Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1869

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Capítulo II

Janeiro - Estatística do Espiritismo

Janeiro
Uma enumeração exata dos espíritas seria coisa impossível, como já dissemos, por uma razão muito simples, é que o Espiritismo não é nem uma associação, nem uma congregação; seus aderentes não estão inscritos em nenhum registro oficial. É bem sabido que não se poderia avaliar a quantidade pelo número e pela importância das sociedades, frequentadas apenas por uma minoria ínfima. O Espiritismo é uma opinião que não exige qualquer profissão de fé, e pode estender-se ao todo ou a parte dos princípios da Doutrina. Basta simpatizar com a ideia para ser espírita. Ora, não sendo essa qualidade conferida por nenhum ato material, e não implicando senão obrigações morais, não existe qualquer base fixa para determinar o número dos adeptos com precisão. Não se pode estimá-lo senão aproximadamente, pelas relações e pela maior ou menor facilidade com que a ideia se propaga. Esse número aumenta dia a dia, numa proporção considerável; é um fato positivo, reconhecido pelos próprios adversários; a oposição diminui, prova evidente de que a ideia encontra mais numerosas simpatias.

Ademais, compreende-se que é apenas pelo conjunto, e não pela situação das localidades consideradas isoladamente, que se pode basear uma apreciação, pois há em cada localidade elementos mais ou menos favoráveis, em razão do estado particular dos espíritos e também das resistências mais ou menos influentes que aí se exercem; mas essa situação é variável, porque uma localidade que se tenha mostrado refratária durante vários anos, de repente se torna um foco. Quando os elementos de apreciação tiverem adquirido mais precisão, será possível fazer um mapa colorido, em relação à difusão das ideias espíritas, como foi feito para a instrução. Enquanto isso, pode-se afirmar, sem exagero, que, em suma, o número dos adeptos centuplicou em dez anos, malgrado as manobras empregadas para abafar a ideia e contrariamente às previsões de todos aqueles que se vangloriavam de tê-la enterrado. Isto é um fato consumado, do qual é preciso que os antagonistas tomem conhecimento.

Só falamos aqui dos que aceitam o Espiritismo com conhecimento de causa, depois de tê-lo estudado, e não daqueles que, bem mais numerosos ainda, nos quais estas ideias estão em estado de intuição, e para os quais falta apenas definirem suas crenças com mais precisão e dar-lhes um nome, para serem espíritas confessos. É um fato sobejamente comprovado que se verifica todos os dias, sobretudo de algum tempo para cá, que as ideias espíritas parecem inatas numa porção de indivíduos que jamais ouviram falar de Espiritismo. Não se pode dizer que tenham sofrido alguma influência nem que seguiram o impulso de um grupo. Que os adversários expliquem, se puderem, esses pensamentos que nascem fora e paralelamente ao Espiritismo! Não seria, certamente, um sistema preconcebido no cérebro de um homem que poderia ter produzido um tal resultado. Não há prova mais evidente de que essas ideias estão na Natureza, nem melhor garantia de sua vulgarização no futuro e de sua perpetuidade. Deste ponto de vista pode-se dizer que pelo menos três quartos da população de todos os países possuem o germe das crenças espíritas, pois são encontrados entre aqueles mesmos que lhe fazem oposição. Na maioria, a oposição vem da ideia falsa que fazem do Espiritismo; não o conhecendo, em geral, senão pelas ridículas descrições que dele fez a crítica malévola ou interessada em desacreditá-lo, eles recusam com razão a qualificação de espíritas. Certamente, se o Espiritismo se assemelhasse aos grotescos retratos que dele fizeram; se ele se compusesse das crenças e práticas absurdas que tiveram o prazer de atribuir-lhe, seríamos o primeiro a repudiar o título de espírita. Quando, pois, essas mesmas pessoas souberem que a Doutrina não é senão a coordenação e o desenvolvimento de suas próprias aspirações e de seus pensamentos íntimos, aceitá-la-ão. São incontestavelmente futuros espíritas, mas, por enquanto, não os incluímos em nossas estimativas.

Se é impossível uma estatística numérica, há outra, talvez mais instrutiva, e para a qual existem elementos que nos fornecem as nossas relações e a nossa correspondência; é a proporção relativa dos espíritas segundo as profissões, a posição social, as nacionalidades, as crenças religiosas, etc., levando em conta o fato que certas profissões, como os oficiais ministeriais, por exemplo, são em número limitado, ao passo que outras, como os industriais e os que vivem de rendimentos, são em número indefinido. Guardada a proporção, pode-se ver quais são as categorias nas quais o Espiritismo encontrou, até hoje, mais aderentes. Em algumas a proporção pôde ser estabelecida em porcentagem, com muita precisão, sem contudo pretender que tenha um rigor matemático; as outras categorias foram simplesmente classificadas em razão do número de adeptos que elas forneceram, começando pelas mais numerosas, de que a correspondência e a lista de assinantes da Revista podem fornecer os elementos. O quadro seguinte é resultado do levantamento de mais de dez mil observações.

Constatamos o fato, sem procurar nem discutir a causa dessa diferença, o que, não obstante, poderia ser assunto para um estudo interessante.


Agosto 3 Listas das subscrições depositadas na Caixa Geral para a propagação do Espiritismo

Agosto


Temas Relacionados:

1. — Quando a morte feria tão cruelmente a grande família espírita na pessoa de seu chefe venerado, todos nós perdíamos um guia eminente e devotado, consagrando na prática os princípios tão sábia e solidamente elaborados durante quinze anos de assíduo trabalho. A Sra. Allan Kardec perdia ainda mais, porque era privada inopinadamente do companheiro de toda a sua vida, do amigo dedicado a quem devia toda a sua felicidade. Ferida em suas mais caras afeições, por certo nada podia preencher o imenso vazio cavado ao seu lado pela partida do mestre; mas, se havia alguma coisa capaz de fortalecer sua coragem e suavizar as amarguras de sua saudade, era, com toda certeza, as inúmeras e calorosas marcas de simpatia que lhe foram dadas por todos os espíritas, da França e do estrangeiro, e que a tocaram profundamente.

Na impossibilidade material de responder a todos, mais uma vez ela nos encarrega de lhes transmitir aqui a expressão de seu vivo reconhecimento e de toda a sua gratidão.

Os testemunhos de que foi objeto são, para ela, estímulos poderosos e bem doces compensações, e que lhe ajudam a suportar as dificuldades e as fadigas de toda natureza, inseparáveis da pesada tarefa a que se impôs. Ninguém duvida de que, se ela só tivesse dado ouvidos aos seus interesses pessoais, poderia facilmente garantir a sua tranquilidade e o seu repouso, deixando as coisas seguir por si mesmas e se mantendo à margem; mas, colocando-se de um ponto de vista mais elevado e, aliás, guiada pela certeza de que podia contar com o Sr. Allan Kardec, para continuar a via traçada, a obra moralizadora que foi o objeto de toda a sua solicitude durante os últimos anos de sua vida, ela não hesitou um só instante. Profundamente convicta da verdade dos ensinos espíritas, não poderia, diz ela, melhor empregar o tempo que ainda deve passar na Terra, antes de reunir-se no espaço com o coordenador por excelência da nossa consoladora filosofia, senão assegurando a vitalidade do Espiritismo no futuro.

Aliás, nas circunstâncias atuais, é evidente que lhe cabe, mais do que a qualquer outro, realizar material e moralmente, na medida do possível, os planos do Sr. Allan Kardec, pois só ela dispõe dos elementos indispensáveis para determinar solidamente as suas bases constitutivas.

Aos que se admirassem da aparente lentidão com que foram elaborados os seus planos, lembraríamos que a Sra. Allan Kardec teve que suportar as numerosas formalidades a que dão lugar as sucessões; que devia, assim como seus conselheiros, estudar com cuidado o espírito desses planos e se prender especialmente à execução das partes atualmente praticáveis, contando com o futuro para a sua realização integral, à medida que surgissem novas necessidades. Deixamos à apreciação de todos que têm o hábito dos negócios, a atividade real que ela precisou desdobrar para, em meio a dificuldades de toda ordem, elaborar um projeto que o Sr. Allan Kardec tencionava executar ao longo do tempo, com recursos intelectuais que nenhum de nós poderia dispor.

Decidida a agir, a Sra. Allan Kardec apressou-se em comunicar suas ideias a vários espíritas de Paris e da província, escolhidos entre os mais conceituados em Espiritismo, por seus atos e por seus dons, ou que tinham sido designados especialmente pelo Sr. Allan Kardec para o auxiliarem em seu trabalho quotidiano, a fim de constituírem a organização primitiva que ele desejara fundar pessoalmente.

É esta decisão, tomada em conjunto com aqueles senhores, que a Sra. Allan Kardec vem hoje tornar pública aos espíritas.


2. — Após madura e séria deliberação, foi decidido que era mais urgente formar uma base de associação comercial, como o único meio legal possível para se conseguir fundar qualquer coisa durável.

Em consequência, ela estabeleceu, com o concurso de seis outros espíritas, uma sociedade anônima de capital variável, com duração de 99 anos, em conformidade com as previsões do Sr. Allan Kardec, que há pouco se exprimia a respeito, nos seguintes termos (Revista de dezembro de 1868): “Para dar a esta instituição uma existência legal, ao abrigo de toda contestação, dar-lhe, além disso, o direito de adquirir, receber e possuir, ela será constituída, se for julgado necessário, por ato autêntico, sob forma de sociedade comercial anônima, por noventa e nove anos, prorrogável indefinidamente, com todas as estipulações necessárias para que jamais possa afastar-se de seu objetivo, e que os fundos não possam ser desviados de sua destinação.”

“Pág. 390. – A administração pode, no começo, organizar-se em menor escala; o número de membros da comissão poderá ser limitado provisoriamente a cinco ou seis, o pessoal e os gastos administrativos reduzidos ao mínimo possível, salvo para proporcionar o desenvolvimento pelo acréscimo dos recursos e das necessidades da causa.”

Se a Sra. Allan Kardec não propôs a um maior número de espíritas a fundação desta Sociedade, foi porque, salvo as razões enunciadas acima, a lei exige formalidades que implicam em deslocamentos e negociações sem número que, certamente, teriam retardado por longo tempo a sua constituição definitiva. Ela está certa de que, mais tarde, inúmeras adesões virão concorrer para a obra. Antes de tudo, era preciso estabelecer um centro de ligação, onde se pudessem reunir os recursos intelectuais e materiais espalhados no mundo inteiro. Estabelecido este centro, cabe aos que lhe compreenderem a urgência, e cujo ativo devotamento aos nossos princípios não pode ser posto em dúvida, assegurar o seu concurso em bases sólidas e indestrutíveis.

Estamos felizes por constatar que, longe dos milhões que teria adquirido com o Espiritismo, como tantas vezes o acusaram, foi com os seus próprios recursos, com o fruto dos seus labores e das suas vigílias, que o Sr. Allan Kardec proveu à maior parte das necessidades materiais de implantação do Espiritismo. A isso consagrou inteiramente o produto de suas obras, que, certamente, poderia dispor como justa remuneração por seus trabalhos, embora não desviasse nenhuma parcela em seu proveito pessoal. Os que o ajudaram a propagar as suas obras também contribuíram, indiretamente, para o desenvolvimento da Doutrina, já que o seu produto interessa ao Espiritismo, e não a um indivíduo.

Animada dos mesmos sentimentos e querendo concorrer pessoalmente para a obra, a Sra. Allan Kardec virá, por suas últimas disposições, aumentar ainda mais os recursos do fundo comum. Assim, ela terá dado nobremente o exemplo, cumprindo seu dever de espírita devotada e feliz por satisfazer aos desejos daquele cujos trabalhos e dificuldades ela compartilhou.

Com o fito de satisfazer ao legítimo desejo dos nossos leitores, julgamos um dever publicar na Revista diversos extratos do ato da Sociedade, visando, sobretudo, a tornar explicitas as cláusulas de interesse geral, de modo a não lhes deixar nenhuma dúvida quanto ao objetivo e à estabilidade da Sociedade.


Objetivo – Denominação – Duração – Sede da Sociedade

A Sociedade Anônima tem por objetivo tornar conhecido o Espiritismo por todos os meios autorizados pelas leis. Tem por base a continuação da Revista Espírita, fundada pelo Sr. Allan Kardec, a publicação das obras deste último, aí inclusas as suas obras póstumas e todas as obras que tratam do Espiritismo.

Ela toma a denominação de: Sociedade Anônima sem fins lucrativos e de capital variável da Caixa Geral e Central do Espiritismo.

A duração da Sociedade é fixada em noventa e nove anos, a contar de sua constituição definitiva, que deve ocorrer no corrente mês de agosto.

Atualmente a sede da Sociedade é: 7, rue de Lille.

O fundo social, capital de fundação, é fixado em 40.000 francos. É susceptível de aumento, notadamente pela admissão de novos societários.

Esse capital, inteiramente subscrito a partir de hoje, está dividido em quarenta partes de 1000 francos cada uma.

A lei autoriza o aumento de capital na proporção de 200.000 francos por ano.

Em nenhum caso o fundo social poderá ser diminuído pela retomada total ou parcial das contribuições efetuadas.

Cada parte é indivisível, não reconhecendo a Sociedade senão um proprietário para cada uma delas.


Administração da Sociedade

A Sociedade é administrada por uma comissão de três membros, no mínimo, nomeados pela assembleia-geral dos associados e escolhidos entre estes.

Os administradores devem ser proprietários, durante toda a duração de seu mandato, de pelo menos duas cotas partes, oferecidas como garantia de sua gestão e inalienáveis até a apuração final de suas contas.

A comissão é nomeada por seis anos, revogável pela assembleia-geral e reelegível indefinidamente.

Os administradores terão um honorário fixo de 2.400 francos por ano, e uma parte nos benefícios.

Esta parte de benefícios, mais o honorário fixo, jamais devem exceder a 4.000 francos.


Dos comissários-fiscais

Anualmente é nomeada uma comissão de fiscais de no mínimo dois membros, entre os associados ou fora destes.

Eles comparecerão à sede social sempre que julgarem conveniente, tomando notas dos livros e dedicando-se ao exame das operações da Sociedade.

Eles convocam a assembleia-geral em caso de urgência. Os recrutados fora da Sociedade têm voz deliberativa, exercendo, numa palavra, a fiscalização e fazendo os contatos determinados por lei com a assembleia-geral.


Das assembleias gerais

A assembleia-geral regularmente constituída representa todos os associados.

Em julho se realiza uma assembleia-geral ordinária. – Ela delibera soberanamente sobre os interesses da Sociedade.

Conforme os casos, as deliberações são tomadas por unanimidade, ou por dois terços da maioria dos membros presentes.

O presidente e o secretário são escolhidos em cada sessão.

As deliberações são consignadas em atas e devidamente registradas.

A assembleia-geral delibera especialmente sobre os pedidos de admissão de novos associados, sobre as modificações estatutárias, sobre a nomeação ou a exoneração dos administradores e sobre a nomeação dos comissários fiscais.


Estados de situação – Inventário – Benefícios

O ano social começa em 1º de abril e termina em 31 de março.

A cada seis meses os administradores apresentam um resumo da situação ativa e passiva da Sociedade.

No final de cada ano social é feito um inventário, o qual é posto à disposição dos associados.

Sobre os benefícios líquidos, retêm-se:

1º – 1 /20 para o fundo de reserva legal;

2º – 3% do fundo social para ser pago a cada parte;

3º – 10% para os administradores assalariados, mas sem que esses 10%, reunidos ao honorário fixo, possam ultrapassar 4.000 francos;

4º – O excedente dos benefícios líquidos retorna ao fundo social.


Fundos de reserva

O fundo de reserva compõe-se:

1º – Da acumulação das somas retidas sobre os benefícios líquidos anuais;

2º – De todos os donativos legalmente feitos à Sociedade, seja a que título for.

Ele é destinado ao reembolso do capital nos casos previstos pelos estatutos.

Quando esses fundos de reserva atingirem a décima parte do fundo social, a retirada dos benefícios líquidos determinados em sua criação poderá deixar de lhe aproveitar e ser aplicado quer no aumento do capital, quer nas despesas no interesse do Espiritismo.

Somente a assembleia-geral poderá regular o emprego dos capitais pertencentes ao fundo de reserva.


Dissolução – Liquidação

Em caso de perda de três quartos do capital, qualquer associado poderá solicitar a dissolução da Sociedade perante os tribunais.

A Sociedade não se dissolverá pela morte, aposentadoria, interdição, falência ou insolvência de um dos associados, continuando a existir de pleno direito entre os demais associados.

Em razão da ocorrência de um uma dessas causas, o capital será reembolsado àqueles a quem por direito pertence alguma coisa, à taxa de 1.000 francos para cada parte, no curso de cinco anos a partir do dia da perda da qualidade de associado, com juro de 5%. Este reembolso será efetuado com os capitais do fundo de reserva.

Nenhum associado poderá retirar-se em vida da Sociedade, a menos que admita um cessionário para a assembleia-geral anual. – A resolução é tomada por unanimidade dos membros presentes.

A duração da Sociedade pode ser prorrogada além do termo de 99 anos.

Tais são os principais artigos dos estatutos da Sociedade. Temos certeza de que o desinteresse absoluto que dirigiu seus fundadores será apreciado em seu justo valor por todo observador consciencioso. Aliás, é fácil constatar-se, se nos reportarmos à constituição transitória do Espiritismo, publicada pelo Sr. Allan Kardec no número de dezembro de 1868, que a Sociedade deixou-se guiar unicamente e absolutamente pelo espírito dessa constituição. Limitou-se ao estritamente necessário, às necessidades urgentes, já que não esqueceu, conforme os preceitos do mestre, que em tudo é preciso pedir conselho às circunstâncias, e que querer apoiar prematuramente certas instituições especiais na Doutrina, seria expor-se a fracassos certos, cuja impressão seria desastrosa e que teriam como resultado provável, se não destruir uma filosofia imperecível, ao menos retardar por longo tempo a sua propagação definitiva. Certamente, em casos semelhantes, os nossos adversários não deixariam de imputar à incapacidade da Doutrina um insucesso que, no entanto, resultaria apenas da imprevidência.


“Por não saberem esperar, a fim de chegarem no momento exato, diz o Sr. Allan Kardec (Revista de dezembro de 1868), os muito apressados e os impacientes, em todos os tempos, hão comprometido as melhores causas.

“Não se pode pedir às coisas senão o que elas podem dar, à medida que se vão pondo em estado de produzir. Não se pode exigir de uma criança o que se pode esperar de um adulto, nem de uma árvore que acaba de ser plantada o que ela dará quando estiver em toda a sua pujança. O Espiritismo, em via de elaboração, somente resultados individuais podia dar; os resultados coletivos e gerais serão fruto do Espiritismo completo, que sucessivamente se desenvolverá.

Como é fácil notar, a base das operações da Sociedade será, antes de tudo, a livraria especialmente fundada com o objetivo de escoimar as obras fundamentais da Doutrina das condições onerosas do comércio ordinário, delas fazendo objeto de publicações populares de baixo custo. Este foi sempre o mais vivo desejo do Sr. Allan Kardec que, a respeito, se expressava nos seguintes termos:

“Muitas pessoas lamentam que as obras fundamentais da Doutrina tenham um preço tão elevado para grande número de leitores, e pensam, com razão, que se fossem feitas edições populares a baixo custo, estariam muito mais espalhadas, com o que ganharia a Doutrina.

“Estamos completamente de acordo; mas, no estado atual das coisas, as condições em que são editadas não permitem que o seja de outro modo. Esperamos chegar um dia a esse resultado, com o auxílio de uma nova combinação que se ligue ao plano geral de organização. Mas essa operação não pode ser realizada senão em vasta escala; só de nossa parte exigiria capitais que não possuímos e cuidados materiais, que os nossos trabalhos, que reclamam todas as nossas meditações, não nos permitem dar. É por isto que a parte comercial propriamente dita foi negligenciada ou, melhor dizendo, sacrificada ao estabelecimento da parte doutrinária. O que importava, antes de tudo, é que as obras fossem feitas e assentadas as bases da Doutrina.

“Aos que perguntaram por que vendíamos nossos livros, em vez de os doar, respondemos que o faríamos se tivéssemos encontrado impressor que no-los imprimisse a troco de nada, negociante que nos fornecesse papel grátis, livreiros que não exigissem nenhuma comissão para se encarregarem de distribuí-los, uma administração dos correios que os transportasse por filantropia, etc. Enquanto esperamos, e como não temos milhões para subvencionar esses encargos, somos obrigados a lhes dar um preço.

“Um dos primeiros cuidados da comissão será ocupar se das publicações, desde que seja possível, sem esperar poder fazê-lo com a ajuda da receita; os fundos destinados a este uso não serão, na realidade, senão um adiantamento, pois que voltarão pela venda das obras, cujo produto retornará ao fundo comum.”

As operações necessárias, tendo como objetivo reunir nas mãos da Sociedade Anônima todas as obras fundamentais da Doutrina e, em geral, todas as que podem ser de interesse capital para os estudos espíritas, não tomarão senão um certo tempo, exigindo o remanejamento de fundos relativamente consideráveis. Segundo o desejo do Sr. Allan Kardec, é a esta providência, cuja importância é evidente para todos, que se consagrarão em primeiro lugar os membros fundadores da Sociedade.

Entre as atribuições atualmente praticáveis da Sociedade Anônima, é preciso considerar, igualmente, o cuidado de reunir todos os documentos capazes de interessar aos espíritas, de determinar o movimento progressivo da Doutrina e de continuar com os nossos correspondentes da França e do estrangeiro as relações amigáveis e benévolas que eles entretinham com o centro, relações que, por sua extensão e múltiplo objeto, não podiam mais repousar na cabeça de um indivíduo. – Tal é, ainda, uma das importantes considerações que levaram o Sr. Allan Kardec a substituir uma direção única pela comissão central, uma coletividade inteligente, cujas atribuições seriam definidas de maneira a não dar lugar a arbitrariedades.

“Fica bem entendido, dizia ele a propósito, que aqui se trata de uma autoridade moral, no que respeita à interpretação e aplicação dos princípios da Doutrina, e não de um poder disciplinar qualquer.

“Para o público estranho, um corpo constituído tem maior ascendente e preponderância; contra os adversários, sobretudo, apresenta uma força de resistência e dispõe de meios de ação com que um indivíduo não poderia contar; aquele luta com vantagens infinitamente maiores. Uma individualidade está sujeita a ser atacada e aniquilada; o mesmo já não se dá com uma entidade coletiva.

“Há, igualmente, numa entidade coletiva, uma garantia de estabilidade que não existe, quando tudo recai sobre uma única cabeça. Desde que o indivíduo se ache impedido por uma causa qualquer, tudo fica paralisado. A entidade coletiva, ao contrário, se perpetua incessantemente; embora perca um ou vários de seus membros, nada periclita.

“Consequente com os princípios de tolerância e de respeito a todas as opiniões, que o Espiritismo professa, não pretendemos impor esta organização a ninguém, nem constranger quem quer que seja a se submeter a ela. Nosso objetivo é estabelecer um primeiro laço entre os espíritas, que o desejam desde muito tempo e se lastimam de seu isolamento. Ora, esse laço, sem o qual o Espiritismo ficaria em estado de opinião individual, sem coesão, só pode existir com a condição de se religar a um centro por uma comunhão de vistas e de princípios. Este centro não é uma individualidade, mas um foco de atividade coletiva, agindo no interesse geral e na qual a autoridade pessoal se apaga.”

Os fundadores da Sociedade anônima estão de tal modo persuadidos de que o Espiritismo não pode nem deve residir numa só personalidade, que, para evitar o perigo de vê-lo servir de trampolim à ambição de um só ou de alguns, e dele fazer um objeto qualquer de especulação pessoal, convidam os espíritas, com veemência, a fazerem abstração dos indivíduos. Nunca seria demais lhes recomendar que enviem suas cartas, seja qual for o seu objeto, à administração da Sociedade Anônima, sem qualquer designação pessoal. A distribuição das cartas será de alçada puramente administrativa.

Todavia, e para reduzir as diligências e as perdas de tempo ao mínimo possível, os valores ou vales postais inseridos nas cartas endereçadas à Sociedade deverão ser dirigidos ao Sr. Bittard, encarregado especialmente dos recebimentos, sob a vigilância da comissão de administração da Sociedade.

Aos que se admirarem de ver uma Sociedade fundada com objetivo eminentemente filantrópico e moralizador constituir-se sobre as bases ordinárias das sociedades comerciais, observaremos que, legalmente, não se pode fundar nenhuma sociedade desse tipo sem fins lucrativos. Aliás, por força de um artigo especial relativo às modificações a serem feitas nos estatutos, a Sociedade estará sempre habilitada a marchar com os acontecimentos, a modificar-se e a transformar-se, se as circunstâncias lho permitirem ou se o interesse do Espiritismo nisso vir uma necessidade.

Quanto aos honorários dos administradores, à justa remuneração de seu trabalho, além de pouco elevados para não ensejarem cobiça, estão plenamente e inteiramente justificados pela seguinte passagem da Revista de dezembro de 1868:

“São em grande número, como se vê, as atribuições da comissão central, para necessitarem de uma verdadeira administração. Tendo cada um de seus membros funções ativas e assíduas, se apenas a constituíssem homens de boa vontade, os trabalhos seriam prejudicados, porquanto ninguém teria o direito de censurar os negligentes. Para regularidade dos trabalhos e normalidade do expediente, necessário se torna contar com homens de cuja assiduidade se possa estar certo e que não considerem suas funções como simples ato de comprazer. De quanto mais independência eles forem senhores, pelos seus recursos pessoais, tanto menos se deixarão prender por ocupações assíduas; se não dispuserem de tempo, não poderão consagrá-lo àquelas funções. Importa, pois, que sejam retribuídos, assim como o pessoal administrativo. Com isso a Doutrina ganhará em força, em estabilidade, em pontualidade, do mesmo passo que constituirá um meio a prestar serviços a pessoas que dela necessitem.”

As diversas cláusulas concernentes ao reembolso do capital, em caso de aposentadoria ou de morte de um associado, são bastante explicitas, de modo que não nos parece útil comentá-las. Apenas lembraremos que tais reembolsos, por certo bastante excepcionais e efetuando-se sobre o fundo de reserva, jamais poderão diminuir o capital da Sociedade.

Se um associado se retirar voluntariamente, não haverá nenhum prejuízo à integralidade do capital, pois que, nesse caso, o associado deverá admitir um cessionário de suas perdas, que, ao ser admitido, entrará com a soma retirada pelo demissionário. Talvez objetem que haja neste parágrafo uma causa de perigo para a vitalidade da Sociedade, por permitir a pessoas estranhas ao Espiritismo nela introduzir-se, trazendo elementos de perturbação e de desorganização; mas tal perigo foi previsto e afastado, pois a admissão dos cessionários só é decidida na assembleia-geral, e pela unanimidade dos membros presentes.

Como dissemos no início, as providências legais e a necessidade de deslocamento foram as únicas razões que nos obrigaram a limitar o número dos fundadores ao menor número possível.

A Sociedade que, antes de tudo, deseja realizar os desígnios do Sr. Allan Kardec, satisfazendo aos desejos da maioria, ficará feliz com as adesões que obterá e com os associados e comissários-fiscais que encontrará entre os espíritas, conhecidos pelo seu devotamento à causa e por sua participação em sua incessante propagação.

A Sociedade constituiu-se em Paris porque é preciso a toda fundação séria uma sede de operação determinada, mas os membros que a constituírem e a ela se associarem, evidentemente poderão, à medida que ela se desenvolver, pertencer a todos os centros que reconhecerem a sua autoridade e aceitarem os seus princípios.

Mas, qual será a extensão das operações da Sociedade Anônima? Não poderíamos responder melhor a esta questão do que citando textualmente as reflexões que, a propósito, expendeu o Sr. Allan Kardec:

“Qual será a extensão do círculo de atividades desse centro? É destinado a reger o mundo e a tornar-se o árbitro universal da verdade? Se tivesse essa pretensão, seria compreender mal o espírito do Espiritismo que, por isso mesmo que proclama os princípios do livre-exame e da liberdade de consciência, repudia a ideia de se erigir em autocracia; desde o começo entraria numa senda fatal.

“O Espiritismo tem princípios que, em razão de se fundarem nas leis da Natureza, e não em abstrações metafísicas, tendem a tornar-se, e certamente tornar-se-ão um dia, os da universalidade dos homens. Todos os aceitarão, porque serão verdades palpáveis e demonstradas, como aceitaram a teoria do movimento da Terra; mas pretender que o Espiritismo em toda parte seja organizado da mesma maneira, que os espíritas do mundo inteiro estarão sujeitos a um regime uniforme, a uma mesma maneira de proceder, que deverão esperar a luz de um ponto fixo, para o qual deverão fixar o olhar, seria uma utopia tão absurda quanto pretender que todos os povos da Terra um dia não formem senão uma única nação, governada por um só chefe, regida pelo mesmo código de leis e submetidas aos mesmos costumes Se há leis gerais que podem ser comuns a todos os povos, essas leis serão sempre, nos detalhes da aplicação e da forma, apropriadas aos hábitos, aos caracteres e aos climas de cada uma.

“Assim será com o Espiritismo organizado. Os espíritas do mundo inteiro terão princípios comuns, que os ligarão à grande família pelo laço sagrado da fraternidade, mas cuja aplicação poderá variar conforme as regiões, sem que, por isto, seja rompida a unidade fundamental, sem formar seitas dissidentes que se atirem a pedra e o anátema, o que seria antiespírita em alto grau. Poderão, pois, se formar, e inevitavelmente se formarão, centros gerais em outros países, sem outro laço além da comunhão de crença e a solidariedade moral, sem subordinação de um ao outro, sem que o da França, por exemplo, tenha a pretensão de impor-se aos espíritas americanos e reciprocamente.”

Finalmente, resta-nos explicar o emprego dos fundos da caixa geral que não fazem parte do capital social e que se compõem dos donativos feitos até hoje com o fito de concorrer à propagação dos princípios do Espiritismo. A Sociedade Anônima não tem dúvida de que realizará o desejo dos doadores, aplicando a quota dessas doações à constituição do fundo de reserva, conformemente aos artigos dos estatutos que determinam seu objetivo.

A esse respeito, para liberar completamente a Sra. Allan Kardec e a Sociedade, cumprimos o dever de publicar a lista das somas recebidas e dos nomes dos subscritores, a fim de que aqueles cujas intenções não tivessem sido bem compreendidas e que desejassem dar outra destinação a seus fundos, possam dirigir suas reclamações à Sociedade.

Estamos contentes pela oportunidade, aqui encontrada, de transmitir os nossos agradecimentos e sinceros cumprimentos a todos os que, material e moralmente, se empenharam pela constituição definitiva do Espiritismo.


3 Listas das subscrições depositadas na Caixa Geral para a propagação do Espiritismo.


1868 – Dezembro 20 – Grupo Mendy, de Nancy – 60,00


1869 – Janeiro 7 – D…, de Angers – 5,00

8 – J… e B…, de Paris – 10,00

8 – Ch…, de Paris – 20,00

9 – Guilbert…, de Rouen – 1.000,00

11 – D…, de Toulouse – 10,00

16 – F…, de Saint-Étienne – 10,00

29 – Sra. Al…, de Meschers – 20,00


Fevereiro 1º – B…, de Dijon – 10,00

8 – De Th… – 2,75

27 – Hug…, de Guadalupe – 50,00

27 – Os espíritas da ilha de Oléron – 50,00


Março 2 – Y…, de Paris, – 500,00

16 – Grupo Fr…, de Poitiers – 26,00

19 – C…, de Toulon – 30,00


Abril 16 – X…, de Béthune – 2,20

16 – Cr…, de Paris – 100,00

16 – F.., de Guerche (Cher) – 5,00

16 – Grupo de Saint Jean-d’Angely – 20,00

19 – M…, de Cognac … … … … … 2,00

23 – Diversos – 1,00


Maio 7 – De V…, – 20,00

14 – Sociedade de Constantina – 5,00

22 – D…, de Philippeville – 20,00

28 – Sociedade Espírita de Rouen, presidente, Sr. Guilbert – 1.000,00

29 – Sociedade Espírita de Toulouse – 224,50


Junho 10 – Grupo Espírita da Paz, de Liège – 20,00


Total das somas recebidas – 3.323,45

Despesas diversas – 3,00


Em caixa, em 1º de agosto – 3.320,45


A esses valores devemos acrescentar o produto da brochura publicada pelo Sr. C… sob o título de: Instrução prática para a organização dos grupos espíritas, cuja totalidade é destinada pelo autor para aumentar os meios de ação da Sociedade anônima.

Bom número dos nossos irmãos da província e do estrangeiro se desdobrou para concorrer, através de seus donativos, à elevação do monumento fúnebre que o Espiritismo se propõe construir em memória do Sr. Allan Kardec; cumprimos também um dever de lhes testemunhar a nossa profunda gratidão. Numerosas cartas de adesão à determinação tomada a esse respeito nos foram dirigidas, bem como proposições de modificações de diversas naturezas. Essa correspondência, que constitui objeto de um dossiê especial, será submetida, em tempo oportuno, à apreciação da comissão que será nomeada para tal efeito.

Como se vê, a Sociedade se preocupa principalmente em assegurar a vitalidade do Espiritismo e de o livrar da usurpação do orgulho e da especulação. Reunirá todos os sufrágios? não terá de lutar contra a ambição dos que querem ligar seu nome a uma inovação qualquer? Ninguém pode gabar-se de contentar todo o mundo. O desejo da Sociedade, e esperamos não nos decepcionar, é satisfazer à vontade da maioria, permanecendo na senda traçada.

Quanto aos dissidentes, às críticas, sejam quais forem, dir-lhes-emos, como o Sr. Allan Kardec: “O que vos barra o caminho? Quem vos impede de trabalhar de vosso lado? Quem vos proíbe de publicar vossas obras? A publicidade vos está aberta, como a todo o mundo; dai algo de melhor do que existe e ninguém se oporá; sede mais bem apreciados pelo público e ele vos dará a preferência.

“Pelo fato de a Doutrina não se embalar em fatos irrealizáveis para o presente, não significa que se imobilize no presente. Apoiada exclusivamente nas leis da Natureza, não pode variar mais do que essas leis; mas, se uma nova lei se descobrir, a ela se aliará; não deve fechar a porta a nenhum progresso, sob pena de suicidar-se; assimilando todas as ideias reconhecidamente justas, seja qual for a ordem a que pertençam, físicas ou metafísicas, ela jamais será ultrapassada, e aí está uma das principais garantias de sua perpetuidade.

“A verdade absoluta é eterna e, por isto mesmo, invariável. Mas, quem pode lisonjear-se de a possuir inteiramente? No estado de imperfeição dos nossos conhecimentos, o que hoje nos parece falso amanhã pode ser reconhecido verdadeiro, em consequência da descoberta de novas leis; assim é na ordem moral, como na ordem física. É contra esta eventualidade que a Doutrina jamais deve ser pega de surpresa. O princípio progressivo, que ela inscreve em seu código, será, como temos dito, a garantia de sua perpetuidade e sua unidade será mantida precisamente porque não repousa no princípio da imobilidade. Em vez de ser uma força, a imobilidade se torna uma causa de fraqueza e de ruína para quem não segue o movimento geral; rompe a unidade, porque os que querem ir avante se separam dos que se obstinam em ficar atrás. Mas, seguindo o movimento progressivo, é preciso fazê-lo com prudência e se precaver contra os devaneios das utopias e dos sistemas. É preciso fazê-lo a tempo, nem muito cedo, nem muito tarde, e com conhecimento de causa.

“Compreende-se que uma doutrina assentada em tais bases deve ser realmente forte; desafia toda concorrência e neutraliza as pretensões de seus competidores. É para este ponto que os nossos esforços tendem a levar a Doutrina Espírita.

“Aliás, a experiência já justificou esta previsão. Tendo marchado sempre neste caminho desde a sua origem, a Doutrina avançou constantemente, mas sem precipitação, olhando sempre se o terreno onde pisa é sólido e medindo seus passos no estado da opinião. Ela fez como o navegante, que só marcha com a sonda à mão e consultando os ventos.”



[Revista de setembro.]

4. Constituição da Sociedade Anônima.

Sem fins lucrativos e de capital variável da Caixa Geral e Central do Espiritismo. (2º artigo.)

O artigo sobre a constituição da Sociedade anônima, publicado no último número da Revista, foi, da parte de grande número dos nossos correspondentes, objeto de calorosas felicitações e de marcas inequívocas de satisfação geral, testemunhadas pelas numerosas e lisonjeiras cartas de adesão que recebemos de todas as partes, nos estimulando poderosamente e nos autorizando a prosseguir, conforme o vivo desejo da Sra. Allan Kardec, a execução do plano do mestre.

Na verdade o Sr. Allan Kardec nos legou uma tarefa muito pesada para as nossas débeis forças; mas, e reconhecemos com um sentimento de viva satisfação, nosso apelo despertou um eco simpático no coração de todos os homens verdadeiramente devotados ao triunfo de nossas ideias, e as promessas de concurso material e o assentimento moral de todos nos deixam profundamente convencidos de que os nossos esforços não serão improdutivos.

Trazendo cada um a sua espiga, pondo seus conhecimentos à disposição de todos e contribuindo para aumentar o germe fecundo destinado a dar a todos o pão da vida, sem dúvida chegaremos, com a ajuda dos bons Espíritos, a assegurar o desenvolvimento e a difusão universal dos nossos princípios.

No próximo número publicaremos uma nova lista das somas depositadas na caixa geral, desde 1° de agosto. Hoje nos limitaremos a anunciar que recebemos um certo número de pedidos de admissão como membro da Sociedade, pedidos cujo exame tivemos que adiar para a primeira assembleia-geral, conformemente ao artigo 23, § 3° dos estatutos.

“Venho pedir-vos, diz um dos nossos correspondentes de Villevert (Oise), [Saint Jean à Villevert (distrito de Senlis)] que me inscrevam por quatro ou cinco ações na Sociedade Anônima, tão logo julgarem oportuno aumentar o capital… Inútil acrescentar que aplaudo com todas as forças a ideia de uma Sociedade comercial, meio eficaz de propagar a Doutrina.”

O Sr. M***, de Bordeaux, é mais taxativo ainda; diz ele: “Acabo de ver, com muito prazer, as disposições tomadas; são firmes, e podemos dizer que agora o Espiritismo tem um ponto de apoio independente de qualquer personalidade. Sua marcha para frente será mais rápida, porque os maiores problemas que encerra poderão ser estudados, e os resultados produzidos sem entraves.”

O presidente da Sociedade Espírita de Bordeaux, durante o exercício 1867-1868, que igualmente adere de maneira absoluta à nova organização, houve por bem colocar à disposição da Sociedade Anônima uma centena de exemplares de sua brochura: Relatórios dos Trabalhos da Sociedade Espírita de Bordeaux, cedendo à caixa geral o produto da venda.

As sociedades e os espíritas isolados de Liège, Bruxelas (Bélgica), Lyon, Toulouse, Avignon, Blois, Carcassonne, Rouen, Oloron-Sainte-Marie, Marselha, etc., etc., também houveram por bem assegurar sua adesão aos estatutos da Sociedade, bem como o seu concurso ativo para lhe garantir a vitalidade.

Num próximo artigo, exclusivamente consagrado a uma revista geral do movimento da imprensa e das sociedades espíritas francesas e estrangeiras, nós nos empenharemos em demonstrar a oportunidade do momento para a fundação de uma organização e de uma direção sérias.

Em alguns meses duas novas sociedades, dois jornais foram fundados na Espanha; a Sociedade de Florença criou um órgão de publicidade; um jornal em polonês apareceu em Léopold (Galícia austríaca) e ficamos sabendo, nestes últimos dias, que um jornal em língua portuguesa está prestes a ser editado na Bahia (Brasil) [v. Biografia: O Eco de Além-Túmulo, monitor do Espiritismo no Brasil]. As antigas sociedades se desenvolvem; num único centro da Bélgica, quinze professores primários aderem aos nossos ensinos; em Liège, em Lyon, etc., os diversos grupos da localidade exprimem o desejo de se reunirem sob uma direção única. Em toda parte a Doutrina, longe de enfraquecer e degenerar, desenvolve-se e conquista influência. Todos os espíritas compreenderam que o momento de afirmar-se chegou, e cada um se dedica com ardor para concorrer ao movimento regenerador.

Não nos foi feita nenhuma objeção sobre a transferência dos donativos à caixa geral, mas recebemos alguns pedidos de retificação quanto à maneira pela qual nossa lista foi organizada. Várias somas, inscritas em nome de uma Sociedade ou de um indivíduo, eram, na realidade, o produto da cotização de todos os membros de um grupo. Era nossa intenção simplificar tanto quanto possível os detalhes. Em nossa próxima lista faremos as observações que nos foram comunicadas.

Ao lado das adesões irrestritas que acabamos de mencionar, recebemos certo número permeadas de observações críticas, não quanto ao objetivo, mas sobre o modo e a forma da Sociedade. Para alguns, as expressões empregadas nos estatutos são demasiado comerciais. Para outros, o montante das partes parece um tanto elevado, e a porção dos benefícios atribuídos ao fundo de reserva muito considerável. Aos primeiros, lembramos as explicações que demos a respeito no último número da Revista e as reflexões que, sobre o mesmo assunto, publicava o Sr. Allan Kardec no número de dezembro último.

Estamos persuadidos de que todos os espíritas aplaudirão a formação da nova Sociedade, quando virem que os fundadores, inspirando-se nas ideias do mestre, tiveram em vista, sobretudo, assegurar o futuro do Espiritismo, colocando-o sob a égide da lei, aos seus olhos o único meio de paralisar em certos momentos as influências nocivas, substituindo, assim, o regime de tolerância pelo do direito, sujeito o primeiro quase sempre a variações, conforme os homens e as circunstâncias.

Quanto ao que concerne à quantidade fixada para as cotas partes e ao pequeno número de fundadores, lembraremos que o que importava, antes de tudo, era estabelecer uma base, um centro de ação, onde todas as atividades, todos os devotamentos pudessem congregar-se. Hoje a Sociedade está constituída; seus estatutos, essencialmente modificáveis e progressivos, como tudo o que é de origem humana, poderão sofrer, no futuro, as transformações que parecerem úteis para cumprir o desejo geral e satisfazer às novas necessidades.

Todas as correspondências dirigidas à Sociedade Anônima, no que respeita aos pedidos de admissão como membros da Sociedade, bem como as sugestões para a modificação dos estatutos, serão conservadas num dossiê especial, a fim de serem submetidas às deliberações dos associados na primeira assembleia-geral anual, que, nos termos de ato da Sociedade, é a única que tem o poder de deliberar e estatuir sobre estas interessantes questões.

Não temos senão um objetivo, um desejo: assegurar a vitalidade do Espiritismo, satisfazendo às aspirações gerais. Se, como o esperamos, as medidas tomadas pela Sociedade Anônima nos permitirem obter esse resultado, nós nos julgaremos recompensados além dos nossos méritos, quando, para nós, houver soado a hora do repouso e outros mais dignos, se não mais devotados, forem chamados para nos substituírem.



[Revista de novembro.]

5. Sociedade Anônima do Espiritismo.

(Terceiro artigo. – Vide a Revista dos meses de agosto e setembro de 1869.)

Breves explicações.


Lamentamos que em razão de um mal-entendido inconcebível ante a clareza das explicações dadas na Revista, algumas pessoas, aliás uma minoria em relação à generalidade dos espíritas, confundissem e considerassem como uma só e mesma coisa a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas e a Sociedade Anônima do Espiritismo.

Como alguns dos nossos correspondentes nos pediram que os esclarecêssemos a respeito, apressamo-nos em satisfazer ao seu legítimo desejo e comunicar-lhes as reflexões seguintes, visando a definir a situação satisfatoriamente.

Como todas as sociedades espíritas, a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, que não existe senão em virtude de uma simples autorização, ocupa-se pura e simplesmente, conforme o seu regulamento, de estudos psicológicos e morais. Persegue, por meios idênticos, o mesmo objetivo que as Sociedades de Lyon, Marselha, Toulouse, Bordeaux, etc. Numa palavra, ela se consagra unicamente ao estudo dos ensinamentos que são o objeto de seus trabalhos; adquire novos conhecimentos pelas comunicações que recebe dos Espíritos através dos médiuns, pelo exame sério que fazem seus membros cooperadores das questões da ordem do dia, e vulgariza a Doutrina pela admissão de ouvintes às suas reuniões. Sendo absoluto o seu desinteresse, seria um contrasenso acusá-la de exploração.

A Sociedade Anônima do Espiritismo é uma organização essencialmente distinta. Enquanto a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas é puramente local, ou, pelo menos, se restringe a algumas correspondências limitadas à província e ao estrangeiro, a Sociedade Anônima do Espiritismo vem a ser, através da Revista Espírita, um órgão de centralização quase universal. É uma sociedade comercial, é verdade, mas não há pessoa de boa-fé que, depois de analisar a sua constituição, não se convença de que o mais absoluto desinteresse e o mais completo devotamento presidiram à sua fundação.

Quando ainda se achava neste mundo, o Sr. Allan Kardec foi o primeiro a reconhecer, juntamente com alguns espíritas esclarecidos, que as condições da livraria ordinária tornavam impossível a vulgarização do Espiritismo nas massas por meio das obras que, em nossa opinião, ainda são os melhores agentes de propagação. Mas, para tirar as obras dos editores, para reuni-las numa única mão e chegar a fazer, num futuro mais ou menos distante, edições populares, seriam necessários, antes de tudo, capitais que uma pessoa isolada não poderia fornecer e uma organização que fizesse obras fundamentais, não mais uma propriedade particular, mas propriedade do Espiritismo em geral. É para chegar a esse resultado que a Sociedade Anônima foi fundada, e também para assegurar ao Espiritismo uma existência legal, inabalável, e recursos para o futuro.

Haveria, na verdade, má-fé e má vontade em ver nesse empreendimento tão pouco comercial quanto possível, outra coisa além de um meio de concentração e de difusão mais poderosa, além de um local destinado a reunir em feixes e a utilizar os esforços de todos os espíritas, esforços muitas vezes improfícuos, em razão do próprio isolamento da maior parte dos elementos ativos.

A Sociedade Anônima tem por objeto operações comerciais; é constituída sem fins lucrativos e pode receber donativos destinados a alimentar uma parte do fundo de reserva. Mas, qual será o emprego dos recursos que poderão resultar dos benefícios capitalizados? Qual o seu objetivo e o de todos os que, compreendendo suas verdadeiras intenções, empenham-se em sustentá-la com o seu apoio moral e o seu concurso material? Basta tomar conhecimento de seus estatutos para dar-se conta.

Longe de buscar o lucro, um ganho de que se beneficiassem os seus membros, ela pretende consagrar-se puramente e unicamente à vulgarização dos nossos ensinos por todos os meios legais, mediante os recursos que lhe chegarem, sejam quais forem. Quem poderia suspeitar de tais disposições e aí ver tendências à exploração?!…

A Sociedade tem administradores, empregados remunerados, pois, certamente, não acudirá a ninguém a ideia de que se possa consagrar seu tempo e suas faculdades a um trabalho qualquer sem direito a esperar uma justa remuneração.

Como, antes de tudo, desejamos que a luz se faça e que a verdade seja conhecida, julgamos um dever comunicar a todos essas poucas reflexões.

A Sociedade Anônima do Espiritismo é, pois, uma coisa essencialmente distinta da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, tanto por sua organização, quanto pelos seus meios de ação; mas se as duas sociedades marcham com o mesmo objetivo por meios diferentes, é perfeitamente evidente que excelentes resultados para o Espiritismo em geral serão a consequência de um entendimento cordial e de relações benévolas entre elas. Ora, essa boa harmonia, que deve existir entre todos os que desejam concorrer para o progresso do espírito humano, jamais foi perturbada. As boas relações que existiam entre a Revista Espírita e a Sociedade Parisiense, anteriormente à criação da Sociedade Anônima, não deixaram de existir depois que a última foi fundada. A Sociedade Anônima, como o fazia o redator da Revista, julga um dever entregar à Sociedade de Paris os documentos que possam interessar aos seus trabalhos, recebendo, com a mais viva satisfação, as comunicações, estudos morais, documentos da Sociedade de Paris que lhe pareçam dever interessar ao Espiritismo em geral, e que ela insere em tempo hábil em sua Revista, a fim de os levar ao conhecimento de todos.

Há, entre nós, alguns dissidentes, alguns descontentes? Ignoramo-lo e não queremos saber, porque somos de opinião que o interesse particular deve apagar-se diante do interesse geral e que, ante o objetivo a que se propõe o Espiritismo, as animosidades individuais devem ceder lugar às questões de princípios. Os homens são falíveis e podem enganar-se, mas quando concorrem para o grande movimento regenerador, pensamos que os espíritas não haverão de preocupar-se senão do bem comum, da caridade, da fraternidade e da tolerância, que devem presidir a todos os trabalhos de uma filosofia que tem por divisa: “Fora da caridade não há salvação”.

