o autor, declarando tê-lo recebido do próprio vice-presidente do Corpo Legislativo (o barão Jérôme David), † dá às suas palavras uma autoridade incontestável.
“Durante sua estada em Saint-Cyr, † David foi testemunha de um duelo entre dois de seus camaradas de promoção, Lambert e Poirée. Este último recebeu uma estocada e foi curar-se na enfermaria, onde seu amigo David subia para vê-lo todos os dias.
“Uma manhã Poirée lhe pareceu singularmente perturbado; crivou-o de perguntas e acabou por lhe arrancar a confissão de que sua emoção provinha de um simples pesadelo.
“– Eu sonhava que estávamos à beira de um rio, recebia uma bala na testa, acima do olho, e tu me sustentavas em teus braços; eu sofria muito e me sentia morrer; recomendava-te a minha mulher e meus filhos, quando despertei.
“– Meu caro, estás com febre, respondeu-lhe David sorrindo; refaze-te; estás no teu leito, não és casado e não tens bala acima do olho; é um sonho muito estúpido; não te atormentes assim, se queres curar-te depressa.
“– É singular, murmurou Poirée, jamais acreditei em sonhos, neles não creio e, contudo estou abalado.
“Dez anos depois, o exército francês desembarcava na Crimeia; † os saint-cyrianos se tinham perdido de vista. David, oficial ajudante, ligado à divisão do príncipe Napoleão, † recebeu ordem de ir descobrir um vau a montante do Alma. † Para impedir que os russos o fizessem prisioneiro, apoiaram esse reconhecimento por uma companhia de fuzileiros, tomada do regimento mais próximo. Os russos faziam cair uma chuva de balas sobre os homens da escolta, que se desdobraram no contra-ataque.
“Não se tinham passado dez minutos quando um dos nossos oficiais rolou por terra, mortalmente ferido. O capitão David saltou do cavalo e correu para o levantar; ele apoiou a cabeça em seu braço esquerdo e, desprendendo o cantil da cintura, aproximou-o dos lábios do ferido. Um grande buraco acima do olho ensanguentava-lhe o rosto; um soldado trouxe um pouco de água e o derrabou sobre a cabeça do moribundo, que já agonizava.
“David olhou com atenção os traços, que parecia reconhecer; um nome foi pronunciado ao seu lado; nada de dúvida: era ele, era Poirée! Chama-o; seus olhos se abrem; o agonizante por sua vez reconhece o camarada de Saint-Cyr…
“– David! Tu aqui?… O sonho… minha mulher…
“Estas palavras entrecortadas não tinham acabado e já a cabeça caía inerte no braço de David. Poirée estava morto, deixando sua mulher e seus filhos à lembrança e à amizade de David.
“Eu não ousaria contar semelhante história se eu mesmo não a tivesse ouvido do honrado vice-presidente do Corpo Legislativo.
“Vox populi.”
Com que propósito o narrador acrescenta as palavras vox populi? Poder-se-ia entendê-las assim: Os fatos desta natureza são de tal modo frequentes que são atestados pela voz do povo, isto é, por um assentimento geral.
7. ESPÍRITOS BATEDORES NA RÚSSIA.
Enviam-nos de Riga, † com data de 8 de abril de 1868, o extrato a seguir, do Courrier russe de São Petersburgo: †
“Acreditais em Espíritos batedores? Por mim, não; absolutamente. E, contudo, acabo de ver um fato material, palpável, que foge de tal modo das regras do senso comum, e também está de tal maneira em desacordo com os princípios de estabilidade e da gravidade dos corpos, que me inculcou o meu professor do quarto ano, que não sei qual dos dois é mais ferido, se o Espírito ou eu.
“Outro dia nosso secretário de redação recebeu um senhor de semblante agradável, de uma idade a não se lhe poder atribuir a ideia de uma piada de mau gosto. Cumprimentos, apresentação, etc.; tudo acabado, o senhor conta que vem ao nosso escritório pedir um conselho; que o que lhe acontece está a tal ponto fora de todos os fatos da vida social, que julga no dever de publicá-lo.
“– Minha casa, disse ele, está cheia de Espíritos batedores; toda noite, em torno de dez horas, começam seus exercícios, transportando os objetos menos transportáveis, batendo, pulando e, numa palavra, pondo todo o meu apartamento de pernas para o ar. Recorri à polícia; um soldado passou várias noites em minha casa. A desordem não cessou, embora a cada alarme ele tenha desembainhado o sabre de maneira ameaçadora. Minha casa está isolada, só tenho uma criada, minha mulher e minha filha, e quando esses fatos se passam estamos reunidos. Moro numa rua muito afastada, em Vassili-Ostroff.
“Eu tinha entrado durante a conversa e escutava de boca aberta. Como vos disse, não acredito em Espíritos batedores, absolutamente. Expliquei a esse senhor que para dar publicidade a esses fatos, era preciso que estivéssemos convencidos de sua existência, e lhe propus ir eu mesmo para me dar conta da coisa. Marcamos encontro para a noite e às nove horas eu estava na casa do homem. Introduziram-me num pequeno salão, mobiliado com muito conforto; examinei a disposição das peças; eram apenas quatro, inclusive a cozinha, tudo ocupando o andar do meio de uma casa de madeira; ninguém mora em cima; o térreo é ocupado por um armazém.
“Por volta de dez horas estávamos reunidos no salão, o homem, a mulher, sua esposa, sua filha, a cozinheira e eu. Uma meia hora e nada de novo! De repente uma porta se abriu e uma galocha caiu no meio da sala; acreditei num comparsa e quis assegurar-me de que a escada estava vazia, quando a galocha saltou sobre um móvel e de lá novamente no soalho; depois foi a vez das cadeiras na peça vizinha, que não tinha saída senão pela que ocupávamos, e que eu acabava de constatar perfeitamente vazia. Só ao cabo de uma hora o silêncio se restabeleceu, e o Espírito, os Espíritos, o hábil comparsa, ou Deus é quem sabe, desapareceu, deixando-nos numa estupefação que, eu vos garanto, nada tinha de jogo. Eis os fatos, eu os vi com os próprios olhos; não me encarrego de vo-los explicar. Se desejardes vós mesmos procurar a explicação, temos à vossa disposição todas as informações, a fim de que possais fazer vossas observações nos locais”
Henri de Brenne.
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