Soubemos, igualmente, que alguns dos nossos correspondentes se queixam da tibieza da Revista em reproduzir as instruções emanadas de grupos e de centros, mesmo os de certa importância para o Espiritismo. Não tememos confessar que, se agimos assim, foi porque, desejando antes de tudo permanecer na via do mestre, deveríamos, para não censurar diretamente os ataques que não podíamos sancionar, nos limitar a protestar pelo silêncio contra uma maneira de agir que, se adotada na sua generalidade, poderia atirar o Espiritismo fora da direção traçada pela mão prudente do Sr. Allan Kardec.

Por sua natureza essencialmente filosófica, o Espiritismo deve, em todas as circunstâncias, abster-se de tratar as questões religiosas dogmáticas e, sobretudo, abordar o terreno inflamado da política. Constatamos com pesar que alguns espíritas, felizmente uma pequena minoria, têm respondido, com teimosa persistência e sem piedade, aos violentos ataques de que fomos e ainda somos o objeto. Vemo-los com tristeza perseverarem numa linha de conduta que não podemos aprovar. Deixemos aos outros a tarefa de apontar os abusos e de os combater pela palavra e pela imprensa. Nossa missão não é destruir, mas edificar; tratemos de fazer melhor do que os nossos adversários e seremos estimados e apreciados. Que outros empreguem a violência e a crítica acerba; nossa única arma deve ser o espírito de conciliação e de persuasão.

Muitas vezes nos perguntaram por que não respondíamos aos ataques de que fomos objeto; é que, a tal respeito, partilhamos completamente a maneira de ver do Sr. Allan Kardec. Como ele, não pensamos que o Espiritismo seja atingido pelas diatribes e acreditamos que a melhor refutação a lhes fazer é o silêncio, não devendo o Espiritismo preocupar-se em responder a eles senão multiplicando a difusão de seus ensinos e fazendo o maior bem possível.

Por que abandonaríamos um método que, até aqui, sempre nos foi salutar? Não é a nossa Doutrina, é o Espiritismo de fantasia, o Espiritismo imaginado pelos nossos adversários que é atacado nos escritos que nos apontam. Deixemo-los bater no vazio e não demos importância a zombarias que, não se dirigindo ao verdadeiro Espiritismo, não lhe podem fazer sombra.

Em vez de perder nosso tempo e consumir nossas forças em vãs disputas que divertiriam o grande público, unamo-nos, ao contrário, para que a filosofia espírita cresça e se popularize pelos nossos atos, pelos nossos trabalhos perseverantes.


[A. DESLIENS.]










Janeiro 2 PROPORÇÃO RELATIVA DOS ESPÍRITAS

Janeiro

1. — Como já dissemos, a enumeração exata dos espíritas seria coisa impossível, e isto por uma razão muito simples: o Espiritismo não é uma associação, nem uma congregação; seus aderentes não estão inscritos em nenhum registro oficial. Sabe-se perfeitamente que não se poderia avaliar o montante pelo número e a importância das sociedades, frequentadas apenas por minoria ínfima. O Espiritismo é uma opinião que não exige nenhuma profissão de fé, e pode estender-se ao todo ou parte dos princípios da Doutrina. Basta simpatizar com a ideia para ser espírita. Ora, não sendo essa qualidade conferida por nenhum ato material, e não implicando senão obrigações morais, não existe qualquer base física para determinar o número dos adeptos com precisão. Não se o pode estimar senão de maneira aproximativa, pelas relações e pela maior ou menor facilidade com que a ideia se propaga. Esse número aumenta diariamente em proporção considerável: é um fato positivo, reconhecido pelos próprios adversários; a oposição diminui, prova evidente de que a ideia encontra, cada vez mais, numerosas simpatias.

Aliás, compreende-se que é pelo conjunto e não pela situação das localidades, consideradas isoladamente, que se pode basear uma apreciação; há em cada localidade elementos mais ou menos favoráveis, em razão do estado particular dos Espíritos e também das resistências mais ou menos influentes que aí se exercem; mas essa situação é variável, porque tal localidade, que se tenha mostrado refratária durante vários anos, de repente se torna um foco. Quando os elementos de apreciação tiverem adquirido mais precisão, será possível fazer um mapa colorido em relação à difusão das ideias espíritas, como foi feito para a instrução. Enquanto isso, pode-se afirmar, sem exagero, que, em suma, o número dos adeptos centuplicou em dez anos, a despeito das manobras empregadas para abafar a ideia e contrariamente às previsões de todos os que se vangloriavam de a ter enterrado. Isto é um fato comprovado, devendo os antagonistas tomar o seu partido.

Só falamos aqui dos que aceitam o Espiritismo com conhecimento de causa, depois de o haver estudado, e não dos que, embora mais numerosos, estas ideias ainda estão em estado de intuição, faltando-lhes apenas definir suas crenças com mais precisão e dar-lhes um nome, para serem espíritas confessos. É um fato bem comprovado, que se constata todos os dias, sobretudo de algum tempo para cá, que as ideias espíritas parecem inatas numa porção de indivíduos, que jamais ouviram falar do Espiritismo; não se pode dizer que tenham sofrido uma influência qualquer, nem que sofreram a influência de um círculo. Que os adversários expliquem, se puderem, esses pensamentos que nascem fora e à margem do Espiritismo! Por certo não seria um sistema preconcebido no cérebro de um homem que teria produzido tal resultado; não há prova mais evidente de que essas ideias estão na Natureza, nem melhor garantia de sua vulgarização no futuro e de sua perpetuidade. Deste ponto de vista pode-se dizer que pelo menos três quartos da população de todos os países possuem o germe das crenças espíritas, pois são encontrados entre aqueles mesmos que lhe fazem oposição. Na maioria, a oposição vem da falsa ideia que fazem do Espiritismo; não o conhecendo, em geral, senão pelos quadros ridículos que dele faz a critica malevolente ou interessada em desacreditá-lo, recusam com razão a qualidade de espíritas. Certamente, se o Espiritismo se assemelhasse aos retratos grotescos que dele fizeram, se se constituísse das crenças e práticas absurdas que houveram por bem lhe atribuir, seríamos o primeiro a repudiar o título de espírita. Quando, pois, essas mesmas pessoas souberem que a Doutrina não é senão a coordenação e o desenvolvimento de suas próprias aspirações e de seus pensamentos íntimos, aceitá-la-ão; esses são, incontestavelmente, futuros espíritas, mas, por enquanto, não os consideramos em nossas avaliações.

Se é impossível uma estatística, outra há, talvez mais instrutiva e para a qual existem elementos que nos fornecem as nossas relações e a nossa correspondência: é a proporção relativa dos espíritas segundo as profissões, as posições sociais, as nacionalidades, as crenças religiosas, etc., levando em conta que certas profissões, como os oficiais ministeriais, por exemplo, são em número limitado, ao passo que outras, como os industriais e os capitalistas são em número indefinido. Guardadas todas as proporções, pode-se ver quais são as categorias nas quais o Espiritismo encontrou, até hoje, mais aderentes. Em alguns, a proporção pôde ser estabelecida em percentagem, com precisão, sem contudo pretender que tenham um rigor matemático; as outras categorias simplesmente foram classificadas em razão do número de adeptos que apresentaram, começando pelas de maior número, de que a correspondência e a lista de assinantes da Revista podem fornecer elementos. O quadro a seguir é resultado do levantamento de mais de dez mil observações.

Constatamos o fato, sem procurar discutir a causa dessa diferença, o que, não obstante, poderia ser assunto para um estudo interessante.


2. PROPORÇÃO RELATIVA DOS ESPÍRITAS.


I. Em relação às nacionalidades. – A bem dizer, não existe nenhum país civilizado da Europa e da América onde não haja espíritas. Eles são mais numerosos nos Estados Unidos da América do Norte. Seu número aí é avaliado, por uns, em quatro milhões, o que já é muito, e por outros em dez milhões. Esta última cifra evidentemente é exagerada, porque compreenderia mais de um terço da população, o que não é provável. Na Europa, a cifra pode ser avaliada em um milhão, na qual a França figura com seiscentos mil. Pode-se estimar o número de espíritas no mundo inteiro em seis ou sete milhões. Ainda que não passasse da metade, a História não oferece nenhum exemplo de uma doutrina que, em menos de quinze anos, tivesse reunido semelhante número de adeptos disseminados por toda a superfície do globo. Se aí incluíssemos os espíritas inconscientes, isto é, os que só o são por intuição, e mais tarde se tornarão espíritas de fato, só na França poder-se-iam contar vários milhões.

Do ponto de vista da difusão das ideias espíritas, e da facilidade com que são aceitas, os principais Estados da Europa podem ser classificados como se segue: 1º França. – 2 º Itália. – 3º Espanha. – 4º Rússia. – 5º Alemanha. – 6º Bélgica. – 7º Inglaterra. – 8º Suécia e Dinamarca. – 9º Grécia. – 10º Suíça.


II. Em relação ao sexo. – 70% de homens e 30% de mulheres.


III. Em relação à idade. – Máximo: de 30 a 70 anos; média: de 20 a 30 anos; mínimo: de 70 a 80 anos.


IV Em relação à instrução. – O grau de instrução é muito fácil de apreciar pela correspondência. Instrução cuidada: 30%; – simples letrados: 30%; – instrução superior: 20%; – semiletrados: 10%; – analfabetos: 6%; – sábios oficiais: 4%.


V Em relação às ideias religiosas. – Católicos romanos, livres-pensadores, não ligados ao dogma: 50%; – católicos gregos: 15%; – judeus: 10%; – protestantes liberais: 10%; – católicos ligados aos dogmas: 10%; – protestantes ortodoxos: 3%; – muçulmanos: 2%.


VI. Em relação à fortuna. – Mediocridade: 60%; – fortunas médias: 20%; – indigência: 15%; – grandes fortunas: 5%.


VII. Em relação ao estado moral, abstração feita da fortuna. – Aflitos: 60%; – sem inquietude: 30%; – felizes do mundo: 10%; – sensualistas: 0%.


VIII. Em relação à classe social. – Sem poder estabelecer nenhuma proporção nesta categoria, é notório que o Espiritismo conta entre seus aderentes: vários soberanos e príncipes reinantes; membros de famílias soberanas e um grande número de personagens tituladas.

Em geral, é nas classes médias que o Espiritismo conta mais adeptos; na Rússia é mais ou menos exclusivamente na nobreza e na alta aristocracia; é na França que mais se propagou na pequena burguesia e na classe operária.


IX. Estado militar, segundo o grau. – 1º Tenentes e subtenentes; 2º Suboficiais; 3º Capitães; 4º Coronéis; 5º Médicos e cirurgiões; 6º Generais; 7º Guardas municipais; 8º Soldados da guarda; 9º Soldados de linha.


Observação. – Os tenentes e subtenentes espíritas estão quase todos na ativa; entre os capitães, cerca de metade estão na ativa e a outra metade na reserva; os coronéis, médicos, cirurgiões e generais, em maioria estão na reserva.


X. Marinha. – 1º Marinha de Guerra; 2º Marinha Mercante.


XI. Profissões liberais e funções diversas. – Nós os agrupamos em dez categorias, classificadas segundo a proporção dos aderentes que forneceram ao Espiritismo:

1º Médicos homeopatas. – Magnetistas.

2º Engenheiros. – Instrutores; diretores e diretoras de internatos. – Professores livres.

3º Cônsules. – Sacerdotes católicos.

4º Pequenos empregados. – Músicos. – Artistas líricos. – Artistas dramáticos.

5º Meirinhos. – Comissários de polícia.

6º Médicos alopatas. – Homens de letras. – Estudantes.

7º Magistrados. – Altos funcionários. – Professores oficiais e de liceus. – Pastores protestantes.

8º Jornalistas. – Pintores. – Arquitetos. – Cirurgiões.

9º Notários. – Advogados. – Agentes de negócios.

10º Agentes de câmbio. – Banqueiros.


XII. Profissões industriais, manuais e comerciais, igualmente grupadas em dez categorias:

1º Alfaiates. – Costureiras.

2º Mecânicos. – Empregados de estradas de ferro.

3º Tecelões. – Pequenos negociantes. – Porteiros.

4º Farmacêuticos. – Fotógrafos. – Relojoeiros. – Caixeiros-viajantes.

5º Lavradores. – Sapateiros.

6º Padeiros. – Açougueiros. – Salsicheiros.

7º Marceneiros. – Tipógrafos.

8º Grandes industriais e chefes de estabelecimentos.

9º Livreiros. – Impressores.

10º Pintores de casas. – Pedreiros. – Serralheiros. – Merceeiros. – Domésticos.


3. Desta lista, resultam as seguintes consequências:


1º Que há espíritas em todos os graus da escala social;

2º Que há mais homens do que mulheres espíritas. É certo que nas famílias divididas por suas crenças, no tocante ao Espiritismo, há mais maridos contrariados pela oposição de suas esposas do que mulheres pela dos maridos. Não é menos constante que, em todas as reuniões espíritas, os homens estejam em maioria.

É, pois, injustamente que a crítica pretendeu que a Doutrina é recrutada principalmente entre as mulheres, em virtude de sua inclinação para o maravilhoso. É precisamente o contrário: essa inclinação para o maravilhoso e para o misticismo em geral as torna mais refratárias que os homens; essa predisposição faz que aceitem mais facilmente a fé cega, que dispensa qualquer exame, ao passo que o Espiritismo, não admitindo senão a fé raciocinada, exige reflexão e dedução filosófica para ser bem compreendido, para o que a educação estreita dada às mulheres torna-as menos aptas que os homens. As que sacodem o jugo imposto à sua razão e ao seu desenvolvimento intelectual, muitas vezes caem no excesso contrário; tornam-se o que chamam de mulheres fortes e sua incredulidade mais tenaz;

3º Que a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas, e não entre os ignorantes. Por toda parte o Espiritismo se propagou de alto a baixo da escala social, e em parte alguma se desenvolveu primeiro nas camadas inferiores;

4º Que a aflição e a infelicidade predispõem às crenças espíritas, em consequência das consolações que proporcionam. É a razão pela qual, na maioria das categorias, a proporção dos espíritas está na razão da inferioridade hierárquica, porque é aí que há mais privações e sofrimentos, ao passo que os titulares das posições superiores em geral pertencem à classe dos satisfeitos, à exceção do estado militar, onde os simples soldados figuram em último lugar;

5º Que o Espiritismo encontra mais fácil acesso entre os incrédulos em matéria religiosa do que entre os que têm uma fé irrevogável;

6º Enfim, que depois dos fanáticos, os mais refratários às ideias espíritas são os sensualistas e as pessoas cujos únicos pensamentos estão concentrados nas posses e nos prazeres materiais, seja qual for a classe a que pertençam, o que independe do grau de instrução.


4. — Em resumo, o Espiritismo é acolhido como um benefício pelos que ele ajuda a suportar o fardo da vida, e é repelido ou desdenhado por aqueles a quem prejudicaria no gozo da vida. Partindo deste princípio, facilmente se explicam o lugar que ocupam, nesse quadro, certas categorias de indivíduos, a despeito das luzes que são uma condição de sua posição social. Pelo caráter, gostos, hábitos e gênero de vida das pessoas, pode-se julgar do avanço de sua aptidão para assimilar as ideias espíritas. Em alguns, a resistência é uma questão de amor próprio, que segue quase sempre o grau do saber; quando esse saber os faz conquistar uma certa posição social, que os põe em evidência, não querem admitir que se podiam ter enganado e que outros podem ter visto melhor. Oferecer provas a certas pessoas é oferecer-lhes o que mais temem; e, com medo de achá-las, tapam os olhos e os ouvidos, preferindo negar a priori e se abrigarem atrás de sua infalibilidade, de que estão muito convencidas, digam o que disserem.

Explica-se menos facilmente a causa da posição que ocupam, nesta classificação, certas profissões industriais. Pergunta-se, por exemplo, por que os alfaiates aí ocupam a primeira posição, enquanto a livraria e a imprensa, profissões bem mais intelectuais, estão quase na última. É um fato constatado há muito tempo e do qual ainda não nos demos conta.

Se, no levantamento acima, em vez de não abranger senão os espíritas de fato, tivessem considerado os espíritas inconscientes, aqueles nos quais essas ideias estão em estado de intuição e que fazem Espiritismo sem o saber, certamente várias categorias teriam sido classificadas de modo diverso; por exemplo, os literatos, os poetas, os artistas, numa palavra, todos os homens de imaginação e de inspiração, os crentes de todos os cultos estariam, sem sombra de dúvida, no primeiro lugar. Certos povos, nos quais as crenças espíritas de certo modo são inatas, também ocupariam outra posição. Eis por que essa classificação não poderia ser absoluta, e se modificará com o tempo.

Os médicos homeopatas estão à frente das profissões liberais porque, com efeito é a que, guardadas as devidas proporções, conta em suas fileiras maior número de adeptos do Espiritismo; em cem médicos espíritas, há pelo menos oitenta homeopatas. Isto se deve a que o princípio mesmo de sua medicação os conduz ao espiritualismo; por isso os materialistas são muito raros entre eles, se é que os há, ao passo que são numerosos entre os alopatas. Melhor que estes últimos, compreenderam o Espiritismo, porque encontraram nas propriedades fisiológicas do perispírito, unido ao princípio material e ao princípio espiritual, a razão de ser de seu sistema. Pelo mesmo motivo, os espíritas puderam, melhor que os outros, compreender os efeitos desse modo de tratamento. Sem ser exclusivos a respeito da homeopatia, e sem rejeitar a alopatia, compreenderam a sua racionalidade e a sustentaram contra ataques injustos. Os homeopatas, achando novos defensores nos espíritas, não foram inábeis a ponto de lhes atirar a pedra.

Se os magnetistas figuram na primeira linha, logo após os homeopatas, malgrado a oposição persistente e muitas vezes acerba de alguns, é que os oponentes não formam senão pequeníssima minoria ao lado da massa dos que são, pode-se dizer, espíritas por intuição. O magnetismo e o Espiritismo são, com efeito, duas ciências gêmeas, que se completam e explicam uma pela outra, e das duas, a que não quer imobilizar-se não pode chegar ao seu complemento sem se apoiar na sua congênere; isoladas uma da outra, detêm-se num impasse; são reciprocamente como a Física e a Química, a Anatomia e a Fisiologia. A maioria dos magnetistas compreende de tal modo por intuição a relação íntima que deve existir entre as duas coisas, que geralmente se prevalecem de seus conhecimentos em magnetismo, como meio de introdução junto aos espíritas.

Em todos os tempos os magnetistas foram divididos em dois campos: os espiritualistas e os fluidistas. Estes últimos, muito menos numerosos, pelo menos fazendo abstração do princípio espiritual, quando não o negam absolutamente, referindo tudo à ação do fluido material, estão, por conseguinte, em oposição de princípios com os espíritas. Ora, é de notar que, se nem todos os magnetistas são espíritas, todos os espíritas, sem exceção, admitem o magnetismo. Em todas as circunstâncias, fizerem-se seus defensores e sustentáculos. Deviam ter-se admirado de encontrar adversários mais ou menos malévolos nos mesmos cujas fileiras acabavam de reforçar; que, depois de terem sido, durante mais de meio século, vítimas de ataques, de zombarias e de perseguições de toda sorte, por sua vez atirem a pedra, os sarcasmos e muitas vezes a injúria aos auxiliares que lhes chegam e começam a pesar na balança pelo seu número.

Aliás, como dissemos, esta oposição está longe de ser geral; muito ao contrário. Pode-se afirmar, sem se afastar da verdade, que não chega a 2 ou 3% da totalidade dos magnetistas; ela é muito menor ainda entre os da província e do estrangeiro do que entre os de Paris.


[Revista de fevereiro.]

5. ESTATÍSTICA DO ESPIRITISMO.


Apreciação pelo Jornal La Solidarité.

O jornal Solidarité, de 15 de janeiro de 1869, analisa a estatística do Espiritismo, que publicamos em nosso número anterior. Se critica algumas de suas cifras, sentimo-nos felizes por sua adesão ao conjunto do trabalho, que aprecia nestes termos:

“Lamentamos não poder reproduzir, por falta de espaço, as reflexões muito sábias com que o Sr. Allan Kardec faz acompanhar esta estatística. Limitar-nos-emos a constatar com ele que há espíritas em todos os graus da escala social; que a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas e não entre os ignorantes; que o Espiritismo se propagou em toda parte, de alto a baixo da escala social; que a aflição e a infelicidade são os grandes recrutadores do Espiritismo, por força das consolações e das esperanças que prodigaliza aos que choram e lamentam; que o Espiritismo encontra mais fácil acesso entre os incrédulos em matérias religiosas do que entre as pessoas que têm uma fé definida; enfim, que depois dos fanáticos os mais refratários às ideias espíritas são as criaturas cujos pensamentos estão todos concentrados na posse e nos prazeres materiais, seja qual for, aliás, a sua condição.”

É um fato de capital importância constatar em toda parte que “a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas e não entre os ignorantes.” Em presença deste fato material, em que se torna a acusação de estupidez, ignorância, loucura, inépcia, lançada tão estouvadamente contra os espíritas pela malevolência?

Propagando-se de alto a baixo da escala, o Espiritismo prova, além disso, que as classes favorecidas compreendem a sua influência moralizadora sobre as massas, pois que se esforçam por nele penetrar. É que, com efeito, os exemplos que se têm sob os olhos, embora parciais e ainda isolados, demonstram de maneira peremptória que o espírito do proletariado seria muito outro se estivesse imbuído dos princípios da Doutrina Espírita.

A principal objeção do Solidarité é muito séria. Refere-se ao número de espíritas do mundo inteiro. Eis o que diz a respeito:

“A Revista Espírita engana-se muito quando estima em apenas seis ou sete milhões o número de espíritas para todo o mundo. Evidentemente se esquece de contar a Ásia.

“Se pelo termo espírita entendem-se as pessoas que creem na vida de além-túmulo e nas relações dos vivos com a alma das pessoas mortas, é por centenas de milhões que se os deve contar. A crença nos Espíritos existe em todos os sectários do budismo, e pode-se dizer que ela constitui o fundo de todas as religiões do extremo Oriente. É geral sobretudo na China. As três antigas seitas que desde tanto tempo dividem as populações no Império Central, creem nos manes, nos Espíritos e professam o seu culto. – Pode-se mesmo dizer que este é para elas um terreno comum. Os adoradores do Tao e de Fo aí se encontram com os sectários do filósofo Confúcio.

“Os sacerdotes da seita de Lao-Tseu, e particularmente os Tao-Tseu, ou doutores da Razão, devem às práticas espíritas uma grande parte de sua influência sobre as populações. – Esses religiosos interrogam os Espíritos e obtêm respostas escritas, que não têm mais nem menos valor que as dos nossos médiuns. São conselhos e avisos considerados como dados aos vivos pelo Espírito de um morto. Aí se encontram revelações de segredos conhecidos unicamente pela pessoa que interroga, algumas vezes predições que se realizam ou não, mas que são capazes de impressionar os assistentes e estimular os seus desejos, para que se encarreguem de realizar, eles próprios, o oráculo.

“Obtêm-se essas correspondências por processos que não diferem muito dos nossos espíritas, mas que, no entanto, devem ser mais aperfeiçoados, se se considerar a longa experiência dos operadores que os praticam tradicionalmente.

“Eis como nos são descritos por uma testemunha ocular, o Sr. D…, que mora na China há muito tempo e que é familiar com a língua do país:

“Uma vara de pescar, de 50 a 60 centímetros, é sustentada nas extremidades por duas pessoas, das quais uma é o médium e a outra o interrogador. No meio dessa vara, tiveram o cuidado de lacrar ou amarrar uma pequena varinha da mesma madeira, bastante semelhante a um lápis, pelo tamanho e grossura. Abaixo desse pequeno aparelho é espalhada uma camada de areia, ou uma caixa contendo farinha de milho. Deslizando maquinalmente sobre a areia ou a farinha de milho, a varinha traça caracteres. À medida que estes se formam, são lidos e reproduzidos imediatamente no papel por um letrado presente à sessão. Daí resultam frases e escritos mais ou menos longos, mais ou menos interessantes, mas tendo sempre um valor lógico.

“A dar-se crédito aos Tao-Tseu, esses processos lhes vêm do próprio Lao-Tseu. Ora, se conforme a História, Lao-Tseu viveu no sexto século antes de Jesus-Cristo, é bom lembrar que, conforme a lenda, ele é como o Verbo dos cristãos, anterior ao começo e contemporâneo da grande não-entidade, como exprimem os doutores da Razão.

“Vê-se que o Espiritismo remonta a uma belíssima antiguidade.

“Isto não prova que ele é verdadeiro? – Não, por certo, mas se basta que uma crença seja antiga para ser venerável, e forte pelo número de seus partidários para ser respeitada, não conheço outra que tenha mais títulos ao respeito e à veneração de meus contemporâneos.”


6. — Nem é preciso dizer que aderimos completamente a essa retificação, e nos sentimos felizes que ela emane de uma fonte estranha, porque prova que não procuramos exagerar o quadro. Nossos leitores apreciarão, como nós, a maneira pela qual esse jornal, que se recomenda por seu caráter sério, encara o Espiritismo; vê-se que, de sua parte, é uma apreciação com justas razões.

Sabíamos perfeitamente que as ideias espíritas estão muito espalhadas nos povos do extremo Oriente, e se não as tínhamos levado em consideração é que, em nossa avaliação, não nos propusemos apresentar, conforme dissemos, senão o movimento do Espiritismo moderno, reservando-nos para fazer mais tarde um estudo especial sobre a anterioridade dessas ideias. Agradecemos muito sinceramente ao autor do artigo por nos haver precedido.

Noutro lugar ele diz: “Cremos que esta incerteza (sobre o número real dos espíritas, sobretudo na França), a princípio se deve à ausência de declarações positivas da parte dos adeptos; depois, ao estado flutuante das crenças. Existe – e poderíamos citar em Paris numerosos exemplos – uma multidão de pessoas que creem no Espiritismo e que não se gabam disto.”

Isto é perfeitamente justo; por isso só falamos dos espíritas de fato; do contrário, como dissemos, se incluíssemos os espíritas por intuição, somente na França eles se contariam por milhões; mas preferimos ficar aquém e não além da verdade, para não sermos tachados de exagero. Contudo, é preciso que o acréscimo seja muito sensível, para que certos adversários o tenham levado a cifras hiperbólicas, como o autor da brochura O orçamento do Espiritismo, que, vendo talvez os espíritas com lente de aumento, os avaliava, em 1863, em vinte milhões na França. (Revista Espírita de junho de 1863.)

A respeito da proporção dos sábios oficiais, na categoria do grau de instrução, diz o autor: “Gostaríamos muito de ver a olho nu esses 4% de sábios oficiais 40:000 para a Europa; 24.000 só para a França; são muitos sábios, e ainda oficiais; 6% de iletrados é quase nada.”

A crítica seria fundada se, como supõe o autor, se tratasse de 4% sobre o número aproximado de seiscentos mil espíritas na França, o que, efetivamente, daria vinte e quatro mil. Realmente seria muito, pois se teria dificuldade em encontrar essa cifra de sábios oficiais em toda a população da França. Em tal base, o cálculo seria evidentemente ridículo e se poderia dizer outro tanto dos iletrados. Essa avaliação, portanto, não tem por objetivo estabelecer o número efetivo dos sábios oficiais espíritas, mas a proporção relativa em que se encontram a respeito dos diversos graus de instrução, entre os quais estão em minoria. Nas outras categorias, limitamo-nos a uma simples classificação, sem avaliação numérica em termos percentuais. Quando utilizamos este último processo, foi para tornar mais sensível a proporção.

Para melhor definir o nosso pensamento, diremos que, por sábios oficiais, não entendemos todos aqueles cujo saber é constatado por um diploma, mas unicamente os que ocupam posições oficiais, como membros de Academias, professores de Faculdades, etc., que assim se acham em maior evidência e cujos nomes, por tais motivos, fazem autoridade na Ciência. Desse ponto de vista, um doutor em Medicina pode ser sábio sem ser um sábio oficial.

A posição oficial influi bastante sobre a maneira de encarar certas coisas. Como prova disto, citaremos o exemplo de um médico distinto, morto há vários anos, e que conhecemos pessoalmente. Era então grande partidário do magnetismo, sobre o qual havia escrito, e foi o que nos pôs em contato com ele. Aumentando a sua reputação, conquistou sucessivamente várias posições oficiais. À medida que subia, baixava seu fervor pelo magnetismo, caindo abaixo de zero quando chegou ao topo da escala, porque renegava abertamente suas antigas convicções. Considerações da mesma natureza podem explicar a posição de certas classes no que concerne ao Espiritismo.


7. — A categoria dos aflitos, dos despreocupados, dos felizes do mundo, dos sensualistas, fornece ao autor do artigo a seguinte reflexão:

“É pena que isto seja pura fantasia. Nada de sensualistas, compreende-se; Espiritismo e materialismo se excluem; sessenta aflitos em cem espíritas ainda se compreende. É para os que choram que as relações com um mundo melhor são preciosas. Mas trinta pessoas despreocupadas em cem, é demais! Se o Espiritismo operasse tais milagres, faria muitas outras conquistas. Fá-las-ia sobretudo entre os felizes do mundo, que também são, quase sempre, os mais inquietos e os mais atormentados.”

Há aqui um erro manifesto, pois pareceria que esse resultado é devido ao Espiritismo, ao passo que é ele que colhe, nessas categorias, mais ou menos adeptos conforme as predisposições que aí encontra. Essas cifras significam simplesmente que encontra mais adeptos entre os aflitos, um pouco menos entre as pessoas despreocupadas, menos ainda entre os felizes do mundo, e de modo algum entre os sensualistas.

Antes de mais, é preciso entender-se quanto às palavras. Materialismo e sensualismo não são sinônimos e nem sempre marcham lado a lado, já que se veem pessoas, espiritualistas por profissão e por dever, que são muito sensuais, ao passo que há muitos materialistas bastante moderados em sua maneira de viver; para eles o materialismo não passa de uma opinião, que abraçaram em falta de outra mais racional. Eis por que, quando reconhecem que o Espiritismo enche o vazio feito em sua consciência pela incredulidade, aceitam-no com felicidade; os sensualistas, ao contrário, são os mais refratários.

Uma coisa muito bizarra é que o Espiritismo encontra mais resistência entre os panteístas em geral, do que entre os que são francamente materialistas. Provavelmente isto se deve a que o panteísta quase sempre cria um sistema; possui algo, ao passo que o materialista nada tem, e esse vazio o inquieta.

Pelos felizes do mundo entendemos os que passam como tais aos olhos da multidão, porque se podem permitir largamente todos os prazeres da vida. É verdade que muitas vezes são os mais inquietos e os mais atormentados. Mas, por quê? pelas preocupações que lhes causam a fortuna e a ambição. Ao lado dessas preocupações incessantes, das ansiedades da perda ou do ganho, da azáfama dos negócios para uns, dos prazeres para outros, resta-lhes muito pouco tempo para se ocuparem do futuro.

Não podendo ter a paz da alma senão com a condição de renunciar ao que constitui o objeto de sua cobiça, o Espiritismo pouco os afeta, filosoficamente falando. Com exceção das penas do coração, que não poupam a ninguém, a não ser os egoístas, quase sempre os tormentos da vida estão para eles nas decepções da vaidade, no desejo de possuir, de brilhar, de mandar. Pode-se, pois, dizer que atormentam a si mesmos.

Ao contrário, a calma e a tranquilidade se encontram mais particularmente nas posições modestas, quando assegurado o bem-estar da vida. Aí quase não há ambição; contentam-se com o que têm, sem se atormentarem em o aumentar, correndo os riscos aleatórios da agiotagem ou da especulação. São os que chamamos despreocupados, falando relativamente; por pouco haja neles elevação de pensamento, ocupam-se de bom grado das coisas sérias; o Espiritismo lhes oferece um atraente assunto de meditação, e o aceitam mais facilmente do que aqueles a quem o turbilhão do mundo suscita uma febre contínua.

Tais são os motivos dessa classificação que, como se vê, não é tão fantasiosa quanto supõe o autor do artigo. Nós lhe agradecemos por nos ter ensejado ocasião de apontar erros que outros poderiam ter cometido, por não termos sido bastante explícitos.


8. — Em nossa estatística, omitimos duas funções importantes por sua natureza, e porque contam um número bastante grande de adeptos sinceros e devotados; são os prefeitos e os juízes de paz que estão na quinta classe, com os meirinhos e os comissários de polícia.

Uma outra omissão, contra a qual ele reclamou com justiça, e que insistem que reparemos, é a dos poloneses, na categoria dos povos. Ela é tanto mais fundada quanto o Espiritismo conta, nessa nação, numerosos e fervorosos adeptos, desde a origem. Como classe, a Polônia vem em quinto lugar, entre a Rússia e a Alemanha.

Para completar a nomenclatura, seria preciso incluir outros países, como a Holanda, por exemplo, que viria após a Inglaterra; Portugal depois da Grécia; as províncias do Danúbio, onde também há espíritas, mas sobre as quais não temos dados bastante positivos para lhes assinalar a classe. Quanto à Turquia, a quase totalidade dos adeptos se compõe de franceses, italianos e gregos.

Uma classificação mais racional e mais exata do que pelas nações territoriais, seria pelas raças ou nacionalidades, que não estão confinadas em limites circunscritos, apresentando, por toda parte onde se espalham, maior ou menor aptidão para assimilar as ideias espíritas. Deste ponto de vista, numa mesma região, muitas vezes se teria que fazer várias distinções.


9. — A comunicação seguinte foi dada num grupo de Paris, a propósito da classe que ocupam os alfaiates entre as profissões industriais.


(Paris, 6 de janeiro de 1869. – Grupo Desliens. – Médium: Sr. Leymarie.)

Criastes categorias, caro mestre, no início das quais colocastes certas profissões. Sabeis o que, em nossa opinião, arrasta certas pessoas a se tornarem espíritas? São as mil perseguições que sofrem em suas profissões. Os primeiros de que falais devem ter ordem, economia [organização], cuidado, gosto, ser um pouco artistas e, depois, ser ainda pacientes, saber esperar, escutar, sorrir e saudar com certa elegância; mas, após todas essas pequenas convenções, mais sérias do que se pensa, ainda é preciso calcular, ordenar sua caixa pelo ativo e pelo passivo e sofrer, sofrer continuamente.

Em contato com homens de todas as classes, comentando as queixas, as confidências, os enganos, os rostos falsos, aprendem muito! Levando essa vida múltipla, sua inteligência se abre por comparação; seu espírito se fortifica pela decepção e pelo sofrimento. E eis por que certas categorias compreendem e aclamam todos os progressos; amam o teatro francês, a bela arquitetura, o desenho, a filosofia; muitos amam a liberdade e todas as suas consequências. Sempre à frente e à espreita do que consola e faz esperar, elas se dão ao Espiritismo, que lhes é uma força, uma promessa ardente, uma verdade que engrandece o sacrifício e, mais do que acreditais, a parte classificada como a nº 1 vive de sacrifícios.


Sonnet.





Janeiro

1. — Como já dissemos, a enumeração exata dos espíritas seria coisa impossível, e isto por uma razão muito simples: o Espiritismo não é uma associação, nem uma congregação; seus aderentes não estão inscritos em nenhum registro oficial. Sabe-se perfeitamente que não se poderia avaliar o montante pelo número e a importância das sociedades, frequentadas apenas por minoria ínfima. O Espiritismo é uma opinião que não exige nenhuma profissão de fé, e pode estender-se ao todo ou parte dos princípios da Doutrina. Basta simpatizar com a ideia para ser espírita. Ora, não sendo essa qualidade conferida por nenhum ato material, e não implicando senão obrigações morais, não existe qualquer base física para determinar o número dos adeptos com precisão. Não se o pode estimar senão de maneira aproximativa, pelas relações e pela maior ou menor facilidade com que a ideia se propaga. Esse número aumenta diariamente em proporção considerável: é um fato positivo, reconhecido pelos próprios adversários; a oposição diminui, prova evidente de que a ideia encontra, cada vez mais, numerosas simpatias.

Aliás, compreende-se que é pelo conjunto e não pela situação das localidades, consideradas isoladamente, que se pode basear uma apreciação; há em cada localidade elementos mais ou menos favoráveis, em razão do estado particular dos Espíritos e também das resistências mais ou menos influentes que aí se exercem; mas essa situação é variável, porque tal localidade, que se tenha mostrado refratária durante vários anos, de repente se torna um foco. Quando os elementos de apreciação tiverem adquirido mais precisão, será possível fazer um mapa colorido em relação à difusão das ideias espíritas, como foi feito para a instrução. Enquanto isso, pode-se afirmar, sem exagero, que, em suma, o número dos adeptos centuplicou em dez anos, a despeito das manobras empregadas para abafar a ideia e contrariamente às previsões de todos os que se vangloriavam de a ter enterrado. Isto é um fato comprovado, devendo os antagonistas tomar o seu partido.

Só falamos aqui dos que aceitam o Espiritismo com conhecimento de causa, depois de o haver estudado, e não dos que, embora mais numerosos, estas ideias ainda estão em estado de intuição, faltando-lhes apenas definir suas crenças com mais precisão e dar-lhes um nome, para serem espíritas confessos. É um fato bem comprovado, que se constata todos os dias, sobretudo de algum tempo para cá, que as ideias espíritas parecem inatas numa porção de indivíduos, que jamais ouviram falar do Espiritismo; não se pode dizer que tenham sofrido uma influência qualquer, nem que sofreram a influência de um círculo. Que os adversários expliquem, se puderem, esses pensamentos que nascem fora e à margem do Espiritismo! Por certo não seria um sistema preconcebido no cérebro de um homem que teria produzido tal resultado; não há prova mais evidente de que essas ideias estão na Natureza, nem melhor garantia de sua vulgarização no futuro e de sua perpetuidade. Deste ponto de vista pode-se dizer que pelo menos três quartos da população de todos os países possuem o germe das crenças espíritas, pois são encontrados entre aqueles mesmos que lhe fazem oposição. Na maioria, a oposição vem da falsa ideia que fazem do Espiritismo; não o conhecendo, em geral, senão pelos quadros ridículos que dele faz a critica malevolente ou interessada em desacreditá-lo, recusam com razão a qualidade de espíritas. Certamente, se o Espiritismo se assemelhasse aos retratos grotescos que dele fizeram, se se constituísse das crenças e práticas absurdas que houveram por bem lhe atribuir, seríamos o primeiro a repudiar o título de espírita. Quando, pois, essas mesmas pessoas souberem que a Doutrina não é senão a coordenação e o desenvolvimento de suas próprias aspirações e de seus pensamentos íntimos, aceitá-la-ão; esses são, incontestavelmente, futuros espíritas, mas, por enquanto, não os consideramos em nossas avaliações.

Se é impossível uma estatística, outra há, talvez mais instrutiva e para a qual existem elementos que nos fornecem as nossas relações e a nossa correspondência: é a proporção relativa dos espíritas segundo as profissões, as posições sociais, as nacionalidades, as crenças religiosas, etc., levando em conta que certas profissões, como os oficiais ministeriais, por exemplo, são em número limitado, ao passo que outras, como os industriais e os capitalistas são em número indefinido. Guardadas todas as proporções, pode-se ver quais são as categorias nas quais o Espiritismo encontrou, até hoje, mais aderentes. Em alguns, a proporção pôde ser estabelecida em percentagem, com precisão, sem contudo pretender que tenham um rigor matemático; as outras categorias simplesmente foram classificadas em razão do número de adeptos que apresentaram, começando pelas de maior número, de que a correspondência e a lista de assinantes da Revista podem fornecer elementos. O quadro a seguir é resultado do levantamento de mais de dez mil observações.

Constatamos o fato, sem procurar discutir a causa dessa diferença, o que, não obstante, poderia ser assunto para um estudo interessante.


2. PROPORÇÃO RELATIVA DOS ESPÍRITAS.


I. Em relação às nacionalidades. – A bem dizer, não existe nenhum país civilizado da Europa e da América onde não haja espíritas. Eles são mais numerosos nos Estados Unidos da América do Norte. Seu número aí é avaliado, por uns, em quatro milhões, o que já é muito, e por outros em dez milhões. Esta última cifra evidentemente é exagerada, porque compreenderia mais de um terço da população, o que não é provável. Na Europa, a cifra pode ser avaliada em um milhão, na qual a França figura com seiscentos mil. Pode-se estimar o número de espíritas no mundo inteiro em seis ou sete milhões. Ainda que não passasse da metade, a História não oferece nenhum exemplo de uma doutrina que, em menos de quinze anos, tivesse reunido semelhante número de adeptos disseminados por toda a superfície do globo. Se aí incluíssemos os espíritas inconscientes, isto é, os que só o são por intuição, e mais tarde se tornarão espíritas de fato, só na França poder-se-iam contar vários milhões.

Do ponto de vista da difusão das ideias espíritas, e da facilidade com que são aceitas, os principais Estados da Europa podem ser classificados como se segue: 1º França. – 2 º Itália. – 3º Espanha. – 4º Rússia. – 5º Alemanha. – 6º Bélgica. – 7º Inglaterra. – 8º Suécia e Dinamarca. – 9º Grécia. – 10º Suíça.


II. Em relação ao sexo. – 70% de homens e 30% de mulheres.


III. Em relação à idade. – Máximo: de 30 a 70 anos; média: de 20 a 30 anos; mínimo: de 70 a 80 anos.


IV Em relação à instrução. – O grau de instrução é muito fácil de apreciar pela correspondência. Instrução cuidada: 30%; – simples letrados: 30%; – instrução superior: 20%; – semiletrados: 10%; – analfabetos: 6%; – sábios oficiais: 4%.


V Em relação às ideias religiosas. – Católicos romanos, livres-pensadores, não ligados ao dogma: 50%; – católicos gregos: 15%; – judeus: 10%; – protestantes liberais: 10%; – católicos ligados aos dogmas: 10%; – protestantes ortodoxos: 3%; – muçulmanos: 2%.


VI. Em relação à fortuna. – Mediocridade: 60%; – fortunas médias: 20%; – indigência: 15%; – grandes fortunas: 5%.


VII. Em relação ao estado moral, abstração feita da fortuna. – Aflitos: 60%; – sem inquietude: 30%; – felizes do mundo: 10%; – sensualistas: 0%.


VIII. Em relação à classe social. – Sem poder estabelecer nenhuma proporção nesta categoria, é notório que o Espiritismo conta entre seus aderentes: vários soberanos e príncipes reinantes; membros de famílias soberanas e um grande número de personagens tituladas.

Em geral, é nas classes médias que o Espiritismo conta mais adeptos; na Rússia é mais ou menos exclusivamente na nobreza e na alta aristocracia; é na França que mais se propagou na pequena burguesia e na classe operária.


IX. Estado militar, segundo o grau. – 1º Tenentes e subtenentes; 2º Suboficiais; 3º Capitães; 4º Coronéis; 5º Médicos e cirurgiões; 6º Generais; 7º Guardas municipais; 8º Soldados da guarda; 9º Soldados de linha.


Observação. – Os tenentes e subtenentes espíritas estão quase todos na ativa; entre os capitães, cerca de metade estão na ativa e a outra metade na reserva; os coronéis, médicos, cirurgiões e generais, em maioria estão na reserva.


X. Marinha. – 1º Marinha de Guerra; 2º Marinha Mercante.


XI. Profissões liberais e funções diversas. – Nós os agrupamos em dez categorias, classificadas segundo a proporção dos aderentes que forneceram ao Espiritismo:

1º Médicos homeopatas. – Magnetistas.

2º Engenheiros. – Instrutores; diretores e diretoras de internatos. – Professores livres.

3º Cônsules. – Sacerdotes católicos.

4º Pequenos empregados. – Músicos. – Artistas líricos. – Artistas dramáticos.

5º Meirinhos. – Comissários de polícia.

6º Médicos alopatas. – Homens de letras. – Estudantes.

7º Magistrados. – Altos funcionários. – Professores oficiais e de liceus. – Pastores protestantes.

8º Jornalistas. – Pintores. – Arquitetos. – Cirurgiões.

9º Notários. – Advogados. – Agentes de negócios.

10º Agentes de câmbio. – Banqueiros.


XII. Profissões industriais, manuais e comerciais, igualmente grupadas em dez categorias:

1º Alfaiates. – Costureiras.

2º Mecânicos. – Empregados de estradas de ferro.

3º Tecelões. – Pequenos negociantes. – Porteiros.

4º Farmacêuticos. – Fotógrafos. – Relojoeiros. – Caixeiros-viajantes.

5º Lavradores. – Sapateiros.

6º Padeiros. – Açougueiros. – Salsicheiros.

7º Marceneiros. – Tipógrafos.

8º Grandes industriais e chefes de estabelecimentos.

9º Livreiros. – Impressores.

10º Pintores de casas. – Pedreiros. – Serralheiros. – Merceeiros. – Domésticos.


3. Desta lista, resultam as seguintes consequências:


1º Que há espíritas em todos os graus da escala social;

2º Que há mais homens do que mulheres espíritas. É certo que nas famílias divididas por suas crenças, no tocante ao Espiritismo, há mais maridos contrariados pela oposição de suas esposas do que mulheres pela dos maridos. Não é menos constante que, em todas as reuniões espíritas, os homens estejam em maioria.

É, pois, injustamente que a crítica pretendeu que a Doutrina é recrutada principalmente entre as mulheres, em virtude de sua inclinação para o maravilhoso. É precisamente o contrário: essa inclinação para o maravilhoso e para o misticismo em geral as torna mais refratárias que os homens; essa predisposição faz que aceitem mais facilmente a fé cega, que dispensa qualquer exame, ao passo que o Espiritismo, não admitindo senão a fé raciocinada, exige reflexão e dedução filosófica para ser bem compreendido, para o que a educação estreita dada às mulheres torna-as menos aptas que os homens. As que sacodem o jugo imposto à sua razão e ao seu desenvolvimento intelectual, muitas vezes caem no excesso contrário; tornam-se o que chamam de mulheres fortes e sua incredulidade mais tenaz;

3º Que a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas, e não entre os ignorantes. Por toda parte o Espiritismo se propagou de alto a baixo da escala social, e em parte alguma se desenvolveu primeiro nas camadas inferiores;

4º Que a aflição e a infelicidade predispõem às crenças espíritas, em consequência das consolações que proporcionam. É a razão pela qual, na maioria das categorias, a proporção dos espíritas está na razão da inferioridade hierárquica, porque é aí que há mais privações e sofrimentos, ao passo que os titulares das posições superiores em geral pertencem à classe dos satisfeitos, à exceção do estado militar, onde os simples soldados figuram em último lugar;

5º Que o Espiritismo encontra mais fácil acesso entre os incrédulos em matéria religiosa do que entre os que têm uma fé irrevogável;

6º Enfim, que depois dos fanáticos, os mais refratários às ideias espíritas são os sensualistas e as pessoas cujos únicos pensamentos estão concentrados nas posses e nos prazeres materiais, seja qual for a classe a que pertençam, o que independe do grau de instrução.


4. — Em resumo, o Espiritismo é acolhido como um benefício pelos que ele ajuda a suportar o fardo da vida, e é repelido ou desdenhado por aqueles a quem prejudicaria no gozo da vida. Partindo deste princípio, facilmente se explicam o lugar que ocupam, nesse quadro, certas categorias de indivíduos, a despeito das luzes que são uma condição de sua posição social. Pelo caráter, gostos, hábitos e gênero de vida das pessoas, pode-se julgar do avanço de sua aptidão para assimilar as ideias espíritas. Em alguns, a resistência é uma questão de amor próprio, que segue quase sempre o grau do saber; quando esse saber os faz conquistar uma certa posição social, que os põe em evidência, não querem admitir que se podiam ter enganado e que outros podem ter visto melhor. Oferecer provas a certas pessoas é oferecer-lhes o que mais temem; e, com medo de achá-las, tapam os olhos e os ouvidos, preferindo negar a priori e se abrigarem atrás de sua infalibilidade, de que estão muito convencidas, digam o que disserem.

Explica-se menos facilmente a causa da posição que ocupam, nesta classificação, certas profissões industriais. Pergunta-se, por exemplo, por que os alfaiates aí ocupam a primeira posição, enquanto a livraria e a imprensa, profissões bem mais intelectuais, estão quase na última. É um fato constatado há muito tempo e do qual ainda não nos demos conta.

Se, no levantamento acima, em vez de não abranger senão os espíritas de fato, tivessem considerado os espíritas inconscientes, aqueles nos quais essas ideias estão em estado de intuição e que fazem Espiritismo sem o saber, certamente várias categorias teriam sido classificadas de modo diverso; por exemplo, os literatos, os poetas, os artistas, numa palavra, todos os homens de imaginação e de inspiração, os crentes de todos os cultos estariam, sem sombra de dúvida, no primeiro lugar. Certos povos, nos quais as crenças espíritas de certo modo são inatas, também ocupariam outra posição. Eis por que essa classificação não poderia ser absoluta, e se modificará com o tempo.

Os médicos homeopatas estão à frente das profissões liberais porque, com efeito é a que, guardadas as devidas proporções, conta em suas fileiras maior número de adeptos do Espiritismo; em cem médicos espíritas, há pelo menos oitenta homeopatas. Isto se deve a que o princípio mesmo de sua medicação os conduz ao espiritualismo; por isso os materialistas são muito raros entre eles, se é que os há, ao passo que são numerosos entre os alopatas. Melhor que estes últimos, compreenderam o Espiritismo, porque encontraram nas propriedades fisiológicas do perispírito, unido ao princípio material e ao princípio espiritual, a razão de ser de seu sistema. Pelo mesmo motivo, os espíritas puderam, melhor que os outros, compreender os efeitos desse modo de tratamento. Sem ser exclusivos a respeito da homeopatia, e sem rejeitar a alopatia, compreenderam a sua racionalidade e a sustentaram contra ataques injustos. Os homeopatas, achando novos defensores nos espíritas, não foram inábeis a ponto de lhes atirar a pedra.

Se os magnetistas figuram na primeira linha, logo após os homeopatas, malgrado a oposição persistente e muitas vezes acerba de alguns, é que os oponentes não formam senão pequeníssima minoria ao lado da massa dos que são, pode-se dizer, espíritas por intuição. O magnetismo e o Espiritismo são, com efeito, duas ciências gêmeas, que se completam e explicam uma pela outra, e das duas, a que não quer imobilizar-se não pode chegar ao seu complemento sem se apoiar na sua congênere; isoladas uma da outra, detêm-se num impasse; são reciprocamente como a Física e a Química, a Anatomia e a Fisiologia. A maioria dos magnetistas compreende de tal modo por intuição a relação íntima que deve existir entre as duas coisas, que geralmente se prevalecem de seus conhecimentos em magnetismo, como meio de introdução junto aos espíritas.

Em todos os tempos os magnetistas foram divididos em dois campos: os espiritualistas e os fluidistas. Estes últimos, muito menos numerosos, pelo menos fazendo abstração do princípio espiritual, quando não o negam absolutamente, referindo tudo à ação do fluido material, estão, por conseguinte, em oposição de princípios com os espíritas. Ora, é de notar que, se nem todos os magnetistas são espíritas, todos os espíritas, sem exceção, admitem o magnetismo. Em todas as circunstâncias, fizerem-se seus defensores e sustentáculos. Deviam ter-se admirado de encontrar adversários mais ou menos malévolos nos mesmos cujas fileiras acabavam de reforçar; que, depois de terem sido, durante mais de meio século, vítimas de ataques, de zombarias e de perseguições de toda sorte, por sua vez atirem a pedra, os sarcasmos e muitas vezes a injúria aos auxiliares que lhes chegam e começam a pesar na balança pelo seu número.

Aliás, como dissemos, esta oposição está longe de ser geral; muito ao contrário. Pode-se afirmar, sem se afastar da verdade, que não chega a 2 ou 3% da totalidade dos magnetistas; ela é muito menor ainda entre os da província e do estrangeiro do que entre os de Paris.


[Revista de fevereiro.]

5. ESTATÍSTICA DO ESPIRITISMO.


Apreciação pelo Jornal La Solidarité.

O jornal Solidarité, de 15 de janeiro de 1869, analisa a estatística do Espiritismo, que publicamos em nosso número anterior. Se critica algumas de suas cifras, sentimo-nos felizes por sua adesão ao conjunto do trabalho, que aprecia nestes termos:

“Lamentamos não poder reproduzir, por falta de espaço, as reflexões muito sábias com que o Sr. Allan Kardec faz acompanhar esta estatística. Limitar-nos-emos a constatar com ele que há espíritas em todos os graus da escala social; que a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas e não entre os ignorantes; que o Espiritismo se propagou em toda parte, de alto a baixo da escala social; que a aflição e a infelicidade são os grandes recrutadores do Espiritismo, por força das consolações e das esperanças que prodigaliza aos que choram e lamentam; que o Espiritismo encontra mais fácil acesso entre os incrédulos em matérias religiosas do que entre as pessoas que têm uma fé definida; enfim, que depois dos fanáticos os mais refratários às ideias espíritas são as criaturas cujos pensamentos estão todos concentrados na posse e nos prazeres materiais, seja qual for, aliás, a sua condição.”

É um fato de capital importância constatar em toda parte que “a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas e não entre os ignorantes.” Em presença deste fato material, em que se torna a acusação de estupidez, ignorância, loucura, inépcia, lançada tão estouvadamente contra os espíritas pela malevolência?

Propagando-se de alto a baixo da escala, o Espiritismo prova, além disso, que as classes favorecidas compreendem a sua influência moralizadora sobre as massas, pois que se esforçam por nele penetrar. É que, com efeito, os exemplos que se têm sob os olhos, embora parciais e ainda isolados, demonstram de maneira peremptória que o espírito do proletariado seria muito outro se estivesse imbuído dos princípios da Doutrina Espírita.

A principal objeção do Solidarité é muito séria. Refere-se ao número de espíritas do mundo inteiro. Eis o que diz a respeito:

“A Revista Espírita engana-se muito quando estima em apenas seis ou sete milhões o número de espíritas para todo o mundo. Evidentemente se esquece de contar a Ásia.

“Se pelo termo espírita entendem-se as pessoas que creem na vida de além-túmulo e nas relações dos vivos com a alma das pessoas mortas, é por centenas de milhões que se os deve contar. A crença nos Espíritos existe em todos os sectários do budismo, e pode-se dizer que ela constitui o fundo de todas as religiões do extremo Oriente. É geral sobretudo na China. As três antigas seitas que desde tanto tempo dividem as populações no Império Central, creem nos manes, nos Espíritos e professam o seu culto. – Pode-se mesmo dizer que este é para elas um terreno comum. Os adoradores do Tao e de Fo aí se encontram com os sectários do filósofo Confúcio.

“Os sacerdotes da seita de Lao-Tseu, e particularmente os Tao-Tseu, ou doutores da Razão, devem às práticas espíritas uma grande parte de sua influência sobre as populações. – Esses religiosos interrogam os Espíritos e obtêm respostas escritas, que não têm mais nem menos valor que as dos nossos médiuns. São conselhos e avisos considerados como dados aos vivos pelo Espírito de um morto. Aí se encontram revelações de segredos conhecidos unicamente pela pessoa que interroga, algumas vezes predições que se realizam ou não, mas que são capazes de impressionar os assistentes e estimular os seus desejos, para que se encarreguem de realizar, eles próprios, o oráculo.

“Obtêm-se essas correspondências por processos que não diferem muito dos nossos espíritas, mas que, no entanto, devem ser mais aperfeiçoados, se se considerar a longa experiência dos operadores que os praticam tradicionalmente.

“Eis como nos são descritos por uma testemunha ocular, o Sr. D…, que mora na China há muito tempo e que é familiar com a língua do país:

“Uma vara de pescar, de 50 a 60 centímetros, é sustentada nas extremidades por duas pessoas, das quais uma é o médium e a outra o interrogador. No meio dessa vara, tiveram o cuidado de lacrar ou amarrar uma pequena varinha da mesma madeira, bastante semelhante a um lápis, pelo tamanho e grossura. Abaixo desse pequeno aparelho é espalhada uma camada de areia, ou uma caixa contendo farinha de milho. Deslizando maquinalmente sobre a areia ou a farinha de milho, a varinha traça caracteres. À medida que estes se formam, são lidos e reproduzidos imediatamente no papel por um letrado presente à sessão. Daí resultam frases e escritos mais ou menos longos, mais ou menos interessantes, mas tendo sempre um valor lógico.

“A dar-se crédito aos Tao-Tseu, esses processos lhes vêm do próprio Lao-Tseu. Ora, se conforme a História, Lao-Tseu viveu no sexto século antes de Jesus-Cristo, é bom lembrar que, conforme a lenda, ele é como o Verbo dos cristãos, anterior ao começo e contemporâneo da grande não-entidade, como exprimem os doutores da Razão.

“Vê-se que o Espiritismo remonta a uma belíssima antiguidade.

“Isto não prova que ele é verdadeiro? – Não, por certo, mas se basta que uma crença seja antiga para ser venerável, e forte pelo número de seus partidários para ser respeitada, não conheço outra que tenha mais títulos ao respeito e à veneração de meus contemporâneos.”


6. — Nem é preciso dizer que aderimos completamente a essa retificação, e nos sentimos felizes que ela emane de uma fonte estranha, porque prova que não procuramos exagerar o quadro. Nossos leitores apreciarão, como nós, a maneira pela qual esse jornal, que se recomenda por seu caráter sério, encara o Espiritismo; vê-se que, de sua parte, é uma apreciação com justas razões.

Sabíamos perfeitamente que as ideias espíritas estão muito espalhadas nos povos do extremo Oriente, e se não as tínhamos levado em consideração é que, em nossa avaliação, não nos propusemos apresentar, conforme dissemos, senão o movimento do Espiritismo moderno, reservando-nos para fazer mais tarde um estudo especial sobre a anterioridade dessas ideias. Agradecemos muito sinceramente ao autor do artigo por nos haver precedido.

Noutro lugar ele diz: “Cremos que esta incerteza (sobre o número real dos espíritas, sobretudo na França), a princípio se deve à ausência de declarações positivas da parte dos adeptos; depois, ao estado flutuante das crenças. Existe – e poderíamos citar em Paris numerosos exemplos – uma multidão de pessoas que creem no Espiritismo e que não se gabam disto.”

Isto é perfeitamente justo; por isso só falamos dos espíritas de fato; do contrário, como dissemos, se incluíssemos os espíritas por intuição, somente na França eles se contariam por milhões; mas preferimos ficar aquém e não além da verdade, para não sermos tachados de exagero. Contudo, é preciso que o acréscimo seja muito sensível, para que certos adversários o tenham levado a cifras hiperbólicas, como o autor da brochura O orçamento do Espiritismo, que, vendo talvez os espíritas com lente de aumento, os avaliava, em 1863, em vinte milhões na França. (Revista Espírita de junho de 1863.)

A respeito da proporção dos sábios oficiais, na categoria do grau de instrução, diz o autor: “Gostaríamos muito de ver a olho nu esses 4% de sábios oficiais 40:000 para a Europa; 24.000 só para a França; são muitos sábios, e ainda oficiais; 6% de iletrados é quase nada.”

A crítica seria fundada se, como supõe o autor, se tratasse de 4% sobre o número aproximado de seiscentos mil espíritas na França, o que, efetivamente, daria vinte e quatro mil. Realmente seria muito, pois se teria dificuldade em encontrar essa cifra de sábios oficiais em toda a população da França. Em tal base, o cálculo seria evidentemente ridículo e se poderia dizer outro tanto dos iletrados. Essa avaliação, portanto, não tem por objetivo estabelecer o número efetivo dos sábios oficiais espíritas, mas a proporção relativa em que se encontram a respeito dos diversos graus de instrução, entre os quais estão em minoria. Nas outras categorias, limitamo-nos a uma simples classificação, sem avaliação numérica em termos percentuais. Quando utilizamos este último processo, foi para tornar mais sensível a proporção.

Para melhor definir o nosso pensamento, diremos que, por sábios oficiais, não entendemos todos aqueles cujo saber é constatado por um diploma, mas unicamente os que ocupam posições oficiais, como membros de Academias, professores de Faculdades, etc., que assim se acham em maior evidência e cujos nomes, por tais motivos, fazem autoridade na Ciência. Desse ponto de vista, um doutor em Medicina pode ser sábio sem ser um sábio oficial.

A posição oficial influi bastante sobre a maneira de encarar certas coisas. Como prova disto, citaremos o exemplo de um médico distinto, morto há vários anos, e que conhecemos pessoalmente. Era então grande partidário do magnetismo, sobre o qual havia escrito, e foi o que nos pôs em contato com ele. Aumentando a sua reputação, conquistou sucessivamente várias posições oficiais. À medida que subia, baixava seu fervor pelo magnetismo, caindo abaixo de zero quando chegou ao topo da escala, porque renegava abertamente suas antigas convicções. Considerações da mesma natureza podem explicar a posição de certas classes no que concerne ao Espiritismo.


7. — A categoria dos aflitos, dos despreocupados, dos felizes do mundo, dos sensualistas, fornece ao autor do artigo a seguinte reflexão:

“É pena que isto seja pura fantasia. Nada de sensualistas, compreende-se; Espiritismo e materialismo se excluem; sessenta aflitos em cem espíritas ainda se compreende. É para os que choram que as relações com um mundo melhor são preciosas. Mas trinta pessoas despreocupadas em cem, é demais! Se o Espiritismo operasse tais milagres, faria muitas outras conquistas. Fá-las-ia sobretudo entre os felizes do mundo, que também são, quase sempre, os mais inquietos e os mais atormentados.”

Há aqui um erro manifesto, pois pareceria que esse resultado é devido ao Espiritismo, ao passo que é ele que colhe, nessas categorias, mais ou menos adeptos conforme as predisposições que aí encontra. Essas cifras significam simplesmente que encontra mais adeptos entre os aflitos, um pouco menos entre as pessoas despreocupadas, menos ainda entre os felizes do mundo, e de modo algum entre os sensualistas.

Antes de mais, é preciso entender-se quanto às palavras. Materialismo e sensualismo não são sinônimos e nem sempre marcham lado a lado, já que se veem pessoas, espiritualistas por profissão e por dever, que são muito sensuais, ao passo que há muitos materialistas bastante moderados em sua maneira de viver; para eles o materialismo não passa de uma opinião, que abraçaram em falta de outra mais racional. Eis por que, quando reconhecem que o Espiritismo enche o vazio feito em sua consciência pela incredulidade, aceitam-no com felicidade; os sensualistas, ao contrário, são os mais refratários.

Uma coisa muito bizarra é que o Espiritismo encontra mais resistência entre os panteístas em geral, do que entre os que são francamente materialistas. Provavelmente isto se deve a que o panteísta quase sempre cria um sistema; possui algo, ao passo que o materialista nada tem, e esse vazio o inquieta.

Pelos felizes do mundo entendemos os que passam como tais aos olhos da multidão, porque se podem permitir largamente todos os prazeres da vida. É verdade que muitas vezes são os mais inquietos e os mais atormentados. Mas, por quê? pelas preocupações que lhes causam a fortuna e a ambição. Ao lado dessas preocupações incessantes, das ansiedades da perda ou do ganho, da azáfama dos negócios para uns, dos prazeres para outros, resta-lhes muito pouco tempo para se ocuparem do futuro.

Não podendo ter a paz da alma senão com a condição de renunciar ao que constitui o objeto de sua cobiça, o Espiritismo pouco os afeta, filosoficamente falando. Com exceção das penas do coração, que não poupam a ninguém, a não ser os egoístas, quase sempre os tormentos da vida estão para eles nas decepções da vaidade, no desejo de possuir, de brilhar, de mandar. Pode-se, pois, dizer que atormentam a si mesmos.

Ao contrário, a calma e a tranquilidade se encontram mais particularmente nas posições modestas, quando assegurado o bem-estar da vida. Aí quase não há ambição; contentam-se com o que têm, sem se atormentarem em o aumentar, correndo os riscos aleatórios da agiotagem ou da especulação. São os que chamamos despreocupados, falando relativamente; por pouco haja neles elevação de pensamento, ocupam-se de bom grado das coisas sérias; o Espiritismo lhes oferece um atraente assunto de meditação, e o aceitam mais facilmente do que aqueles a quem o turbilhão do mundo suscita uma febre contínua.

Tais são os motivos dessa classificação que, como se vê, não é tão fantasiosa quanto supõe o autor do artigo. Nós lhe agradecemos por nos ter ensejado ocasião de apontar erros que outros poderiam ter cometido, por não termos sido bastante explícitos.


8. — Em nossa estatística, omitimos duas funções importantes por sua natureza, e porque contam um número bastante grande de adeptos sinceros e devotados; são os prefeitos e os juízes de paz que estão na quinta classe, com os meirinhos e os comissários de polícia.

Uma outra omissão, contra a qual ele reclamou com justiça, e que insistem que reparemos, é a dos poloneses, na categoria dos povos. Ela é tanto mais fundada quanto o Espiritismo conta, nessa nação, numerosos e fervorosos adeptos, desde a origem. Como classe, a Polônia vem em quinto lugar, entre a Rússia e a Alemanha.

Para completar a nomenclatura, seria preciso incluir outros países, como a Holanda, por exemplo, que viria após a Inglaterra; Portugal depois da Grécia; as províncias do Danúbio, onde também há espíritas, mas sobre as quais não temos dados bastante positivos para lhes assinalar a classe. Quanto à Turquia, a quase totalidade dos adeptos se compõe de franceses, italianos e gregos.

Uma classificação mais racional e mais exata do que pelas nações territoriais, seria pelas raças ou nacionalidades, que não estão confinadas em limites circunscritos, apresentando, por toda parte onde se espalham, maior ou menor aptidão para assimilar as ideias espíritas. Deste ponto de vista, numa mesma região, muitas vezes se teria que fazer várias distinções.


9. — A comunicação seguinte foi dada num grupo de Paris, a propósito da classe que ocupam os alfaiates entre as profissões industriais.


(Paris, 6 de janeiro de 1869. – Grupo Desliens. – Médium: Sr. Leymarie.)

Criastes categorias, caro mestre, no início das quais colocastes certas profissões. Sabeis o que, em nossa opinião, arrasta certas pessoas a se tornarem espíritas? São as mil perseguições que sofrem em suas profissões. Os primeiros de que falais devem ter ordem, economia [organização], cuidado, gosto, ser um pouco artistas e, depois, ser ainda pacientes, saber esperar, escutar, sorrir e saudar com certa elegância; mas, após todas essas pequenas convenções, mais sérias do que se pensa, ainda é preciso calcular, ordenar sua caixa pelo ativo e pelo passivo e sofrer, sofrer continuamente.

Em contato com homens de todas as classes, comentando as queixas, as confidências, os enganos, os rostos falsos, aprendem muito! Levando essa vida múltipla, sua inteligência se abre por comparação; seu espírito se fortifica pela decepção e pelo sofrimento. E eis por que certas categorias compreendem e aclamam todos os progressos; amam o teatro francês, a bela arquitetura, o desenho, a filosofia; muitos amam a liberdade e todas as suas consequências. Sempre à frente e à espreita do que consola e faz esperar, elas se dão ao Espiritismo, que lhes é uma força, uma promessa ardente, uma verdade que engrandece o sacrifício e, mais do que acreditais, a parte classificada como a nº 1 vive de sacrifícios.


Sonnet.





Janeiro

1. — Como já dissemos, a enumeração exata dos espíritas seria coisa impossível, e isto por uma razão muito simples: o Espiritismo não é uma associação, nem uma congregação; seus aderentes não estão inscritos em nenhum registro oficial. Sabe-se perfeitamente que não se poderia avaliar o montante pelo número e a importância das sociedades, frequentadas apenas por minoria ínfima. O Espiritismo é uma opinião que não exige nenhuma profissão de fé, e pode estender-se ao todo ou parte dos princípios da Doutrina. Basta simpatizar com a ideia para ser espírita. Ora, não sendo essa qualidade conferida por nenhum ato material, e não implicando senão obrigações morais, não existe qualquer base física para determinar o número dos adeptos com precisão. Não se o pode estimar senão de maneira aproximativa, pelas relações e pela maior ou menor facilidade com que a ideia se propaga. Esse número aumenta diariamente em proporção considerável: é um fato positivo, reconhecido pelos próprios adversários; a oposição diminui, prova evidente de que a ideia encontra, cada vez mais, numerosas simpatias.

Aliás, compreende-se que é pelo conjunto e não pela situação das localidades, consideradas isoladamente, que se pode basear uma apreciação; há em cada localidade elementos mais ou menos favoráveis, em razão do estado particular dos Espíritos e também das resistências mais ou menos influentes que aí se exercem; mas essa situação é variável, porque tal localidade, que se tenha mostrado refratária durante vários anos, de repente se torna um foco. Quando os elementos de apreciação tiverem adquirido mais precisão, será possível fazer um mapa colorido em relação à difusão das ideias espíritas, como foi feito para a instrução. Enquanto isso, pode-se afirmar, sem exagero, que, em suma, o número dos adeptos centuplicou em dez anos, a despeito das manobras empregadas para abafar a ideia e contrariamente às previsões de todos os que se vangloriavam de a ter enterrado. Isto é um fato comprovado, devendo os antagonistas tomar o seu partido.

Só falamos aqui dos que aceitam o Espiritismo com conhecimento de causa, depois de o haver estudado, e não dos que, embora mais numerosos, estas ideias ainda estão em estado de intuição, faltando-lhes apenas definir suas crenças com mais precisão e dar-lhes um nome, para serem espíritas confessos. É um fato bem comprovado, que se constata todos os dias, sobretudo de algum tempo para cá, que as ideias espíritas parecem inatas numa porção de indivíduos, que jamais ouviram falar do Espiritismo; não se pode dizer que tenham sofrido uma influência qualquer, nem que sofreram a influência de um círculo. Que os adversários expliquem, se puderem, esses pensamentos que nascem fora e à margem do Espiritismo! Por certo não seria um sistema preconcebido no cérebro de um homem que teria produzido tal resultado; não há prova mais evidente de que essas ideias estão na Natureza, nem melhor garantia de sua vulgarização no futuro e de sua perpetuidade. Deste ponto de vista pode-se dizer que pelo menos três quartos da população de todos os países possuem o germe das crenças espíritas, pois são encontrados entre aqueles mesmos que lhe fazem oposição. Na maioria, a oposição vem da falsa ideia que fazem do Espiritismo; não o conhecendo, em geral, senão pelos quadros ridículos que dele faz a critica malevolente ou interessada em desacreditá-lo, recusam com razão a qualidade de espíritas. Certamente, se o Espiritismo se assemelhasse aos retratos grotescos que dele fizeram, se se constituísse das crenças e práticas absurdas que houveram por bem lhe atribuir, seríamos o primeiro a repudiar o título de espírita. Quando, pois, essas mesmas pessoas souberem que a Doutrina não é senão a coordenação e o desenvolvimento de suas próprias aspirações e de seus pensamentos íntimos, aceitá-la-ão; esses são, incontestavelmente, futuros espíritas, mas, por enquanto, não os consideramos em nossas avaliações.

Se é impossível uma estatística, outra há, talvez mais instrutiva e para a qual existem elementos que nos fornecem as nossas relações e a nossa correspondência: é a proporção relativa dos espíritas segundo as profissões, as posições sociais, as nacionalidades, as crenças religiosas, etc., levando em conta que certas profissões, como os oficiais ministeriais, por exemplo, são em número limitado, ao passo que outras, como os industriais e os capitalistas são em número indefinido. Guardadas todas as proporções, pode-se ver quais são as categorias nas quais o Espiritismo encontrou, até hoje, mais aderentes. Em alguns, a proporção pôde ser estabelecida em percentagem, com precisão, sem contudo pretender que tenham um rigor matemático; as outras categorias simplesmente foram classificadas em razão do número de adeptos que apresentaram, começando pelas de maior número, de que a correspondência e a lista de assinantes da Revista podem fornecer elementos. O quadro a seguir é resultado do levantamento de mais de dez mil observações.

Constatamos o fato, sem procurar discutir a causa dessa diferença, o que, não obstante, poderia ser assunto para um estudo interessante.


2. PROPORÇÃO RELATIVA DOS ESPÍRITAS.


I. Em relação às nacionalidades. – A bem dizer, não existe nenhum país civilizado da Europa e da América onde não haja espíritas. Eles são mais numerosos nos Estados Unidos da América do Norte. Seu número aí é avaliado, por uns, em quatro milhões, o que já é muito, e por outros em dez milhões. Esta última cifra evidentemente é exagerada, porque compreenderia mais de um terço da população, o que não é provável. Na Europa, a cifra pode ser avaliada em um milhão, na qual a França figura com seiscentos mil. Pode-se estimar o número de espíritas no mundo inteiro em seis ou sete milhões. Ainda que não passasse da metade, a História não oferece nenhum exemplo de uma doutrina que, em menos de quinze anos, tivesse reunido semelhante número de adeptos disseminados por toda a superfície do globo. Se aí incluíssemos os espíritas inconscientes, isto é, os que só o são por intuição, e mais tarde se tornarão espíritas de fato, só na França poder-se-iam contar vários milhões.

Do ponto de vista da difusão das ideias espíritas, e da facilidade com que são aceitas, os principais Estados da Europa podem ser classificados como se segue: 1º França. – 2 º Itália. – 3º Espanha. – 4º Rússia. – 5º Alemanha. – 6º Bélgica. – 7º Inglaterra. – 8º Suécia e Dinamarca. – 9º Grécia. – 10º Suíça.


II. Em relação ao sexo. – 70% de homens e 30% de mulheres.


III. Em relação à idade. – Máximo: de 30 a 70 anos; média: de 20 a 30 anos; mínimo: de 70 a 80 anos.


IV Em relação à instrução. – O grau de instrução é muito fácil de apreciar pela correspondência. Instrução cuidada: 30%; – simples letrados: 30%; – instrução superior: 20%; – semiletrados: 10%; – analfabetos: 6%; – sábios oficiais: 4%.


V Em relação às ideias religiosas. – Católicos romanos, livres-pensadores, não ligados ao dogma: 50%; – católicos gregos: 15%; – judeus: 10%; – protestantes liberais: 10%; – católicos ligados aos dogmas: 10%; – protestantes ortodoxos: 3%; – muçulmanos: 2%.


VI. Em relação à fortuna. – Mediocridade: 60%; – fortunas médias: 20%; – indigência: 15%; – grandes fortunas: 5%.


VII. Em relação ao estado moral, abstração feita da fortuna. – Aflitos: 60%; – sem inquietude: 30%; – felizes do mundo: 10%; – sensualistas: 0%.


VIII. Em relação à classe social. – Sem poder estabelecer nenhuma proporção nesta categoria, é notório que o Espiritismo conta entre seus aderentes: vários soberanos e príncipes reinantes; membros de famílias soberanas e um grande número de personagens tituladas.

Em geral, é nas classes médias que o Espiritismo conta mais adeptos; na Rússia é mais ou menos exclusivamente na nobreza e na alta aristocracia; é na França que mais se propagou na pequena burguesia e na classe operária.


IX. Estado militar, segundo o grau. – 1º Tenentes e subtenentes; 2º Suboficiais; 3º Capitães; 4º Coronéis; 5º Médicos e cirurgiões; 6º Generais; 7º Guardas municipais; 8º Soldados da guarda; 9º Soldados de linha.


Observação. – Os tenentes e subtenentes espíritas estão quase todos na ativa; entre os capitães, cerca de metade estão na ativa e a outra metade na reserva; os coronéis, médicos, cirurgiões e generais, em maioria estão na reserva.


X. Marinha. – 1º Marinha de Guerra; 2º Marinha Mercante.


XI. Profissões liberais e funções diversas. – Nós os agrupamos em dez categorias, classificadas segundo a proporção dos aderentes que forneceram ao Espiritismo:

1º Médicos homeopatas. – Magnetistas.

2º Engenheiros. – Instrutores; diretores e diretoras de internatos. – Professores livres.

3º Cônsules. – Sacerdotes católicos.

4º Pequenos empregados. – Músicos. – Artistas líricos. – Artistas dramáticos.

5º Meirinhos. – Comissários de polícia.

6º Médicos alopatas. – Homens de letras. – Estudantes.

7º Magistrados. – Altos funcionários. – Professores oficiais e de liceus. – Pastores protestantes.

8º Jornalistas. – Pintores. – Arquitetos. – Cirurgiões.

9º Notários. – Advogados. – Agentes de negócios.

10º Agentes de câmbio. – Banqueiros.


XII. Profissões industriais, manuais e comerciais, igualmente grupadas em dez categorias:

1º Alfaiates. – Costureiras.

2º Mecânicos. – Empregados de estradas de ferro.

3º Tecelões. – Pequenos negociantes. – Porteiros.

4º Farmacêuticos. – Fotógrafos. – Relojoeiros. – Caixeiros-viajantes.

5º Lavradores. – Sapateiros.

6º Padeiros. – Açougueiros. – Salsicheiros.

7º Marceneiros. – Tipógrafos.

8º Grandes industriais e chefes de estabelecimentos.

9º Livreiros. – Impressores.

10º Pintores de casas. – Pedreiros. – Serralheiros. – Merceeiros. – Domésticos.


3. Desta lista, resultam as seguintes consequências:


1º Que há espíritas em todos os graus da escala social;

2º Que há mais homens do que mulheres espíritas. É certo que nas famílias divididas por suas crenças, no tocante ao Espiritismo, há mais maridos contrariados pela oposição de suas esposas do que mulheres pela dos maridos. Não é menos constante que, em todas as reuniões espíritas, os homens estejam em maioria.

É, pois, injustamente que a crítica pretendeu que a Doutrina é recrutada principalmente entre as mulheres, em virtude de sua inclinação para o maravilhoso. É precisamente o contrário: essa inclinação para o maravilhoso e para o misticismo em geral as torna mais refratárias que os homens; essa predisposição faz que aceitem mais facilmente a fé cega, que dispensa qualquer exame, ao passo que o Espiritismo, não admitindo senão a fé raciocinada, exige reflexão e dedução filosófica para ser bem compreendido, para o que a educação estreita dada às mulheres torna-as menos aptas que os homens. As que sacodem o jugo imposto à sua razão e ao seu desenvolvimento intelectual, muitas vezes caem no excesso contrário; tornam-se o que chamam de mulheres fortes e sua incredulidade mais tenaz;

3º Que a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas, e não entre os ignorantes. Por toda parte o Espiritismo se propagou de alto a baixo da escala social, e em parte alguma se desenvolveu primeiro nas camadas inferiores;

4º Que a aflição e a infelicidade predispõem às crenças espíritas, em consequência das consolações que proporcionam. É a razão pela qual, na maioria das categorias, a proporção dos espíritas está na razão da inferioridade hierárquica, porque é aí que há mais privações e sofrimentos, ao passo que os titulares das posições superiores em geral pertencem à classe dos satisfeitos, à exceção do estado militar, onde os simples soldados figuram em último lugar;

5º Que o Espiritismo encontra mais fácil acesso entre os incrédulos em matéria religiosa do que entre os que têm uma fé irrevogável;

6º Enfim, que depois dos fanáticos, os mais refratários às ideias espíritas são os sensualistas e as pessoas cujos únicos pensamentos estão concentrados nas posses e nos prazeres materiais, seja qual for a classe a que pertençam, o que independe do grau de instrução.


4. — Em resumo, o Espiritismo é acolhido como um benefício pelos que ele ajuda a suportar o fardo da vida, e é repelido ou desdenhado por aqueles a quem prejudicaria no gozo da vida. Partindo deste princípio, facilmente se explicam o lugar que ocupam, nesse quadro, certas categorias de indivíduos, a despeito das luzes que são uma condição de sua posição social. Pelo caráter, gostos, hábitos e gênero de vida das pessoas, pode-se julgar do avanço de sua aptidão para assimilar as ideias espíritas. Em alguns, a resistência é uma questão de amor próprio, que segue quase sempre o grau do saber; quando esse saber os faz conquistar uma certa posição social, que os põe em evidência, não querem admitir que se podiam ter enganado e que outros podem ter visto melhor. Oferecer provas a certas pessoas é oferecer-lhes o que mais temem; e, com medo de achá-las, tapam os olhos e os ouvidos, preferindo negar a priori e se abrigarem atrás de sua infalibilidade, de que estão muito convencidas, digam o que disserem.

Explica-se menos facilmente a causa da posição que ocupam, nesta classificação, certas profissões industriais. Pergunta-se, por exemplo, por que os alfaiates aí ocupam a primeira posição, enquanto a livraria e a imprensa, profissões bem mais intelectuais, estão quase na última. É um fato constatado há muito tempo e do qual ainda não nos demos conta.

Se, no levantamento acima, em vez de não abranger senão os espíritas de fato, tivessem considerado os espíritas inconscientes, aqueles nos quais essas ideias estão em estado de intuição e que fazem Espiritismo sem o saber, certamente várias categorias teriam sido classificadas de modo diverso; por exemplo, os literatos, os poetas, os artistas, numa palavra, todos os homens de imaginação e de inspiração, os crentes de todos os cultos estariam, sem sombra de dúvida, no primeiro lugar. Certos povos, nos quais as crenças espíritas de certo modo são inatas, também ocupariam outra posição. Eis por que essa classificação não poderia ser absoluta, e se modificará com o tempo.

Os médicos homeopatas estão à frente das profissões liberais porque, com efeito é a que, guardadas as devidas proporções, conta em suas fileiras maior número de adeptos do Espiritismo; em cem médicos espíritas, há pelo menos oitenta homeopatas. Isto se deve a que o princípio mesmo de sua medicação os conduz ao espiritualismo; por isso os materialistas são muito raros entre eles, se é que os há, ao passo que são numerosos entre os alopatas. Melhor que estes últimos, compreenderam o Espiritismo, porque encontraram nas propriedades fisiológicas do perispírito, unido ao princípio material e ao princípio espiritual, a razão de ser de seu sistema. Pelo mesmo motivo, os espíritas puderam, melhor que os outros, compreender os efeitos desse modo de tratamento. Sem ser exclusivos a respeito da homeopatia, e sem rejeitar a alopatia, compreenderam a sua racionalidade e a sustentaram contra ataques injustos. Os homeopatas, achando novos defensores nos espíritas, não foram inábeis a ponto de lhes atirar a pedra.

Se os magnetistas figuram na primeira linha, logo após os homeopatas, malgrado a oposição persistente e muitas vezes acerba de alguns, é que os oponentes não formam senão pequeníssima minoria ao lado da massa dos que são, pode-se dizer, espíritas por intuição. O magnetismo e o Espiritismo são, com efeito, duas ciências gêmeas, que se completam e explicam uma pela outra, e das duas, a que não quer imobilizar-se não pode chegar ao seu complemento sem se apoiar na sua congênere; isoladas uma da outra, detêm-se num impasse; são reciprocamente como a Física e a Química, a Anatomia e a Fisiologia. A maioria dos magnetistas compreende de tal modo por intuição a relação íntima que deve existir entre as duas coisas, que geralmente se prevalecem de seus conhecimentos em magnetismo, como meio de introdução junto aos espíritas.

Em todos os tempos os magnetistas foram divididos em dois campos: os espiritualistas e os fluidistas. Estes últimos, muito menos numerosos, pelo menos fazendo abstração do princípio espiritual, quando não o negam absolutamente, referindo tudo à ação do fluido material, estão, por conseguinte, em oposição de princípios com os espíritas. Ora, é de notar que, se nem todos os magnetistas são espíritas, todos os espíritas, sem exceção, admitem o magnetismo. Em todas as circunstâncias, fizerem-se seus defensores e sustentáculos. Deviam ter-se admirado de encontrar adversários mais ou menos malévolos nos mesmos cujas fileiras acabavam de reforçar; que, depois de terem sido, durante mais de meio século, vítimas de ataques, de zombarias e de perseguições de toda sorte, por sua vez atirem a pedra, os sarcasmos e muitas vezes a injúria aos auxiliares que lhes chegam e começam a pesar na balança pelo seu número.

Aliás, como dissemos, esta oposição está longe de ser geral; muito ao contrário. Pode-se afirmar, sem se afastar da verdade, que não chega a 2 ou 3% da totalidade dos magnetistas; ela é muito menor ainda entre os da província e do estrangeiro do que entre os de Paris.


[Revista de fevereiro.]

5. ESTATÍSTICA DO ESPIRITISMO.


Apreciação pelo Jornal La Solidarité.

O jornal Solidarité, de 15 de janeiro de 1869, analisa a estatística do Espiritismo, que publicamos em nosso número anterior. Se critica algumas de suas cifras, sentimo-nos felizes por sua adesão ao conjunto do trabalho, que aprecia nestes termos:

“Lamentamos não poder reproduzir, por falta de espaço, as reflexões muito sábias com que o Sr. Allan Kardec faz acompanhar esta estatística. Limitar-nos-emos a constatar com ele que há espíritas em todos os graus da escala social; que a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas e não entre os ignorantes; que o Espiritismo se propagou em toda parte, de alto a baixo da escala social; que a aflição e a infelicidade são os grandes recrutadores do Espiritismo, por força das consolações e das esperanças que prodigaliza aos que choram e lamentam; que o Espiritismo encontra mais fácil acesso entre os incrédulos em matérias religiosas do que entre as pessoas que têm uma fé definida; enfim, que depois dos fanáticos os mais refratários às ideias espíritas são as criaturas cujos pensamentos estão todos concentrados na posse e nos prazeres materiais, seja qual for, aliás, a sua condição.”

É um fato de capital importância constatar em toda parte que “a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas e não entre os ignorantes.” Em presença deste fato material, em que se torna a acusação de estupidez, ignorância, loucura, inépcia, lançada tão estouvadamente contra os espíritas pela malevolência?

Propagando-se de alto a baixo da escala, o Espiritismo prova, além disso, que as classes favorecidas compreendem a sua influência moralizadora sobre as massas, pois que se esforçam por nele penetrar. É que, com efeito, os exemplos que se têm sob os olhos, embora parciais e ainda isolados, demonstram de maneira peremptória que o espírito do proletariado seria muito outro se estivesse imbuído dos princípios da Doutrina Espírita.

A principal objeção do Solidarité é muito séria. Refere-se ao número de espíritas do mundo inteiro. Eis o que diz a respeito:

“A Revista Espírita engana-se muito quando estima em apenas seis ou sete milhões o número de espíritas para todo o mundo. Evidentemente se esquece de contar a Ásia.

“Se pelo termo espírita entendem-se as pessoas que creem na vida de além-túmulo e nas relações dos vivos com a alma das pessoas mortas, é por centenas de milhões que se os deve contar. A crença nos Espíritos existe em todos os sectários do budismo, e pode-se dizer que ela constitui o fundo de todas as religiões do extremo Oriente. É geral sobretudo na China. As três antigas seitas que desde tanto tempo dividem as populações no Império Central, creem nos manes, nos Espíritos e professam o seu culto. – Pode-se mesmo dizer que este é para elas um terreno comum. Os adoradores do Tao e de Fo aí se encontram com os sectários do filósofo Confúcio.

“Os sacerdotes da seita de Lao-Tseu, e particularmente os Tao-Tseu, ou doutores da Razão, devem às práticas espíritas uma grande parte de sua influência sobre as populações. – Esses religiosos interrogam os Espíritos e obtêm respostas escritas, que não têm mais nem menos valor que as dos nossos médiuns. São conselhos e avisos considerados como dados aos vivos pelo Espírito de um morto. Aí se encontram revelações de segredos conhecidos unicamente pela pessoa que interroga, algumas vezes predições que se realizam ou não, mas que são capazes de impressionar os assistentes e estimular os seus desejos, para que se encarreguem de realizar, eles próprios, o oráculo.

“Obtêm-se essas correspondências por processos que não diferem muito dos nossos espíritas, mas que, no entanto, devem ser mais aperfeiçoados, se se considerar a longa experiência dos operadores que os praticam tradicionalmente.

“Eis como nos são descritos por uma testemunha ocular, o Sr. D…, que mora na China há muito tempo e que é familiar com a língua do país:

“Uma vara de pescar, de 50 a 60 centímetros, é sustentada nas extremidades por duas pessoas, das quais uma é o médium e a outra o interrogador. No meio dessa vara, tiveram o cuidado de lacrar ou amarrar uma pequena varinha da mesma madeira, bastante semelhante a um lápis, pelo tamanho e grossura. Abaixo desse pequeno aparelho é espalhada uma camada de areia, ou uma caixa contendo farinha de milho. Deslizando maquinalmente sobre a areia ou a farinha de milho, a varinha traça caracteres. À medida que estes se formam, são lidos e reproduzidos imediatamente no papel por um letrado presente à sessão. Daí resultam frases e escritos mais ou menos longos, mais ou menos interessantes, mas tendo sempre um valor lógico.

“A dar-se crédito aos Tao-Tseu, esses processos lhes vêm do próprio Lao-Tseu. Ora, se conforme a História, Lao-Tseu viveu no sexto século antes de Jesus-Cristo, é bom lembrar que, conforme a lenda, ele é como o Verbo dos cristãos, anterior ao começo e contemporâneo da grande não-entidade, como exprimem os doutores da Razão.

“Vê-se que o Espiritismo remonta a uma belíssima antiguidade.

“Isto não prova que ele é verdadeiro? – Não, por certo, mas se basta que uma crença seja antiga para ser venerável, e forte pelo número de seus partidários para ser respeitada, não conheço outra que tenha mais títulos ao respeito e à veneração de meus contemporâneos.”


6. — Nem é preciso dizer que aderimos completamente a essa retificação, e nos sentimos felizes que ela emane de uma fonte estranha, porque prova que não procuramos exagerar o quadro. Nossos leitores apreciarão, como nós, a maneira pela qual esse jornal, que se recomenda por seu caráter sério, encara o Espiritismo; vê-se que, de sua parte, é uma apreciação com justas razões.

Sabíamos perfeitamente que as ideias espíritas estão muito espalhadas nos povos do extremo Oriente, e se não as tínhamos levado em consideração é que, em nossa avaliação, não nos propusemos apresentar, conforme dissemos, senão o movimento do Espiritismo moderno, reservando-nos para fazer mais tarde um estudo especial sobre a anterioridade dessas ideias. Agradecemos muito sinceramente ao autor do artigo por nos haver precedido.

Noutro lugar ele diz: “Cremos que esta incerteza (sobre o número real dos espíritas, sobretudo na França), a princípio se deve à ausência de declarações positivas da parte dos adeptos; depois, ao estado flutuante das crenças. Existe – e poderíamos citar em Paris numerosos exemplos – uma multidão de pessoas que creem no Espiritismo e que não se gabam disto.”

Isto é perfeitamente justo; por isso só falamos dos espíritas de fato; do contrário, como dissemos, se incluíssemos os espíritas por intuição, somente na França eles se contariam por milhões; mas preferimos ficar aquém e não além da verdade, para não sermos tachados de exagero. Contudo, é preciso que o acréscimo seja muito sensível, para que certos adversários o tenham levado a cifras hiperbólicas, como o autor da brochura O orçamento do Espiritismo, que, vendo talvez os espíritas com lente de aumento, os avaliava, em 1863, em vinte milhões na França. (Revista Espírita de junho de 1863.)

A respeito da proporção dos sábios oficiais, na categoria do grau de instrução, diz o autor: “Gostaríamos muito de ver a olho nu esses 4% de sábios oficiais 40:000 para a Europa; 24.000 só para a França; são muitos sábios, e ainda oficiais; 6% de iletrados é quase nada.”

A crítica seria fundada se, como supõe o autor, se tratasse de 4% sobre o número aproximado de seiscentos mil espíritas na França, o que, efetivamente, daria vinte e quatro mil. Realmente seria muito, pois se teria dificuldade em encontrar essa cifra de sábios oficiais em toda a população da França. Em tal base, o cálculo seria evidentemente ridículo e se poderia dizer outro tanto dos iletrados. Essa avaliação, portanto, não tem por objetivo estabelecer o número efetivo dos sábios oficiais espíritas, mas a proporção relativa em que se encontram a respeito dos diversos graus de instrução, entre os quais estão em minoria. Nas outras categorias, limitamo-nos a uma simples classificação, sem avaliação numérica em termos percentuais. Quando utilizamos este último processo, foi para tornar mais sensível a proporção.

Para melhor definir o nosso pensamento, diremos que, por sábios oficiais, não entendemos todos aqueles cujo saber é constatado por um diploma, mas unicamente os que ocupam posições oficiais, como membros de Academias, professores de Faculdades, etc., que assim se acham em maior evidência e cujos nomes, por tais motivos, fazem autoridade na Ciência. Desse ponto de vista, um doutor em Medicina pode ser sábio sem ser um sábio oficial.

A posição oficial influi bastante sobre a maneira de encarar certas coisas. Como prova disto, citaremos o exemplo de um médico distinto, morto há vários anos, e que conhecemos pessoalmente. Era então grande partidário do magnetismo, sobre o qual havia escrito, e foi o que nos pôs em contato com ele. Aumentando a sua reputação, conquistou sucessivamente várias posições oficiais. À medida que subia, baixava seu fervor pelo magnetismo, caindo abaixo de zero quando chegou ao topo da escala, porque renegava abertamente suas antigas convicções. Considerações da mesma natureza podem explicar a posição de certas classes no que concerne ao Espiritismo.


7. — A categoria dos aflitos, dos despreocupados, dos felizes do mundo, dos sensualistas, fornece ao autor do artigo a seguinte reflexão:

“É pena que isto seja pura fantasia. Nada de sensualistas, compreende-se; Espiritismo e materialismo se excluem; sessenta aflitos em cem espíritas ainda se compreende. É para os que choram que as relações com um mundo melhor são preciosas. Mas trinta pessoas despreocupadas em cem, é demais! Se o Espiritismo operasse tais milagres, faria muitas outras conquistas. Fá-las-ia sobretudo entre os felizes do mundo, que também são, quase sempre, os mais inquietos e os mais atormentados.”

Há aqui um erro manifesto, pois pareceria que esse resultado é devido ao Espiritismo, ao passo que é ele que colhe, nessas categorias, mais ou menos adeptos conforme as predisposições que aí encontra. Essas cifras significam simplesmente que encontra mais adeptos entre os aflitos, um pouco menos entre as pessoas despreocupadas, menos ainda entre os felizes do mundo, e de modo algum entre os sensualistas.

Antes de mais, é preciso entender-se quanto às palavras. Materialismo e sensualismo não são sinônimos e nem sempre marcham lado a lado, já que se veem pessoas, espiritualistas por profissão e por dever, que são muito sensuais, ao passo que há muitos materialistas bastante moderados em sua maneira de viver; para eles o materialismo não passa de uma opinião, que abraçaram em falta de outra mais racional. Eis por que, quando reconhecem que o Espiritismo enche o vazio feito em sua consciência pela incredulidade, aceitam-no com felicidade; os sensualistas, ao contrário, são os mais refratários.

Uma coisa muito bizarra é que o Espiritismo encontra mais resistência entre os panteístas em geral, do que entre os que são francamente materialistas. Provavelmente isto se deve a que o panteísta quase sempre cria um sistema; possui algo, ao passo que o materialista nada tem, e esse vazio o inquieta.

Pelos felizes do mundo entendemos os que passam como tais aos olhos da multidão, porque se podem permitir largamente todos os prazeres da vida. É verdade que muitas vezes são os mais inquietos e os mais atormentados. Mas, por quê? pelas preocupações que lhes causam a fortuna e a ambição. Ao lado dessas preocupações incessantes, das ansiedades da perda ou do ganho, da azáfama dos negócios para uns, dos prazeres para outros, resta-lhes muito pouco tempo para se ocuparem do futuro.

Não podendo ter a paz da alma senão com a condição de renunciar ao que constitui o objeto de sua cobiça, o Espiritismo pouco os afeta, filosoficamente falando. Com exceção das penas do coração, que não poupam a ninguém, a não ser os egoístas, quase sempre os tormentos da vida estão para eles nas decepções da vaidade, no desejo de possuir, de brilhar, de mandar. Pode-se, pois, dizer que atormentam a si mesmos.

Ao contrário, a calma e a tranquilidade se encontram mais particularmente nas posições modestas, quando assegurado o bem-estar da vida. Aí quase não há ambição; contentam-se com o que têm, sem se atormentarem em o aumentar, correndo os riscos aleatórios da agiotagem ou da especulação. São os que chamamos despreocupados, falando relativamente; por pouco haja neles elevação de pensamento, ocupam-se de bom grado das coisas sérias; o Espiritismo lhes oferece um atraente assunto de meditação, e o aceitam mais facilmente do que aqueles a quem o turbilhão do mundo suscita uma febre contínua.

Tais são os motivos dessa classificação que, como se vê, não é tão fantasiosa quanto supõe o autor do artigo. Nós lhe agradecemos por nos ter ensejado ocasião de apontar erros que outros poderiam ter cometido, por não termos sido bastante explícitos.


8. — Em nossa estatística, omitimos duas funções importantes por sua natureza, e porque contam um número bastante grande de adeptos sinceros e devotados; são os prefeitos e os juízes de paz que estão na quinta classe, com os meirinhos e os comissários de polícia.

Uma outra omissão, contra a qual ele reclamou com justiça, e que insistem que reparemos, é a dos poloneses, na categoria dos povos. Ela é tanto mais fundada quanto o Espiritismo conta, nessa nação, numerosos e fervorosos adeptos, desde a origem. Como classe, a Polônia vem em quinto lugar, entre a Rússia e a Alemanha.

Para completar a nomenclatura, seria preciso incluir outros países, como a Holanda, por exemplo, que viria após a Inglaterra; Portugal depois da Grécia; as províncias do Danúbio, onde também há espíritas, mas sobre as quais não temos dados bastante positivos para lhes assinalar a classe. Quanto à Turquia, a quase totalidade dos adeptos se compõe de franceses, italianos e gregos.

Uma classificação mais racional e mais exata do que pelas nações territoriais, seria pelas raças ou nacionalidades, que não estão confinadas em limites circunscritos, apresentando, por toda parte onde se espalham, maior ou menor aptidão para assimilar as ideias espíritas. Deste ponto de vista, numa mesma região, muitas vezes se teria que fazer várias distinções.


9. — A comunicação seguinte foi dada num grupo de Paris, a propósito da classe que ocupam os alfaiates entre as profissões industriais.


(Paris, 6 de janeiro de 1869. – Grupo Desliens. – Médium: Sr. Leymarie.)

Criastes categorias, caro mestre, no início das quais colocastes certas profissões. Sabeis o que, em nossa opinião, arrasta certas pessoas a se tornarem espíritas? São as mil perseguições que sofrem em suas profissões. Os primeiros de que falais devem ter ordem, economia [organização], cuidado, gosto, ser um pouco artistas e, depois, ser ainda pacientes, saber esperar, escutar, sorrir e saudar com certa elegância; mas, após todas essas pequenas convenções, mais sérias do que se pensa, ainda é preciso calcular, ordenar sua caixa pelo ativo e pelo passivo e sofrer, sofrer continuamente.

Em contato com homens de todas as classes, comentando as queixas, as confidências, os enganos, os rostos falsos, aprendem muito! Levando essa vida múltipla, sua inteligência se abre por comparação; seu espírito se fortifica pela decepção e pelo sofrimento. E eis por que certas categorias compreendem e aclamam todos os progressos; amam o teatro francês, a bela arquitetura, o desenho, a filosofia; muitos amam a liberdade e todas as suas consequências. Sempre à frente e à espreita do que consola e faz esperar, elas se dão ao Espiritismo, que lhes é uma força, uma promessa ardente, uma verdade que engrandece o sacrifício e, mais do que acreditais, a parte classificada como a nº 1 vive de sacrifícios.


Sonnet.





Janeiro

1. — Como já dissemos, a enumeração exata dos espíritas seria coisa impossível, e isto por uma razão muito simples: o Espiritismo não é uma associação, nem uma congregação; seus aderentes não estão inscritos em nenhum registro oficial. Sabe-se perfeitamente que não se poderia avaliar o montante pelo número e a importância das sociedades, frequentadas apenas por minoria ínfima. O Espiritismo é uma opinião que não exige nenhuma profissão de fé, e pode estender-se ao todo ou parte dos princípios da Doutrina. Basta simpatizar com a ideia para ser espírita. Ora, não sendo essa qualidade conferida por nenhum ato material, e não implicando senão obrigações morais, não existe qualquer base física para determinar o número dos adeptos com precisão. Não se o pode estimar senão de maneira aproximativa, pelas relações e pela maior ou menor facilidade com que a ideia se propaga. Esse número aumenta diariamente em proporção considerável: é um fato positivo, reconhecido pelos próprios adversários; a oposição diminui, prova evidente de que a ideia encontra, cada vez mais, numerosas simpatias.

Aliás, compreende-se que é pelo conjunto e não pela situação das localidades, consideradas isoladamente, que se pode basear uma apreciação; há em cada localidade elementos mais ou menos favoráveis, em razão do estado particular dos Espíritos e também das resistências mais ou menos influentes que aí se exercem; mas essa situação é variável, porque tal localidade, que se tenha mostrado refratária durante vários anos, de repente se torna um foco. Quando os elementos de apreciação tiverem adquirido mais precisão, será possível fazer um mapa colorido em relação à difusão das ideias espíritas, como foi feito para a instrução. Enquanto isso, pode-se afirmar, sem exagero, que, em suma, o número dos adeptos centuplicou em dez anos, a despeito das manobras empregadas para abafar a ideia e contrariamente às previsões de todos os que se vangloriavam de a ter enterrado. Isto é um fato comprovado, devendo os antagonistas tomar o seu partido.

Só falamos aqui dos que aceitam o Espiritismo com conhecimento de causa, depois de o haver estudado, e não dos que, embora mais numerosos, estas ideias ainda estão em estado de intuição, faltando-lhes apenas definir suas crenças com mais precisão e dar-lhes um nome, para serem espíritas confessos. É um fato bem comprovado, que se constata todos os dias, sobretudo de algum tempo para cá, que as ideias espíritas parecem inatas numa porção de indivíduos, que jamais ouviram falar do Espiritismo; não se pode dizer que tenham sofrido uma influência qualquer, nem que sofreram a influência de um círculo. Que os adversários expliquem, se puderem, esses pensamentos que nascem fora e à margem do Espiritismo! Por certo não seria um sistema preconcebido no cérebro de um homem que teria produzido tal resultado; não há prova mais evidente de que essas ideias estão na Natureza, nem melhor garantia de sua vulgarização no futuro e de sua perpetuidade. Deste ponto de vista pode-se dizer que pelo menos três quartos da população de todos os países possuem o germe das crenças espíritas, pois são encontrados entre aqueles mesmos que lhe fazem oposição. Na maioria, a oposição vem da falsa ideia que fazem do Espiritismo; não o conhecendo, em geral, senão pelos quadros ridículos que dele faz a critica malevolente ou interessada em desacreditá-lo, recusam com razão a qualidade de espíritas. Certamente, se o Espiritismo se assemelhasse aos retratos grotescos que dele fizeram, se se constituísse das crenças e práticas absurdas que houveram por bem lhe atribuir, seríamos o primeiro a repudiar o título de espírita. Quando, pois, essas mesmas pessoas souberem que a Doutrina não é senão a coordenação e o desenvolvimento de suas próprias aspirações e de seus pensamentos íntimos, aceitá-la-ão; esses são, incontestavelmente, futuros espíritas, mas, por enquanto, não os consideramos em nossas avaliações.

Se é impossível uma estatística, outra há, talvez mais instrutiva e para a qual existem elementos que nos fornecem as nossas relações e a nossa correspondência: é a proporção relativa dos espíritas segundo as profissões, as posições sociais, as nacionalidades, as crenças religiosas, etc., levando em conta que certas profissões, como os oficiais ministeriais, por exemplo, são em número limitado, ao passo que outras, como os industriais e os capitalistas são em número indefinido. Guardadas todas as proporções, pode-se ver quais são as categorias nas quais o Espiritismo encontrou, até hoje, mais aderentes. Em alguns, a proporção pôde ser estabelecida em percentagem, com precisão, sem contudo pretender que tenham um rigor matemático; as outras categorias simplesmente foram classificadas em razão do número de adeptos que apresentaram, começando pelas de maior número, de que a correspondência e a lista de assinantes da Revista podem fornecer elementos. O quadro a seguir é resultado do levantamento de mais de dez mil observações.

Constatamos o fato, sem procurar discutir a causa dessa diferença, o que, não obstante, poderia ser assunto para um estudo interessante.


2. PROPORÇÃO RELATIVA DOS ESPÍRITAS.


I. Em relação às nacionalidades. – A bem dizer, não existe nenhum país civilizado da Europa e da América onde não haja espíritas. Eles são mais numerosos nos Estados Unidos da América do Norte. Seu número aí é avaliado, por uns, em quatro milhões, o que já é muito, e por outros em dez milhões. Esta última cifra evidentemente é exagerada, porque compreenderia mais de um terço da população, o que não é provável. Na Europa, a cifra pode ser avaliada em um milhão, na qual a França figura com seiscentos mil. Pode-se estimar o número de espíritas no mundo inteiro em seis ou sete milhões. Ainda que não passasse da metade, a História não oferece nenhum exemplo de uma doutrina que, em menos de quinze anos, tivesse reunido semelhante número de adeptos disseminados por toda a superfície do globo. Se aí incluíssemos os espíritas inconscientes, isto é, os que só o são por intuição, e mais tarde se tornarão espíritas de fato, só na França poder-se-iam contar vários milhões.

Do ponto de vista da difusão das ideias espíritas, e da facilidade com que são aceitas, os principais Estados da Europa podem ser classificados como se segue: 1º França. – 2 º Itália. – 3º Espanha. – 4º Rússia. – 5º Alemanha. – 6º Bélgica. – 7º Inglaterra. – 8º Suécia e Dinamarca. – 9º Grécia. – 10º Suíça.


II. Em relação ao sexo. – 70% de homens e 30% de mulheres.


III. Em relação à idade. – Máximo: de 30 a 70 anos; média: de 20 a 30 anos; mínimo: de 70 a 80 anos.


IV Em relação à instrução. – O grau de instrução é muito fácil de apreciar pela correspondência. Instrução cuidada: 30%; – simples letrados: 30%; – instrução superior: 20%; – semiletrados: 10%; – analfabetos: 6%; – sábios oficiais: 4%.


V Em relação às ideias religiosas. – Católicos romanos, livres-pensadores, não ligados ao dogma: 50%; – católicos gregos: 15%; – judeus: 10%; – protestantes liberais: 10%; – católicos ligados aos dogmas: 10%; – protestantes ortodoxos: 3%; – muçulmanos: 2%.


VI. Em relação à fortuna. – Mediocridade: 60%; – fortunas médias: 20%; – indigência: 15%; – grandes fortunas: 5%.


VII. Em relação ao estado moral, abstração feita da fortuna. – Aflitos: 60%; – sem inquietude: 30%; – felizes do mundo: 10%; – sensualistas: 0%.


VIII. Em relação à classe social. – Sem poder estabelecer nenhuma proporção nesta categoria, é notório que o Espiritismo conta entre seus aderentes: vários soberanos e príncipes reinantes; membros de famílias soberanas e um grande número de personagens tituladas.

Em geral, é nas classes médias que o Espiritismo conta mais adeptos; na Rússia é mais ou menos exclusivamente na nobreza e na alta aristocracia; é na França que mais se propagou na pequena burguesia e na classe operária.


IX. Estado militar, segundo o grau. – 1º Tenentes e subtenentes; 2º Suboficiais; 3º Capitães; 4º Coronéis; 5º Médicos e cirurgiões; 6º Generais; 7º Guardas municipais; 8º Soldados da guarda; 9º Soldados de linha.


Observação. – Os tenentes e subtenentes espíritas estão quase todos na ativa; entre os capitães, cerca de metade estão na ativa e a outra metade na reserva; os coronéis, médicos, cirurgiões e generais, em maioria estão na reserva.


X. Marinha. – 1º Marinha de Guerra; 2º Marinha Mercante.


XI. Profissões liberais e funções diversas. – Nós os agrupamos em dez categorias, classificadas segundo a proporção dos aderentes que forneceram ao Espiritismo:

1º Médicos homeopatas. – Magnetistas.

2º Engenheiros. – Instrutores; diretores e diretoras de internatos. – Professores livres.

3º Cônsules. – Sacerdotes católicos.

4º Pequenos empregados. – Músicos. – Artistas líricos. – Artistas dramáticos.

5º Meirinhos. – Comissários de polícia.

6º Médicos alopatas. – Homens de letras. – Estudantes.

7º Magistrados. – Altos funcionários. – Professores oficiais e de liceus. – Pastores protestantes.

8º Jornalistas. – Pintores. – Arquitetos. – Cirurgiões.

9º Notários. – Advogados. – Agentes de negócios.

10º Agentes de câmbio. – Banqueiros.


XII. Profissões industriais, manuais e comerciais, igualmente grupadas em dez categorias:

1º Alfaiates. – Costureiras.

2º Mecânicos. – Empregados de estradas de ferro.

3º Tecelões. – Pequenos negociantes. – Porteiros.

4º Farmacêuticos. – Fotógrafos. – Relojoeiros. – Caixeiros-viajantes.

5º Lavradores. – Sapateiros.

6º Padeiros. – Açougueiros. – Salsicheiros.

7º Marceneiros. – Tipógrafos.

8º Grandes industriais e chefes de estabelecimentos.

9º Livreiros. – Impressores.

10º Pintores de casas. – Pedreiros. – Serralheiros. – Merceeiros. – Domésticos.


3. Desta lista, resultam as seguintes consequências:


1º Que há espíritas em todos os graus da escala social;

2º Que há mais homens do que mulheres espíritas. É certo que nas famílias divididas por suas crenças, no tocante ao Espiritismo, há mais maridos contrariados pela oposição de suas esposas do que mulheres pela dos maridos. Não é menos constante que, em todas as reuniões espíritas, os homens estejam em maioria.

É, pois, injustamente que a crítica pretendeu que a Doutrina é recrutada principalmente entre as mulheres, em virtude de sua inclinação para o maravilhoso. É precisamente o contrário: essa inclinação para o maravilhoso e para o misticismo em geral as torna mais refratárias que os homens; essa predisposição faz que aceitem mais facilmente a fé cega, que dispensa qualquer exame, ao passo que o Espiritismo, não admitindo senão a fé raciocinada, exige reflexão e dedução filosófica para ser bem compreendido, para o que a educação estreita dada às mulheres torna-as menos aptas que os homens. As que sacodem o jugo imposto à sua razão e ao seu desenvolvimento intelectual, muitas vezes caem no excesso contrário; tornam-se o que chamam de mulheres fortes e sua incredulidade mais tenaz;

3º Que a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas, e não entre os ignorantes. Por toda parte o Espiritismo se propagou de alto a baixo da escala social, e em parte alguma se desenvolveu primeiro nas camadas inferiores;

4º Que a aflição e a infelicidade predispõem às crenças espíritas, em consequência das consolações que proporcionam. É a razão pela qual, na maioria das categorias, a proporção dos espíritas está na razão da inferioridade hierárquica, porque é aí que há mais privações e sofrimentos, ao passo que os titulares das posições superiores em geral pertencem à classe dos satisfeitos, à exceção do estado militar, onde os simples soldados figuram em último lugar;

5º Que o Espiritismo encontra mais fácil acesso entre os incrédulos em matéria religiosa do que entre os que têm uma fé irrevogável;

6º Enfim, que depois dos fanáticos, os mais refratários às ideias espíritas são os sensualistas e as pessoas cujos únicos pensamentos estão concentrados nas posses e nos prazeres materiais, seja qual for a classe a que pertençam, o que independe do grau de instrução.


4. — Em resumo, o Espiritismo é acolhido como um benefício pelos que ele ajuda a suportar o fardo da vida, e é repelido ou desdenhado por aqueles a quem prejudicaria no gozo da vida. Partindo deste princípio, facilmente se explicam o lugar que ocupam, nesse quadro, certas categorias de indivíduos, a despeito das luzes que são uma condição de sua posição social. Pelo caráter, gostos, hábitos e gênero de vida das pessoas, pode-se julgar do avanço de sua aptidão para assimilar as ideias espíritas. Em alguns, a resistência é uma questão de amor próprio, que segue quase sempre o grau do saber; quando esse saber os faz conquistar uma certa posição social, que os põe em evidência, não querem admitir que se podiam ter enganado e que outros podem ter visto melhor. Oferecer provas a certas pessoas é oferecer-lhes o que mais temem; e, com medo de achá-las, tapam os olhos e os ouvidos, preferindo negar a priori e se abrigarem atrás de sua infalibilidade, de que estão muito convencidas, digam o que disserem.

Explica-se menos facilmente a causa da posição que ocupam, nesta classificação, certas profissões industriais. Pergunta-se, por exemplo, por que os alfaiates aí ocupam a primeira posição, enquanto a livraria e a imprensa, profissões bem mais intelectuais, estão quase na última. É um fato constatado há muito tempo e do qual ainda não nos demos conta.

Se, no levantamento acima, em vez de não abranger senão os espíritas de fato, tivessem considerado os espíritas inconscientes, aqueles nos quais essas ideias estão em estado de intuição e que fazem Espiritismo sem o saber, certamente várias categorias teriam sido classificadas de modo diverso; por exemplo, os literatos, os poetas, os artistas, numa palavra, todos os homens de imaginação e de inspiração, os crentes de todos os cultos estariam, sem sombra de dúvida, no primeiro lugar. Certos povos, nos quais as crenças espíritas de certo modo são inatas, também ocupariam outra posição. Eis por que essa classificação não poderia ser absoluta, e se modificará com o tempo.

Os médicos homeopatas estão à frente das profissões liberais porque, com efeito é a que, guardadas as devidas proporções, conta em suas fileiras maior número de adeptos do Espiritismo; em cem médicos espíritas, há pelo menos oitenta homeopatas. Isto se deve a que o princípio mesmo de sua medicação os conduz ao espiritualismo; por isso os materialistas são muito raros entre eles, se é que os há, ao passo que são numerosos entre os alopatas. Melhor que estes últimos, compreenderam o Espiritismo, porque encontraram nas propriedades fisiológicas do perispírito, unido ao princípio material e ao princípio espiritual, a razão de ser de seu sistema. Pelo mesmo motivo, os espíritas puderam, melhor que os outros, compreender os efeitos desse modo de tratamento. Sem ser exclusivos a respeito da homeopatia, e sem rejeitar a alopatia, compreenderam a sua racionalidade e a sustentaram contra ataques injustos. Os homeopatas, achando novos defensores nos espíritas, não foram inábeis a ponto de lhes atirar a pedra.

Se os magnetistas figuram na primeira linha, logo após os homeopatas, malgrado a oposição persistente e muitas vezes acerba de alguns, é que os oponentes não formam senão pequeníssima minoria ao lado da massa dos que são, pode-se dizer, espíritas por intuição. O magnetismo e o Espiritismo são, com efeito, duas ciências gêmeas, que se completam e explicam uma pela outra, e das duas, a que não quer imobilizar-se não pode chegar ao seu complemento sem se apoiar na sua congênere; isoladas uma da outra, detêm-se num impasse; são reciprocamente como a Física e a Química, a Anatomia e a Fisiologia. A maioria dos magnetistas compreende de tal modo por intuição a relação íntima que deve existir entre as duas coisas, que geralmente se prevalecem de seus conhecimentos em magnetismo, como meio de introdução junto aos espíritas.

Em todos os tempos os magnetistas foram divididos em dois campos: os espiritualistas e os fluidistas. Estes últimos, muito menos numerosos, pelo menos fazendo abstração do princípio espiritual, quando não o negam absolutamente, referindo tudo à ação do fluido material, estão, por conseguinte, em oposição de princípios com os espíritas. Ora, é de notar que, se nem todos os magnetistas são espíritas, todos os espíritas, sem exceção, admitem o magnetismo. Em todas as circunstâncias, fizerem-se seus defensores e sustentáculos. Deviam ter-se admirado de encontrar adversários mais ou menos malévolos nos mesmos cujas fileiras acabavam de reforçar; que, depois de terem sido, durante mais de meio século, vítimas de ataques, de zombarias e de perseguições de toda sorte, por sua vez atirem a pedra, os sarcasmos e muitas vezes a injúria aos auxiliares que lhes chegam e começam a pesar na balança pelo seu número.

Aliás, como dissemos, esta oposição está longe de ser geral; muito ao contrário. Pode-se afirmar, sem se afastar da verdade, que não chega a 2 ou 3% da totalidade dos magnetistas; ela é muito menor ainda entre os da província e do estrangeiro do que entre os de Paris.


[Revista de fevereiro.]

5. ESTATÍSTICA DO ESPIRITISMO.


Apreciação pelo Jornal La Solidarité.

O jornal Solidarité, de 15 de janeiro de 1869, analisa a estatística do Espiritismo, que publicamos em nosso número anterior. Se critica algumas de suas cifras, sentimo-nos felizes por sua adesão ao conjunto do trabalho, que aprecia nestes termos:

“Lamentamos não poder reproduzir, por falta de espaço, as reflexões muito sábias com que o Sr. Allan Kardec faz acompanhar esta estatística. Limitar-nos-emos a constatar com ele que há espíritas em todos os graus da escala social; que a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas e não entre os ignorantes; que o Espiritismo se propagou em toda parte, de alto a baixo da escala social; que a aflição e a infelicidade são os grandes recrutadores do Espiritismo, por força das consolações e das esperanças que prodigaliza aos que choram e lamentam; que o Espiritismo encontra mais fácil acesso entre os incrédulos em matérias religiosas do que entre as pessoas que têm uma fé definida; enfim, que depois dos fanáticos os mais refratários às ideias espíritas são as criaturas cujos pensamentos estão todos concentrados na posse e nos prazeres materiais, seja qual for, aliás, a sua condição.”

É um fato de capital importância constatar em toda parte que “a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas e não entre os ignorantes.” Em presença deste fato material, em que se torna a acusação de estupidez, ignorância, loucura, inépcia, lançada tão estouvadamente contra os espíritas pela malevolência?

Propagando-se de alto a baixo da escala, o Espiritismo prova, além disso, que as classes favorecidas compreendem a sua influência moralizadora sobre as massas, pois que se esforçam por nele penetrar. É que, com efeito, os exemplos que se têm sob os olhos, embora parciais e ainda isolados, demonstram de maneira peremptória que o espírito do proletariado seria muito outro se estivesse imbuído dos princípios da Doutrina Espírita.

A principal objeção do Solidarité é muito séria. Refere-se ao número de espíritas do mundo inteiro. Eis o que diz a respeito:

“A Revista Espírita engana-se muito quando estima em apenas seis ou sete milhões o número de espíritas para todo o mundo. Evidentemente se esquece de contar a Ásia.

“Se pelo termo espírita entendem-se as pessoas que creem na vida de além-túmulo e nas relações dos vivos com a alma das pessoas mortas, é por centenas de milhões que se os deve contar. A crença nos Espíritos existe em todos os sectários do budismo, e pode-se dizer que ela constitui o fundo de todas as religiões do extremo Oriente. É geral sobretudo na China. As três antigas seitas que desde tanto tempo dividem as populações no Império Central, creem nos manes, nos Espíritos e professam o seu culto. – Pode-se mesmo dizer que este é para elas um terreno comum. Os adoradores do Tao e de Fo aí se encontram com os sectários do filósofo Confúcio.

“Os sacerdotes da seita de Lao-Tseu, e particularmente os Tao-Tseu, ou doutores da Razão, devem às práticas espíritas uma grande parte de sua influência sobre as populações. – Esses religiosos interrogam os Espíritos e obtêm respostas escritas, que não têm mais nem menos valor que as dos nossos médiuns. São conselhos e avisos considerados como dados aos vivos pelo Espírito de um morto. Aí se encontram revelações de segredos conhecidos unicamente pela pessoa que interroga, algumas vezes predições que se realizam ou não, mas que são capazes de impressionar os assistentes e estimular os seus desejos, para que se encarreguem de realizar, eles próprios, o oráculo.

“Obtêm-se essas correspondências por processos que não diferem muito dos nossos espíritas, mas que, no entanto, devem ser mais aperfeiçoados, se se considerar a longa experiência dos operadores que os praticam tradicionalmente.

“Eis como nos são descritos por uma testemunha ocular, o Sr. D…, que mora na China há muito tempo e que é familiar com a língua do país:

“Uma vara de pescar, de 50 a 60 centímetros, é sustentada nas extremidades por duas pessoas, das quais uma é o médium e a outra o interrogador. No meio dessa vara, tiveram o cuidado de lacrar ou amarrar uma pequena varinha da mesma madeira, bastante semelhante a um lápis, pelo tamanho e grossura. Abaixo desse pequeno aparelho é espalhada uma camada de areia, ou uma caixa contendo farinha de milho. Deslizando maquinalmente sobre a areia ou a farinha de milho, a varinha traça caracteres. À medida que estes se formam, são lidos e reproduzidos imediatamente no papel por um letrado presente à sessão. Daí resultam frases e escritos mais ou menos longos, mais ou menos interessantes, mas tendo sempre um valor lógico.

“A dar-se crédito aos Tao-Tseu, esses processos lhes vêm do próprio Lao-Tseu. Ora, se conforme a História, Lao-Tseu viveu no sexto século antes de Jesus-Cristo, é bom lembrar que, conforme a lenda, ele é como o Verbo dos cristãos, anterior ao começo e contemporâneo da grande não-entidade, como exprimem os doutores da Razão.

“Vê-se que o Espiritismo remonta a uma belíssima antiguidade.

“Isto não prova que ele é verdadeiro? – Não, por certo, mas se basta que uma crença seja antiga para ser venerável, e forte pelo número de seus partidários para ser respeitada, não conheço outra que tenha mais títulos ao respeito e à veneração de meus contemporâneos.”


6. — Nem é preciso dizer que aderimos completamente a essa retificação, e nos sentimos felizes que ela emane de uma fonte estranha, porque prova que não procuramos exagerar o quadro. Nossos leitores apreciarão, como nós, a maneira pela qual esse jornal, que se recomenda por seu caráter sério, encara o Espiritismo; vê-se que, de sua parte, é uma apreciação com justas razões.

Sabíamos perfeitamente que as ideias espíritas estão muito espalhadas nos povos do extremo Oriente, e se não as tínhamos levado em consideração é que, em nossa avaliação, não nos propusemos apresentar, conforme dissemos, senão o movimento do Espiritismo moderno, reservando-nos para fazer mais tarde um estudo especial sobre a anterioridade dessas ideias. Agradecemos muito sinceramente ao autor do artigo por nos haver precedido.

Noutro lugar ele diz: “Cremos que esta incerteza (sobre o número real dos espíritas, sobretudo na França), a princípio se deve à ausência de declarações positivas da parte dos adeptos; depois, ao estado flutuante das crenças. Existe – e poderíamos citar em Paris numerosos exemplos – uma multidão de pessoas que creem no Espiritismo e que não se gabam disto.”

Isto é perfeitamente justo; por isso só falamos dos espíritas de fato; do contrário, como dissemos, se incluíssemos os espíritas por intuição, somente na França eles se contariam por milhões; mas preferimos ficar aquém e não além da verdade, para não sermos tachados de exagero. Contudo, é preciso que o acréscimo seja muito sensível, para que certos adversários o tenham levado a cifras hiperbólicas, como o autor da brochura O orçamento do Espiritismo, que, vendo talvez os espíritas com lente de aumento, os avaliava, em 1863, em vinte milhões na França. (Revista Espírita de junho de 1863.)

A respeito da proporção dos sábios oficiais, na categoria do grau de instrução, diz o autor: “Gostaríamos muito de ver a olho nu esses 4% de sábios oficiais 40:000 para a Europa; 24.000 só para a França; são muitos sábios, e ainda oficiais; 6% de iletrados é quase nada.”

A crítica seria fundada se, como supõe o autor, se tratasse de 4% sobre o número aproximado de seiscentos mil espíritas na França, o que, efetivamente, daria vinte e quatro mil. Realmente seria muito, pois se teria dificuldade em encontrar essa cifra de sábios oficiais em toda a população da França. Em tal base, o cálculo seria evidentemente ridículo e se poderia dizer outro tanto dos iletrados. Essa avaliação, portanto, não tem por objetivo estabelecer o número efetivo dos sábios oficiais espíritas, mas a proporção relativa em que se encontram a respeito dos diversos graus de instrução, entre os quais estão em minoria. Nas outras categorias, limitamo-nos a uma simples classificação, sem avaliação numérica em termos percentuais. Quando utilizamos este último processo, foi para tornar mais sensível a proporção.

Para melhor definir o nosso pensamento, diremos que, por sábios oficiais, não entendemos todos aqueles cujo saber é constatado por um diploma, mas unicamente os que ocupam posições oficiais, como membros de Academias, professores de Faculdades, etc., que assim se acham em maior evidência e cujos nomes, por tais motivos, fazem autoridade na Ciência. Desse ponto de vista, um doutor em Medicina pode ser sábio sem ser um sábio oficial.

A posição oficial influi bastante sobre a maneira de encarar certas coisas. Como prova disto, citaremos o exemplo de um médico distinto, morto há vários anos, e que conhecemos pessoalmente. Era então grande partidário do magnetismo, sobre o qual havia escrito, e foi o que nos pôs em contato com ele. Aumentando a sua reputação, conquistou sucessivamente várias posições oficiais. À medida que subia, baixava seu fervor pelo magnetismo, caindo abaixo de zero quando chegou ao topo da escala, porque renegava abertamente suas antigas convicções. Considerações da mesma natureza podem explicar a posição de certas classes no que concerne ao Espiritismo.


7. — A categoria dos aflitos, dos despreocupados, dos felizes do mundo, dos sensualistas, fornece ao autor do artigo a seguinte reflexão:

“É pena que isto seja pura fantasia. Nada de sensualistas, compreende-se; Espiritismo e materialismo se excluem; sessenta aflitos em cem espíritas ainda se compreende. É para os que choram que as relações com um mundo melhor são preciosas. Mas trinta pessoas despreocupadas em cem, é demais! Se o Espiritismo operasse tais milagres, faria muitas outras conquistas. Fá-las-ia sobretudo entre os felizes do mundo, que também são, quase sempre, os mais inquietos e os mais atormentados.”

Há aqui um erro manifesto, pois pareceria que esse resultado é devido ao Espiritismo, ao passo que é ele que colhe, nessas categorias, mais ou menos adeptos conforme as predisposições que aí encontra. Essas cifras significam simplesmente que encontra mais adeptos entre os aflitos, um pouco menos entre as pessoas despreocupadas, menos ainda entre os felizes do mundo, e de modo algum entre os sensualistas.

Antes de mais, é preciso entender-se quanto às palavras. Materialismo e sensualismo não são sinônimos e nem sempre marcham lado a lado, já que se veem pessoas, espiritualistas por profissão e por dever, que são muito sensuais, ao passo que há muitos materialistas bastante moderados em sua maneira de viver; para eles o materialismo não passa de uma opinião, que abraçaram em falta de outra mais racional. Eis por que, quando reconhecem que o Espiritismo enche o vazio feito em sua consciência pela incredulidade, aceitam-no com felicidade; os sensualistas, ao contrário, são os mais refratários.

Uma coisa muito bizarra é que o Espiritismo encontra mais resistência entre os panteístas em geral, do que entre os que são francamente materialistas. Provavelmente isto se deve a que o panteísta quase sempre cria um sistema; possui algo, ao passo que o materialista nada tem, e esse vazio o inquieta.

Pelos felizes do mundo entendemos os que passam como tais aos olhos da multidão, porque se podem permitir largamente todos os prazeres da vida. É verdade que muitas vezes são os mais inquietos e os mais atormentados. Mas, por quê? pelas preocupações que lhes causam a fortuna e a ambição. Ao lado dessas preocupações incessantes, das ansiedades da perda ou do ganho, da azáfama dos negócios para uns, dos prazeres para outros, resta-lhes muito pouco tempo para se ocuparem do futuro.

Não podendo ter a paz da alma senão com a condição de renunciar ao que constitui o objeto de sua cobiça, o Espiritismo pouco os afeta, filosoficamente falando. Com exceção das penas do coração, que não poupam a ninguém, a não ser os egoístas, quase sempre os tormentos da vida estão para eles nas decepções da vaidade, no desejo de possuir, de brilhar, de mandar. Pode-se, pois, dizer que atormentam a si mesmos.

Ao contrário, a calma e a tranquilidade se encontram mais particularmente nas posições modestas, quando assegurado o bem-estar da vida. Aí quase não há ambição; contentam-se com o que têm, sem se atormentarem em o aumentar, correndo os riscos aleatórios da agiotagem ou da especulação. São os que chamamos despreocupados, falando relativamente; por pouco haja neles elevação de pensamento, ocupam-se de bom grado das coisas sérias; o Espiritismo lhes oferece um atraente assunto de meditação, e o aceitam mais facilmente do que aqueles a quem o turbilhão do mundo suscita uma febre contínua.

Tais são os motivos dessa classificação que, como se vê, não é tão fantasiosa quanto supõe o autor do artigo. Nós lhe agradecemos por nos ter ensejado ocasião de apontar erros que outros poderiam ter cometido, por não termos sido bastante explícitos.


8. — Em nossa estatística, omitimos duas funções importantes por sua natureza, e porque contam um número bastante grande de adeptos sinceros e devotados; são os prefeitos e os juízes de paz que estão na quinta classe, com os meirinhos e os comissários de polícia.

Uma outra omissão, contra a qual ele reclamou com justiça, e que insistem que reparemos, é a dos poloneses, na categoria dos povos. Ela é tanto mais fundada quanto o Espiritismo conta, nessa nação, numerosos e fervorosos adeptos, desde a origem. Como classe, a Polônia vem em quinto lugar, entre a Rússia e a Alemanha.

Para completar a nomenclatura, seria preciso incluir outros países, como a Holanda, por exemplo, que viria após a Inglaterra; Portugal depois da Grécia; as províncias do Danúbio, onde também há espíritas, mas sobre as quais não temos dados bastante positivos para lhes assinalar a classe. Quanto à Turquia, a quase totalidade dos adeptos se compõe de franceses, italianos e gregos.

Uma classificação mais racional e mais exata do que pelas nações territoriais, seria pelas raças ou nacionalidades, que não estão confinadas em limites circunscritos, apresentando, por toda parte onde se espalham, maior ou menor aptidão para assimilar as ideias espíritas. Deste ponto de vista, numa mesma região, muitas vezes se teria que fazer várias distinções.


9. — A comunicação seguinte foi dada num grupo de Paris, a propósito da classe que ocupam os alfaiates entre as profissões industriais.


(Paris, 6 de janeiro de 1869. – Grupo Desliens. – Médium: Sr. Leymarie.)

Criastes categorias, caro mestre, no início das quais colocastes certas profissões. Sabeis o que, em nossa opinião, arrasta certas pessoas a se tornarem espíritas? São as mil perseguições que sofrem em suas profissões. Os primeiros de que falais devem ter ordem, economia [organização], cuidado, gosto, ser um pouco artistas e, depois, ser ainda pacientes, saber esperar, escutar, sorrir e saudar com certa elegância; mas, após todas essas pequenas convenções, mais sérias do que se pensa, ainda é preciso calcular, ordenar sua caixa pelo ativo e pelo passivo e sofrer, sofrer continuamente.

Em contato com homens de todas as classes, comentando as queixas, as confidências, os enganos, os rostos falsos, aprendem muito! Levando essa vida múltipla, sua inteligência se abre por comparação; seu espírito se fortifica pela decepção e pelo sofrimento. E eis por que certas categorias compreendem e aclamam todos os progressos; amam o teatro francês, a bela arquitetura, o desenho, a filosofia; muitos amam a liberdade e todas as suas consequências. Sempre à frente e à espreita do que consola e faz esperar, elas se dão ao Espiritismo, que lhes é uma força, uma promessa ardente, uma verdade que engrandece o sacrifício e, mais do que acreditais, a parte classificada como a nº 1 vive de sacrifícios.


Sonnet.





Janeiro

1. — Como já dissemos, a enumeração exata dos espíritas seria coisa impossível, e isto por uma razão muito simples: o Espiritismo não é uma associação, nem uma congregação; seus aderentes não estão inscritos em nenhum registro oficial. Sabe-se perfeitamente que não se poderia avaliar o montante pelo número e a importância das sociedades, frequentadas apenas por minoria ínfima. O Espiritismo é uma opinião que não exige nenhuma profissão de fé, e pode estender-se ao todo ou parte dos princípios da Doutrina. Basta simpatizar com a ideia para ser espírita. Ora, não sendo essa qualidade conferida por nenhum ato material, e não implicando senão obrigações morais, não existe qualquer base física para determinar o número dos adeptos com precisão. Não se o pode estimar senão de maneira aproximativa, pelas relações e pela maior ou menor facilidade com que a ideia se propaga. Esse número aumenta diariamente em proporção considerável: é um fato positivo, reconhecido pelos próprios adversários; a oposição diminui, prova evidente de que a ideia encontra, cada vez mais, numerosas simpatias.

Aliás, compreende-se que é pelo conjunto e não pela situação das localidades, consideradas isoladamente, que se pode basear uma apreciação; há em cada localidade elementos mais ou menos favoráveis, em razão do estado particular dos Espíritos e também das resistências mais ou menos influentes que aí se exercem; mas essa situação é variável, porque tal localidade, que se tenha mostrado refratária durante vários anos, de repente se torna um foco. Quando os elementos de apreciação tiverem adquirido mais precisão, será possível fazer um mapa colorido em relação à difusão das ideias espíritas, como foi feito para a instrução. Enquanto isso, pode-se afirmar, sem exagero, que, em suma, o número dos adeptos centuplicou em dez anos, a despeito das manobras empregadas para abafar a ideia e contrariamente às previsões de todos os que se vangloriavam de a ter enterrado. Isto é um fato comprovado, devendo os antagonistas tomar o seu partido.

Só falamos aqui dos que aceitam o Espiritismo com conhecimento de causa, depois de o haver estudado, e não dos que, embora mais numerosos, estas ideias ainda estão em estado de intuição, faltando-lhes apenas definir suas crenças com mais precisão e dar-lhes um nome, para serem espíritas confessos. É um fato bem comprovado, que se constata todos os dias, sobretudo de algum tempo para cá, que as ideias espíritas parecem inatas numa porção de indivíduos, que jamais ouviram falar do Espiritismo; não se pode dizer que tenham sofrido uma influência qualquer, nem que sofreram a influência de um círculo. Que os adversários expliquem, se puderem, esses pensamentos que nascem fora e à margem do Espiritismo! Por certo não seria um sistema preconcebido no cérebro de um homem que teria produzido tal resultado; não há prova mais evidente de que essas ideias estão na Natureza, nem melhor garantia de sua vulgarização no futuro e de sua perpetuidade. Deste ponto de vista pode-se dizer que pelo menos três quartos da população de todos os países possuem o germe das crenças espíritas, pois são encontrados entre aqueles mesmos que lhe fazem oposição. Na maioria, a oposição vem da falsa ideia que fazem do Espiritismo; não o conhecendo, em geral, senão pelos quadros ridículos que dele faz a critica malevolente ou interessada em desacreditá-lo, recusam com razão a qualidade de espíritas. Certamente, se o Espiritismo se assemelhasse aos retratos grotescos que dele fizeram, se se constituísse das crenças e práticas absurdas que houveram por bem lhe atribuir, seríamos o primeiro a repudiar o título de espírita. Quando, pois, essas mesmas pessoas souberem que a Doutrina não é senão a coordenação e o desenvolvimento de suas próprias aspirações e de seus pensamentos íntimos, aceitá-la-ão; esses são, incontestavelmente, futuros espíritas, mas, por enquanto, não os consideramos em nossas avaliações.

Se é impossível uma estatística, outra há, talvez mais instrutiva e para a qual existem elementos que nos fornecem as nossas relações e a nossa correspondência: é a proporção relativa dos espíritas segundo as profissões, as posições sociais, as nacionalidades, as crenças religiosas, etc., levando em conta que certas profissões, como os oficiais ministeriais, por exemplo, são em número limitado, ao passo que outras, como os industriais e os capitalistas são em número indefinido. Guardadas todas as proporções, pode-se ver quais são as categorias nas quais o Espiritismo encontrou, até hoje, mais aderentes. Em alguns, a proporção pôde ser estabelecida em percentagem, com precisão, sem contudo pretender que tenham um rigor matemático; as outras categorias simplesmente foram classificadas em razão do número de adeptos que apresentaram, começando pelas de maior número, de que a correspondência e a lista de assinantes da Revista podem fornecer elementos. O quadro a seguir é resultado do levantamento de mais de dez mil observações.

Constatamos o fato, sem procurar discutir a causa dessa diferença, o que, não obstante, poderia ser assunto para um estudo interessante.


2. PROPORÇÃO RELATIVA DOS ESPÍRITAS.


I. Em relação às nacionalidades. – A bem dizer, não existe nenhum país civilizado da Europa e da América onde não haja espíritas. Eles são mais numerosos nos Estados Unidos da América do Norte. Seu número aí é avaliado, por uns, em quatro milhões, o que já é muito, e por outros em dez milhões. Esta última cifra evidentemente é exagerada, porque compreenderia mais de um terço da população, o que não é provável. Na Europa, a cifra pode ser avaliada em um milhão, na qual a França figura com seiscentos mil. Pode-se estimar o número de espíritas no mundo inteiro em seis ou sete milhões. Ainda que não passasse da metade, a História não oferece nenhum exemplo de uma doutrina que, em menos de quinze anos, tivesse reunido semelhante número de adeptos disseminados por toda a superfície do globo. Se aí incluíssemos os espíritas inconscientes, isto é, os que só o são por intuição, e mais tarde se tornarão espíritas de fato, só na França poder-se-iam contar vários milhões.

Do ponto de vista da difusão das ideias espíritas, e da facilidade com que são aceitas, os principais Estados da Europa podem ser classificados como se segue: 1º França. – 2 º Itália. – 3º Espanha. – 4º Rússia. – 5º Alemanha. – 6º Bélgica. – 7º Inglaterra. – 8º Suécia e Dinamarca. – 9º Grécia. – 10º Suíça.


II. Em relação ao sexo. – 70% de homens e 30% de mulheres.


III. Em relação à idade. – Máximo: de 30 a 70 anos; média: de 20 a 30 anos; mínimo: de 70 a 80 anos.


IV Em relação à instrução. – O grau de instrução é muito fácil de apreciar pela correspondência. Instrução cuidada: 30%; – simples letrados: 30%; – instrução superior: 20%; – semiletrados: 10%; – analfabetos: 6%; – sábios oficiais: 4%.


V Em relação às ideias religiosas. – Católicos romanos, livres-pensadores, não ligados ao dogma: 50%; – católicos gregos: 15%; – judeus: 10%; – protestantes liberais: 10%; – católicos ligados aos dogmas: 10%; – protestantes ortodoxos: 3%; – muçulmanos: 2%.


VI. Em relação à fortuna. – Mediocridade: 60%; – fortunas médias: 20%; – indigência: 15%; – grandes fortunas: 5%.


VII. Em relação ao estado moral, abstração feita da fortuna. – Aflitos: 60%; – sem inquietude: 30%; – felizes do mundo: 10%; – sensualistas: 0%.


VIII. Em relação à classe social. – Sem poder estabelecer nenhuma proporção nesta categoria, é notório que o Espiritismo conta entre seus aderentes: vários soberanos e príncipes reinantes; membros de famílias soberanas e um grande número de personagens tituladas.

Em geral, é nas classes médias que o Espiritismo conta mais adeptos; na Rússia é mais ou menos exclusivamente na nobreza e na alta aristocracia; é na França que mais se propagou na pequena burguesia e na classe operária.


IX. Estado militar, segundo o grau. – 1º Tenentes e subtenentes; 2º Suboficiais; 3º Capitães; 4º Coronéis; 5º Médicos e cirurgiões; 6º Generais; 7º Guardas municipais; 8º Soldados da guarda; 9º Soldados de linha.


Observação. – Os tenentes e subtenentes espíritas estão quase todos na ativa; entre os capitães, cerca de metade estão na ativa e a outra metade na reserva; os coronéis, médicos, cirurgiões e generais, em maioria estão na reserva.


X. Marinha. – 1º Marinha de Guerra; 2º Marinha Mercante.


XI. Profissões liberais e funções diversas. – Nós os agrupamos em dez categorias, classificadas segundo a proporção dos aderentes que forneceram ao Espiritismo:

1º Médicos homeopatas. – Magnetistas.

2º Engenheiros. – Instrutores; diretores e diretoras de internatos. – Professores livres.

3º Cônsules. – Sacerdotes católicos.

4º Pequenos empregados. – Músicos. – Artistas líricos. – Artistas dramáticos.

5º Meirinhos. – Comissários de polícia.

6º Médicos alopatas. – Homens de letras. – Estudantes.

7º Magistrados. – Altos funcionários. – Professores oficiais e de liceus. – Pastores protestantes.

8º Jornalistas. – Pintores. – Arquitetos. – Cirurgiões.

9º Notários. – Advogados. – Agentes de negócios.

10º Agentes de câmbio. – Banqueiros.


XII. Profissões industriais, manuais e comerciais, igualmente grupadas em dez categorias:

1º Alfaiates. – Costureiras.

2º Mecânicos. – Empregados de estradas de ferro.

3º Tecelões. – Pequenos negociantes. – Porteiros.

4º Farmacêuticos. – Fotógrafos. – Relojoeiros. – Caixeiros-viajantes.

5º Lavradores. – Sapateiros.

6º Padeiros. – Açougueiros. – Salsicheiros.

7º Marceneiros. – Tipógrafos.

8º Grandes industriais e chefes de estabelecimentos.

9º Livreiros. – Impressores.

10º Pintores de casas. – Pedreiros. – Serralheiros. – Merceeiros. – Domésticos.


3. Desta lista, resultam as seguintes consequências:


1º Que há espíritas em todos os graus da escala social;

2º Que há mais homens do que mulheres espíritas. É certo que nas famílias divididas por suas crenças, no tocante ao Espiritismo, há mais maridos contrariados pela oposição de suas esposas do que mulheres pela dos maridos. Não é menos constante que, em todas as reuniões espíritas, os homens estejam em maioria.

É, pois, injustamente que a crítica pretendeu que a Doutrina é recrutada principalmente entre as mulheres, em virtude de sua inclinação para o maravilhoso. É precisamente o contrário: essa inclinação para o maravilhoso e para o misticismo em geral as torna mais refratárias que os homens; essa predisposição faz que aceitem mais facilmente a fé cega, que dispensa qualquer exame, ao passo que o Espiritismo, não admitindo senão a fé raciocinada, exige reflexão e dedução filosófica para ser bem compreendido, para o que a educação estreita dada às mulheres torna-as menos aptas que os homens. As que sacodem o jugo imposto à sua razão e ao seu desenvolvimento intelectual, muitas vezes caem no excesso contrário; tornam-se o que chamam de mulheres fortes e sua incredulidade mais tenaz;

3º Que a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas, e não entre os ignorantes. Por toda parte o Espiritismo se propagou de alto a baixo da escala social, e em parte alguma se desenvolveu primeiro nas camadas inferiores;

4º Que a aflição e a infelicidade predispõem às crenças espíritas, em consequência das consolações que proporcionam. É a razão pela qual, na maioria das categorias, a proporção dos espíritas está na razão da inferioridade hierárquica, porque é aí que há mais privações e sofrimentos, ao passo que os titulares das posições superiores em geral pertencem à classe dos satisfeitos, à exceção do estado militar, onde os simples soldados figuram em último lugar;

5º Que o Espiritismo encontra mais fácil acesso entre os incrédulos em matéria religiosa do que entre os que têm uma fé irrevogável;

6º Enfim, que depois dos fanáticos, os mais refratários às ideias espíritas são os sensualistas e as pessoas cujos únicos pensamentos estão concentrados nas posses e nos prazeres materiais, seja qual for a classe a que pertençam, o que independe do grau de instrução.


4. — Em resumo, o Espiritismo é acolhido como um benefício pelos que ele ajuda a suportar o fardo da vida, e é repelido ou desdenhado por aqueles a quem prejudicaria no gozo da vida. Partindo deste princípio, facilmente se explicam o lugar que ocupam, nesse quadro, certas categorias de indivíduos, a despeito das luzes que são uma condição de sua posição social. Pelo caráter, gostos, hábitos e gênero de vida das pessoas, pode-se julgar do avanço de sua aptidão para assimilar as ideias espíritas. Em alguns, a resistência é uma questão de amor próprio, que segue quase sempre o grau do saber; quando esse saber os faz conquistar uma certa posição social, que os põe em evidência, não querem admitir que se podiam ter enganado e que outros podem ter visto melhor. Oferecer provas a certas pessoas é oferecer-lhes o que mais temem; e, com medo de achá-las, tapam os olhos e os ouvidos, preferindo negar a priori e se abrigarem atrás de sua infalibilidade, de que estão muito convencidas, digam o que disserem.

Explica-se menos facilmente a causa da posição que ocupam, nesta classificação, certas profissões industriais. Pergunta-se, por exemplo, por que os alfaiates aí ocupam a primeira posição, enquanto a livraria e a imprensa, profissões bem mais intelectuais, estão quase na última. É um fato constatado há muito tempo e do qual ainda não nos demos conta.

Se, no levantamento acima, em vez de não abranger senão os espíritas de fato, tivessem considerado os espíritas inconscientes, aqueles nos quais essas ideias estão em estado de intuição e que fazem Espiritismo sem o saber, certamente várias categorias teriam sido classificadas de modo diverso; por exemplo, os literatos, os poetas, os artistas, numa palavra, todos os homens de imaginação e de inspiração, os crentes de todos os cultos estariam, sem sombra de dúvida, no primeiro lugar. Certos povos, nos quais as crenças espíritas de certo modo são inatas, também ocupariam outra posição. Eis por que essa classificação não poderia ser absoluta, e se modificará com o tempo.

Os médicos homeopatas estão à frente das profissões liberais porque, com efeito é a que, guardadas as devidas proporções, conta em suas fileiras maior número de adeptos do Espiritismo; em cem médicos espíritas, há pelo menos oitenta homeopatas. Isto se deve a que o princípio mesmo de sua medicação os conduz ao espiritualismo; por isso os materialistas são muito raros entre eles, se é que os há, ao passo que são numerosos entre os alopatas. Melhor que estes últimos, compreenderam o Espiritismo, porque encontraram nas propriedades fisiológicas do perispírito, unido ao princípio material e ao princípio espiritual, a razão de ser de seu sistema. Pelo mesmo motivo, os espíritas puderam, melhor que os outros, compreender os efeitos desse modo de tratamento. Sem ser exclusivos a respeito da homeopatia, e sem rejeitar a alopatia, compreenderam a sua racionalidade e a sustentaram contra ataques injustos. Os homeopatas, achando novos defensores nos espíritas, não foram inábeis a ponto de lhes atirar a pedra.

Se os magnetistas figuram na primeira linha, logo após os homeopatas, malgrado a oposição persistente e muitas vezes acerba de alguns, é que os oponentes não formam senão pequeníssima minoria ao lado da massa dos que são, pode-se dizer, espíritas por intuição. O magnetismo e o Espiritismo são, com efeito, duas ciências gêmeas, que se completam e explicam uma pela outra, e das duas, a que não quer imobilizar-se não pode chegar ao seu complemento sem se apoiar na sua congênere; isoladas uma da outra, detêm-se num impasse; são reciprocamente como a Física e a Química, a Anatomia e a Fisiologia. A maioria dos magnetistas compreende de tal modo por intuição a relação íntima que deve existir entre as duas coisas, que geralmente se prevalecem de seus conhecimentos em magnetismo, como meio de introdução junto aos espíritas.

Em todos os tempos os magnetistas foram divididos em dois campos: os espiritualistas e os fluidistas. Estes últimos, muito menos numerosos, pelo menos fazendo abstração do princípio espiritual, quando não o negam absolutamente, referindo tudo à ação do fluido material, estão, por conseguinte, em oposição de princípios com os espíritas. Ora, é de notar que, se nem todos os magnetistas são espíritas, todos os espíritas, sem exceção, admitem o magnetismo. Em todas as circunstâncias, fizerem-se seus defensores e sustentáculos. Deviam ter-se admirado de encontrar adversários mais ou menos malévolos nos mesmos cujas fileiras acabavam de reforçar; que, depois de terem sido, durante mais de meio século, vítimas de ataques, de zombarias e de perseguições de toda sorte, por sua vez atirem a pedra, os sarcasmos e muitas vezes a injúria aos auxiliares que lhes chegam e começam a pesar na balança pelo seu número.

Aliás, como dissemos, esta oposição está longe de ser geral; muito ao contrário. Pode-se afirmar, sem se afastar da verdade, que não chega a 2 ou 3% da totalidade dos magnetistas; ela é muito menor ainda entre os da província e do estrangeiro do que entre os de Paris.


[Revista de fevereiro.]

5. ESTATÍSTICA DO ESPIRITISMO.


Apreciação pelo Jornal La Solidarité.

O jornal Solidarité, de 15 de janeiro de 1869, analisa a estatística do Espiritismo, que publicamos em nosso número anterior. Se critica algumas de suas cifras, sentimo-nos felizes por sua adesão ao conjunto do trabalho, que aprecia nestes termos:

“Lamentamos não poder reproduzir, por falta de espaço, as reflexões muito sábias com que o Sr. Allan Kardec faz acompanhar esta estatística. Limitar-nos-emos a constatar com ele que há espíritas em todos os graus da escala social; que a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas e não entre os ignorantes; que o Espiritismo se propagou em toda parte, de alto a baixo da escala social; que a aflição e a infelicidade são os grandes recrutadores do Espiritismo, por força das consolações e das esperanças que prodigaliza aos que choram e lamentam; que o Espiritismo encontra mais fácil acesso entre os incrédulos em matérias religiosas do que entre as pessoas que têm uma fé definida; enfim, que depois dos fanáticos os mais refratários às ideias espíritas são as criaturas cujos pensamentos estão todos concentrados na posse e nos prazeres materiais, seja qual for, aliás, a sua condição.”

É um fato de capital importância constatar em toda parte que “a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas e não entre os ignorantes.” Em presença deste fato material, em que se torna a acusação de estupidez, ignorância, loucura, inépcia, lançada tão estouvadamente contra os espíritas pela malevolência?

Propagando-se de alto a baixo da escala, o Espiritismo prova, além disso, que as classes favorecidas compreendem a sua influência moralizadora sobre as massas, pois que se esforçam por nele penetrar. É que, com efeito, os exemplos que se têm sob os olhos, embora parciais e ainda isolados, demonstram de maneira peremptória que o espírito do proletariado seria muito outro se estivesse imbuído dos princípios da Doutrina Espírita.

A principal objeção do Solidarité é muito séria. Refere-se ao número de espíritas do mundo inteiro. Eis o que diz a respeito:

“A Revista Espírita engana-se muito quando estima em apenas seis ou sete milhões o número de espíritas para todo o mundo. Evidentemente se esquece de contar a Ásia.

“Se pelo termo espírita entendem-se as pessoas que creem na vida de além-túmulo e nas relações dos vivos com a alma das pessoas mortas, é por centenas de milhões que se os deve contar. A crença nos Espíritos existe em todos os sectários do budismo, e pode-se dizer que ela constitui o fundo de todas as religiões do extremo Oriente. É geral sobretudo na China. As três antigas seitas que desde tanto tempo dividem as populações no Império Central, creem nos manes, nos Espíritos e professam o seu culto. – Pode-se mesmo dizer que este é para elas um terreno comum. Os adoradores do Tao e de Fo aí se encontram com os sectários do filósofo Confúcio.

“Os sacerdotes da seita de Lao-Tseu, e particularmente os Tao-Tseu, ou doutores da Razão, devem às práticas espíritas uma grande parte de sua influência sobre as populações. – Esses religiosos interrogam os Espíritos e obtêm respostas escritas, que não têm mais nem menos valor que as dos nossos médiuns. São conselhos e avisos considerados como dados aos vivos pelo Espírito de um morto. Aí se encontram revelações de segredos conhecidos unicamente pela pessoa que interroga, algumas vezes predições que se realizam ou não, mas que são capazes de impressionar os assistentes e estimular os seus desejos, para que se encarreguem de realizar, eles próprios, o oráculo.

“Obtêm-se essas correspondências por processos que não diferem muito dos nossos espíritas, mas que, no entanto, devem ser mais aperfeiçoados, se se considerar a longa experiência dos operadores que os praticam tradicionalmente.

“Eis como nos são descritos por uma testemunha ocular, o Sr. D…, que mora na China há muito tempo e que é familiar com a língua do país:

“Uma vara de pescar, de 50 a 60 centímetros, é sustentada nas extremidades por duas pessoas, das quais uma é o médium e a outra o interrogador. No meio dessa vara, tiveram o cuidado de lacrar ou amarrar uma pequena varinha da mesma madeira, bastante semelhante a um lápis, pelo tamanho e grossura. Abaixo desse pequeno aparelho é espalhada uma camada de areia, ou uma caixa contendo farinha de milho. Deslizando maquinalmente sobre a areia ou a farinha de milho, a varinha traça caracteres. À medida que estes se formam, são lidos e reproduzidos imediatamente no papel por um letrado presente à sessão. Daí resultam frases e escritos mais ou menos longos, mais ou menos interessantes, mas tendo sempre um valor lógico.

“A dar-se crédito aos Tao-Tseu, esses processos lhes vêm do próprio Lao-Tseu. Ora, se conforme a História, Lao-Tseu viveu no sexto século antes de Jesus-Cristo, é bom lembrar que, conforme a lenda, ele é como o Verbo dos cristãos, anterior ao começo e contemporâneo da grande não-entidade, como exprimem os doutores da Razão.

“Vê-se que o Espiritismo remonta a uma belíssima antiguidade.

“Isto não prova que ele é verdadeiro? – Não, por certo, mas se basta que uma crença seja antiga para ser venerável, e forte pelo número de seus partidários para ser respeitada, não conheço outra que tenha mais títulos ao respeito e à veneração de meus contemporâneos.”


6. — Nem é preciso dizer que aderimos completamente a essa retificação, e nos sentimos felizes que ela emane de uma fonte estranha, porque prova que não procuramos exagerar o quadro. Nossos leitores apreciarão, como nós, a maneira pela qual esse jornal, que se recomenda por seu caráter sério, encara o Espiritismo; vê-se que, de sua parte, é uma apreciação com justas razões.

Sabíamos perfeitamente que as ideias espíritas estão muito espalhadas nos povos do extremo Oriente, e se não as tínhamos levado em consideração é que, em nossa avaliação, não nos propusemos apresentar, conforme dissemos, senão o movimento do Espiritismo moderno, reservando-nos para fazer mais tarde um estudo especial sobre a anterioridade dessas ideias. Agradecemos muito sinceramente ao autor do artigo por nos haver precedido.

Noutro lugar ele diz: “Cremos que esta incerteza (sobre o número real dos espíritas, sobretudo na França), a princípio se deve à ausência de declarações positivas da parte dos adeptos; depois, ao estado flutuante das crenças. Existe – e poderíamos citar em Paris numerosos exemplos – uma multidão de pessoas que creem no Espiritismo e que não se gabam disto.”

Isto é perfeitamente justo; por isso só falamos dos espíritas de fato; do contrário, como dissemos, se incluíssemos os espíritas por intuição, somente na França eles se contariam por milhões; mas preferimos ficar aquém e não além da verdade, para não sermos tachados de exagero. Contudo, é preciso que o acréscimo seja muito sensível, para que certos adversários o tenham levado a cifras hiperbólicas, como o autor da brochura O orçamento do Espiritismo, que, vendo talvez os espíritas com lente de aumento, os avaliava, em 1863, em vinte milhões na França. (Revista Espírita de junho de 1863.)

A respeito da proporção dos sábios oficiais, na categoria do grau de instrução, diz o autor: “Gostaríamos muito de ver a olho nu esses 4% de sábios oficiais 40:000 para a Europa; 24.000 só para a França; são muitos sábios, e ainda oficiais; 6% de iletrados é quase nada.”

A crítica seria fundada se, como supõe o autor, se tratasse de 4% sobre o número aproximado de seiscentos mil espíritas na França, o que, efetivamente, daria vinte e quatro mil. Realmente seria muito, pois se teria dificuldade em encontrar essa cifra de sábios oficiais em toda a população da França. Em tal base, o cálculo seria evidentemente ridículo e se poderia dizer outro tanto dos iletrados. Essa avaliação, portanto, não tem por objetivo estabelecer o número efetivo dos sábios oficiais espíritas, mas a proporção relativa em que se encontram a respeito dos diversos graus de instrução, entre os quais estão em minoria. Nas outras categorias, limitamo-nos a uma simples classificação, sem avaliação numérica em termos percentuais. Quando utilizamos este último processo, foi para tornar mais sensível a proporção.

Para melhor definir o nosso pensamento, diremos que, por sábios oficiais, não entendemos todos aqueles cujo saber é constatado por um diploma, mas unicamente os que ocupam posições oficiais, como membros de Academias, professores de Faculdades, etc., que assim se acham em maior evidência e cujos nomes, por tais motivos, fazem autoridade na Ciência. Desse ponto de vista, um doutor em Medicina pode ser sábio sem ser um sábio oficial.

A posição oficial influi bastante sobre a maneira de encarar certas coisas. Como prova disto, citaremos o exemplo de um médico distinto, morto há vários anos, e que conhecemos pessoalmente. Era então grande partidário do magnetismo, sobre o qual havia escrito, e foi o que nos pôs em contato com ele. Aumentando a sua reputação, conquistou sucessivamente várias posições oficiais. À medida que subia, baixava seu fervor pelo magnetismo, caindo abaixo de zero quando chegou ao topo da escala, porque renegava abertamente suas antigas convicções. Considerações da mesma natureza podem explicar a posição de certas classes no que concerne ao Espiritismo.


7. — A categoria dos aflitos, dos despreocupados, dos felizes do mundo, dos sensualistas, fornece ao autor do artigo a seguinte reflexão:

“É pena que isto seja pura fantasia. Nada de sensualistas, compreende-se; Espiritismo e materialismo se excluem; sessenta aflitos em cem espíritas ainda se compreende. É para os que choram que as relações com um mundo melhor são preciosas. Mas trinta pessoas despreocupadas em cem, é demais! Se o Espiritismo operasse tais milagres, faria muitas outras conquistas. Fá-las-ia sobretudo entre os felizes do mundo, que também são, quase sempre, os mais inquietos e os mais atormentados.”

Há aqui um erro manifesto, pois pareceria que esse resultado é devido ao Espiritismo, ao passo que é ele que colhe, nessas categorias, mais ou menos adeptos conforme as predisposições que aí encontra. Essas cifras significam simplesmente que encontra mais adeptos entre os aflitos, um pouco menos entre as pessoas despreocupadas, menos ainda entre os felizes do mundo, e de modo algum entre os sensualistas.

Antes de mais, é preciso entender-se quanto às palavras. Materialismo e sensualismo não são sinônimos e nem sempre marcham lado a lado, já que se veem pessoas, espiritualistas por profissão e por dever, que são muito sensuais, ao passo que há muitos materialistas bastante moderados em sua maneira de viver; para eles o materialismo não passa de uma opinião, que abraçaram em falta de outra mais racional. Eis por que, quando reconhecem que o Espiritismo enche o vazio feito em sua consciência pela incredulidade, aceitam-no com felicidade; os sensualistas, ao contrário, são os mais refratários.

Uma coisa muito bizarra é que o Espiritismo encontra mais resistência entre os panteístas em geral, do que entre os que são francamente materialistas. Provavelmente isto se deve a que o panteísta quase sempre cria um sistema; possui algo, ao passo que o materialista nada tem, e esse vazio o inquieta.

Pelos felizes do mundo entendemos os que passam como tais aos olhos da multidão, porque se podem permitir largamente todos os prazeres da vida. É verdade que muitas vezes são os mais inquietos e os mais atormentados. Mas, por quê? pelas preocupações que lhes causam a fortuna e a ambição. Ao lado dessas preocupações incessantes, das ansiedades da perda ou do ganho, da azáfama dos negócios para uns, dos prazeres para outros, resta-lhes muito pouco tempo para se ocuparem do futuro.

Não podendo ter a paz da alma senão com a condição de renunciar ao que constitui o objeto de sua cobiça, o Espiritismo pouco os afeta, filosoficamente falando. Com exceção das penas do coração, que não poupam a ninguém, a não ser os egoístas, quase sempre os tormentos da vida estão para eles nas decepções da vaidade, no desejo de possuir, de brilhar, de mandar. Pode-se, pois, dizer que atormentam a si mesmos.

Ao contrário, a calma e a tranquilidade se encontram mais particularmente nas posições modestas, quando assegurado o bem-estar da vida. Aí quase não há ambição; contentam-se com o que têm, sem se atormentarem em o aumentar, correndo os riscos aleatórios da agiotagem ou da especulação. São os que chamamos despreocupados, falando relativamente; por pouco haja neles elevação de pensamento, ocupam-se de bom grado das coisas sérias; o Espiritismo lhes oferece um atraente assunto de meditação, e o aceitam mais facilmente do que aqueles a quem o turbilhão do mundo suscita uma febre contínua.

Tais são os motivos dessa classificação que, como se vê, não é tão fantasiosa quanto supõe o autor do artigo. Nós lhe agradecemos por nos ter ensejado ocasião de apontar erros que outros poderiam ter cometido, por não termos sido bastante explícitos.


8. — Em nossa estatística, omitimos duas funções importantes por sua natureza, e porque contam um número bastante grande de adeptos sinceros e devotados; são os prefeitos e os juízes de paz que estão na quinta classe, com os meirinhos e os comissários de polícia.

Uma outra omissão, contra a qual ele reclamou com justiça, e que insistem que reparemos, é a dos poloneses, na categoria dos povos. Ela é tanto mais fundada quanto o Espiritismo conta, nessa nação, numerosos e fervorosos adeptos, desde a origem. Como classe, a Polônia vem em quinto lugar, entre a Rússia e a Alemanha.

Para completar a nomenclatura, seria preciso incluir outros países, como a Holanda, por exemplo, que viria após a Inglaterra; Portugal depois da Grécia; as províncias do Danúbio, onde também há espíritas, mas sobre as quais não temos dados bastante positivos para lhes assinalar a classe. Quanto à Turquia, a quase totalidade dos adeptos se compõe de franceses, italianos e gregos.

Uma classificação mais racional e mais exata do que pelas nações territoriais, seria pelas raças ou nacionalidades, que não estão confinadas em limites circunscritos, apresentando, por toda parte onde se espalham, maior ou menor aptidão para assimilar as ideias espíritas. Deste ponto de vista, numa mesma região, muitas vezes se teria que fazer várias distinções.


9. — A comunicação seguinte foi dada num grupo de Paris, a propósito da classe que ocupam os alfaiates entre as profissões industriais.


(Paris, 6 de janeiro de 1869. – Grupo Desliens. – Médium: Sr. Leymarie.)

Criastes categorias, caro mestre, no início das quais colocastes certas profissões. Sabeis o que, em nossa opinião, arrasta certas pessoas a se tornarem espíritas? São as mil perseguições que sofrem em suas profissões. Os primeiros de que falais devem ter ordem, economia [organização], cuidado, gosto, ser um pouco artistas e, depois, ser ainda pacientes, saber esperar, escutar, sorrir e saudar com certa elegância; mas, após todas essas pequenas convenções, mais sérias do que se pensa, ainda é preciso calcular, ordenar sua caixa pelo ativo e pelo passivo e sofrer, sofrer continuamente.

Em contato com homens de todas as classes, comentando as queixas, as confidências, os enganos, os rostos falsos, aprendem muito! Levando essa vida múltipla, sua inteligência se abre por comparação; seu espírito se fortifica pela decepção e pelo sofrimento. E eis por que certas categorias compreendem e aclamam todos os progressos; amam o teatro francês, a bela arquitetura, o desenho, a filosofia; muitos amam a liberdade e todas as suas consequências. Sempre à frente e à espreita do que consola e faz esperar, elas se dão ao Espiritismo, que lhes é uma força, uma promessa ardente, uma verdade que engrandece o sacrifício e, mais do que acreditais, a parte classificada como a nº 1 vive de sacrifícios.


Sonnet.





Janeiro

1. — Como já dissemos, a enumeração exata dos espíritas seria coisa impossível, e isto por uma razão muito simples: o Espiritismo não é uma associação, nem uma congregação; seus aderentes não estão inscritos em nenhum registro oficial. Sabe-se perfeitamente que não se poderia avaliar o montante pelo número e a importância das sociedades, frequentadas apenas por minoria ínfima. O Espiritismo é uma opinião que não exige nenhuma profissão de fé, e pode estender-se ao todo ou parte dos princípios da Doutrina. Basta simpatizar com a ideia para ser espírita. Ora, não sendo essa qualidade conferida por nenhum ato material, e não implicando senão obrigações morais, não existe qualquer base física para determinar o número dos adeptos com precisão. Não se o pode estimar senão de maneira aproximativa, pelas relações e pela maior ou menor facilidade com que a ideia se propaga. Esse número aumenta diariamente em proporção considerável: é um fato positivo, reconhecido pelos próprios adversários; a oposição diminui, prova evidente de que a ideia encontra, cada vez mais, numerosas simpatias.

Aliás, compreende-se que é pelo conjunto e não pela situação das localidades, consideradas isoladamente, que se pode basear uma apreciação; há em cada localidade elementos mais ou menos favoráveis, em razão do estado particular dos Espíritos e também das resistências mais ou menos influentes que aí se exercem; mas essa situação é variável, porque tal localidade, que se tenha mostrado refratária durante vários anos, de repente se torna um foco. Quando os elementos de apreciação tiverem adquirido mais precisão, será possível fazer um mapa colorido em relação à difusão das ideias espíritas, como foi feito para a instrução. Enquanto isso, pode-se afirmar, sem exagero, que, em suma, o número dos adeptos centuplicou em dez anos, a despeito das manobras empregadas para abafar a ideia e contrariamente às previsões de todos os que se vangloriavam de a ter enterrado. Isto é um fato comprovado, devendo os antagonistas tomar o seu partido.

Só falamos aqui dos que aceitam o Espiritismo com conhecimento de causa, depois de o haver estudado, e não dos que, embora mais numerosos, estas ideias ainda estão em estado de intuição, faltando-lhes apenas definir suas crenças com mais precisão e dar-lhes um nome, para serem espíritas confessos. É um fato bem comprovado, que se constata todos os dias, sobretudo de algum tempo para cá, que as ideias espíritas parecem inatas numa porção de indivíduos, que jamais ouviram falar do Espiritismo; não se pode dizer que tenham sofrido uma influência qualquer, nem que sofreram a influência de um círculo. Que os adversários expliquem, se puderem, esses pensamentos que nascem fora e à margem do Espiritismo! Por certo não seria um sistema preconcebido no cérebro de um homem que teria produzido tal resultado; não há prova mais evidente de que essas ideias estão na Natureza, nem melhor garantia de sua vulgarização no futuro e de sua perpetuidade. Deste ponto de vista pode-se dizer que pelo menos três quartos da população de todos os países possuem o germe das crenças espíritas, pois são encontrados entre aqueles mesmos que lhe fazem oposição. Na maioria, a oposição vem da falsa ideia que fazem do Espiritismo; não o conhecendo, em geral, senão pelos quadros ridículos que dele faz a critica malevolente ou interessada em desacreditá-lo, recusam com razão a qualidade de espíritas. Certamente, se o Espiritismo se assemelhasse aos retratos grotescos que dele fizeram, se se constituísse das crenças e práticas absurdas que houveram por bem lhe atribuir, seríamos o primeiro a repudiar o título de espírita. Quando, pois, essas mesmas pessoas souberem que a Doutrina não é senão a coordenação e o desenvolvimento de suas próprias aspirações e de seus pensamentos íntimos, aceitá-la-ão; esses são, incontestavelmente, futuros espíritas, mas, por enquanto, não os consideramos em nossas avaliações.

Se é impossível uma estatística, outra há, talvez mais instrutiva e para a qual existem elementos que nos fornecem as nossas relações e a nossa correspondência: é a proporção relativa dos espíritas segundo as profissões, as posições sociais, as nacionalidades, as crenças religiosas, etc., levando em conta que certas profissões, como os oficiais ministeriais, por exemplo, são em número limitado, ao passo que outras, como os industriais e os capitalistas são em número indefinido. Guardadas todas as proporções, pode-se ver quais são as categorias nas quais o Espiritismo encontrou, até hoje, mais aderentes. Em alguns, a proporção pôde ser estabelecida em percentagem, com precisão, sem contudo pretender que tenham um rigor matemático; as outras categorias simplesmente foram classificadas em razão do número de adeptos que apresentaram, começando pelas de maior número, de que a correspondência e a lista de assinantes da Revista podem fornecer elementos. O quadro a seguir é resultado do levantamento de mais de dez mil observações.

Constatamos o fato, sem procurar discutir a causa dessa diferença, o que, não obstante, poderia ser assunto para um estudo interessante.


2. PROPORÇÃO RELATIVA DOS ESPÍRITAS.


I. Em relação às nacionalidades. – A bem dizer, não existe nenhum país civilizado da Europa e da América onde não haja espíritas. Eles são mais numerosos nos Estados Unidos da América do Norte. Seu número aí é avaliado, por uns, em quatro milhões, o que já é muito, e por outros em dez milhões. Esta última cifra evidentemente é exagerada, porque compreenderia mais de um terço da população, o que não é provável. Na Europa, a cifra pode ser avaliada em um milhão, na qual a França figura com seiscentos mil. Pode-se estimar o número de espíritas no mundo inteiro em seis ou sete milhões. Ainda que não passasse da metade, a História não oferece nenhum exemplo de uma doutrina que, em menos de quinze anos, tivesse reunido semelhante número de adeptos disseminados por toda a superfície do globo. Se aí incluíssemos os espíritas inconscientes, isto é, os que só o são por intuição, e mais tarde se tornarão espíritas de fato, só na França poder-se-iam contar vários milhões.

Do ponto de vista da difusão das ideias espíritas, e da facilidade com que são aceitas, os principais Estados da Europa podem ser classificados como se segue: 1º França. – 2 º Itália. – 3º Espanha. – 4º Rússia. – 5º Alemanha. – 6º Bélgica. – 7º Inglaterra. – 8º Suécia e Dinamarca. – 9º Grécia. – 10º Suíça.


II. Em relação ao sexo. – 70% de homens e 30% de mulheres.


III. Em relação à idade. – Máximo: de 30 a 70 anos; média: de 20 a 30 anos; mínimo: de 70 a 80 anos.


IV Em relação à instrução. – O grau de instrução é muito fácil de apreciar pela correspondência. Instrução cuidada: 30%; – simples letrados: 30%; – instrução superior: 20%; – semiletrados: 10%; – analfabetos: 6%; – sábios oficiais: 4%.


V Em relação às ideias religiosas. – Católicos romanos, livres-pensadores, não ligados ao dogma: 50%; – católicos gregos: 15%; – judeus: 10%; – protestantes liberais: 10%; – católicos ligados aos dogmas: 10%; – protestantes ortodoxos: 3%; – muçulmanos: 2%.


VI. Em relação à fortuna. – Mediocridade: 60%; – fortunas médias: 20%; – indigência: 15%; – grandes fortunas: 5%.


VII. Em relação ao estado moral, abstração feita da fortuna. – Aflitos: 60%; – sem inquietude: 30%; – felizes do mundo: 10%; – sensualistas: 0%.


VIII. Em relação à classe social. – Sem poder estabelecer nenhuma proporção nesta categoria, é notório que o Espiritismo conta entre seus aderentes: vários soberanos e príncipes reinantes; membros de famílias soberanas e um grande número de personagens tituladas.

Em geral, é nas classes médias que o Espiritismo conta mais adeptos; na Rússia é mais ou menos exclusivamente na nobreza e na alta aristocracia; é na França que mais se propagou na pequena burguesia e na classe operária.


IX. Estado militar, segundo o grau. – 1º Tenentes e subtenentes; 2º Suboficiais; 3º Capitães; 4º Coronéis; 5º Médicos e cirurgiões; 6º Generais; 7º Guardas municipais; 8º Soldados da guarda; 9º Soldados de linha.


Observação. – Os tenentes e subtenentes espíritas estão quase todos na ativa; entre os capitães, cerca de metade estão na ativa e a outra metade na reserva; os coronéis, médicos, cirurgiões e generais, em maioria estão na reserva.


X. Marinha. – 1º Marinha de Guerra; 2º Marinha Mercante.


XI. Profissões liberais e funções diversas. – Nós os agrupamos em dez categorias, classificadas segundo a proporção dos aderentes que forneceram ao Espiritismo:

1º Médicos homeopatas. – Magnetistas.

2º Engenheiros. – Instrutores; diretores e diretoras de internatos. – Professores livres.

3º Cônsules. – Sacerdotes católicos.

4º Pequenos empregados. – Músicos. – Artistas líricos. – Artistas dramáticos.

5º Meirinhos. – Comissários de polícia.

6º Médicos alopatas. – Homens de letras. – Estudantes.

7º Magistrados. – Altos funcionários. – Professores oficiais e de liceus. – Pastores protestantes.

8º Jornalistas. – Pintores. – Arquitetos. – Cirurgiões.

9º Notários. – Advogados. – Agentes de negócios.

10º Agentes de câmbio. – Banqueiros.


XII. Profissões industriais, manuais e comerciais, igualmente grupadas em dez categorias:

1º Alfaiates. – Costureiras.

2º Mecânicos. – Empregados de estradas de ferro.

3º Tecelões. – Pequenos negociantes. – Porteiros.

4º Farmacêuticos. – Fotógrafos. – Relojoeiros. – Caixeiros-viajantes.

5º Lavradores. – Sapateiros.

6º Padeiros. – Açougueiros. – Salsicheiros.

7º Marceneiros. – Tipógrafos.

8º Grandes industriais e chefes de estabelecimentos.

9º Livreiros. – Impressores.

10º Pintores de casas. – Pedreiros. – Serralheiros. – Merceeiros. – Domésticos.


3. Desta lista, resultam as seguintes consequências:


1º Que há espíritas em todos os graus da escala social;

2º Que há mais homens do que mulheres espíritas. É certo que nas famílias divididas por suas crenças, no tocante ao Espiritismo, há mais maridos contrariados pela oposição de suas esposas do que mulheres pela dos maridos. Não é menos constante que, em todas as reuniões espíritas, os homens estejam em maioria.

É, pois, injustamente que a crítica pretendeu que a Doutrina é recrutada principalmente entre as mulheres, em virtude de sua inclinação para o maravilhoso. É precisamente o contrário: essa inclinação para o maravilhoso e para o misticismo em geral as torna mais refratárias que os homens; essa predisposição faz que aceitem mais facilmente a fé cega, que dispensa qualquer exame, ao passo que o Espiritismo, não admitindo senão a fé raciocinada, exige reflexão e dedução filosófica para ser bem compreendido, para o que a educação estreita dada às mulheres torna-as menos aptas que os homens. As que sacodem o jugo imposto à sua razão e ao seu desenvolvimento intelectual, muitas vezes caem no excesso contrário; tornam-se o que chamam de mulheres fortes e sua incredulidade mais tenaz;

3º Que a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas, e não entre os ignorantes. Por toda parte o Espiritismo se propagou de alto a baixo da escala social, e em parte alguma se desenvolveu primeiro nas camadas inferiores;

4º Que a aflição e a infelicidade predispõem às crenças espíritas, em consequência das consolações que proporcionam. É a razão pela qual, na maioria das categorias, a proporção dos espíritas está na razão da inferioridade hierárquica, porque é aí que há mais privações e sofrimentos, ao passo que os titulares das posições superiores em geral pertencem à classe dos satisfeitos, à exceção do estado militar, onde os simples soldados figuram em último lugar;

5º Que o Espiritismo encontra mais fácil acesso entre os incrédulos em matéria religiosa do que entre os que têm uma fé irrevogável;

6º Enfim, que depois dos fanáticos, os mais refratários às ideias espíritas são os sensualistas e as pessoas cujos únicos pensamentos estão concentrados nas posses e nos prazeres materiais, seja qual for a classe a que pertençam, o que independe do grau de instrução.


4. — Em resumo, o Espiritismo é acolhido como um benefício pelos que ele ajuda a suportar o fardo da vida, e é repelido ou desdenhado por aqueles a quem prejudicaria no gozo da vida. Partindo deste princípio, facilmente se explicam o lugar que ocupam, nesse quadro, certas categorias de indivíduos, a despeito das luzes que são uma condição de sua posição social. Pelo caráter, gostos, hábitos e gênero de vida das pessoas, pode-se julgar do avanço de sua aptidão para assimilar as ideias espíritas. Em alguns, a resistência é uma questão de amor próprio, que segue quase sempre o grau do saber; quando esse saber os faz conquistar uma certa posição social, que os põe em evidência, não querem admitir que se podiam ter enganado e que outros podem ter visto melhor. Oferecer provas a certas pessoas é oferecer-lhes o que mais temem; e, com medo de achá-las, tapam os olhos e os ouvidos, preferindo negar a priori e se abrigarem atrás de sua infalibilidade, de que estão muito convencidas, digam o que disserem.

Explica-se menos facilmente a causa da posição que ocupam, nesta classificação, certas profissões industriais. Pergunta-se, por exemplo, por que os alfaiates aí ocupam a primeira posição, enquanto a livraria e a imprensa, profissões bem mais intelectuais, estão quase na última. É um fato constatado há muito tempo e do qual ainda não nos demos conta.

Se, no levantamento acima, em vez de não abranger senão os espíritas de fato, tivessem considerado os espíritas inconscientes, aqueles nos quais essas ideias estão em estado de intuição e que fazem Espiritismo sem o saber, certamente várias categorias teriam sido classificadas de modo diverso; por exemplo, os literatos, os poetas, os artistas, numa palavra, todos os homens de imaginação e de inspiração, os crentes de todos os cultos estariam, sem sombra de dúvida, no primeiro lugar. Certos povos, nos quais as crenças espíritas de certo modo são inatas, também ocupariam outra posição. Eis por que essa classificação não poderia ser absoluta, e se modificará com o tempo.

Os médicos homeopatas estão à frente das profissões liberais porque, com efeito é a que, guardadas as devidas proporções, conta em suas fileiras maior número de adeptos do Espiritismo; em cem médicos espíritas, há pelo menos oitenta homeopatas. Isto se deve a que o princípio mesmo de sua medicação os conduz ao espiritualismo; por isso os materialistas são muito raros entre eles, se é que os há, ao passo que são numerosos entre os alopatas. Melhor que estes últimos, compreenderam o Espiritismo, porque encontraram nas propriedades fisiológicas do perispírito, unido ao princípio material e ao princípio espiritual, a razão de ser de seu sistema. Pelo mesmo motivo, os espíritas puderam, melhor que os outros, compreender os efeitos desse modo de tratamento. Sem ser exclusivos a respeito da homeopatia, e sem rejeitar a alopatia, compreenderam a sua racionalidade e a sustentaram contra ataques injustos. Os homeopatas, achando novos defensores nos espíritas, não foram inábeis a ponto de lhes atirar a pedra.

Se os magnetistas figuram na primeira linha, logo após os homeopatas, malgrado a oposição persistente e muitas vezes acerba de alguns, é que os oponentes não formam senão pequeníssima minoria ao lado da massa dos que são, pode-se dizer, espíritas por intuição. O magnetismo e o Espiritismo são, com efeito, duas ciências gêmeas, que se completam e explicam uma pela outra, e das duas, a que não quer imobilizar-se não pode chegar ao seu complemento sem se apoiar na sua congênere; isoladas uma da outra, detêm-se num impasse; são reciprocamente como a Física e a Química, a Anatomia e a Fisiologia. A maioria dos magnetistas compreende de tal modo por intuição a relação íntima que deve existir entre as duas coisas, que geralmente se prevalecem de seus conhecimentos em magnetismo, como meio de introdução junto aos espíritas.

Em todos os tempos os magnetistas foram divididos em dois campos: os espiritualistas e os fluidistas. Estes últimos, muito menos numerosos, pelo menos fazendo abstração do princípio espiritual, quando não o negam absolutamente, referindo tudo à ação do fluido material, estão, por conseguinte, em oposição de princípios com os espíritas. Ora, é de notar que, se nem todos os magnetistas são espíritas, todos os espíritas, sem exceção, admitem o magnetismo. Em todas as circunstâncias, fizerem-se seus defensores e sustentáculos. Deviam ter-se admirado de encontrar adversários mais ou menos malévolos nos mesmos cujas fileiras acabavam de reforçar; que, depois de terem sido, durante mais de meio século, vítimas de ataques, de zombarias e de perseguições de toda sorte, por sua vez atirem a pedra, os sarcasmos e muitas vezes a injúria aos auxiliares que lhes chegam e começam a pesar na balança pelo seu número.

Aliás, como dissemos, esta oposição está longe de ser geral; muito ao contrário. Pode-se afirmar, sem se afastar da verdade, que não chega a 2 ou 3% da totalidade dos magnetistas; ela é muito menor ainda entre os da província e do estrangeiro do que entre os de Paris.


[Revista de fevereiro.]

5. ESTATÍSTICA DO ESPIRITISMO.


Apreciação pelo Jornal La Solidarité.

O jornal Solidarité, de 15 de janeiro de 1869, analisa a estatística do Espiritismo, que publicamos em nosso número anterior. Se critica algumas de suas cifras, sentimo-nos felizes por sua adesão ao conjunto do trabalho, que aprecia nestes termos:

“Lamentamos não poder reproduzir, por falta de espaço, as reflexões muito sábias com que o Sr. Allan Kardec faz acompanhar esta estatística. Limitar-nos-emos a constatar com ele que há espíritas em todos os graus da escala social; que a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas e não entre os ignorantes; que o Espiritismo se propagou em toda parte, de alto a baixo da escala social; que a aflição e a infelicidade são os grandes recrutadores do Espiritismo, por força das consolações e das esperanças que prodigaliza aos que choram e lamentam; que o Espiritismo encontra mais fácil acesso entre os incrédulos em matérias religiosas do que entre as pessoas que têm uma fé definida; enfim, que depois dos fanáticos os mais refratários às ideias espíritas são as criaturas cujos pensamentos estão todos concentrados na posse e nos prazeres materiais, seja qual for, aliás, a sua condição.”

É um fato de capital importância constatar em toda parte que “a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas e não entre os ignorantes.” Em presença deste fato material, em que se torna a acusação de estupidez, ignorância, loucura, inépcia, lançada tão estouvadamente contra os espíritas pela malevolência?

Propagando-se de alto a baixo da escala, o Espiritismo prova, além disso, que as classes favorecidas compreendem a sua influência moralizadora sobre as massas, pois que se esforçam por nele penetrar. É que, com efeito, os exemplos que se têm sob os olhos, embora parciais e ainda isolados, demonstram de maneira peremptória que o espírito do proletariado seria muito outro se estivesse imbuído dos princípios da Doutrina Espírita.

A principal objeção do Solidarité é muito séria. Refere-se ao número de espíritas do mundo inteiro. Eis o que diz a respeito:

“A Revista Espírita engana-se muito quando estima em apenas seis ou sete milhões o número de espíritas para todo o mundo. Evidentemente se esquece de contar a Ásia.

“Se pelo termo espírita entendem-se as pessoas que creem na vida de além-túmulo e nas relações dos vivos com a alma das pessoas mortas, é por centenas de milhões que se os deve contar. A crença nos Espíritos existe em todos os sectários do budismo, e pode-se dizer que ela constitui o fundo de todas as religiões do extremo Oriente. É geral sobretudo na China. As três antigas seitas que desde tanto tempo dividem as populações no Império Central, creem nos manes, nos Espíritos e professam o seu culto. – Pode-se mesmo dizer que este é para elas um terreno comum. Os adoradores do Tao e de Fo aí se encontram com os sectários do filósofo Confúcio.

“Os sacerdotes da seita de Lao-Tseu, e particularmente os Tao-Tseu, ou doutores da Razão, devem às práticas espíritas uma grande parte de sua influência sobre as populações. – Esses religiosos interrogam os Espíritos e obtêm respostas escritas, que não têm mais nem menos valor que as dos nossos médiuns. São conselhos e avisos considerados como dados aos vivos pelo Espírito de um morto. Aí se encontram revelações de segredos conhecidos unicamente pela pessoa que interroga, algumas vezes predições que se realizam ou não, mas que são capazes de impressionar os assistentes e estimular os seus desejos, para que se encarreguem de realizar, eles próprios, o oráculo.

“Obtêm-se essas correspondências por processos que não diferem muito dos nossos espíritas, mas que, no entanto, devem ser mais aperfeiçoados, se se considerar a longa experiência dos operadores que os praticam tradicionalmente.

“Eis como nos são descritos por uma testemunha ocular, o Sr. D…, que mora na China há muito tempo e que é familiar com a língua do país:

“Uma vara de pescar, de 50 a 60 centímetros, é sustentada nas extremidades por duas pessoas, das quais uma é o médium e a outra o interrogador. No meio dessa vara, tiveram o cuidado de lacrar ou amarrar uma pequena varinha da mesma madeira, bastante semelhante a um lápis, pelo tamanho e grossura. Abaixo desse pequeno aparelho é espalhada uma camada de areia, ou uma caixa contendo farinha de milho. Deslizando maquinalmente sobre a areia ou a farinha de milho, a varinha traça caracteres. À medida que estes se formam, são lidos e reproduzidos imediatamente no papel por um letrado presente à sessão. Daí resultam frases e escritos mais ou menos longos, mais ou menos interessantes, mas tendo sempre um valor lógico.

“A dar-se crédito aos Tao-Tseu, esses processos lhes vêm do próprio Lao-Tseu. Ora, se conforme a História, Lao-Tseu viveu no sexto século antes de Jesus-Cristo, é bom lembrar que, conforme a lenda, ele é como o Verbo dos cristãos, anterior ao começo e contemporâneo da grande não-entidade, como exprimem os doutores da Razão.

“Vê-se que o Espiritismo remonta a uma belíssima antiguidade.

“Isto não prova que ele é verdadeiro? – Não, por certo, mas se basta que uma crença seja antiga para ser venerável, e forte pelo número de seus partidários para ser respeitada, não conheço outra que tenha mais títulos ao respeito e à veneração de meus contemporâneos.”


6. — Nem é preciso dizer que aderimos completamente a essa retificação, e nos sentimos felizes que ela emane de uma fonte estranha, porque prova que não procuramos exagerar o quadro. Nossos leitores apreciarão, como nós, a maneira pela qual esse jornal, que se recomenda por seu caráter sério, encara o Espiritismo; vê-se que, de sua parte, é uma apreciação com justas razões.

Sabíamos perfeitamente que as ideias espíritas estão muito espalhadas nos povos do extremo Oriente, e se não as tínhamos levado em consideração é que, em nossa avaliação, não nos propusemos apresentar, conforme dissemos, senão o movimento do Espiritismo moderno, reservando-nos para fazer mais tarde um estudo especial sobre a anterioridade dessas ideias. Agradecemos muito sinceramente ao autor do artigo por nos haver precedido.

Noutro lugar ele diz: “Cremos que esta incerteza (sobre o número real dos espíritas, sobretudo na França), a princípio se deve à ausência de declarações positivas da parte dos adeptos; depois, ao estado flutuante das crenças. Existe – e poderíamos citar em Paris numerosos exemplos – uma multidão de pessoas que creem no Espiritismo e que não se gabam disto.”

Isto é perfeitamente justo; por isso só falamos dos espíritas de fato; do contrário, como dissemos, se incluíssemos os espíritas por intuição, somente na França eles se contariam por milhões; mas preferimos ficar aquém e não além da verdade, para não sermos tachados de exagero. Contudo, é preciso que o acréscimo seja muito sensível, para que certos adversários o tenham levado a cifras hiperbólicas, como o autor da brochura O orçamento do Espiritismo, que, vendo talvez os espíritas com lente de aumento, os avaliava, em 1863, em vinte milhões na França. (Revista Espírita de junho de 1863.)

A respeito da proporção dos sábios oficiais, na categoria do grau de instrução, diz o autor: “Gostaríamos muito de ver a olho nu esses 4% de sábios oficiais 40:000 para a Europa; 24.000 só para a França; são muitos sábios, e ainda oficiais; 6% de iletrados é quase nada.”

A crítica seria fundada se, como supõe o autor, se tratasse de 4% sobre o número aproximado de seiscentos mil espíritas na França, o que, efetivamente, daria vinte e quatro mil. Realmente seria muito, pois se teria dificuldade em encontrar essa cifra de sábios oficiais em toda a população da França. Em tal base, o cálculo seria evidentemente ridículo e se poderia dizer outro tanto dos iletrados. Essa avaliação, portanto, não tem por objetivo estabelecer o número efetivo dos sábios oficiais espíritas, mas a proporção relativa em que se encontram a respeito dos diversos graus de instrução, entre os quais estão em minoria. Nas outras categorias, limitamo-nos a uma simples classificação, sem avaliação numérica em termos percentuais. Quando utilizamos este último processo, foi para tornar mais sensível a proporção.

Para melhor definir o nosso pensamento, diremos que, por sábios oficiais, não entendemos todos aqueles cujo saber é constatado por um diploma, mas unicamente os que ocupam posições oficiais, como membros de Academias, professores de Faculdades, etc., que assim se acham em maior evidência e cujos nomes, por tais motivos, fazem autoridade na Ciência. Desse ponto de vista, um doutor em Medicina pode ser sábio sem ser um sábio oficial.

A posição oficial influi bastante sobre a maneira de encarar certas coisas. Como prova disto, citaremos o exemplo de um médico distinto, morto há vários anos, e que conhecemos pessoalmente. Era então grande partidário do magnetismo, sobre o qual havia escrito, e foi o que nos pôs em contato com ele. Aumentando a sua reputação, conquistou sucessivamente várias posições oficiais. À medida que subia, baixava seu fervor pelo magnetismo, caindo abaixo de zero quando chegou ao topo da escala, porque renegava abertamente suas antigas convicções. Considerações da mesma natureza podem explicar a posição de certas classes no que concerne ao Espiritismo.


7. — A categoria dos aflitos, dos despreocupados, dos felizes do mundo, dos sensualistas, fornece ao autor do artigo a seguinte reflexão:

“É pena que isto seja pura fantasia. Nada de sensualistas, compreende-se; Espiritismo e materialismo se excluem; sessenta aflitos em cem espíritas ainda se compreende. É para os que choram que as relações com um mundo melhor são preciosas. Mas trinta pessoas despreocupadas em cem, é demais! Se o Espiritismo operasse tais milagres, faria muitas outras conquistas. Fá-las-ia sobretudo entre os felizes do mundo, que também são, quase sempre, os mais inquietos e os mais atormentados.”

Há aqui um erro manifesto, pois pareceria que esse resultado é devido ao Espiritismo, ao passo que é ele que colhe, nessas categorias, mais ou menos adeptos conforme as predisposições que aí encontra. Essas cifras significam simplesmente que encontra mais adeptos entre os aflitos, um pouco menos entre as pessoas despreocupadas, menos ainda entre os felizes do mundo, e de modo algum entre os sensualistas.

Antes de mais, é preciso entender-se quanto às palavras. Materialismo e sensualismo não são sinônimos e nem sempre marcham lado a lado, já que se veem pessoas, espiritualistas por profissão e por dever, que são muito sensuais, ao passo que há muitos materialistas bastante moderados em sua maneira de viver; para eles o materialismo não passa de uma opinião, que abraçaram em falta de outra mais racional. Eis por que, quando reconhecem que o Espiritismo enche o vazio feito em sua consciência pela incredulidade, aceitam-no com felicidade; os sensualistas, ao contrário, são os mais refratários.

Uma coisa muito bizarra é que o Espiritismo encontra mais resistência entre os panteístas em geral, do que entre os que são francamente materialistas. Provavelmente isto se deve a que o panteísta quase sempre cria um sistema; possui algo, ao passo que o materialista nada tem, e esse vazio o inquieta.

Pelos felizes do mundo entendemos os que passam como tais aos olhos da multidão, porque se podem permitir largamente todos os prazeres da vida. É verdade que muitas vezes são os mais inquietos e os mais atormentados. Mas, por quê? pelas preocupações que lhes causam a fortuna e a ambição. Ao lado dessas preocupações incessantes, das ansiedades da perda ou do ganho, da azáfama dos negócios para uns, dos prazeres para outros, resta-lhes muito pouco tempo para se ocuparem do futuro.

Não podendo ter a paz da alma senão com a condição de renunciar ao que constitui o objeto de sua cobiça, o Espiritismo pouco os afeta, filosoficamente falando. Com exceção das penas do coração, que não poupam a ninguém, a não ser os egoístas, quase sempre os tormentos da vida estão para eles nas decepções da vaidade, no desejo de possuir, de brilhar, de mandar. Pode-se, pois, dizer que atormentam a si mesmos.

Ao contrário, a calma e a tranquilidade se encontram mais particularmente nas posições modestas, quando assegurado o bem-estar da vida. Aí quase não há ambição; contentam-se com o que têm, sem se atormentarem em o aumentar, correndo os riscos aleatórios da agiotagem ou da especulação. São os que chamamos despreocupados, falando relativamente; por pouco haja neles elevação de pensamento, ocupam-se de bom grado das coisas sérias; o Espiritismo lhes oferece um atraente assunto de meditação, e o aceitam mais facilmente do que aqueles a quem o turbilhão do mundo suscita uma febre contínua.

Tais são os motivos dessa classificação que, como se vê, não é tão fantasiosa quanto supõe o autor do artigo. Nós lhe agradecemos por nos ter ensejado ocasião de apontar erros que outros poderiam ter cometido, por não termos sido bastante explícitos.


8. — Em nossa estatística, omitimos duas funções importantes por sua natureza, e porque contam um número bastante grande de adeptos sinceros e devotados; são os prefeitos e os juízes de paz que estão na quinta classe, com os meirinhos e os comissários de polícia.

Uma outra omissão, contra a qual ele reclamou com justiça, e que insistem que reparemos, é a dos poloneses, na categoria dos povos. Ela é tanto mais fundada quanto o Espiritismo conta, nessa nação, numerosos e fervorosos adeptos, desde a origem. Como classe, a Polônia vem em quinto lugar, entre a Rússia e a Alemanha.

Para completar a nomenclatura, seria preciso incluir outros países, como a Holanda, por exemplo, que viria após a Inglaterra; Portugal depois da Grécia; as províncias do Danúbio, onde também há espíritas, mas sobre as quais não temos dados bastante positivos para lhes assinalar a classe. Quanto à Turquia, a quase totalidade dos adeptos se compõe de franceses, italianos e gregos.

Uma classificação mais racional e mais exata do que pelas nações territoriais, seria pelas raças ou nacionalidades, que não estão confinadas em limites circunscritos, apresentando, por toda parte onde se espalham, maior ou menor aptidão para assimilar as ideias espíritas. Deste ponto de vista, numa mesma região, muitas vezes se teria que fazer várias distinções.


9. — A comunicação seguinte foi dada num grupo de Paris, a propósito da classe que ocupam os alfaiates entre as profissões industriais.


(Paris, 6 de janeiro de 1869. – Grupo Desliens. – Médium: Sr. Leymarie.)

Criastes categorias, caro mestre, no início das quais colocastes certas profissões. Sabeis o que, em nossa opinião, arrasta certas pessoas a se tornarem espíritas? São as mil perseguições que sofrem em suas profissões. Os primeiros de que falais devem ter ordem, economia [organização], cuidado, gosto, ser um pouco artistas e, depois, ser ainda pacientes, saber esperar, escutar, sorrir e saudar com certa elegância; mas, após todas essas pequenas convenções, mais sérias do que se pensa, ainda é preciso calcular, ordenar sua caixa pelo ativo e pelo passivo e sofrer, sofrer continuamente.

Em contato com homens de todas as classes, comentando as queixas, as confidências, os enganos, os rostos falsos, aprendem muito! Levando essa vida múltipla, sua inteligência se abre por comparação; seu espírito se fortifica pela decepção e pelo sofrimento. E eis por que certas categorias compreendem e aclamam todos os progressos; amam o teatro francês, a bela arquitetura, o desenho, a filosofia; muitos amam a liberdade e todas as suas consequências. Sempre à frente e à espreita do que consola e faz esperar, elas se dão ao Espiritismo, que lhes é uma força, uma promessa ardente, uma verdade que engrandece o sacrifício e, mais do que acreditais, a parte classificada como a nº 1 vive de sacrifícios.


Sonnet.





Janeiro

1. — Como já dissemos, a enumeração exata dos espíritas seria coisa impossível, e isto por uma razão muito simples: o Espiritismo não é uma associação, nem uma congregação; seus aderentes não estão inscritos em nenhum registro oficial. Sabe-se perfeitamente que não se poderia avaliar o montante pelo número e a importância das sociedades, frequentadas apenas por minoria ínfima. O Espiritismo é uma opinião que não exige nenhuma profissão de fé, e pode estender-se ao todo ou parte dos princípios da Doutrina. Basta simpatizar com a ideia para ser espírita. Ora, não sendo essa qualidade conferida por nenhum ato material, e não implicando senão obrigações morais, não existe qualquer base física para determinar o número dos adeptos com precisão. Não se o pode estimar senão de maneira aproximativa, pelas relações e pela maior ou menor facilidade com que a ideia se propaga. Esse número aumenta diariamente em proporção considerável: é um fato positivo, reconhecido pelos próprios adversários; a oposição diminui, prova evidente de que a ideia encontra, cada vez mais, numerosas simpatias.

Aliás, compreende-se que é pelo conjunto e não pela situação das localidades, consideradas isoladamente, que se pode basear uma apreciação; há em cada localidade elementos mais ou menos favoráveis, em razão do estado particular dos Espíritos e também das resistências mais ou menos influentes que aí se exercem; mas essa situação é variável, porque tal localidade, que se tenha mostrado refratária durante vários anos, de repente se torna um foco. Quando os elementos de apreciação tiverem adquirido mais precisão, será possível fazer um mapa colorido em relação à difusão das ideias espíritas, como foi feito para a instrução. Enquanto isso, pode-se afirmar, sem exagero, que, em suma, o número dos adeptos centuplicou em dez anos, a despeito das manobras empregadas para abafar a ideia e contrariamente às previsões de todos os que se vangloriavam de a ter enterrado. Isto é um fato comprovado, devendo os antagonistas tomar o seu partido.

Só falamos aqui dos que aceitam o Espiritismo com conhecimento de causa, depois de o haver estudado, e não dos que, embora mais numerosos, estas ideias ainda estão em estado de intuição, faltando-lhes apenas definir suas crenças com mais precisão e dar-lhes um nome, para serem espíritas confessos. É um fato bem comprovado, que se constata todos os dias, sobretudo de algum tempo para cá, que as ideias espíritas parecem inatas numa porção de indivíduos, que jamais ouviram falar do Espiritismo; não se pode dizer que tenham sofrido uma influência qualquer, nem que sofreram a influência de um círculo. Que os adversários expliquem, se puderem, esses pensamentos que nascem fora e à margem do Espiritismo! Por certo não seria um sistema preconcebido no cérebro de um homem que teria produzido tal resultado; não há prova mais evidente de que essas ideias estão na Natureza, nem melhor garantia de sua vulgarização no futuro e de sua perpetuidade. Deste ponto de vista pode-se dizer que pelo menos três quartos da população de todos os países possuem o germe das crenças espíritas, pois são encontrados entre aqueles mesmos que lhe fazem oposição. Na maioria, a oposição vem da falsa ideia que fazem do Espiritismo; não o conhecendo, em geral, senão pelos quadros ridículos que dele faz a critica malevolente ou interessada em desacreditá-lo, recusam com razão a qualidade de espíritas. Certamente, se o Espiritismo se assemelhasse aos retratos grotescos que dele fizeram, se se constituísse das crenças e práticas absurdas que houveram por bem lhe atribuir, seríamos o primeiro a repudiar o título de espírita. Quando, pois, essas mesmas pessoas souberem que a Doutrina não é senão a coordenação e o desenvolvimento de suas próprias aspirações e de seus pensamentos íntimos, aceitá-la-ão; esses são, incontestavelmente, futuros espíritas, mas, por enquanto, não os consideramos em nossas avaliações.

Se é impossível uma estatística, outra há, talvez mais instrutiva e para a qual existem elementos que nos fornecem as nossas relações e a nossa correspondência: é a proporção relativa dos espíritas segundo as profissões, as posições sociais, as nacionalidades, as crenças religiosas, etc., levando em conta que certas profissões, como os oficiais ministeriais, por exemplo, são em número limitado, ao passo que outras, como os industriais e os capitalistas são em número indefinido. Guardadas todas as proporções, pode-se ver quais são as categorias nas quais o Espiritismo encontrou, até hoje, mais aderentes. Em alguns, a proporção pôde ser estabelecida em percentagem, com precisão, sem contudo pretender que tenham um rigor matemático; as outras categorias simplesmente foram classificadas em razão do número de adeptos que apresentaram, começando pelas de maior número, de que a correspondência e a lista de assinantes da Revista podem fornecer elementos. O quadro a seguir é resultado do levantamento de mais de dez mil observações.

Constatamos o fato, sem procurar discutir a causa dessa diferença, o que, não obstante, poderia ser assunto para um estudo interessante.


2. PROPORÇÃO RELATIVA DOS ESPÍRITAS.


I. Em relação às nacionalidades. – A bem dizer, não existe nenhum país civilizado da Europa e da América onde não haja espíritas. Eles são mais numerosos nos Estados Unidos da América do Norte. Seu número aí é avaliado, por uns, em quatro milhões, o que já é muito, e por outros em dez milhões. Esta última cifra evidentemente é exagerada, porque compreenderia mais de um terço da população, o que não é provável. Na Europa, a cifra pode ser avaliada em um milhão, na qual a França figura com seiscentos mil. Pode-se estimar o número de espíritas no mundo inteiro em seis ou sete milhões. Ainda que não passasse da metade, a História não oferece nenhum exemplo de uma doutrina que, em menos de quinze anos, tivesse reunido semelhante número de adeptos disseminados por toda a superfície do globo. Se aí incluíssemos os espíritas inconscientes, isto é, os que só o são por intuição, e mais tarde se tornarão espíritas de fato, só na França poder-se-iam contar vários milhões.

Do ponto de vista da difusão das ideias espíritas, e da facilidade com que são aceitas, os principais Estados da Europa podem ser classificados como se segue: 1º França. – 2 º Itália. – 3º Espanha. – 4º Rússia. – 5º Alemanha. – 6º Bélgica. – 7º Inglaterra. – 8º Suécia e Dinamarca. – 9º Grécia. – 10º Suíça.


II. Em relação ao sexo. – 70% de homens e 30% de mulheres.


III. Em relação à idade. – Máximo: de 30 a 70 anos; média: de 20 a 30 anos; mínimo: de 70 a 80 anos.


IV Em relação à instrução. – O grau de instrução é muito fácil de apreciar pela correspondência. Instrução cuidada: 30%; – simples letrados: 30%; – instrução superior: 20%; – semiletrados: 10%; – analfabetos: 6%; – sábios oficiais: 4%.


V Em relação às ideias religiosas. – Católicos romanos, livres-pensadores, não ligados ao dogma: 50%; – católicos gregos: 15%; – judeus: 10%; – protestantes liberais: 10%; – católicos ligados aos dogmas: 10%; – protestantes ortodoxos: 3%; – muçulmanos: 2%.


VI. Em relação à fortuna. – Mediocridade: 60%; – fortunas médias: 20%; – indigência: 15%; – grandes fortunas: 5%.


VII. Em relação ao estado moral, abstração feita da fortuna. – Aflitos: 60%; – sem inquietude: 30%; – felizes do mundo: 10%; – sensualistas: 0%.


VIII. Em relação à classe social. – Sem poder estabelecer nenhuma proporção nesta categoria, é notório que o Espiritismo conta entre seus aderentes: vários soberanos e príncipes reinantes; membros de famílias soberanas e um grande número de personagens tituladas.

Em geral, é nas classes médias que o Espiritismo conta mais adeptos; na Rússia é mais ou menos exclusivamente na nobreza e na alta aristocracia; é na França que mais se propagou na pequena burguesia e na classe operária.


IX. Estado militar, segundo o grau. – 1º Tenentes e subtenentes; 2º Suboficiais; 3º Capitães; 4º Coronéis; 5º Médicos e cirurgiões; 6º Generais; 7º Guardas municipais; 8º Soldados da guarda; 9º Soldados de linha.


Observação. – Os tenentes e subtenentes espíritas estão quase todos na ativa; entre os capitães, cerca de metade estão na ativa e a outra metade na reserva; os coronéis, médicos, cirurgiões e generais, em maioria estão na reserva.


X. Marinha. – 1º Marinha de Guerra; 2º Marinha Mercante.


XI. Profissões liberais e funções diversas. – Nós os agrupamos em dez categorias, classificadas segundo a proporção dos aderentes que forneceram ao Espiritismo:

1º Médicos homeopatas. – Magnetistas.

2º Engenheiros. – Instrutores; diretores e diretoras de internatos. – Professores livres.

3º Cônsules. – Sacerdotes católicos.

4º Pequenos empregados. – Músicos. – Artistas líricos. – Artistas dramáticos.

5º Meirinhos. – Comissários de polícia.

6º Médicos alopatas. – Homens de letras. – Estudantes.

7º Magistrados. – Altos funcionários. – Professores oficiais e de liceus. – Pastores protestantes.

8º Jornalistas. – Pintores. – Arquitetos. – Cirurgiões.

9º Notários. – Advogados. – Agentes de negócios.

10º Agentes de câmbio. – Banqueiros.


XII. Profissões industriais, manuais e comerciais, igualmente grupadas em dez categorias:

1º Alfaiates. – Costureiras.

2º Mecânicos. – Empregados de estradas de ferro.

3º Tecelões. – Pequenos negociantes. – Porteiros.

4º Farmacêuticos. – Fotógrafos. – Relojoeiros. – Caixeiros-viajantes.

5º Lavradores. – Sapateiros.

6º Padeiros. – Açougueiros. – Salsicheiros.

7º Marceneiros. – Tipógrafos.

8º Grandes industriais e chefes de estabelecimentos.

9º Livreiros. – Impressores.

10º Pintores de casas. – Pedreiros. – Serralheiros. – Merceeiros. – Domésticos.


3. Desta lista, resultam as seguintes consequências:


1º Que há espíritas em todos os graus da escala social;

2º Que há mais homens do que mulheres espíritas. É certo que nas famílias divididas por suas crenças, no tocante ao Espiritismo, há mais maridos contrariados pela oposição de suas esposas do que mulheres pela dos maridos. Não é menos constante que, em todas as reuniões espíritas, os homens estejam em maioria.

É, pois, injustamente que a crítica pretendeu que a Doutrina é recrutada principalmente entre as mulheres, em virtude de sua inclinação para o maravilhoso. É precisamente o contrário: essa inclinação para o maravilhoso e para o misticismo em geral as torna mais refratárias que os homens; essa predisposição faz que aceitem mais facilmente a fé cega, que dispensa qualquer exame, ao passo que o Espiritismo, não admitindo senão a fé raciocinada, exige reflexão e dedução filosófica para ser bem compreendido, para o que a educação estreita dada às mulheres torna-as menos aptas que os homens. As que sacodem o jugo imposto à sua razão e ao seu desenvolvimento intelectual, muitas vezes caem no excesso contrário; tornam-se o que chamam de mulheres fortes e sua incredulidade mais tenaz;

3º Que a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas, e não entre os ignorantes. Por toda parte o Espiritismo se propagou de alto a baixo da escala social, e em parte alguma se desenvolveu primeiro nas camadas inferiores;

4º Que a aflição e a infelicidade predispõem às crenças espíritas, em consequência das consolações que proporcionam. É a razão pela qual, na maioria das categorias, a proporção dos espíritas está na razão da inferioridade hierárquica, porque é aí que há mais privações e sofrimentos, ao passo que os titulares das posições superiores em geral pertencem à classe dos satisfeitos, à exceção do estado militar, onde os simples soldados figuram em último lugar;

5º Que o Espiritismo encontra mais fácil acesso entre os incrédulos em matéria religiosa do que entre os que têm uma fé irrevogável;

6º Enfim, que depois dos fanáticos, os mais refratários às ideias espíritas são os sensualistas e as pessoas cujos únicos pensamentos estão concentrados nas posses e nos prazeres materiais, seja qual for a classe a que pertençam, o que independe do grau de instrução.


4. — Em resumo, o Espiritismo é acolhido como um benefício pelos que ele ajuda a suportar o fardo da vida, e é repelido ou desdenhado por aqueles a quem prejudicaria no gozo da vida. Partindo deste princípio, facilmente se explicam o lugar que ocupam, nesse quadro, certas categorias de indivíduos, a despeito das luzes que são uma condição de sua posição social. Pelo caráter, gostos, hábitos e gênero de vida das pessoas, pode-se julgar do avanço de sua aptidão para assimilar as ideias espíritas. Em alguns, a resistência é uma questão de amor próprio, que segue quase sempre o grau do saber; quando esse saber os faz conquistar uma certa posição social, que os põe em evidência, não querem admitir que se podiam ter enganado e que outros podem ter visto melhor. Oferecer provas a certas pessoas é oferecer-lhes o que mais temem; e, com medo de achá-las, tapam os olhos e os ouvidos, preferindo negar a priori e se abrigarem atrás de sua infalibilidade, de que estão muito convencidas, digam o que disserem.

Explica-se menos facilmente a causa da posição que ocupam, nesta classificação, certas profissões industriais. Pergunta-se, por exemplo, por que os alfaiates aí ocupam a primeira posição, enquanto a livraria e a imprensa, profissões bem mais intelectuais, estão quase na última. É um fato constatado há muito tempo e do qual ainda não nos demos conta.

Se, no levantamento acima, em vez de não abranger senão os espíritas de fato, tivessem considerado os espíritas inconscientes, aqueles nos quais essas ideias estão em estado de intuição e que fazem Espiritismo sem o saber, certamente várias categorias teriam sido classificadas de modo diverso; por exemplo, os literatos, os poetas, os artistas, numa palavra, todos os homens de imaginação e de inspiração, os crentes de todos os cultos estariam, sem sombra de dúvida, no primeiro lugar. Certos povos, nos quais as crenças espíritas de certo modo são inatas, também ocupariam outra posição. Eis por que essa classificação não poderia ser absoluta, e se modificará com o tempo.

Os médicos homeopatas estão à frente das profissões liberais porque, com efeito é a que, guardadas as devidas proporções, conta em suas fileiras maior número de adeptos do Espiritismo; em cem médicos espíritas, há pelo menos oitenta homeopatas. Isto se deve a que o princípio mesmo de sua medicação os conduz ao espiritualismo; por isso os materialistas são muito raros entre eles, se é que os há, ao passo que são numerosos entre os alopatas. Melhor que estes últimos, compreenderam o Espiritismo, porque encontraram nas propriedades fisiológicas do perispírito, unido ao princípio material e ao princípio espiritual, a razão de ser de seu sistema. Pelo mesmo motivo, os espíritas puderam, melhor que os outros, compreender os efeitos desse modo de tratamento. Sem ser exclusivos a respeito da homeopatia, e sem rejeitar a alopatia, compreenderam a sua racionalidade e a sustentaram contra ataques injustos. Os homeopatas, achando novos defensores nos espíritas, não foram inábeis a ponto de lhes atirar a pedra.

Se os magnetistas figuram na primeira linha, logo após os homeopatas, malgrado a oposição persistente e muitas vezes acerba de alguns, é que os oponentes não formam senão pequeníssima minoria ao lado da massa dos que são, pode-se dizer, espíritas por intuição. O magnetismo e o Espiritismo são, com efeito, duas ciências gêmeas, que se completam e explicam uma pela outra, e das duas, a que não quer imobilizar-se não pode chegar ao seu complemento sem se apoiar na sua congênere; isoladas uma da outra, detêm-se num impasse; são reciprocamente como a Física e a Química, a Anatomia e a Fisiologia. A maioria dos magnetistas compreende de tal modo por intuição a relação íntima que deve existir entre as duas coisas, que geralmente se prevalecem de seus conhecimentos em magnetismo, como meio de introdução junto aos espíritas.

Em todos os tempos os magnetistas foram divididos em dois campos: os espiritualistas e os fluidistas. Estes últimos, muito menos numerosos, pelo menos fazendo abstração do princípio espiritual, quando não o negam absolutamente, referindo tudo à ação do fluido material, estão, por conseguinte, em oposição de princípios com os espíritas. Ora, é de notar que, se nem todos os magnetistas são espíritas, todos os espíritas, sem exceção, admitem o magnetismo. Em todas as circunstâncias, fizerem-se seus defensores e sustentáculos. Deviam ter-se admirado de encontrar adversários mais ou menos malévolos nos mesmos cujas fileiras acabavam de reforçar; que, depois de terem sido, durante mais de meio século, vítimas de ataques, de zombarias e de perseguições de toda sorte, por sua vez atirem a pedra, os sarcasmos e muitas vezes a injúria aos auxiliares que lhes chegam e começam a pesar na balança pelo seu número.

Aliás, como dissemos, esta oposição está longe de ser geral; muito ao contrário. Pode-se afirmar, sem se afastar da verdade, que não chega a 2 ou 3% da totalidade dos magnetistas; ela é muito menor ainda entre os da província e do estrangeiro do que entre os de Paris.


[Revista de fevereiro.]

5. ESTATÍSTICA DO ESPIRITISMO.


Apreciação pelo Jornal La Solidarité.

O jornal Solidarité, de 15 de janeiro de 1869, analisa a estatística do Espiritismo, que publicamos em nosso número anterior. Se critica algumas de suas cifras, sentimo-nos felizes por sua adesão ao conjunto do trabalho, que aprecia nestes termos:

“Lamentamos não poder reproduzir, por falta de espaço, as reflexões muito sábias com que o Sr. Allan Kardec faz acompanhar esta estatística. Limitar-nos-emos a constatar com ele que há espíritas em todos os graus da escala social; que a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas e não entre os ignorantes; que o Espiritismo se propagou em toda parte, de alto a baixo da escala social; que a aflição e a infelicidade são os grandes recrutadores do Espiritismo, por força das consolações e das esperanças que prodigaliza aos que choram e lamentam; que o Espiritismo encontra mais fácil acesso entre os incrédulos em matérias religiosas do que entre as pessoas que têm uma fé definida; enfim, que depois dos fanáticos os mais refratários às ideias espíritas são as criaturas cujos pensamentos estão todos concentrados na posse e nos prazeres materiais, seja qual for, aliás, a sua condição.”

É um fato de capital importância constatar em toda parte que “a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas e não entre os ignorantes.” Em presença deste fato material, em que se torna a acusação de estupidez, ignorância, loucura, inépcia, lançada tão estouvadamente contra os espíritas pela malevolência?

Propagando-se de alto a baixo da escala, o Espiritismo prova, além disso, que as classes favorecidas compreendem a sua influência moralizadora sobre as massas, pois que se esforçam por nele penetrar. É que, com efeito, os exemplos que se têm sob os olhos, embora parciais e ainda isolados, demonstram de maneira peremptória que o espírito do proletariado seria muito outro se estivesse imbuído dos princípios da Doutrina Espírita.

A principal objeção do Solidarité é muito séria. Refere-se ao número de espíritas do mundo inteiro. Eis o que diz a respeito:

“A Revista Espírita engana-se muito quando estima em apenas seis ou sete milhões o número de espíritas para todo o mundo. Evidentemente se esquece de contar a Ásia.

“Se pelo termo espírita entendem-se as pessoas que creem na vida de além-túmulo e nas relações dos vivos com a alma das pessoas mortas, é por centenas de milhões que se os deve contar. A crença nos Espíritos existe em todos os sectários do budismo, e pode-se dizer que ela constitui o fundo de todas as religiões do extremo Oriente. É geral sobretudo na China. As três antigas seitas que desde tanto tempo dividem as populações no Império Central, creem nos manes, nos Espíritos e professam o seu culto. – Pode-se mesmo dizer que este é para elas um terreno comum. Os adoradores do Tao e de Fo aí se encontram com os sectários do filósofo Confúcio.

“Os sacerdotes da seita de Lao-Tseu, e particularmente os Tao-Tseu, ou doutores da Razão, devem às práticas espíritas uma grande parte de sua influência sobre as populações. – Esses religiosos interrogam os Espíritos e obtêm respostas escritas, que não têm mais nem menos valor que as dos nossos médiuns. São conselhos e avisos considerados como dados aos vivos pelo Espírito de um morto. Aí se encontram revelações de segredos conhecidos unicamente pela pessoa que interroga, algumas vezes predições que se realizam ou não, mas que são capazes de impressionar os assistentes e estimular os seus desejos, para que se encarreguem de realizar, eles próprios, o oráculo.

“Obtêm-se essas correspondências por processos que não diferem muito dos nossos espíritas, mas que, no entanto, devem ser mais aperfeiçoados, se se considerar a longa experiência dos operadores que os praticam tradicionalmente.

“Eis como nos são descritos por uma testemunha ocular, o Sr. D…, que mora na China há muito tempo e que é familiar com a língua do país:

“Uma vara de pescar, de 50 a 60 centímetros, é sustentada nas extremidades por duas pessoas, das quais uma é o médium e a outra o interrogador. No meio dessa vara, tiveram o cuidado de lacrar ou amarrar uma pequena varinha da mesma madeira, bastante semelhante a um lápis, pelo tamanho e grossura. Abaixo desse pequeno aparelho é espalhada uma camada de areia, ou uma caixa contendo farinha de milho. Deslizando maquinalmente sobre a areia ou a farinha de milho, a varinha traça caracteres. À medida que estes se formam, são lidos e reproduzidos imediatamente no papel por um letrado presente à sessão. Daí resultam frases e escritos mais ou menos longos, mais ou menos interessantes, mas tendo sempre um valor lógico.

“A dar-se crédito aos Tao-Tseu, esses processos lhes vêm do próprio Lao-Tseu. Ora, se conforme a História, Lao-Tseu viveu no sexto século antes de Jesus-Cristo, é bom lembrar que, conforme a lenda, ele é como o Verbo dos cristãos, anterior ao começo e contemporâneo da grande não-entidade, como exprimem os doutores da Razão.

“Vê-se que o Espiritismo remonta a uma belíssima antiguidade.

“Isto não prova que ele é verdadeiro? – Não, por certo, mas se basta que uma crença seja antiga para ser venerável, e forte pelo número de seus partidários para ser respeitada, não conheço outra que tenha mais títulos ao respeito e à veneração de meus contemporâneos.”


6. — Nem é preciso dizer que aderimos completamente a essa retificação, e nos sentimos felizes que ela emane de uma fonte estranha, porque prova que não procuramos exagerar o quadro. Nossos leitores apreciarão, como nós, a maneira pela qual esse jornal, que se recomenda por seu caráter sério, encara o Espiritismo; vê-se que, de sua parte, é uma apreciação com justas razões.

Sabíamos perfeitamente que as ideias espíritas estão muito espalhadas nos povos do extremo Oriente, e se não as tínhamos levado em consideração é que, em nossa avaliação, não nos propusemos apresentar, conforme dissemos, senão o movimento do Espiritismo moderno, reservando-nos para fazer mais tarde um estudo especial sobre a anterioridade dessas ideias. Agradecemos muito sinceramente ao autor do artigo por nos haver precedido.

Noutro lugar ele diz: “Cremos que esta incerteza (sobre o número real dos espíritas, sobretudo na França), a princípio se deve à ausência de declarações positivas da parte dos adeptos; depois, ao estado flutuante das crenças. Existe – e poderíamos citar em Paris numerosos exemplos – uma multidão de pessoas que creem no Espiritismo e que não se gabam disto.”

Isto é perfeitamente justo; por isso só falamos dos espíritas de fato; do contrário, como dissemos, se incluíssemos os espíritas por intuição, somente na França eles se contariam por milhões; mas preferimos ficar aquém e não além da verdade, para não sermos tachados de exagero. Contudo, é preciso que o acréscimo seja muito sensível, para que certos adversários o tenham levado a cifras hiperbólicas, como o autor da brochura O orçamento do Espiritismo, que, vendo talvez os espíritas com lente de aumento, os avaliava, em 1863, em vinte milhões na França. (Revista Espírita de junho de 1863.)

A respeito da proporção dos sábios oficiais, na categoria do grau de instrução, diz o autor: “Gostaríamos muito de ver a olho nu esses 4% de sábios oficiais 40:000 para a Europa; 24.000 só para a França; são muitos sábios, e ainda oficiais; 6% de iletrados é quase nada.”

A crítica seria fundada se, como supõe o autor, se tratasse de 4% sobre o número aproximado de seiscentos mil espíritas na França, o que, efetivamente, daria vinte e quatro mil. Realmente seria muito, pois se teria dificuldade em encontrar essa cifra de sábios oficiais em toda a população da França. Em tal base, o cálculo seria evidentemente ridículo e se poderia dizer outro tanto dos iletrados. Essa avaliação, portanto, não tem por objetivo estabelecer o número efetivo dos sábios oficiais espíritas, mas a proporção relativa em que se encontram a respeito dos diversos graus de instrução, entre os quais estão em minoria. Nas outras categorias, limitamo-nos a uma simples classificação, sem avaliação numérica em termos percentuais. Quando utilizamos este último processo, foi para tornar mais sensível a proporção.

Para melhor definir o nosso pensamento, diremos que, por sábios oficiais, não entendemos todos aqueles cujo saber é constatado por um diploma, mas unicamente os que ocupam posições oficiais, como membros de Academias, professores de Faculdades, etc., que assim se acham em maior evidência e cujos nomes, por tais motivos, fazem autoridade na Ciência. Desse ponto de vista, um doutor em Medicina pode ser sábio sem ser um sábio oficial.

A posição oficial influi bastante sobre a maneira de encarar certas coisas. Como prova disto, citaremos o exemplo de um médico distinto, morto há vários anos, e que conhecemos pessoalmente. Era então grande partidário do magnetismo, sobre o qual havia escrito, e foi o que nos pôs em contato com ele. Aumentando a sua reputação, conquistou sucessivamente várias posições oficiais. À medida que subia, baixava seu fervor pelo magnetismo, caindo abaixo de zero quando chegou ao topo da escala, porque renegava abertamente suas antigas convicções. Considerações da mesma natureza podem explicar a posição de certas classes no que concerne ao Espiritismo.


7. — A categoria dos aflitos, dos despreocupados, dos felizes do mundo, dos sensualistas, fornece ao autor do artigo a seguinte reflexão:

“É pena que isto seja pura fantasia. Nada de sensualistas, compreende-se; Espiritismo e materialismo se excluem; sessenta aflitos em cem espíritas ainda se compreende. É para os que choram que as relações com um mundo melhor são preciosas. Mas trinta pessoas despreocupadas em cem, é demais! Se o Espiritismo operasse tais milagres, faria muitas outras conquistas. Fá-las-ia sobretudo entre os felizes do mundo, que também são, quase sempre, os mais inquietos e os mais atormentados.”

Há aqui um erro manifesto, pois pareceria que esse resultado é devido ao Espiritismo, ao passo que é ele que colhe, nessas categorias, mais ou menos adeptos conforme as predisposições que aí encontra. Essas cifras significam simplesmente que encontra mais adeptos entre os aflitos, um pouco menos entre as pessoas despreocupadas, menos ainda entre os felizes do mundo, e de modo algum entre os sensualistas.

Antes de mais, é preciso entender-se quanto às palavras. Materialismo e sensualismo não são sinônimos e nem sempre marcham lado a lado, já que se veem pessoas, espiritualistas por profissão e por dever, que são muito sensuais, ao passo que há muitos materialistas bastante moderados em sua maneira de viver; para eles o materialismo não passa de uma opinião, que abraçaram em falta de outra mais racional. Eis por que, quando reconhecem que o Espiritismo enche o vazio feito em sua consciência pela incredulidade, aceitam-no com felicidade; os sensualistas, ao contrário, são os mais refratários.

Uma coisa muito bizarra é que o Espiritismo encontra mais resistência entre os panteístas em geral, do que entre os que são francamente materialistas. Provavelmente isto se deve a que o panteísta quase sempre cria um sistema; possui algo, ao passo que o materialista nada tem, e esse vazio o inquieta.

Pelos felizes do mundo entendemos os que passam como tais aos olhos da multidão, porque se podem permitir largamente todos os prazeres da vida. É verdade que muitas vezes são os mais inquietos e os mais atormentados. Mas, por quê? pelas preocupações que lhes causam a fortuna e a ambição. Ao lado dessas preocupações incessantes, das ansiedades da perda ou do ganho, da azáfama dos negócios para uns, dos prazeres para outros, resta-lhes muito pouco tempo para se ocuparem do futuro.

Não podendo ter a paz da alma senão com a condição de renunciar ao que constitui o objeto de sua cobiça, o Espiritismo pouco os afeta, filosoficamente falando. Com exceção das penas do coração, que não poupam a ninguém, a não ser os egoístas, quase sempre os tormentos da vida estão para eles nas decepções da vaidade, no desejo de possuir, de brilhar, de mandar. Pode-se, pois, dizer que atormentam a si mesmos.

Ao contrário, a calma e a tranquilidade se encontram mais particularmente nas posições modestas, quando assegurado o bem-estar da vida. Aí quase não há ambição; contentam-se com o que têm, sem se atormentarem em o aumentar, correndo os riscos aleatórios da agiotagem ou da especulação. São os que chamamos despreocupados, falando relativamente; por pouco haja neles elevação de pensamento, ocupam-se de bom grado das coisas sérias; o Espiritismo lhes oferece um atraente assunto de meditação, e o aceitam mais facilmente do que aqueles a quem o turbilhão do mundo suscita uma febre contínua.

Tais são os motivos dessa classificação que, como se vê, não é tão fantasiosa quanto supõe o autor do artigo. Nós lhe agradecemos por nos ter ensejado ocasião de apontar erros que outros poderiam ter cometido, por não termos sido bastante explícitos.


8. — Em nossa estatística, omitimos duas funções importantes por sua natureza, e porque contam um número bastante grande de adeptos sinceros e devotados; são os prefeitos e os juízes de paz que estão na quinta classe, com os meirinhos e os comissários de polícia.

Uma outra omissão, contra a qual ele reclamou com justiça, e que insistem que reparemos, é a dos poloneses, na categoria dos povos. Ela é tanto mais fundada quanto o Espiritismo conta, nessa nação, numerosos e fervorosos adeptos, desde a origem. Como classe, a Polônia vem em quinto lugar, entre a Rússia e a Alemanha.

Para completar a nomenclatura, seria preciso incluir outros países, como a Holanda, por exemplo, que viria após a Inglaterra; Portugal depois da Grécia; as províncias do Danúbio, onde também há espíritas, mas sobre as quais não temos dados bastante positivos para lhes assinalar a classe. Quanto à Turquia, a quase totalidade dos adeptos se compõe de franceses, italianos e gregos.

Uma classificação mais racional e mais exata do que pelas nações territoriais, seria pelas raças ou nacionalidades, que não estão confinadas em limites circunscritos, apresentando, por toda parte onde se espalham, maior ou menor aptidão para assimilar as ideias espíritas. Deste ponto de vista, numa mesma região, muitas vezes se teria que fazer várias distinções.


9. — A comunicação seguinte foi dada num grupo de Paris, a propósito da classe que ocupam os alfaiates entre as profissões industriais.


(Paris, 6 de janeiro de 1869. – Grupo Desliens. – Médium: Sr. Leymarie.)

Criastes categorias, caro mestre, no início das quais colocastes certas profissões. Sabeis o que, em nossa opinião, arrasta certas pessoas a se tornarem espíritas? São as mil perseguições que sofrem em suas profissões. Os primeiros de que falais devem ter ordem, economia [organização], cuidado, gosto, ser um pouco artistas e, depois, ser ainda pacientes, saber esperar, escutar, sorrir e saudar com certa elegância; mas, após todas essas pequenas convenções, mais sérias do que se pensa, ainda é preciso calcular, ordenar sua caixa pelo ativo e pelo passivo e sofrer, sofrer continuamente.

Em contato com homens de todas as classes, comentando as queixas, as confidências, os enganos, os rostos falsos, aprendem muito! Levando essa vida múltipla, sua inteligência se abre por comparação; seu espírito se fortifica pela decepção e pelo sofrimento. E eis por que certas categorias compreendem e aclamam todos os progressos; amam o teatro francês, a bela arquitetura, o desenho, a filosofia; muitos amam a liberdade e todas as suas consequências. Sempre à frente e à espreita do que consola e faz esperar, elas se dão ao Espiritismo, que lhes é uma força, uma promessa ardente, uma verdade que engrandece o sacrifício e, mais do que acreditais, a parte classificada como a nº 1 vive de sacrifícios.


Sonnet.





Janeiro

1. — Como já dissemos, a enumeração exata dos espíritas seria coisa impossível, e isto por uma razão muito simples: o Espiritismo não é uma associação, nem uma congregação; seus aderentes não estão inscritos em nenhum registro oficial. Sabe-se perfeitamente que não se poderia avaliar o montante pelo número e a importância das sociedades, frequentadas apenas por minoria ínfima. O Espiritismo é uma opinião que não exige nenhuma profissão de fé, e pode estender-se ao todo ou parte dos princípios da Doutrina. Basta simpatizar com a ideia para ser espírita. Ora, não sendo essa qualidade conferida por nenhum ato material, e não implicando senão obrigações morais, não existe qualquer base física para determinar o número dos adeptos com precisão. Não se o pode estimar senão de maneira aproximativa, pelas relações e pela maior ou menor facilidade com que a ideia se propaga. Esse número aumenta diariamente em proporção considerável: é um fato positivo, reconhecido pelos próprios adversários; a oposição diminui, prova evidente de que a ideia encontra, cada vez mais, numerosas simpatias.

Aliás, compreende-se que é pelo conjunto e não pela situação das localidades, consideradas isoladamente, que se pode basear uma apreciação; há em cada localidade elementos mais ou menos favoráveis, em razão do estado particular dos Espíritos e também das resistências mais ou menos influentes que aí se exercem; mas essa situação é variável, porque tal localidade, que se tenha mostrado refratária durante vários anos, de repente se torna um foco. Quando os elementos de apreciação tiverem adquirido mais precisão, será possível fazer um mapa colorido em relação à difusão das ideias espíritas, como foi feito para a instrução. Enquanto isso, pode-se afirmar, sem exagero, que, em suma, o número dos adeptos centuplicou em dez anos, a despeito das manobras empregadas para abafar a ideia e contrariamente às previsões de todos os que se vangloriavam de a ter enterrado. Isto é um fato comprovado, devendo os antagonistas tomar o seu partido.

Só falamos aqui dos que aceitam o Espiritismo com conhecimento de causa, depois de o haver estudado, e não dos que, embora mais numerosos, estas ideias ainda estão em estado de intuição, faltando-lhes apenas definir suas crenças com mais precisão e dar-lhes um nome, para serem espíritas confessos. É um fato bem comprovado, que se constata todos os dias, sobretudo de algum tempo para cá, que as ideias espíritas parecem inatas numa porção de indivíduos, que jamais ouviram falar do Espiritismo; não se pode dizer que tenham sofrido uma influência qualquer, nem que sofreram a influência de um círculo. Que os adversários expliquem, se puderem, esses pensamentos que nascem fora e à margem do Espiritismo! Por certo não seria um sistema preconcebido no cérebro de um homem que teria produzido tal resultado; não há prova mais evidente de que essas ideias estão na Natureza, nem melhor garantia de sua vulgarização no futuro e de sua perpetuidade. Deste ponto de vista pode-se dizer que pelo menos três quartos da população de todos os países possuem o germe das crenças espíritas, pois são encontrados entre aqueles mesmos que lhe fazem oposição. Na maioria, a oposição vem da falsa ideia que fazem do Espiritismo; não o conhecendo, em geral, senão pelos quadros ridículos que dele faz a critica malevolente ou interessada em desacreditá-lo, recusam com razão a qualidade de espíritas. Certamente, se o Espiritismo se assemelhasse aos retratos grotescos que dele fizeram, se se constituísse das crenças e práticas absurdas que houveram por bem lhe atribuir, seríamos o primeiro a repudiar o título de espírita. Quando, pois, essas mesmas pessoas souberem que a Doutrina não é senão a coordenação e o desenvolvimento de suas próprias aspirações e de seus pensamentos íntimos, aceitá-la-ão; esses são, incontestavelmente, futuros espíritas, mas, por enquanto, não os consideramos em nossas avaliações.

Se é impossível uma estatística, outra há, talvez mais instrutiva e para a qual existem elementos que nos fornecem as nossas relações e a nossa correspondência: é a proporção relativa dos espíritas segundo as profissões, as posições sociais, as nacionalidades, as crenças religiosas, etc., levando em conta que certas profissões, como os oficiais ministeriais, por exemplo, são em número limitado, ao passo que outras, como os industriais e os capitalistas são em número indefinido. Guardadas todas as proporções, pode-se ver quais são as categorias nas quais o Espiritismo encontrou, até hoje, mais aderentes. Em alguns, a proporção pôde ser estabelecida em percentagem, com precisão, sem contudo pretender que tenham um rigor matemático; as outras categorias simplesmente foram classificadas em razão do número de adeptos que apresentaram, começando pelas de maior número, de que a correspondência e a lista de assinantes da Revista podem fornecer elementos. O quadro a seguir é resultado do levantamento de mais de dez mil observações.

Constatamos o fato, sem procurar discutir a causa dessa diferença, o que, não obstante, poderia ser assunto para um estudo interessante.


2. PROPORÇÃO RELATIVA DOS ESPÍRITAS.


I. Em relação às nacionalidades. – A bem dizer, não existe nenhum país civilizado da Europa e da América onde não haja espíritas. Eles são mais numerosos nos Estados Unidos da América do Norte. Seu número aí é avaliado, por uns, em quatro milhões, o que já é muito, e por outros em dez milhões. Esta última cifra evidentemente é exagerada, porque compreenderia mais de um terço da população, o que não é provável. Na Europa, a cifra pode ser avaliada em um milhão, na qual a França figura com seiscentos mil. Pode-se estimar o número de espíritas no mundo inteiro em seis ou sete milhões. Ainda que não passasse da metade, a História não oferece nenhum exemplo de uma doutrina que, em menos de quinze anos, tivesse reunido semelhante número de adeptos disseminados por toda a superfície do globo. Se aí incluíssemos os espíritas inconscientes, isto é, os que só o são por intuição, e mais tarde se tornarão espíritas de fato, só na França poder-se-iam contar vários milhões.

Do ponto de vista da difusão das ideias espíritas, e da facilidade com que são aceitas, os principais Estados da Europa podem ser classificados como se segue: 1º França. – 2 º Itália. – 3º Espanha. – 4º Rússia. – 5º Alemanha. – 6º Bélgica. – 7º Inglaterra. – 8º Suécia e Dinamarca. – 9º Grécia. – 10º Suíça.


II. Em relação ao sexo. – 70% de homens e 30% de mulheres.


III. Em relação à idade. – Máximo: de 30 a 70 anos; média: de 20 a 30 anos; mínimo: de 70 a 80 anos.


IV Em relação à instrução. – O grau de instrução é muito fácil de apreciar pela correspondência. Instrução cuidada: 30%; – simples letrados: 30%; – instrução superior: 20%; – semiletrados: 10%; – analfabetos: 6%; – sábios oficiais: 4%.


V Em relação às ideias religiosas. – Católicos romanos, livres-pensadores, não ligados ao dogma: 50%; – católicos gregos: 15%; – judeus: 10%; – protestantes liberais: 10%; – católicos ligados aos dogmas: 10%; – protestantes ortodoxos: 3%; – muçulmanos: 2%.


VI. Em relação à fortuna. – Mediocridade: 60%; – fortunas médias: 20%; – indigência: 15%; – grandes fortunas: 5%.


VII. Em relação ao estado moral, abstração feita da fortuna. – Aflitos: 60%; – sem inquietude: 30%; – felizes do mundo: 10%; – sensualistas: 0%.


VIII. Em relação à classe social. – Sem poder estabelecer nenhuma proporção nesta categoria, é notório que o Espiritismo conta entre seus aderentes: vários soberanos e príncipes reinantes; membros de famílias soberanas e um grande número de personagens tituladas.

Em geral, é nas classes médias que o Espiritismo conta mais adeptos; na Rússia é mais ou menos exclusivamente na nobreza e na alta aristocracia; é na França que mais se propagou na pequena burguesia e na classe operária.


IX. Estado militar, segundo o grau. – 1º Tenentes e subtenentes; 2º Suboficiais; 3º Capitães; 4º Coronéis; 5º Médicos e cirurgiões; 6º Generais; 7º Guardas municipais; 8º Soldados da guarda; 9º Soldados de linha.


Observação. – Os tenentes e subtenentes espíritas estão quase todos na ativa; entre os capitães, cerca de metade estão na ativa e a outra metade na reserva; os coronéis, médicos, cirurgiões e generais, em maioria estão na reserva.


X. Marinha. – 1º Marinha de Guerra; 2º Marinha Mercante.


XI. Profissões liberais e funções diversas. – Nós os agrupamos em dez categorias, classificadas segundo a proporção dos aderentes que forneceram ao Espiritismo:

1º Médicos homeopatas. – Magnetistas.

2º Engenheiros. – Instrutores; diretores e diretoras de internatos. – Professores livres.

3º Cônsules. – Sacerdotes católicos.

4º Pequenos empregados. – Músicos. – Artistas líricos. – Artistas dramáticos.

5º Meirinhos. – Comissários de polícia.

6º Médicos alopatas. – Homens de letras. – Estudantes.

7º Magistrados. – Altos funcionários. – Professores oficiais e de liceus. – Pastores protestantes.

8º Jornalistas. – Pintores. – Arquitetos. – Cirurgiões.

9º Notários. – Advogados. – Agentes de negócios.

10º Agentes de câmbio. – Banqueiros.


XII. Profissões industriais, manuais e comerciais, igualmente grupadas em dez categorias:

1º Alfaiates. – Costureiras.

2º Mecânicos. – Empregados de estradas de ferro.

3º Tecelões. – Pequenos negociantes. – Porteiros.

4º Farmacêuticos. – Fotógrafos. – Relojoeiros. – Caixeiros-viajantes.

5º Lavradores. – Sapateiros.

6º Padeiros. – Açougueiros. – Salsicheiros.

7º Marceneiros. – Tipógrafos.

8º Grandes industriais e chefes de estabelecimentos.

9º Livreiros. – Impressores.

10º Pintores de casas. – Pedreiros. – Serralheiros. – Merceeiros. – Domésticos.


3. Desta lista, resultam as seguintes consequências:


1º Que há espíritas em todos os graus da escala social;

2º Que há mais homens do que mulheres espíritas. É certo que nas famílias divididas por suas crenças, no tocante ao Espiritismo, há mais maridos contrariados pela oposição de suas esposas do que mulheres pela dos maridos. Não é menos constante que, em todas as reuniões espíritas, os homens estejam em maioria.

É, pois, injustamente que a crítica pretendeu que a Doutrina é recrutada principalmente entre as mulheres, em virtude de sua inclinação para o maravilhoso. É precisamente o contrário: essa inclinação para o maravilhoso e para o misticismo em geral as torna mais refratárias que os homens; essa predisposição faz que aceitem mais facilmente a fé cega, que dispensa qualquer exame, ao passo que o Espiritismo, não admitindo senão a fé raciocinada, exige reflexão e dedução filosófica para ser bem compreendido, para o que a educação estreita dada às mulheres torna-as menos aptas que os homens. As que sacodem o jugo imposto à sua razão e ao seu desenvolvimento intelectual, muitas vezes caem no excesso contrário; tornam-se o que chamam de mulheres fortes e sua incredulidade mais tenaz;

3º Que a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas, e não entre os ignorantes. Por toda parte o Espiritismo se propagou de alto a baixo da escala social, e em parte alguma se desenvolveu primeiro nas camadas inferiores;

4º Que a aflição e a infelicidade predispõem às crenças espíritas, em consequência das consolações que proporcionam. É a razão pela qual, na maioria das categorias, a proporção dos espíritas está na razão da inferioridade hierárquica, porque é aí que há mais privações e sofrimentos, ao passo que os titulares das posições superiores em geral pertencem à classe dos satisfeitos, à exceção do estado militar, onde os simples soldados figuram em último lugar;

5º Que o Espiritismo encontra mais fácil acesso entre os incrédulos em matéria religiosa do que entre os que têm uma fé irrevogável;

6º Enfim, que depois dos fanáticos, os mais refratários às ideias espíritas são os sensualistas e as pessoas cujos únicos pensamentos estão concentrados nas posses e nos prazeres materiais, seja qual for a classe a que pertençam, o que independe do grau de instrução.


4. — Em resumo, o Espiritismo é acolhido como um benefício pelos que ele ajuda a suportar o fardo da vida, e é repelido ou desdenhado por aqueles a quem prejudicaria no gozo da vida. Partindo deste princípio, facilmente se explicam o lugar que ocupam, nesse quadro, certas categorias de indivíduos, a despeito das luzes que são uma condição de sua posição social. Pelo caráter, gostos, hábitos e gênero de vida das pessoas, pode-se julgar do avanço de sua aptidão para assimilar as ideias espíritas. Em alguns, a resistência é uma questão de amor próprio, que segue quase sempre o grau do saber; quando esse saber os faz conquistar uma certa posição social, que os põe em evidência, não querem admitir que se podiam ter enganado e que outros podem ter visto melhor. Oferecer provas a certas pessoas é oferecer-lhes o que mais temem; e, com medo de achá-las, tapam os olhos e os ouvidos, preferindo negar a priori e se abrigarem atrás de sua infalibilidade, de que estão muito convencidas, digam o que disserem.

Explica-se menos facilmente a causa da posição que ocupam, nesta classificação, certas profissões industriais. Pergunta-se, por exemplo, por que os alfaiates aí ocupam a primeira posição, enquanto a livraria e a imprensa, profissões bem mais intelectuais, estão quase na última. É um fato constatado há muito tempo e do qual ainda não nos demos conta.

Se, no levantamento acima, em vez de não abranger senão os espíritas de fato, tivessem considerado os espíritas inconscientes, aqueles nos quais essas ideias estão em estado de intuição e que fazem Espiritismo sem o saber, certamente várias categorias teriam sido classificadas de modo diverso; por exemplo, os literatos, os poetas, os artistas, numa palavra, todos os homens de imaginação e de inspiração, os crentes de todos os cultos estariam, sem sombra de dúvida, no primeiro lugar. Certos povos, nos quais as crenças espíritas de certo modo são inatas, também ocupariam outra posição. Eis por que essa classificação não poderia ser absoluta, e se modificará com o tempo.

Os médicos homeopatas estão à frente das profissões liberais porque, com efeito é a que, guardadas as devidas proporções, conta em suas fileiras maior número de adeptos do Espiritismo; em cem médicos espíritas, há pelo menos oitenta homeopatas. Isto se deve a que o princípio mesmo de sua medicação os conduz ao espiritualismo; por isso os materialistas são muito raros entre eles, se é que os há, ao passo que são numerosos entre os alopatas. Melhor que estes últimos, compreenderam o Espiritismo, porque encontraram nas propriedades fisiológicas do perispírito, unido ao princípio material e ao princípio espiritual, a razão de ser de seu sistema. Pelo mesmo motivo, os espíritas puderam, melhor que os outros, compreender os efeitos desse modo de tratamento. Sem ser exclusivos a respeito da homeopatia, e sem rejeitar a alopatia, compreenderam a sua racionalidade e a sustentaram contra ataques injustos. Os homeopatas, achando novos defensores nos espíritas, não foram inábeis a ponto de lhes atirar a pedra.

Se os magnetistas figuram na primeira linha, logo após os homeopatas, malgrado a oposição persistente e muitas vezes acerba de alguns, é que os oponentes não formam senão pequeníssima minoria ao lado da massa dos que são, pode-se dizer, espíritas por intuição. O magnetismo e o Espiritismo são, com efeito, duas ciências gêmeas, que se completam e explicam uma pela outra, e das duas, a que não quer imobilizar-se não pode chegar ao seu complemento sem se apoiar na sua congênere; isoladas uma da outra, detêm-se num impasse; são reciprocamente como a Física e a Química, a Anatomia e a Fisiologia. A maioria dos magnetistas compreende de tal modo por intuição a relação íntima que deve existir entre as duas coisas, que geralmente se prevalecem de seus conhecimentos em magnetismo, como meio de introdução junto aos espíritas.

Em todos os tempos os magnetistas foram divididos em dois campos: os espiritualistas e os fluidistas. Estes últimos, muito menos numerosos, pelo menos fazendo abstração do princípio espiritual, quando não o negam absolutamente, referindo tudo à ação do fluido material, estão, por conseguinte, em oposição de princípios com os espíritas. Ora, é de notar que, se nem todos os magnetistas são espíritas, todos os espíritas, sem exceção, admitem o magnetismo. Em todas as circunstâncias, fizerem-se seus defensores e sustentáculos. Deviam ter-se admirado de encontrar adversários mais ou menos malévolos nos mesmos cujas fileiras acabavam de reforçar; que, depois de terem sido, durante mais de meio século, vítimas de ataques, de zombarias e de perseguições de toda sorte, por sua vez atirem a pedra, os sarcasmos e muitas vezes a injúria aos auxiliares que lhes chegam e começam a pesar na balança pelo seu número.

Aliás, como dissemos, esta oposição está longe de ser geral; muito ao contrário. Pode-se afirmar, sem se afastar da verdade, que não chega a 2 ou 3% da totalidade dos magnetistas; ela é muito menor ainda entre os da província e do estrangeiro do que entre os de Paris.


[Revista de fevereiro.]

5. ESTATÍSTICA DO ESPIRITISMO.


Apreciação pelo Jornal La Solidarité.

O jornal Solidarité, de 15 de janeiro de 1869, analisa a estatística do Espiritismo, que publicamos em nosso número anterior. Se critica algumas de suas cifras, sentimo-nos felizes por sua adesão ao conjunto do trabalho, que aprecia nestes termos:

“Lamentamos não poder reproduzir, por falta de espaço, as reflexões muito sábias com que o Sr. Allan Kardec faz acompanhar esta estatística. Limitar-nos-emos a constatar com ele que há espíritas em todos os graus da escala social; que a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas e não entre os ignorantes; que o Espiritismo se propagou em toda parte, de alto a baixo da escala social; que a aflição e a infelicidade são os grandes recrutadores do Espiritismo, por força das consolações e das esperanças que prodigaliza aos que choram e lamentam; que o Espiritismo encontra mais fácil acesso entre os incrédulos em matérias religiosas do que entre as pessoas que têm uma fé definida; enfim, que depois dos fanáticos os mais refratários às ideias espíritas são as criaturas cujos pensamentos estão todos concentrados na posse e nos prazeres materiais, seja qual for, aliás, a sua condição.”

É um fato de capital importância constatar em toda parte que “a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas e não entre os ignorantes.” Em presença deste fato material, em que se torna a acusação de estupidez, ignorância, loucura, inépcia, lançada tão estouvadamente contra os espíritas pela malevolência?

Propagando-se de alto a baixo da escala, o Espiritismo prova, além disso, que as classes favorecidas compreendem a sua influência moralizadora sobre as massas, pois que se esforçam por nele penetrar. É que, com efeito, os exemplos que se têm sob os olhos, embora parciais e ainda isolados, demonstram de maneira peremptória que o espírito do proletariado seria muito outro se estivesse imbuído dos princípios da Doutrina Espírita.

A principal objeção do Solidarité é muito séria. Refere-se ao número de espíritas do mundo inteiro. Eis o que diz a respeito:

“A Revista Espírita engana-se muito quando estima em apenas seis ou sete milhões o número de espíritas para todo o mundo. Evidentemente se esquece de contar a Ásia.

“Se pelo termo espírita entendem-se as pessoas que creem na vida de além-túmulo e nas relações dos vivos com a alma das pessoas mortas, é por centenas de milhões que se os deve contar. A crença nos Espíritos existe em todos os sectários do budismo, e pode-se dizer que ela constitui o fundo de todas as religiões do extremo Oriente. É geral sobretudo na China. As três antigas seitas que desde tanto tempo dividem as populações no Império Central, creem nos manes, nos Espíritos e professam o seu culto. – Pode-se mesmo dizer que este é para elas um terreno comum. Os adoradores do Tao e de Fo aí se encontram com os sectários do filósofo Confúcio.

“Os sacerdotes da seita de Lao-Tseu, e particularmente os Tao-Tseu, ou doutores da Razão, devem às práticas espíritas uma grande parte de sua influência sobre as populações. – Esses religiosos interrogam os Espíritos e obtêm respostas escritas, que não têm mais nem menos valor que as dos nossos médiuns. São conselhos e avisos considerados como dados aos vivos pelo Espírito de um morto. Aí se encontram revelações de segredos conhecidos unicamente pela pessoa que interroga, algumas vezes predições que se realizam ou não, mas que são capazes de impressionar os assistentes e estimular os seus desejos, para que se encarreguem de realizar, eles próprios, o oráculo.

“Obtêm-se essas correspondências por processos que não diferem muito dos nossos espíritas, mas que, no entanto, devem ser mais aperfeiçoados, se se considerar a longa experiência dos operadores que os praticam tradicionalmente.

“Eis como nos são descritos por uma testemunha ocular, o Sr. D…, que mora na China há muito tempo e que é familiar com a língua do país:

“Uma vara de pescar, de 50 a 60 centímetros, é sustentada nas extremidades por duas pessoas, das quais uma é o médium e a outra o interrogador. No meio dessa vara, tiveram o cuidado de lacrar ou amarrar uma pequena varinha da mesma madeira, bastante semelhante a um lápis, pelo tamanho e grossura. Abaixo desse pequeno aparelho é espalhada uma camada de areia, ou uma caixa contendo farinha de milho. Deslizando maquinalmente sobre a areia ou a farinha de milho, a varinha traça caracteres. À medida que estes se formam, são lidos e reproduzidos imediatamente no papel por um letrado presente à sessão. Daí resultam frases e escritos mais ou menos longos, mais ou menos interessantes, mas tendo sempre um valor lógico.

“A dar-se crédito aos Tao-Tseu, esses processos lhes vêm do próprio Lao-Tseu. Ora, se conforme a História, Lao-Tseu viveu no sexto século antes de Jesus-Cristo, é bom lembrar que, conforme a lenda, ele é como o Verbo dos cristãos, anterior ao começo e contemporâneo da grande não-entidade, como exprimem os doutores da Razão.

“Vê-se que o Espiritismo remonta a uma belíssima antiguidade.

“Isto não prova que ele é verdadeiro? – Não, por certo, mas se basta que uma crença seja antiga para ser venerável, e forte pelo número de seus partidários para ser respeitada, não conheço outra que tenha mais títulos ao respeito e à veneração de meus contemporâneos.”


6. — Nem é preciso dizer que aderimos completamente a essa retificação, e nos sentimos felizes que ela emane de uma fonte estranha, porque prova que não procuramos exagerar o quadro. Nossos leitores apreciarão, como nós, a maneira pela qual esse jornal, que se recomenda por seu caráter sério, encara o Espiritismo; vê-se que, de sua parte, é uma apreciação com justas razões.

Sabíamos perfeitamente que as ideias espíritas estão muito espalhadas nos povos do extremo Oriente, e se não as tínhamos levado em consideração é que, em nossa avaliação, não nos propusemos apresentar, conforme dissemos, senão o movimento do Espiritismo moderno, reservando-nos para fazer mais tarde um estudo especial sobre a anterioridade dessas ideias. Agradecemos muito sinceramente ao autor do artigo por nos haver precedido.

Noutro lugar ele diz: “Cremos que esta incerteza (sobre o número real dos espíritas, sobretudo na França), a princípio se deve à ausência de declarações positivas da parte dos adeptos; depois, ao estado flutuante das crenças. Existe – e poderíamos citar em Paris numerosos exemplos – uma multidão de pessoas que creem no Espiritismo e que não se gabam disto.”

Isto é perfeitamente justo; por isso só falamos dos espíritas de fato; do contrário, como dissemos, se incluíssemos os espíritas por intuição, somente na França eles se contariam por milhões; mas preferimos ficar aquém e não além da verdade, para não sermos tachados de exagero. Contudo, é preciso que o acréscimo seja muito sensível, para que certos adversários o tenham levado a cifras hiperbólicas, como o autor da brochura O orçamento do Espiritismo, que, vendo talvez os espíritas com lente de aumento, os avaliava, em 1863, em vinte milhões na França. (Revista Espírita de junho de 1863.)

A respeito da proporção dos sábios oficiais, na categoria do grau de instrução, diz o autor: “Gostaríamos muito de ver a olho nu esses 4% de sábios oficiais 40:000 para a Europa; 24.000 só para a França; são muitos sábios, e ainda oficiais; 6% de iletrados é quase nada.”

A crítica seria fundada se, como supõe o autor, se tratasse de 4% sobre o número aproximado de seiscentos mil espíritas na França, o que, efetivamente, daria vinte e quatro mil. Realmente seria muito, pois se teria dificuldade em encontrar essa cifra de sábios oficiais em toda a população da França. Em tal base, o cálculo seria evidentemente ridículo e se poderia dizer outro tanto dos iletrados. Essa avaliação, portanto, não tem por objetivo estabelecer o número efetivo dos sábios oficiais espíritas, mas a proporção relativa em que se encontram a respeito dos diversos graus de instrução, entre os quais estão em minoria. Nas outras categorias, limitamo-nos a uma simples classificação, sem avaliação numérica em termos percentuais. Quando utilizamos este último processo, foi para tornar mais sensível a proporção.

Para melhor definir o nosso pensamento, diremos que, por sábios oficiais, não entendemos todos aqueles cujo saber é constatado por um diploma, mas unicamente os que ocupam posições oficiais, como membros de Academias, professores de Faculdades, etc., que assim se acham em maior evidência e cujos nomes, por tais motivos, fazem autoridade na Ciência. Desse ponto de vista, um doutor em Medicina pode ser sábio sem ser um sábio oficial.

A posição oficial influi bastante sobre a maneira de encarar certas coisas. Como prova disto, citaremos o exemplo de um médico distinto, morto há vários anos, e que conhecemos pessoalmente. Era então grande partidário do magnetismo, sobre o qual havia escrito, e foi o que nos pôs em contato com ele. Aumentando a sua reputação, conquistou sucessivamente várias posições oficiais. À medida que subia, baixava seu fervor pelo magnetismo, caindo abaixo de zero quando chegou ao topo da escala, porque renegava abertamente suas antigas convicções. Considerações da mesma natureza podem explicar a posição de certas classes no que concerne ao Espiritismo.


7. — A categoria dos aflitos, dos despreocupados, dos felizes do mundo, dos sensualistas, fornece ao autor do artigo a seguinte reflexão:

“É pena que isto seja pura fantasia. Nada de sensualistas, compreende-se; Espiritismo e materialismo se excluem; sessenta aflitos em cem espíritas ainda se compreende. É para os que choram que as relações com um mundo melhor são preciosas. Mas trinta pessoas despreocupadas em cem, é demais! Se o Espiritismo operasse tais milagres, faria muitas outras conquistas. Fá-las-ia sobretudo entre os felizes do mundo, que também são, quase sempre, os mais inquietos e os mais atormentados.”

Há aqui um erro manifesto, pois pareceria que esse resultado é devido ao Espiritismo, ao passo que é ele que colhe, nessas categorias, mais ou menos adeptos conforme as predisposições que aí encontra. Essas cifras significam simplesmente que encontra mais adeptos entre os aflitos, um pouco menos entre as pessoas despreocupadas, menos ainda entre os felizes do mundo, e de modo algum entre os sensualistas.

Antes de mais, é preciso entender-se quanto às palavras. Materialismo e sensualismo não são sinônimos e nem sempre marcham lado a lado, já que se veem pessoas, espiritualistas por profissão e por dever, que são muito sensuais, ao passo que há muitos materialistas bastante moderados em sua maneira de viver; para eles o materialismo não passa de uma opinião, que abraçaram em falta de outra mais racional. Eis por que, quando reconhecem que o Espiritismo enche o vazio feito em sua consciência pela incredulidade, aceitam-no com felicidade; os sensualistas, ao contrário, são os mais refratários.

Uma coisa muito bizarra é que o Espiritismo encontra mais resistência entre os panteístas em geral, do que entre os que são francamente materialistas. Provavelmente isto se deve a que o panteísta quase sempre cria um sistema; possui algo, ao passo que o materialista nada tem, e esse vazio o inquieta.

Pelos felizes do mundo entendemos os que passam como tais aos olhos da multidão, porque se podem permitir largamente todos os prazeres da vida. É verdade que muitas vezes são os mais inquietos e os mais atormentados. Mas, por quê? pelas preocupações que lhes causam a fortuna e a ambição. Ao lado dessas preocupações incessantes, das ansiedades da perda ou do ganho, da azáfama dos negócios para uns, dos prazeres para outros, resta-lhes muito pouco tempo para se ocuparem do futuro.

Não podendo ter a paz da alma senão com a condição de renunciar ao que constitui o objeto de sua cobiça, o Espiritismo pouco os afeta, filosoficamente falando. Com exceção das penas do coração, que não poupam a ninguém, a não ser os egoístas, quase sempre os tormentos da vida estão para eles nas decepções da vaidade, no desejo de possuir, de brilhar, de mandar. Pode-se, pois, dizer que atormentam a si mesmos.

Ao contrário, a calma e a tranquilidade se encontram mais particularmente nas posições modestas, quando assegurado o bem-estar da vida. Aí quase não há ambição; contentam-se com o que têm, sem se atormentarem em o aumentar, correndo os riscos aleatórios da agiotagem ou da especulação. São os que chamamos despreocupados, falando relativamente; por pouco haja neles elevação de pensamento, ocupam-se de bom grado das coisas sérias; o Espiritismo lhes oferece um atraente assunto de meditação, e o aceitam mais facilmente do que aqueles a quem o turbilhão do mundo suscita uma febre contínua.

Tais são os motivos dessa classificação que, como se vê, não é tão fantasiosa quanto supõe o autor do artigo. Nós lhe agradecemos por nos ter ensejado ocasião de apontar erros que outros poderiam ter cometido, por não termos sido bastante explícitos.


8. — Em nossa estatística, omitimos duas funções importantes por sua natureza, e porque contam um número bastante grande de adeptos sinceros e devotados; são os prefeitos e os juízes de paz que estão na quinta classe, com os meirinhos e os comissários de polícia.

Uma outra omissão, contra a qual ele reclamou com justiça, e que insistem que reparemos, é a dos poloneses, na categoria dos povos. Ela é tanto mais fundada quanto o Espiritismo conta, nessa nação, numerosos e fervorosos adeptos, desde a origem. Como classe, a Polônia vem em quinto lugar, entre a Rússia e a Alemanha.

Para completar a nomenclatura, seria preciso incluir outros países, como a Holanda, por exemplo, que viria após a Inglaterra; Portugal depois da Grécia; as províncias do Danúbio, onde também há espíritas, mas sobre as quais não temos dados bastante positivos para lhes assinalar a classe. Quanto à Turquia, a quase totalidade dos adeptos se compõe de franceses, italianos e gregos.

Uma classificação mais racional e mais exata do que pelas nações territoriais, seria pelas raças ou nacionalidades, que não estão confinadas em limites circunscritos, apresentando, por toda parte onde se espalham, maior ou menor aptidão para assimilar as ideias espíritas. Deste ponto de vista, numa mesma região, muitas vezes se teria que fazer várias distinções.


9. — A comunicação seguinte foi dada num grupo de Paris, a propósito da classe que ocupam os alfaiates entre as profissões industriais.


(Paris, 6 de janeiro de 1869. – Grupo Desliens. – Médium: Sr. Leymarie.)

Criastes categorias, caro mestre, no início das quais colocastes certas profissões. Sabeis o que, em nossa opinião, arrasta certas pessoas a se tornarem espíritas? São as mil perseguições que sofrem em suas profissões. Os primeiros de que falais devem ter ordem, economia [organização], cuidado, gosto, ser um pouco artistas e, depois, ser ainda pacientes, saber esperar, escutar, sorrir e saudar com certa elegância; mas, após todas essas pequenas convenções, mais sérias do que se pensa, ainda é preciso calcular, ordenar sua caixa pelo ativo e pelo passivo e sofrer, sofrer continuamente.

Em contato com homens de todas as classes, comentando as queixas, as confidências, os enganos, os rostos falsos, aprendem muito! Levando essa vida múltipla, sua inteligência se abre por comparação; seu espírito se fortifica pela decepção e pelo sofrimento. E eis por que certas categorias compreendem e aclamam todos os progressos; amam o teatro francês, a bela arquitetura, o desenho, a filosofia; muitos amam a liberdade e todas as suas consequências. Sempre à frente e à espreita do que consola e faz esperar, elas se dão ao Espiritismo, que lhes é uma força, uma promessa ardente, uma verdade que engrandece o sacrifício e, mais do que acreditais, a parte classificada como a nº 1 vive de sacrifícios.


Sonnet.





Janeiro

1. — Como já dissemos, a enumeração exata dos espíritas seria coisa impossível, e isto por uma razão muito simples: o Espiritismo não é uma associação, nem uma congregação; seus aderentes não estão inscritos em nenhum registro oficial. Sabe-se perfeitamente que não se poderia avaliar o montante pelo número e a importância das sociedades, frequentadas apenas por minoria ínfima. O Espiritismo é uma opinião que não exige nenhuma profissão de fé, e pode estender-se ao todo ou parte dos princípios da Doutrina. Basta simpatizar com a ideia para ser espírita. Ora, não sendo essa qualidade conferida por nenhum ato material, e não implicando senão obrigações morais, não existe qualquer base física para determinar o número dos adeptos com precisão. Não se o pode estimar senão de maneira aproximativa, pelas relações e pela maior ou menor facilidade com que a ideia se propaga. Esse número aumenta diariamente em proporção considerável: é um fato positivo, reconhecido pelos próprios adversários; a oposição diminui, prova evidente de que a ideia encontra, cada vez mais, numerosas simpatias.

Aliás, compreende-se que é pelo conjunto e não pela situação das localidades, consideradas isoladamente, que se pode basear uma apreciação; há em cada localidade elementos mais ou menos favoráveis, em razão do estado particular dos Espíritos e também das resistências mais ou menos influentes que aí se exercem; mas essa situação é variável, porque tal localidade, que se tenha mostrado refratária durante vários anos, de repente se torna um foco. Quando os elementos de apreciação tiverem adquirido mais precisão, será possível fazer um mapa colorido em relação à difusão das ideias espíritas, como foi feito para a instrução. Enquanto isso, pode-se afirmar, sem exagero, que, em suma, o número dos adeptos centuplicou em dez anos, a despeito das manobras empregadas para abafar a ideia e contrariamente às previsões de todos os que se vangloriavam de a ter enterrado. Isto é um fato comprovado, devendo os antagonistas tomar o seu partido.

Só falamos aqui dos que aceitam o Espiritismo com conhecimento de causa, depois de o haver estudado, e não dos que, embora mais numerosos, estas ideias ainda estão em estado de intuição, faltando-lhes apenas definir suas crenças com mais precisão e dar-lhes um nome, para serem espíritas confessos. É um fato bem comprovado, que se constata todos os dias, sobretudo de algum tempo para cá, que as ideias espíritas parecem inatas numa porção de indivíduos, que jamais ouviram falar do Espiritismo; não se pode dizer que tenham sofrido uma influência qualquer, nem que sofreram a influência de um círculo. Que os adversários expliquem, se puderem, esses pensamentos que nascem fora e à margem do Espiritismo! Por certo não seria um sistema preconcebido no cérebro de um homem que teria produzido tal resultado; não há prova mais evidente de que essas ideias estão na Natureza, nem melhor garantia de sua vulgarização no futuro e de sua perpetuidade. Deste ponto de vista pode-se dizer que pelo menos três quartos da população de todos os países possuem o germe das crenças espíritas, pois são encontrados entre aqueles mesmos que lhe fazem oposição. Na maioria, a oposição vem da falsa ideia que fazem do Espiritismo; não o conhecendo, em geral, senão pelos quadros ridículos que dele faz a critica malevolente ou interessada em desacreditá-lo, recusam com razão a qualidade de espíritas. Certamente, se o Espiritismo se assemelhasse aos retratos grotescos que dele fizeram, se se constituísse das crenças e práticas absurdas que houveram por bem lhe atribuir, seríamos o primeiro a repudiar o título de espírita. Quando, pois, essas mesmas pessoas souberem que a Doutrina não é senão a coordenação e o desenvolvimento de suas próprias aspirações e de seus pensamentos íntimos, aceitá-la-ão; esses são, incontestavelmente, futuros espíritas, mas, por enquanto, não os consideramos em nossas avaliações.

Se é impossível uma estatística, outra há, talvez mais instrutiva e para a qual existem elementos que nos fornecem as nossas relações e a nossa correspondência: é a proporção relativa dos espíritas segundo as profissões, as posições sociais, as nacionalidades, as crenças religiosas, etc., levando em conta que certas profissões, como os oficiais ministeriais, por exemplo, são em número limitado, ao passo que outras, como os industriais e os capitalistas são em número indefinido. Guardadas todas as proporções, pode-se ver quais são as categorias nas quais o Espiritismo encontrou, até hoje, mais aderentes. Em alguns, a proporção pôde ser estabelecida em percentagem, com precisão, sem contudo pretender que tenham um rigor matemático; as outras categorias simplesmente foram classificadas em razão do número de adeptos que apresentaram, começando pelas de maior número, de que a correspondência e a lista de assinantes da Revista podem fornecer elementos. O quadro a seguir é resultado do levantamento de mais de dez mil observações.

Constatamos o fato, sem procurar discutir a causa dessa diferença, o que, não obstante, poderia ser assunto para um estudo interessante.


2. PROPORÇÃO RELATIVA DOS ESPÍRITAS.


I. Em relação às nacionalidades. – A bem dizer, não existe nenhum país civilizado da Europa e da América onde não haja espíritas. Eles são mais numerosos nos Estados Unidos da América do Norte. Seu número aí é avaliado, por uns, em quatro milhões, o que já é muito, e por outros em dez milhões. Esta última cifra evidentemente é exagerada, porque compreenderia mais de um terço da população, o que não é provável. Na Europa, a cifra pode ser avaliada em um milhão, na qual a França figura com seiscentos mil. Pode-se estimar o número de espíritas no mundo inteiro em seis ou sete milhões. Ainda que não passasse da metade, a História não oferece nenhum exemplo de uma doutrina que, em menos de quinze anos, tivesse reunido semelhante número de adeptos disseminados por toda a superfície do globo. Se aí incluíssemos os espíritas inconscientes, isto é, os que só o são por intuição, e mais tarde se tornarão espíritas de fato, só na França poder-se-iam contar vários milhões.

Do ponto de vista da difusão das ideias espíritas, e da facilidade com que são aceitas, os principais Estados da Europa podem ser classificados como se segue: 1º França. – 2 º Itália. – 3º Espanha. – 4º Rússia. – 5º Alemanha. – 6º Bélgica. – 7º Inglaterra. – 8º Suécia e Dinamarca. – 9º Grécia. – 10º Suíça.


II. Em relação ao sexo. – 70% de homens e 30% de mulheres.


III. Em relação à idade. – Máximo: de 30 a 70 anos; média: de 20 a 30 anos; mínimo: de 70 a 80 anos.


IV Em relação à instrução. – O grau de instrução é muito fácil de apreciar pela correspondência. Instrução cuidada: 30%; – simples letrados: 30%; – instrução superior: 20%; – semiletrados: 10%; – analfabetos: 6%; – sábios oficiais: 4%.


V Em relação às ideias religiosas. – Católicos romanos, livres-pensadores, não ligados ao dogma: 50%; – católicos gregos: 15%; – judeus: 10%; – protestantes liberais: 10%; – católicos ligados aos dogmas: 10%; – protestantes ortodoxos: 3%; – muçulmanos: 2%.


VI. Em relação à fortuna. – Mediocridade: 60%; – fortunas médias: 20%; – indigência: 15%; – grandes fortunas: 5%.


VII. Em relação ao estado moral, abstração feita da fortuna. – Aflitos: 60%; – sem inquietude: 30%; – felizes do mundo: 10%; – sensualistas: 0%.


VIII. Em relação à classe social. – Sem poder estabelecer nenhuma proporção nesta categoria, é notório que o Espiritismo conta entre seus aderentes: vários soberanos e príncipes reinantes; membros de famílias soberanas e um grande número de personagens tituladas.

Em geral, é nas classes médias que o Espiritismo conta mais adeptos; na Rússia é mais ou menos exclusivamente na nobreza e na alta aristocracia; é na França que mais se propagou na pequena burguesia e na classe operária.


IX. Estado militar, segundo o grau. – 1º Tenentes e subtenentes; 2º Suboficiais; 3º Capitães; 4º Coronéis; 5º Médicos e cirurgiões; 6º Generais; 7º Guardas municipais; 8º Soldados da guarda; 9º Soldados de linha.


Observação. – Os tenentes e subtenentes espíritas estão quase todos na ativa; entre os capitães, cerca de metade estão na ativa e a outra metade na reserva; os coronéis, médicos, cirurgiões e generais, em maioria estão na reserva.


X. Marinha. – 1º Marinha de Guerra; 2º Marinha Mercante.


XI. Profissões liberais e funções diversas. – Nós os agrupamos em dez categorias, classificadas segundo a proporção dos aderentes que forneceram ao Espiritismo:

1º Médicos homeopatas. – Magnetistas.

2º Engenheiros. – Instrutores; diretores e diretoras de internatos. – Professores livres.

3º Cônsules. – Sacerdotes católicos.

4º Pequenos empregados. – Músicos. – Artistas líricos. – Artistas dramáticos.

5º Meirinhos. – Comissários de polícia.

6º Médicos alopatas. – Homens de letras. – Estudantes.

7º Magistrados. – Altos funcionários. – Professores oficiais e de liceus. – Pastores protestantes.

8º Jornalistas. – Pintores. – Arquitetos. – Cirurgiões.

9º Notários. – Advogados. – Agentes de negócios.

10º Agentes de câmbio. – Banqueiros.


XII. Profissões industriais, manuais e comerciais, igualmente grupadas em dez categorias:

1º Alfaiates. – Costureiras.

2º Mecânicos. – Empregados de estradas de ferro.

3º Tecelões. – Pequenos negociantes. – Porteiros.

4º Farmacêuticos. – Fotógrafos. – Relojoeiros. – Caixeiros-viajantes.

5º Lavradores. – Sapateiros.

6º Padeiros. – Açougueiros. – Salsicheiros.

7º Marceneiros. – Tipógrafos.

8º Grandes industriais e chefes de estabelecimentos.

9º Livreiros. – Impressores.

10º Pintores de casas. – Pedreiros. – Serralheiros. – Merceeiros. – Domésticos.


3. Desta lista, resultam as seguintes consequências:


1º Que há espíritas em todos os graus da escala social;

2º Que há mais homens do que mulheres espíritas. É certo que nas famílias divididas por suas crenças, no tocante ao Espiritismo, há mais maridos contrariados pela oposição de suas esposas do que mulheres pela dos maridos. Não é menos constante que, em todas as reuniões espíritas, os homens estejam em maioria.

É, pois, injustamente que a crítica pretendeu que a Doutrina é recrutada principalmente entre as mulheres, em virtude de sua inclinação para o maravilhoso. É precisamente o contrário: essa inclinação para o maravilhoso e para o misticismo em geral as torna mais refratárias que os homens; essa predisposição faz que aceitem mais facilmente a fé cega, que dispensa qualquer exame, ao passo que o Espiritismo, não admitindo senão a fé raciocinada, exige reflexão e dedução filosófica para ser bem compreendido, para o que a educação estreita dada às mulheres torna-as menos aptas que os homens. As que sacodem o jugo imposto à sua razão e ao seu desenvolvimento intelectual, muitas vezes caem no excesso contrário; tornam-se o que chamam de mulheres fortes e sua incredulidade mais tenaz;

3º Que a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas, e não entre os ignorantes. Por toda parte o Espiritismo se propagou de alto a baixo da escala social, e em parte alguma se desenvolveu primeiro nas camadas inferiores;

4º Que a aflição e a infelicidade predispõem às crenças espíritas, em consequência das consolações que proporcionam. É a razão pela qual, na maioria das categorias, a proporção dos espíritas está na razão da inferioridade hierárquica, porque é aí que há mais privações e sofrimentos, ao passo que os titulares das posições superiores em geral pertencem à classe dos satisfeitos, à exceção do estado militar, onde os simples soldados figuram em último lugar;

5º Que o Espiritismo encontra mais fácil acesso entre os incrédulos em matéria religiosa do que entre os que têm uma fé irrevogável;

6º Enfim, que depois dos fanáticos, os mais refratários às ideias espíritas são os sensualistas e as pessoas cujos únicos pensamentos estão concentrados nas posses e nos prazeres materiais, seja qual for a classe a que pertençam, o que independe do grau de instrução.


4. — Em resumo, o Espiritismo é acolhido como um benefício pelos que ele ajuda a suportar o fardo da vida, e é repelido ou desdenhado por aqueles a quem prejudicaria no gozo da vida. Partindo deste princípio, facilmente se explicam o lugar que ocupam, nesse quadro, certas categorias de indivíduos, a despeito das luzes que são uma condição de sua posição social. Pelo caráter, gostos, hábitos e gênero de vida das pessoas, pode-se julgar do avanço de sua aptidão para assimilar as ideias espíritas. Em alguns, a resistência é uma questão de amor próprio, que segue quase sempre o grau do saber; quando esse saber os faz conquistar uma certa posição social, que os põe em evidência, não querem admitir que se podiam ter enganado e que outros podem ter visto melhor. Oferecer provas a certas pessoas é oferecer-lhes o que mais temem; e, com medo de achá-las, tapam os olhos e os ouvidos, preferindo negar a priori e se abrigarem atrás de sua infalibilidade, de que estão muito convencidas, digam o que disserem.

Explica-se menos facilmente a causa da posição que ocupam, nesta classificação, certas profissões industriais. Pergunta-se, por exemplo, por que os alfaiates aí ocupam a primeira posição, enquanto a livraria e a imprensa, profissões bem mais intelectuais, estão quase na última. É um fato constatado há muito tempo e do qual ainda não nos demos conta.

Se, no levantamento acima, em vez de não abranger senão os espíritas de fato, tivessem considerado os espíritas inconscientes, aqueles nos quais essas ideias estão em estado de intuição e que fazem Espiritismo sem o saber, certamente várias categorias teriam sido classificadas de modo diverso; por exemplo, os literatos, os poetas, os artistas, numa palavra, todos os homens de imaginação e de inspiração, os crentes de todos os cultos estariam, sem sombra de dúvida, no primeiro lugar. Certos povos, nos quais as crenças espíritas de certo modo são inatas, também ocupariam outra posição. Eis por que essa classificação não poderia ser absoluta, e se modificará com o tempo.

Os médicos homeopatas estão à frente das profissões liberais porque, com efeito é a que, guardadas as devidas proporções, conta em suas fileiras maior número de adeptos do Espiritismo; em cem médicos espíritas, há pelo menos oitenta homeopatas. Isto se deve a que o princípio mesmo de sua medicação os conduz ao espiritualismo; por isso os materialistas são muito raros entre eles, se é que os há, ao passo que são numerosos entre os alopatas. Melhor que estes últimos, compreenderam o Espiritismo, porque encontraram nas propriedades fisiológicas do perispírito, unido ao princípio material e ao princípio espiritual, a razão de ser de seu sistema. Pelo mesmo motivo, os espíritas puderam, melhor que os outros, compreender os efeitos desse modo de tratamento. Sem ser exclusivos a respeito da homeopatia, e sem rejeitar a alopatia, compreenderam a sua racionalidade e a sustentaram contra ataques injustos. Os homeopatas, achando novos defensores nos espíritas, não foram inábeis a ponto de lhes atirar a pedra.

Se os magnetistas figuram na primeira linha, logo após os homeopatas, malgrado a oposição persistente e muitas vezes acerba de alguns, é que os oponentes não formam senão pequeníssima minoria ao lado da massa dos que são, pode-se dizer, espíritas por intuição. O magnetismo e o Espiritismo são, com efeito, duas ciências gêmeas, que se completam e explicam uma pela outra, e das duas, a que não quer imobilizar-se não pode chegar ao seu complemento sem se apoiar na sua congênere; isoladas uma da outra, detêm-se num impasse; são reciprocamente como a Física e a Química, a Anatomia e a Fisiologia. A maioria dos magnetistas compreende de tal modo por intuição a relação íntima que deve existir entre as duas coisas, que geralmente se prevalecem de seus conhecimentos em magnetismo, como meio de introdução junto aos espíritas.

Em todos os tempos os magnetistas foram divididos em dois campos: os espiritualistas e os fluidistas. Estes últimos, muito menos numerosos, pelo menos fazendo abstração do princípio espiritual, quando não o negam absolutamente, referindo tudo à ação do fluido material, estão, por conseguinte, em oposição de princípios com os espíritas. Ora, é de notar que, se nem todos os magnetistas são espíritas, todos os espíritas, sem exceção, admitem o magnetismo. Em todas as circunstâncias, fizerem-se seus defensores e sustentáculos. Deviam ter-se admirado de encontrar adversários mais ou menos malévolos nos mesmos cujas fileiras acabavam de reforçar; que, depois de terem sido, durante mais de meio século, vítimas de ataques, de zombarias e de perseguições de toda sorte, por sua vez atirem a pedra, os sarcasmos e muitas vezes a injúria aos auxiliares que lhes chegam e começam a pesar na balança pelo seu número.

Aliás, como dissemos, esta oposição está longe de ser geral; muito ao contrário. Pode-se afirmar, sem se afastar da verdade, que não chega a 2 ou 3% da totalidade dos magnetistas; ela é muito menor ainda entre os da província e do estrangeiro do que entre os de Paris.


[Revista de fevereiro.]

5. ESTATÍSTICA DO ESPIRITISMO.


Apreciação pelo Jornal La Solidarité.

O jornal Solidarité, de 15 de janeiro de 1869, analisa a estatística do Espiritismo, que publicamos em nosso número anterior. Se critica algumas de suas cifras, sentimo-nos felizes por sua adesão ao conjunto do trabalho, que aprecia nestes termos:

“Lamentamos não poder reproduzir, por falta de espaço, as reflexões muito sábias com que o Sr. Allan Kardec faz acompanhar esta estatística. Limitar-nos-emos a constatar com ele que há espíritas em todos os graus da escala social; que a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas e não entre os ignorantes; que o Espiritismo se propagou em toda parte, de alto a baixo da escala social; que a aflição e a infelicidade são os grandes recrutadores do Espiritismo, por força das consolações e das esperanças que prodigaliza aos que choram e lamentam; que o Espiritismo encontra mais fácil acesso entre os incrédulos em matérias religiosas do que entre as pessoas que têm uma fé definida; enfim, que depois dos fanáticos os mais refratários às ideias espíritas são as criaturas cujos pensamentos estão todos concentrados na posse e nos prazeres materiais, seja qual for, aliás, a sua condição.”

É um fato de capital importância constatar em toda parte que “a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas e não entre os ignorantes.” Em presença deste fato material, em que se torna a acusação de estupidez, ignorância, loucura, inépcia, lançada tão estouvadamente contra os espíritas pela malevolência?

Propagando-se de alto a baixo da escala, o Espiritismo prova, além disso, que as classes favorecidas compreendem a sua influência moralizadora sobre as massas, pois que se esforçam por nele penetrar. É que, com efeito, os exemplos que se têm sob os olhos, embora parciais e ainda isolados, demonstram de maneira peremptória que o espírito do proletariado seria muito outro se estivesse imbuído dos princípios da Doutrina Espírita.

A principal objeção do Solidarité é muito séria. Refere-se ao número de espíritas do mundo inteiro. Eis o que diz a respeito:

“A Revista Espírita engana-se muito quando estima em apenas seis ou sete milhões o número de espíritas para todo o mundo. Evidentemente se esquece de contar a Ásia.

“Se pelo termo espírita entendem-se as pessoas que creem na vida de além-túmulo e nas relações dos vivos com a alma das pessoas mortas, é por centenas de milhões que se os deve contar. A crença nos Espíritos existe em todos os sectários do budismo, e pode-se dizer que ela constitui o fundo de todas as religiões do extremo Oriente. É geral sobretudo na China. As três antigas seitas que desde tanto tempo dividem as populações no Império Central, creem nos manes, nos Espíritos e professam o seu culto. – Pode-se mesmo dizer que este é para elas um terreno comum. Os adoradores do Tao e de Fo aí se encontram com os sectários do filósofo Confúcio.

“Os sacerdotes da seita de Lao-Tseu, e particularmente os Tao-Tseu, ou doutores da Razão, devem às práticas espíritas uma grande parte de sua influência sobre as populações. – Esses religiosos interrogam os Espíritos e obtêm respostas escritas, que não têm mais nem menos valor que as dos nossos médiuns. São conselhos e avisos considerados como dados aos vivos pelo Espírito de um morto. Aí se encontram revelações de segredos conhecidos unicamente pela pessoa que interroga, algumas vezes predições que se realizam ou não, mas que são capazes de impressionar os assistentes e estimular os seus desejos, para que se encarreguem de realizar, eles próprios, o oráculo.

“Obtêm-se essas correspondências por processos que não diferem muito dos nossos espíritas, mas que, no entanto, devem ser mais aperfeiçoados, se se considerar a longa experiência dos operadores que os praticam tradicionalmente.

“Eis como nos são descritos por uma testemunha ocular, o Sr. D…, que mora na China há muito tempo e que é familiar com a língua do país:

“Uma vara de pescar, de 50 a 60 centímetros, é sustentada nas extremidades por duas pessoas, das quais uma é o médium e a outra o interrogador. No meio dessa vara, tiveram o cuidado de lacrar ou amarrar uma pequena varinha da mesma madeira, bastante semelhante a um lápis, pelo tamanho e grossura. Abaixo desse pequeno aparelho é espalhada uma camada de areia, ou uma caixa contendo farinha de milho. Deslizando maquinalmente sobre a areia ou a farinha de milho, a varinha traça caracteres. À medida que estes se formam, são lidos e reproduzidos imediatamente no papel por um letrado presente à sessão. Daí resultam frases e escritos mais ou menos longos, mais ou menos interessantes, mas tendo sempre um valor lógico.

“A dar-se crédito aos Tao-Tseu, esses processos lhes vêm do próprio Lao-Tseu. Ora, se conforme a História, Lao-Tseu viveu no sexto século antes de Jesus-Cristo, é bom lembrar que, conforme a lenda, ele é como o Verbo dos cristãos, anterior ao começo e contemporâneo da grande não-entidade, como exprimem os doutores da Razão.

“Vê-se que o Espiritismo remonta a uma belíssima antiguidade.

“Isto não prova que ele é verdadeiro? – Não, por certo, mas se basta que uma crença seja antiga para ser venerável, e forte pelo número de seus partidários para ser respeitada, não conheço outra que tenha mais títulos ao respeito e à veneração de meus contemporâneos.”


6. — Nem é preciso dizer que aderimos completamente a essa retificação, e nos sentimos felizes que ela emane de uma fonte estranha, porque prova que não procuramos exagerar o quadro. Nossos leitores apreciarão, como nós, a maneira pela qual esse jornal, que se recomenda por seu caráter sério, encara o Espiritismo; vê-se que, de sua parte, é uma apreciação com justas razões.

Sabíamos perfeitamente que as ideias espíritas estão muito espalhadas nos povos do extremo Oriente, e se não as tínhamos levado em consideração é que, em nossa avaliação, não nos propusemos apresentar, conforme dissemos, senão o movimento do Espiritismo moderno, reservando-nos para fazer mais tarde um estudo especial sobre a anterioridade dessas ideias. Agradecemos muito sinceramente ao autor do artigo por nos haver precedido.

Noutro lugar ele diz: “Cremos que esta incerteza (sobre o número real dos espíritas, sobretudo na França), a princípio se deve à ausência de declarações positivas da parte dos adeptos; depois, ao estado flutuante das crenças. Existe – e poderíamos citar em Paris numerosos exemplos – uma multidão de pessoas que creem no Espiritismo e que não se gabam disto.”

Isto é perfeitamente justo; por isso só falamos dos espíritas de fato; do contrário, como dissemos, se incluíssemos os espíritas por intuição, somente na França eles se contariam por milhões; mas preferimos ficar aquém e não além da verdade, para não sermos tachados de exagero. Contudo, é preciso que o acréscimo seja muito sensível, para que certos adversários o tenham levado a cifras hiperbólicas, como o autor da brochura O orçamento do Espiritismo, que, vendo talvez os espíritas com lente de aumento, os avaliava, em 1863, em vinte milhões na França. (Revista Espírita de junho de 1863.)

A respeito da proporção dos sábios oficiais, na categoria do grau de instrução, diz o autor: “Gostaríamos muito de ver a olho nu esses 4% de sábios oficiais 40:000 para a Europa; 24.000 só para a França; são muitos sábios, e ainda oficiais; 6% de iletrados é quase nada.”

A crítica seria fundada se, como supõe o autor, se tratasse de 4% sobre o número aproximado de seiscentos mil espíritas na França, o que, efetivamente, daria vinte e quatro mil. Realmente seria muito, pois se teria dificuldade em encontrar essa cifra de sábios oficiais em toda a população da França. Em tal base, o cálculo seria evidentemente ridículo e se poderia dizer outro tanto dos iletrados. Essa avaliação, portanto, não tem por objetivo estabelecer o número efetivo dos sábios oficiais espíritas, mas a proporção relativa em que se encontram a respeito dos diversos graus de instrução, entre os quais estão em minoria. Nas outras categorias, limitamo-nos a uma simples classificação, sem avaliação numérica em termos percentuais. Quando utilizamos este último processo, foi para tornar mais sensível a proporção.

Para melhor definir o nosso pensamento, diremos que, por sábios oficiais, não entendemos todos aqueles cujo saber é constatado por um diploma, mas unicamente os que ocupam posições oficiais, como membros de Academias, professores de Faculdades, etc., que assim se acham em maior evidência e cujos nomes, por tais motivos, fazem autoridade na Ciência. Desse ponto de vista, um doutor em Medicina pode ser sábio sem ser um sábio oficial.

A posição oficial influi bastante sobre a maneira de encarar certas coisas. Como prova disto, citaremos o exemplo de um médico distinto, morto há vários anos, e que conhecemos pessoalmente. Era então grande partidário do magnetismo, sobre o qual havia escrito, e foi o que nos pôs em contato com ele. Aumentando a sua reputação, conquistou sucessivamente várias posições oficiais. À medida que subia, baixava seu fervor pelo magnetismo, caindo abaixo de zero quando chegou ao topo da escala, porque renegava abertamente suas antigas convicções. Considerações da mesma natureza podem explicar a posição de certas classes no que concerne ao Espiritismo.


7. — A categoria dos aflitos, dos despreocupados, dos felizes do mundo, dos sensualistas, fornece ao autor do artigo a seguinte reflexão:

“É pena que isto seja pura fantasia. Nada de sensualistas, compreende-se; Espiritismo e materialismo se excluem; sessenta aflitos em cem espíritas ainda se compreende. É para os que choram que as relações com um mundo melhor são preciosas. Mas trinta pessoas despreocupadas em cem, é demais! Se o Espiritismo operasse tais milagres, faria muitas outras conquistas. Fá-las-ia sobretudo entre os felizes do mundo, que também são, quase sempre, os mais inquietos e os mais atormentados.”

Há aqui um erro manifesto, pois pareceria que esse resultado é devido ao Espiritismo, ao passo que é ele que colhe, nessas categorias, mais ou menos adeptos conforme as predisposições que aí encontra. Essas cifras significam simplesmente que encontra mais adeptos entre os aflitos, um pouco menos entre as pessoas despreocupadas, menos ainda entre os felizes do mundo, e de modo algum entre os sensualistas.

Antes de mais, é preciso entender-se quanto às palavras. Materialismo e sensualismo não são sinônimos e nem sempre marcham lado a lado, já que se veem pessoas, espiritualistas por profissão e por dever, que são muito sensuais, ao passo que há muitos materialistas bastante moderados em sua maneira de viver; para eles o materialismo não passa de uma opinião, que abraçaram em falta de outra mais racional. Eis por que, quando reconhecem que o Espiritismo enche o vazio feito em sua consciência pela incredulidade, aceitam-no com felicidade; os sensualistas, ao contrário, são os mais refratários.

Uma coisa muito bizarra é que o Espiritismo encontra mais resistência entre os panteístas em geral, do que entre os que são francamente materialistas. Provavelmente isto se deve a que o panteísta quase sempre cria um sistema; possui algo, ao passo que o materialista nada tem, e esse vazio o inquieta.

Pelos felizes do mundo entendemos os que passam como tais aos olhos da multidão, porque se podem permitir largamente todos os prazeres da vida. É verdade que muitas vezes são os mais inquietos e os mais atormentados. Mas, por quê? pelas preocupações que lhes causam a fortuna e a ambição. Ao lado dessas preocupações incessantes, das ansiedades da perda ou do ganho, da azáfama dos negócios para uns, dos prazeres para outros, resta-lhes muito pouco tempo para se ocuparem do futuro.

Não podendo ter a paz da alma senão com a condição de renunciar ao que constitui o objeto de sua cobiça, o Espiritismo pouco os afeta, filosoficamente falando. Com exceção das penas do coração, que não poupam a ninguém, a não ser os egoístas, quase sempre os tormentos da vida estão para eles nas decepções da vaidade, no desejo de possuir, de brilhar, de mandar. Pode-se, pois, dizer que atormentam a si mesmos.

Ao contrário, a calma e a tranquilidade se encontram mais particularmente nas posições modestas, quando assegurado o bem-estar da vida. Aí quase não há ambição; contentam-se com o que têm, sem se atormentarem em o aumentar, correndo os riscos aleatórios da agiotagem ou da especulação. São os que chamamos despreocupados, falando relativamente; por pouco haja neles elevação de pensamento, ocupam-se de bom grado das coisas sérias; o Espiritismo lhes oferece um atraente assunto de meditação, e o aceitam mais facilmente do que aqueles a quem o turbilhão do mundo suscita uma febre contínua.

Tais são os motivos dessa classificação que, como se vê, não é tão fantasiosa quanto supõe o autor do artigo. Nós lhe agradecemos por nos ter ensejado ocasião de apontar erros que outros poderiam ter cometido, por não termos sido bastante explícitos.


8. — Em nossa estatística, omitimos duas funções importantes por sua natureza, e porque contam um número bastante grande de adeptos sinceros e devotados; são os prefeitos e os juízes de paz que estão na quinta classe, com os meirinhos e os comissários de polícia.

Uma outra omissão, contra a qual ele reclamou com justiça, e que insistem que reparemos, é a dos poloneses, na categoria dos povos. Ela é tanto mais fundada quanto o Espiritismo conta, nessa nação, numerosos e fervorosos adeptos, desde a origem. Como classe, a Polônia vem em quinto lugar, entre a Rússia e a Alemanha.

Para completar a nomenclatura, seria preciso incluir outros países, como a Holanda, por exemplo, que viria após a Inglaterra; Portugal depois da Grécia; as províncias do Danúbio, onde também há espíritas, mas sobre as quais não temos dados bastante positivos para lhes assinalar a classe. Quanto à Turquia, a quase totalidade dos adeptos se compõe de franceses, italianos e gregos.

Uma classificação mais racional e mais exata do que pelas nações territoriais, seria pelas raças ou nacionalidades, que não estão confinadas em limites circunscritos, apresentando, por toda parte onde se espalham, maior ou menor aptidão para assimilar as ideias espíritas. Deste ponto de vista, numa mesma região, muitas vezes se teria que fazer várias distinções.


9. — A comunicação seguinte foi dada num grupo de Paris, a propósito da classe que ocupam os alfaiates entre as profissões industriais.


(Paris, 6 de janeiro de 1869. – Grupo Desliens. – Médium: Sr. Leymarie.)

Criastes categorias, caro mestre, no início das quais colocastes certas profissões. Sabeis o que, em nossa opinião, arrasta certas pessoas a se tornarem espíritas? São as mil perseguições que sofrem em suas profissões. Os primeiros de que falais devem ter ordem, economia [organização], cuidado, gosto, ser um pouco artistas e, depois, ser ainda pacientes, saber esperar, escutar, sorrir e saudar com certa elegância; mas, após todas essas pequenas convenções, mais sérias do que se pensa, ainda é preciso calcular, ordenar sua caixa pelo ativo e pelo passivo e sofrer, sofrer continuamente.

Em contato com homens de todas as classes, comentando as queixas, as confidências, os enganos, os rostos falsos, aprendem muito! Levando essa vida múltipla, sua inteligência se abre por comparação; seu espírito se fortifica pela decepção e pelo sofrimento. E eis por que certas categorias compreendem e aclamam todos os progressos; amam o teatro francês, a bela arquitetura, o desenho, a filosofia; muitos amam a liberdade e todas as suas consequências. Sempre à frente e à espreita do que consola e faz esperar, elas se dão ao Espiritismo, que lhes é uma força, uma promessa ardente, uma verdade que engrandece o sacrifício e, mais do que acreditais, a parte classificada como a nº 1 vive de sacrifícios.


Sonnet.





Janeiro

1. — Como já dissemos, a enumeração exata dos espíritas seria coisa impossível, e isto por uma razão muito simples: o Espiritismo não é uma associação, nem uma congregação; seus aderentes não estão inscritos em nenhum registro oficial. Sabe-se perfeitamente que não se poderia avaliar o montante pelo número e a importância das sociedades, frequentadas apenas por minoria ínfima. O Espiritismo é uma opinião que não exige nenhuma profissão de fé, e pode estender-se ao todo ou parte dos princípios da Doutrina. Basta simpatizar com a ideia para ser espírita. Ora, não sendo essa qualidade conferida por nenhum ato material, e não implicando senão obrigações morais, não existe qualquer base física para determinar o número dos adeptos com precisão. Não se o pode estimar senão de maneira aproximativa, pelas relações e pela maior ou menor facilidade com que a ideia se propaga. Esse número aumenta diariamente em proporção considerável: é um fato positivo, reconhecido pelos próprios adversários; a oposição diminui, prova evidente de que a ideia encontra, cada vez mais, numerosas simpatias.

Aliás, compreende-se que é pelo conjunto e não pela situação das localidades, consideradas isoladamente, que se pode basear uma apreciação; há em cada localidade elementos mais ou menos favoráveis, em razão do estado particular dos Espíritos e também das resistências mais ou menos influentes que aí se exercem; mas essa situação é variável, porque tal localidade, que se tenha mostrado refratária durante vários anos, de repente se torna um foco. Quando os elementos de apreciação tiverem adquirido mais precisão, será possível fazer um mapa colorido em relação à difusão das ideias espíritas, como foi feito para a instrução. Enquanto isso, pode-se afirmar, sem exagero, que, em suma, o número dos adeptos centuplicou em dez anos, a despeito das manobras empregadas para abafar a ideia e contrariamente às previsões de todos os que se vangloriavam de a ter enterrado. Isto é um fato comprovado, devendo os antagonistas tomar o seu partido.

Só falamos aqui dos que aceitam o Espiritismo com conhecimento de causa, depois de o haver estudado, e não dos que, embora mais numerosos, estas ideias ainda estão em estado de intuição, faltando-lhes apenas definir suas crenças com mais precisão e dar-lhes um nome, para serem espíritas confessos. É um fato bem comprovado, que se constata todos os dias, sobretudo de algum tempo para cá, que as ideias espíritas parecem inatas numa porção de indivíduos, que jamais ouviram falar do Espiritismo; não se pode dizer que tenham sofrido uma influência qualquer, nem que sofreram a influência de um círculo. Que os adversários expliquem, se puderem, esses pensamentos que nascem fora e à margem do Espiritismo! Por certo não seria um sistema preconcebido no cérebro de um homem que teria produzido tal resultado; não há prova mais evidente de que essas ideias estão na Natureza, nem melhor garantia de sua vulgarização no futuro e de sua perpetuidade. Deste ponto de vista pode-se dizer que pelo menos três quartos da população de todos os países possuem o germe das crenças espíritas, pois são encontrados entre aqueles mesmos que lhe fazem oposição. Na maioria, a oposição vem da falsa ideia que fazem do Espiritismo; não o conhecendo, em geral, senão pelos quadros ridículos que dele faz a critica malevolente ou interessada em desacreditá-lo, recusam com razão a qualidade de espíritas. Certamente, se o Espiritismo se assemelhasse aos retratos grotescos que dele fizeram, se se constituísse das crenças e práticas absurdas que houveram por bem lhe atribuir, seríamos o primeiro a repudiar o título de espírita. Quando, pois, essas mesmas pessoas souberem que a Doutrina não é senão a coordenação e o desenvolvimento de suas próprias aspirações e de seus pensamentos íntimos, aceitá-la-ão; esses são, incontestavelmente, futuros espíritas, mas, por enquanto, não os consideramos em nossas avaliações.

Se é impossível uma estatística, outra há, talvez mais instrutiva e para a qual existem elementos que nos fornecem as nossas relações e a nossa correspondência: é a proporção relativa dos espíritas segundo as profissões, as posições sociais, as nacionalidades, as crenças religiosas, etc., levando em conta que certas profissões, como os oficiais ministeriais, por exemplo, são em número limitado, ao passo que outras, como os industriais e os capitalistas são em número indefinido. Guardadas todas as proporções, pode-se ver quais são as categorias nas quais o Espiritismo encontrou, até hoje, mais aderentes. Em alguns, a proporção pôde ser estabelecida em percentagem, com precisão, sem contudo pretender que tenham um rigor matemático; as outras categorias simplesmente foram classificadas em razão do número de adeptos que apresentaram, começando pelas de maior número, de que a correspondência e a lista de assinantes da Revista podem fornecer elementos. O quadro a seguir é resultado do levantamento de mais de dez mil observações.

Constatamos o fato, sem procurar discutir a causa dessa diferença, o que, não obstante, poderia ser assunto para um estudo interessante.


2. PROPORÇÃO RELATIVA DOS ESPÍRITAS.


I. Em relação às nacionalidades. – A bem dizer, não existe nenhum país civilizado da Europa e da América onde não haja espíritas. Eles são mais numerosos nos Estados Unidos da América do Norte. Seu número aí é avaliado, por uns, em quatro milhões, o que já é muito, e por outros em dez milhões. Esta última cifra evidentemente é exagerada, porque compreenderia mais de um terço da população, o que não é provável. Na Europa, a cifra pode ser avaliada em um milhão, na qual a França figura com seiscentos mil. Pode-se estimar o número de espíritas no mundo inteiro em seis ou sete milhões. Ainda que não passasse da metade, a História não oferece nenhum exemplo de uma doutrina que, em menos de quinze anos, tivesse reunido semelhante número de adeptos disseminados por toda a superfície do globo. Se aí incluíssemos os espíritas inconscientes, isto é, os que só o são por intuição, e mais tarde se tornarão espíritas de fato, só na França poder-se-iam contar vários milhões.

Do ponto de vista da difusão das ideias espíritas, e da facilidade com que são aceitas, os principais Estados da Europa podem ser classificados como se segue: 1º França. – 2 º Itália. – 3º Espanha. – 4º Rússia. – 5º Alemanha. – 6º Bélgica. – 7º Inglaterra. – 8º Suécia e Dinamarca. – 9º Grécia. – 10º Suíça.


II. Em relação ao sexo. – 70% de homens e 30% de mulheres.


III. Em relação à idade. – Máximo: de 30 a 70 anos; média: de 20 a 30 anos; mínimo: de 70 a 80 anos.


IV Em relação à instrução. – O grau de instrução é muito fácil de apreciar pela correspondência. Instrução cuidada: 30%; – simples letrados: 30%; – instrução superior: 20%; – semiletrados: 10%; – analfabetos: 6%; – sábios oficiais: 4%.


V Em relação às ideias religiosas. – Católicos romanos, livres-pensadores, não ligados ao dogma: 50%; – católicos gregos: 15%; – judeus: 10%; – protestantes liberais: 10%; – católicos ligados aos dogmas: 10%; – protestantes ortodoxos: 3%; – muçulmanos: 2%.


VI. Em relação à fortuna. – Mediocridade: 60%; – fortunas médias: 20%; – indigência: 15%; – grandes fortunas: 5%.


VII. Em relação ao estado moral, abstração feita da fortuna. – Aflitos: 60%; – sem inquietude: 30%; – felizes do mundo: 10%; – sensualistas: 0%.


VIII. Em relação à classe social. – Sem poder estabelecer nenhuma proporção nesta categoria, é notório que o Espiritismo conta entre seus aderentes: vários soberanos e príncipes reinantes; membros de famílias soberanas e um grande número de personagens tituladas.

Em geral, é nas classes médias que o Espiritismo conta mais adeptos; na Rússia é mais ou menos exclusivamente na nobreza e na alta aristocracia; é na França que mais se propagou na pequena burguesia e na classe operária.


IX. Estado militar, segundo o grau. – 1º Tenentes e subtenentes; 2º Suboficiais; 3º Capitães; 4º Coronéis; 5º Médicos e cirurgiões; 6º Generais; 7º Guardas municipais; 8º Soldados da guarda; 9º Soldados de linha.


Observação. – Os tenentes e subtenentes espíritas estão quase todos na ativa; entre os capitães, cerca de metade estão na ativa e a outra metade na reserva; os coronéis, médicos, cirurgiões e generais, em maioria estão na reserva.


X. Marinha. – 1º Marinha de Guerra; 2º Marinha Mercante.


XI. Profissões liberais e funções diversas. – Nós os agrupamos em dez categorias, classificadas segundo a proporção dos aderentes que forneceram ao Espiritismo:

1º Médicos homeopatas. – Magnetistas.

2º Engenheiros. – Instrutores; diretores e diretoras de internatos. – Professores livres.

3º Cônsules. – Sacerdotes católicos.

4º Pequenos empregados. – Músicos. – Artistas líricos. – Artistas dramáticos.

5º Meirinhos. – Comissários de polícia.

6º Médicos alopatas. – Homens de letras. – Estudantes.

7º Magistrados. – Altos funcionários. – Professores oficiais e de liceus. – Pastores protestantes.

8º Jornalistas. – Pintores. – Arquitetos. – Cirurgiões.

9º Notários. – Advogados. – Agentes de negócios.

10º Agentes de câmbio. – Banqueiros.


XII. Profissões industriais, manuais e comerciais, igualmente grupadas em dez categorias:

1º Alfaiates. – Costureiras.

2º Mecânicos. – Empregados de estradas de ferro.

3º Tecelões. – Pequenos negociantes. – Porteiros.

4º Farmacêuticos. – Fotógrafos. – Relojoeiros. – Caixeiros-viajantes.

5º Lavradores. – Sapateiros.

6º Padeiros. – Açougueiros. – Salsicheiros.

7º Marceneiros. – Tipógrafos.

8º Grandes industriais e chefes de estabelecimentos.

9º Livreiros. – Impressores.

10º Pintores de casas. – Pedreiros. – Serralheiros. – Merceeiros. – Domésticos.


3. Desta lista, resultam as seguintes consequências:


1º Que há espíritas em todos os graus da escala social;

2º Que há mais homens do que mulheres espíritas. É certo que nas famílias divididas por suas crenças, no tocante ao Espiritismo, há mais maridos contrariados pela oposição de suas esposas do que mulheres pela dos maridos. Não é menos constante que, em todas as reuniões espíritas, os homens estejam em maioria.

É, pois, injustamente que a crítica pretendeu que a Doutrina é recrutada principalmente entre as mulheres, em virtude de sua inclinação para o maravilhoso. É precisamente o contrário: essa inclinação para o maravilhoso e para o misticismo em geral as torna mais refratárias que os homens; essa predisposição faz que aceitem mais facilmente a fé cega, que dispensa qualquer exame, ao passo que o Espiritismo, não admitindo senão a fé raciocinada, exige reflexão e dedução filosófica para ser bem compreendido, para o que a educação estreita dada às mulheres torna-as menos aptas que os homens. As que sacodem o jugo imposto à sua razão e ao seu desenvolvimento intelectual, muitas vezes caem no excesso contrário; tornam-se o que chamam de mulheres fortes e sua incredulidade mais tenaz;

3º Que a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas, e não entre os ignorantes. Por toda parte o Espiritismo se propagou de alto a baixo da escala social, e em parte alguma se desenvolveu primeiro nas camadas inferiores;

4º Que a aflição e a infelicidade predispõem às crenças espíritas, em consequência das consolações que proporcionam. É a razão pela qual, na maioria das categorias, a proporção dos espíritas está na razão da inferioridade hierárquica, porque é aí que há mais privações e sofrimentos, ao passo que os titulares das posições superiores em geral pertencem à classe dos satisfeitos, à exceção do estado militar, onde os simples soldados figuram em último lugar;

5º Que o Espiritismo encontra mais fácil acesso entre os incrédulos em matéria religiosa do que entre os que têm uma fé irrevogável;

6º Enfim, que depois dos fanáticos, os mais refratários às ideias espíritas são os sensualistas e as pessoas cujos únicos pensamentos estão concentrados nas posses e nos prazeres materiais, seja qual for a classe a que pertençam, o que independe do grau de instrução.


4. — Em resumo, o Espiritismo é acolhido como um benefício pelos que ele ajuda a suportar o fardo da vida, e é repelido ou desdenhado por aqueles a quem prejudicaria no gozo da vida. Partindo deste princípio, facilmente se explicam o lugar que ocupam, nesse quadro, certas categorias de indivíduos, a despeito das luzes que são uma condição de sua posição social. Pelo caráter, gostos, hábitos e gênero de vida das pessoas, pode-se julgar do avanço de sua aptidão para assimilar as ideias espíritas. Em alguns, a resistência é uma questão de amor próprio, que segue quase sempre o grau do saber; quando esse saber os faz conquistar uma certa posição social, que os põe em evidência, não querem admitir que se podiam ter enganado e que outros podem ter visto melhor. Oferecer provas a certas pessoas é oferecer-lhes o que mais temem; e, com medo de achá-las, tapam os olhos e os ouvidos, preferindo negar a priori e se abrigarem atrás de sua infalibilidade, de que estão muito convencidas, digam o que disserem.

Explica-se menos facilmente a causa da posição que ocupam, nesta classificação, certas profissões industriais. Pergunta-se, por exemplo, por que os alfaiates aí ocupam a primeira posição, enquanto a livraria e a imprensa, profissões bem mais intelectuais, estão quase na última. É um fato constatado há muito tempo e do qual ainda não nos demos conta.

Se, no levantamento acima, em vez de não abranger senão os espíritas de fato, tivessem considerado os espíritas inconscientes, aqueles nos quais essas ideias estão em estado de intuição e que fazem Espiritismo sem o saber, certamente várias categorias teriam sido classificadas de modo diverso; por exemplo, os literatos, os poetas, os artistas, numa palavra, todos os homens de imaginação e de inspiração, os crentes de todos os cultos estariam, sem sombra de dúvida, no primeiro lugar. Certos povos, nos quais as crenças espíritas de certo modo são inatas, também ocupariam outra posição. Eis por que essa classificação não poderia ser absoluta, e se modificará com o tempo.

Os médicos homeopatas estão à frente das profissões liberais porque, com efeito é a que, guardadas as devidas proporções, conta em suas fileiras maior número de adeptos do Espiritismo; em cem médicos espíritas, há pelo menos oitenta homeopatas. Isto se deve a que o princípio mesmo de sua medicação os conduz ao espiritualismo; por isso os materialistas são muito raros entre eles, se é que os há, ao passo que são numerosos entre os alopatas. Melhor que estes últimos, compreenderam o Espiritismo, porque encontraram nas propriedades fisiológicas do perispírito, unido ao princípio material e ao princípio espiritual, a razão de ser de seu sistema. Pelo mesmo motivo, os espíritas puderam, melhor que os outros, compreender os efeitos desse modo de tratamento. Sem ser exclusivos a respeito da homeopatia, e sem rejeitar a alopatia, compreenderam a sua racionalidade e a sustentaram contra ataques injustos. Os homeopatas, achando novos defensores nos espíritas, não foram inábeis a ponto de lhes atirar a pedra.

Se os magnetistas figuram na primeira linha, logo após os homeopatas, malgrado a oposição persistente e muitas vezes acerba de alguns, é que os oponentes não formam senão pequeníssima minoria ao lado da massa dos que são, pode-se dizer, espíritas por intuição. O magnetismo e o Espiritismo são, com efeito, duas ciências gêmeas, que se completam e explicam uma pela outra, e das duas, a que não quer imobilizar-se não pode chegar ao seu complemento sem se apoiar na sua congênere; isoladas uma da outra, detêm-se num impasse; são reciprocamente como a Física e a Química, a Anatomia e a Fisiologia. A maioria dos magnetistas compreende de tal modo por intuição a relação íntima que deve existir entre as duas coisas, que geralmente se prevalecem de seus conhecimentos em magnetismo, como meio de introdução junto aos espíritas.

Em todos os tempos os magnetistas foram divididos em dois campos: os espiritualistas e os fluidistas. Estes últimos, muito menos numerosos, pelo menos fazendo abstração do princípio espiritual, quando não o negam absolutamente, referindo tudo à ação do fluido material, estão, por conseguinte, em oposição de princípios com os espíritas. Ora, é de notar que, se nem todos os magnetistas são espíritas, todos os espíritas, sem exceção, admitem o magnetismo. Em todas as circunstâncias, fizerem-se seus defensores e sustentáculos. Deviam ter-se admirado de encontrar adversários mais ou menos malévolos nos mesmos cujas fileiras acabavam de reforçar; que, depois de terem sido, durante mais de meio século, vítimas de ataques, de zombarias e de perseguições de toda sorte, por sua vez atirem a pedra, os sarcasmos e muitas vezes a injúria aos auxiliares que lhes chegam e começam a pesar na balança pelo seu número.

Aliás, como dissemos, esta oposição está longe de ser geral; muito ao contrário. Pode-se afirmar, sem se afastar da verdade, que não chega a 2 ou 3% da totalidade dos magnetistas; ela é muito menor ainda entre os da província e do estrangeiro do que entre os de Paris.


[Revista de fevereiro.]

5. ESTATÍSTICA DO ESPIRITISMO.


Apreciação pelo Jornal La Solidarité.

O jornal Solidarité, de 15 de janeiro de 1869, analisa a estatística do Espiritismo, que publicamos em nosso número anterior. Se critica algumas de suas cifras, sentimo-nos felizes por sua adesão ao conjunto do trabalho, que aprecia nestes termos:

“Lamentamos não poder reproduzir, por falta de espaço, as reflexões muito sábias com que o Sr. Allan Kardec faz acompanhar esta estatística. Limitar-nos-emos a constatar com ele que há espíritas em todos os graus da escala social; que a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas e não entre os ignorantes; que o Espiritismo se propagou em toda parte, de alto a baixo da escala social; que a aflição e a infelicidade são os grandes recrutadores do Espiritismo, por força das consolações e das esperanças que prodigaliza aos que choram e lamentam; que o Espiritismo encontra mais fácil acesso entre os incrédulos em matérias religiosas do que entre as pessoas que têm uma fé definida; enfim, que depois dos fanáticos os mais refratários às ideias espíritas são as criaturas cujos pensamentos estão todos concentrados na posse e nos prazeres materiais, seja qual for, aliás, a sua condição.”

É um fato de capital importância constatar em toda parte que “a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas e não entre os ignorantes.” Em presença deste fato material, em que se torna a acusação de estupidez, ignorância, loucura, inépcia, lançada tão estouvadamente contra os espíritas pela malevolência?

Propagando-se de alto a baixo da escala, o Espiritismo prova, além disso, que as classes favorecidas compreendem a sua influência moralizadora sobre as massas, pois que se esforçam por nele penetrar. É que, com efeito, os exemplos que se têm sob os olhos, embora parciais e ainda isolados, demonstram de maneira peremptória que o espírito do proletariado seria muito outro se estivesse imbuído dos princípios da Doutrina Espírita.

A principal objeção do Solidarité é muito séria. Refere-se ao número de espíritas do mundo inteiro. Eis o que diz a respeito:

“A Revista Espírita engana-se muito quando estima em apenas seis ou sete milhões o número de espíritas para todo o mundo. Evidentemente se esquece de contar a Ásia.

“Se pelo termo espírita entendem-se as pessoas que creem na vida de além-túmulo e nas relações dos vivos com a alma das pessoas mortas, é por centenas de milhões que se os deve contar. A crença nos Espíritos existe em todos os sectários do budismo, e pode-se dizer que ela constitui o fundo de todas as religiões do extremo Oriente. É geral sobretudo na China. As três antigas seitas que desde tanto tempo dividem as populações no Império Central, creem nos manes, nos Espíritos e professam o seu culto. – Pode-se mesmo dizer que este é para elas um terreno comum. Os adoradores do Tao e de Fo aí se encontram com os sectários do filósofo Confúcio.

“Os sacerdotes da seita de Lao-Tseu, e particularmente os Tao-Tseu, ou doutores da Razão, devem às práticas espíritas uma grande parte de sua influência sobre as populações. – Esses religiosos interrogam os Espíritos e obtêm respostas escritas, que não têm mais nem menos valor que as dos nossos médiuns. São conselhos e avisos considerados como dados aos vivos pelo Espírito de um morto. Aí se encontram revelações de segredos conhecidos unicamente pela pessoa que interroga, algumas vezes predições que se realizam ou não, mas que são capazes de impressionar os assistentes e estimular os seus desejos, para que se encarreguem de realizar, eles próprios, o oráculo.

“Obtêm-se essas correspondências por processos que não diferem muito dos nossos espíritas, mas que, no entanto, devem ser mais aperfeiçoados, se se considerar a longa experiência dos operadores que os praticam tradicionalmente.

“Eis como nos são descritos por uma testemunha ocular, o Sr. D…, que mora na China há muito tempo e que é familiar com a língua do país:

“Uma vara de pescar, de 50 a 60 centímetros, é sustentada nas extremidades por duas pessoas, das quais uma é o médium e a outra o interrogador. No meio dessa vara, tiveram o cuidado de lacrar ou amarrar uma pequena varinha da mesma madeira, bastante semelhante a um lápis, pelo tamanho e grossura. Abaixo desse pequeno aparelho é espalhada uma camada de areia, ou uma caixa contendo farinha de milho. Deslizando maquinalmente sobre a areia ou a farinha de milho, a varinha traça caracteres. À medida que estes se formam, são lidos e reproduzidos imediatamente no papel por um letrado presente à sessão. Daí resultam frases e escritos mais ou menos longos, mais ou menos interessantes, mas tendo sempre um valor lógico.

“A dar-se crédito aos Tao-Tseu, esses processos lhes vêm do próprio Lao-Tseu. Ora, se conforme a História, Lao-Tseu viveu no sexto século antes de Jesus-Cristo, é bom lembrar que, conforme a lenda, ele é como o Verbo dos cristãos, anterior ao começo e contemporâneo da grande não-entidade, como exprimem os doutores da Razão.

“Vê-se que o Espiritismo remonta a uma belíssima antiguidade.

“Isto não prova que ele é verdadeiro? – Não, por certo, mas se basta que uma crença seja antiga para ser venerável, e forte pelo número de seus partidários para ser respeitada, não conheço outra que tenha mais títulos ao respeito e à veneração de meus contemporâneos.”


6. — Nem é preciso dizer que aderimos completamente a essa retificação, e nos sentimos felizes que ela emane de uma fonte estranha, porque prova que não procuramos exagerar o quadro. Nossos leitores apreciarão, como nós, a maneira pela qual esse jornal, que se recomenda por seu caráter sério, encara o Espiritismo; vê-se que, de sua parte, é uma apreciação com justas razões.

Sabíamos perfeitamente que as ideias espíritas estão muito espalhadas nos povos do extremo Oriente, e se não as tínhamos levado em consideração é que, em nossa avaliação, não nos propusemos apresentar, conforme dissemos, senão o movimento do Espiritismo moderno, reservando-nos para fazer mais tarde um estudo especial sobre a anterioridade dessas ideias. Agradecemos muito sinceramente ao autor do artigo por nos haver precedido.

Noutro lugar ele diz: “Cremos que esta incerteza (sobre o número real dos espíritas, sobretudo na França), a princípio se deve à ausência de declarações positivas da parte dos adeptos; depois, ao estado flutuante das crenças. Existe – e poderíamos citar em Paris numerosos exemplos – uma multidão de pessoas que creem no Espiritismo e que não se gabam disto.”

Isto é perfeitamente justo; por isso só falamos dos espíritas de fato; do contrário, como dissemos, se incluíssemos os espíritas por intuição, somente na França eles se contariam por milhões; mas preferimos ficar aquém e não além da verdade, para não sermos tachados de exagero. Contudo, é preciso que o acréscimo seja muito sensível, para que certos adversários o tenham levado a cifras hiperbólicas, como o autor da brochura O orçamento do Espiritismo, que, vendo talvez os espíritas com lente de aumento, os avaliava, em 1863, em vinte milhões na França. (Revista Espírita de junho de 1863.)

A respeito da proporção dos sábios oficiais, na categoria do grau de instrução, diz o autor: “Gostaríamos muito de ver a olho nu esses 4% de sábios oficiais 40:000 para a Europa; 24.000 só para a França; são muitos sábios, e ainda oficiais; 6% de iletrados é quase nada.”

A crítica seria fundada se, como supõe o autor, se tratasse de 4% sobre o número aproximado de seiscentos mil espíritas na França, o que, efetivamente, daria vinte e quatro mil. Realmente seria muito, pois se teria dificuldade em encontrar essa cifra de sábios oficiais em toda a população da França. Em tal base, o cálculo seria evidentemente ridículo e se poderia dizer outro tanto dos iletrados. Essa avaliação, portanto, não tem por objetivo estabelecer o número efetivo dos sábios oficiais espíritas, mas a proporção relativa em que se encontram a respeito dos diversos graus de instrução, entre os quais estão em minoria. Nas outras categorias, limitamo-nos a uma simples classificação, sem avaliação numérica em termos percentuais. Quando utilizamos este último processo, foi para tornar mais sensível a proporção.

Para melhor definir o nosso pensamento, diremos que, por sábios oficiais, não entendemos todos aqueles cujo saber é constatado por um diploma, mas unicamente os que ocupam posições oficiais, como membros de Academias, professores de Faculdades, etc., que assim se acham em maior evidência e cujos nomes, por tais motivos, fazem autoridade na Ciência. Desse ponto de vista, um doutor em Medicina pode ser sábio sem ser um sábio oficial.

A posição oficial influi bastante sobre a maneira de encarar certas coisas. Como prova disto, citaremos o exemplo de um médico distinto, morto há vários anos, e que conhecemos pessoalmente. Era então grande partidário do magnetismo, sobre o qual havia escrito, e foi o que nos pôs em contato com ele. Aumentando a sua reputação, conquistou sucessivamente várias posições oficiais. À medida que subia, baixava seu fervor pelo magnetismo, caindo abaixo de zero quando chegou ao topo da escala, porque renegava abertamente suas antigas convicções. Considerações da mesma natureza podem explicar a posição de certas classes no que concerne ao Espiritismo.


7. — A categoria dos aflitos, dos despreocupados, dos felizes do mundo, dos sensualistas, fornece ao autor do artigo a seguinte reflexão:

“É pena que isto seja pura fantasia. Nada de sensualistas, compreende-se; Espiritismo e materialismo se excluem; sessenta aflitos em cem espíritas ainda se compreende. É para os que choram que as relações com um mundo melhor são preciosas. Mas trinta pessoas despreocupadas em cem, é demais! Se o Espiritismo operasse tais milagres, faria muitas outras conquistas. Fá-las-ia sobretudo entre os felizes do mundo, que também são, quase sempre, os mais inquietos e os mais atormentados.”

Há aqui um erro manifesto, pois pareceria que esse resultado é devido ao Espiritismo, ao passo que é ele que colhe, nessas categorias, mais ou menos adeptos conforme as predisposições que aí encontra. Essas cifras significam simplesmente que encontra mais adeptos entre os aflitos, um pouco menos entre as pessoas despreocupadas, menos ainda entre os felizes do mundo, e de modo algum entre os sensualistas.

Antes de mais, é preciso entender-se quanto às palavras. Materialismo e sensualismo não são sinônimos e nem sempre marcham lado a lado, já que se veem pessoas, espiritualistas por profissão e por dever, que são muito sensuais, ao passo que há muitos materialistas bastante moderados em sua maneira de viver; para eles o materialismo não passa de uma opinião, que abraçaram em falta de outra mais racional. Eis por que, quando reconhecem que o Espiritismo enche o vazio feito em sua consciência pela incredulidade, aceitam-no com felicidade; os sensualistas, ao contrário, são os mais refratários.

Uma coisa muito bizarra é que o Espiritismo encontra mais resistência entre os panteístas em geral, do que entre os que são francamente materialistas. Provavelmente isto se deve a que o panteísta quase sempre cria um sistema; possui algo, ao passo que o materialista nada tem, e esse vazio o inquieta.

Pelos felizes do mundo entendemos os que passam como tais aos olhos da multidão, porque se podem permitir largamente todos os prazeres da vida. É verdade que muitas vezes são os mais inquietos e os mais atormentados. Mas, por quê? pelas preocupações que lhes causam a fortuna e a ambição. Ao lado dessas preocupações incessantes, das ansiedades da perda ou do ganho, da azáfama dos negócios para uns, dos prazeres para outros, resta-lhes muito pouco tempo para se ocuparem do futuro.

Não podendo ter a paz da alma senão com a condição de renunciar ao que constitui o objeto de sua cobiça, o Espiritismo pouco os afeta, filosoficamente falando. Com exceção das penas do coração, que não poupam a ninguém, a não ser os egoístas, quase sempre os tormentos da vida estão para eles nas decepções da vaidade, no desejo de possuir, de brilhar, de mandar. Pode-se, pois, dizer que atormentam a si mesmos.

Ao contrário, a calma e a tranquilidade se encontram mais particularmente nas posições modestas, quando assegurado o bem-estar da vida. Aí quase não há ambição; contentam-se com o que têm, sem se atormentarem em o aumentar, correndo os riscos aleatórios da agiotagem ou da especulação. São os que chamamos despreocupados, falando relativamente; por pouco haja neles elevação de pensamento, ocupam-se de bom grado das coisas sérias; o Espiritismo lhes oferece um atraente assunto de meditação, e o aceitam mais facilmente do que aqueles a quem o turbilhão do mundo suscita uma febre contínua.

Tais são os motivos dessa classificação que, como se vê, não é tão fantasiosa quanto supõe o autor do artigo. Nós lhe agradecemos por nos ter ensejado ocasião de apontar erros que outros poderiam ter cometido, por não termos sido bastante explícitos.


8. — Em nossa estatística, omitimos duas funções importantes por sua natureza, e porque contam um número bastante grande de adeptos sinceros e devotados; são os prefeitos e os juízes de paz que estão na quinta classe, com os meirinhos e os comissários de polícia.

Uma outra omissão, contra a qual ele reclamou com justiça, e que insistem que reparemos, é a dos poloneses, na categoria dos povos. Ela é tanto mais fundada quanto o Espiritismo conta, nessa nação, numerosos e fervorosos adeptos, desde a origem. Como classe, a Polônia vem em quinto lugar, entre a Rússia e a Alemanha.

Para completar a nomenclatura, seria preciso incluir outros países, como a Holanda, por exemplo, que viria após a Inglaterra; Portugal depois da Grécia; as províncias do Danúbio, onde também há espíritas, mas sobre as quais não temos dados bastante positivos para lhes assinalar a classe. Quanto à Turquia, a quase totalidade dos adeptos se compõe de franceses, italianos e gregos.

Uma classificação mais racional e mais exata do que pelas nações territoriais, seria pelas raças ou nacionalidades, que não estão confinadas em limites circunscritos, apresentando, por toda parte onde se espalham, maior ou menor aptidão para assimilar as ideias espíritas. Deste ponto de vista, numa mesma região, muitas vezes se teria que fazer várias distinções.


9. — A comunicação seguinte foi dada num grupo de Paris, a propósito da classe que ocupam os alfaiates entre as profissões industriais.


(Paris, 6 de janeiro de 1869. – Grupo Desliens. – Médium: Sr. Leymarie.)

Criastes categorias, caro mestre, no início das quais colocastes certas profissões. Sabeis o que, em nossa opinião, arrasta certas pessoas a se tornarem espíritas? São as mil perseguições que sofrem em suas profissões. Os primeiros de que falais devem ter ordem, economia [organização], cuidado, gosto, ser um pouco artistas e, depois, ser ainda pacientes, saber esperar, escutar, sorrir e saudar com certa elegância; mas, após todas essas pequenas convenções, mais sérias do que se pensa, ainda é preciso calcular, ordenar sua caixa pelo ativo e pelo passivo e sofrer, sofrer continuamente.

Em contato com homens de todas as classes, comentando as queixas, as confidências, os enganos, os rostos falsos, aprendem muito! Levando essa vida múltipla, sua inteligência se abre por comparação; seu espírito se fortifica pela decepção e pelo sofrimento. E eis por que certas categorias compreendem e aclamam todos os progressos; amam o teatro francês, a bela arquitetura, o desenho, a filosofia; muitos amam a liberdade e todas as suas consequências. Sempre à frente e à espreita do que consola e faz esperar, elas se dão ao Espiritismo, que lhes é uma força, uma promessa ardente, uma verdade que engrandece o sacrifício e, mais do que acreditais, a parte classificada como a nº 1 vive de sacrifícios.


Sonnet.





Junho

Junho

A questão da pluralidade das existências há desde longo tempo preocupado os filósofos e mais de um reconheceu na anterioridade da alma a única solução possível para os mais importantes problemas da psicologia. Sem esse princípio, eles se encontraram detidos a cada passo, encurralados num beco sem saída, donde somente puderam escapar com o auxílio da pluralidade das existências.

A maior objeção que podem fazer a essa teoria é a da ausência de lembranças das existências anteriores. Com efeito, uma sucessão de existências inconscientes umas das outras; deixar um corpo para tomar outro sem a memória do passado equivaleria ao nada, visto que seria o nada quanto ao pensamento; seria uma multiplicidade de novos pontos de partida, sem ligação entre si; seria a ruptura incessante de todas as afeições que fazem o encanto da vida presente, a mais doce e consoladora esperança do futuro; seria, afinal, a negação de toda a responsabilidade moral. Semelhante doutrina seria tão inadmissível e tão incompatível com a justiça divina, quanto a de uma única existência com a perspectiva de uma eternidade de penas por algumas faltas temporárias. Compreende-se então que os que formam semelhante ideia da reencarnação a repilam; mas, não é assim que o Espiritismo no-la apresenta.

A existência espiritual da alma, diz ele, é a sua existência normal, com indefinida lembrança retrospectiva. As existências corpóreas são apenas intervalos, curtas estações na existência espiritual, sendo a soma de todas as estações apenas uma parcela mínima de existência normal, absolutamente como se, numa viagem de muitos anos, de tempos a tempos o viajor parasse durante algumas horas. Embora pareça que, durante as existências corporais, há solução de continuidade, por ausência de lembrança, a ligação efetivamente se estabelece no curso da vida espiritual, que não sofre interrupção. A solução de continuidade, realmente, só existe para a vida corpórea e de relação, e a ausência, aí, da lembrança prova a sabedoria da Providência que assim evitou fosse o homem por demais desviado da vida real, onde ele tem deveres a cumprir; mas, quando o corpo se acha em repouso, durante o sono, a alma levanta o voo parcialmente e restabelece-se então a cadeia interrompida apenas durante a vigília.

A isto ainda se pode opor uma objeção, perguntando que proveito pode o homem tirar de suas existências anteriores, para melhorar-se, dado que ele não se lembra das faltas que haja cometido. O Espiritismo responde, primeiro, que a lembrança de existências desgraçadas, juntando-se às misérias da vida presente, ainda mais penosa tornaria esta última. Desse modo, poupou Deus às suas criaturas um acréscimo de sofrimentos. Se assim não fosse, qual não seria a nossa humilhação, ao pensarmos no que já fôramos! Para o nosso melhoramento, aquela recordação seria inútil. Durante cada existência, sempre damos alguns passos para a frente, adquirimos algumas qualidades e nos despojamos de algumas imperfeições. Cada uma de tais existências é, portanto, um novo ponto de partida, em que somos qual nos houvermos feito, em que nos tomamos pelo que somos, sem nos preocuparmos com o que tenhamos sido. Se, numa existência anterior, fomos antropófagos, que importa isso, desde que já não o somos? Se tivemos um defeito qualquer, de que já não conservamos vestígio, aí está uma conta saldada, de que não mais nos cumpre cogitar. Suponhamos que, ao contrário, se trate de um defeito apenas meio corrigido: o restante ficará para a vida seguinte e a corrigi-lo é do que nesta devemos cuidar.

Tomemos um exemplo: um homem foi assassino e ladrão e foi punido, quer na vida corpórea, quer na vida espiritual; ele se arrepende e corrige do primeiro pendor, porém, não do segundo. Na existência seguinte, será apenas ladrão, talvez um grande ladrão, porém, não mais assassino. Mais um passo para diante e já não será mais que um ladrão obscuro; pouco mais tarde já não roubará, mas poderá ter a veleidade de roubar, que a sua consciência neutralizará. Depois, um derradeiro esforço e, havendo desaparecido todo vestígio da enfermidade moral, será um modelo de probidade. Que lhe importa então o que ele foi? A lembrança de ter acabado no cadafalso não seria uma tortura e uma humilhação constantes?

Aplicai este raciocínio a todos os vícios, a todos os desvios, e podereis ver como a alma se melhora, passando e tornando a passar pelos cadinhos da encarnação. Não terá sido Deus mais justo com o tornar o homem árbitro da sua própria sorte, pelos esforços que empregue por se melhorar, do que se fizesse que sua alma nascesse ao mesmo tempo que seu corpo e o condenasse a tormentos perpétuos por erros passageiros, sem lhe conceder meios de purificar-se de suas imperfeições? Pela pluralidade das existências, nas suas mãos está o seu futuro. Se ele gasta longo tempo a se melhorar, sofre as consequências dessa maneira de proceder: é a suprema justiça; a esperança, porém, jamais lhe é interdita.

A seguinte comparação pode ajudar a tornar compreensíveis as peripécias da vida da alma:

Suponhamos uma estrada longa, em cuja extensão se encontram, de distância em distância, mas com intervalos desiguais, florestas que se tem de atravessar e, à entrada de cada uma, a estrada, larga e magnífica, se interrompe, para só continuar à saída. O viajor segue por essa estrada e penetra na primeira floresta. Aí, porém, não dá com caminho aberto; depara-se-lhe, ao contrário, um dédalo inextricável em que ele se perde. A claridade do Sol há desaparecido sob a espessa ramagem das árvores. Ele vagueia, sem saber para onde se dirige. Afinal, depois de inauditas fadigas, chega aos confins da floresta, mas extenuado, dilacerado pelos espinhos, machucado pelos pedrouços. Lá, descobre de novo a estrada e prossegue a sua jornada, procurando curar-se das feridas.

Mais adiante, segunda floresta se lhe depara, onde o esperam as mesmas dificuldades. Mas, ele já possui um pouco de experiência e dela sai menos contundida Noutra, topa com um lenhador que lhe indica a direção que deve seguir para se não transviar. A cada nova travessia, aumenta a sua habilidade, de maneira que transpõe cada vez mais facilmente os obstáculos. Certo de que à saída encontrará de novo a boa estrada, firma-se nessa certeza; depois, já sabe orientar-se para achá-la com mais facilidade. A estrada finaliza no cume de uma montanha altíssima, donde ele descortina todo o caminho que percorreu desde o ponto de partida. Vê também as diferentes florestas que atravessou e se lembra das vicissitudes por que passou, mas essa lembrança não lhe é penosa, porque chegou ao termo da caminhada. É qual velho soldado que, na calma do lar doméstico, recorda as batalhas a que assistiu. Aquelas florestas que pontilhavam a estrada lhe são como que pontos negros sobre uma fita branca e ele diz a si mesmo: “Quando eu estava naquelas florestas, nas primeiras, sobretudo, como me pareciam longas de atravessar! Figurava-se-me que nunca chegaria ao fim; tudo ao meu derredor me parecia gigantesco e intransponível. E quando penso que, sem aquele bondoso lenhador que me pôs no bom caminho, talvez eu ainda lá estivesse! Agora, que contemplo essas mesmas florestas do ponto onde me acho, como se me apresentam pequeninas! Afigura-se-me que de um passo teria podido transpô-las; ainda mais, a minha vista as penetra e lhes distingo os menores detalhes; percebo até os passos em falso que dei.”

Diz-lhe então um ancião: – “Meu filho, eis-te chegado ao termo da viagem; mas, um repouso indefinido causar-te-á tédio mortal e tu te porias a ter saudades das vicissitudes que experimentaste e que te davam atividade aos membros e ao espírito. Vês daqui grande número de viajantes na estrada que percorreste e que, como tu, correm o risco de transviar-se; tens experiência, nada mais temas: vai-lhes ao encontro e procura com teus conselhos guiá-los, a fim de que cheguem mais depressa.”

– Irei com alegria, replica o nosso homem; entretanto, pergunto: por que não há uma estrada direta desde o ponto de partida até aqui? Isso forraria aos viajantes o terem de atravessar aquelas abomináveis florestas.

– Meu filho, retruca o ancião, atenta bem e verás que muitos evitam a travessia de algumas delas: são os que, tendo adquirido mais de pronto a experiência necessária, sabem tomar um caminho mais direto e mais curto para chegarem aqui. Essa experiência, porém, é fruto do trabalho que as primeiras travessias lhes impuseram, de sorte que eles aqui aportam em virtude do mérito próprio. Que é o que saberias, se por lá não houvesses passado? A atividade que houveste de desenvolver, os recursos de imaginação que precisaste empregar para abrir caminho aumentaram os teus conhecimentos e desenvolveram a tua inteligência. Sem que tal se desse, serias tão noviço quanto o eras à partida. Ademais, procurando safar-te dos tropeços, contribuíste para o melhoramento das florestas que atravessaste. O que fizeste foi pouca coisa, imperceptível mesmo; pensa, contudo, nos milhares de viajores que fazem outro tanto e que, trabalhando para si mesmos, trabalham, sem o perceberem, para o bem comum. Não é justo que recebam o salário de suas penas no repouso de que gozam aqui? Que direito lhes caberia a esse repouso, se nada houvessem feito?

– Meu pai, responde o viajor, numa das florestas, encontrei um homem que disse: “Na orla há um imenso abismo a ser transposto de um salto; mas, de mil, apenas um só o consegue; todos os outros lhe caem no fundo, numa fornalha ardente e ficam perdidos sem remissão. Esse abismo eu não o vi.”

– Meu filho, é que ele não existe, pois, do contrário, seria uma cilada abominável, armada a todos os que para lá se dirigem. Bem sei que lhes cabe vencer dificuldades, mas igualmente sei que cedo ou tarde as vencerão. Se eu houvera criado impossibilidades para um só que fosse, sabendo que esse sucumbiria, teria praticado uma crueldade, que avultaria imenso, se atingisse a maioria dos viajores. Esse abismo é uma alegoria, cuja explicação vais receber. Olha para a estrada e observa os intervalos das florestas. Entre os viajantes, alguns vês que caminham com passo lento e semblante jovial; vê aqueles amigos, que se tinham perdido de vista nos labirintos da floresta, como se sentem ditosos, por se haverem de novo encontrado ao deixarem-na. Mas, a par deles, outros há que se arrastam penosamente; estão estropiados e imploram a compaixão dos que passam, pois que sofrem atrozmente das feridas de que, por culpa própria, se cobriram, atravessando os espinheiros. Curar-se-ão, no entanto, e isso lhes constituirá uma lição da qual tirarão proveito na floresta seguinte, donde sairão menos machucados. O abismo simboliza os males que eles experimentam e, dizendo que de mil apenas um o transpõe, aquele homem teve razão, porquanto enorme é o número dos imprudentes; errou, porém, quando disse que aquele que ali cair não mais sairá. Para chegar a mim, o que tombou encontra sempre uma saída. Vai, meu filho, vai mostrar essa saída aos que estão no fundo do abismo; vai amparar os feridos que se arrastam pela estrada e mostrar o caminho aos que se embrenharam pelas florestas.

A estrada é a imagem da vida espiritual da alma e em cujo percurso esta é mais ou menos feliz. As florestas são as existências corpóreas, em que ela trabalha pelo seu adiantamento, ao mesmo tempo que na obra geral. O caminheiro que chega ao fim e que volta para ajudar os que vêm atrasados figura os anjos guardiães, os missionários de Deus, que se sentem venturosos em vê-lo, como, também, no desdobrarem suas atividades para fazer o bem e obedecer ao supremo Senhor.


Allan Kardec.




Janeiro 2 PROPORÇÃO RELATIVA DOS ESPÍRITAS

Janeiro

1. — Como já dissemos, a enumeração exata dos espíritas seria coisa impossível, e isto por uma razão muito simples: o Espiritismo não é uma associação, nem uma congregação; seus aderentes não estão inscritos em nenhum registro oficial. Sabe-se perfeitamente que não se poderia avaliar o montante pelo número e a importância das sociedades, frequentadas apenas por minoria ínfima. O Espiritismo é uma opinião que não exige nenhuma profissão de fé, e pode estender-se ao todo ou parte dos princípios da Doutrina. Basta simpatizar com a ideia para ser espírita. Ora, não sendo essa qualidade conferida por nenhum ato material, e não implicando senão obrigações morais, não existe qualquer base física para determinar o número dos adeptos com precisão. Não se o pode estimar senão de maneira aproximativa, pelas relações e pela maior ou menor facilidade com que a ideia se propaga. Esse número aumenta diariamente em proporção considerável: é um fato positivo, reconhecido pelos próprios adversários; a oposição diminui, prova evidente de que a ideia encontra, cada vez mais, numerosas simpatias.

Aliás, compreende-se que é pelo conjunto e não pela situação das localidades, consideradas isoladamente, que se pode basear uma apreciação; há em cada localidade elementos mais ou menos favoráveis, em razão do estado particular dos Espíritos e também das resistências mais ou menos influentes que aí se exercem; mas essa situação é variável, porque tal localidade, que se tenha mostrado refratária durante vários anos, de repente se torna um foco. Quando os elementos de apreciação tiverem adquirido mais precisão, será possível fazer um mapa colorido em relação à difusão das ideias espíritas, como foi feito para a instrução. Enquanto isso, pode-se afirmar, sem exagero, que, em suma, o número dos adeptos centuplicou em dez anos, a despeito das manobras empregadas para abafar a ideia e contrariamente às previsões de todos os que se vangloriavam de a ter enterrado. Isto é um fato comprovado, devendo os antagonistas tomar o seu partido.

Só falamos aqui dos que aceitam o Espiritismo com conhecimento de causa, depois de o haver estudado, e não dos que, embora mais numerosos, estas ideias ainda estão em estado de intuição, faltando-lhes apenas definir suas crenças com mais precisão e dar-lhes um nome, para serem espíritas confessos. É um fato bem comprovado, que se constata todos os dias, sobretudo de algum tempo para cá, que as ideias espíritas parecem inatas numa porção de indivíduos, que jamais ouviram falar do Espiritismo; não se pode dizer que tenham sofrido uma influência qualquer, nem que sofreram a influência de um círculo. Que os adversários expliquem, se puderem, esses pensamentos que nascem fora e à margem do Espiritismo! Por certo não seria um sistema preconcebido no cérebro de um homem que teria produzido tal resultado; não há prova mais evidente de que essas ideias estão na Natureza, nem melhor garantia de sua vulgarização no futuro e de sua perpetuidade. Deste ponto de vista pode-se dizer que pelo menos três quartos da população de todos os países possuem o germe das crenças espíritas, pois são encontrados entre aqueles mesmos que lhe fazem oposição. Na maioria, a oposição vem da falsa ideia que fazem do Espiritismo; não o conhecendo, em geral, senão pelos quadros ridículos que dele faz a critica malevolente ou interessada em desacreditá-lo, recusam com razão a qualidade de espíritas. Certamente, se o Espiritismo se assemelhasse aos retratos grotescos que dele fizeram, se se constituísse das crenças e práticas absurdas que houveram por bem lhe atribuir, seríamos o primeiro a repudiar o título de espírita. Quando, pois, essas mesmas pessoas souberem que a Doutrina não é senão a coordenação e o desenvolvimento de suas próprias aspirações e de seus pensamentos íntimos, aceitá-la-ão; esses são, incontestavelmente, futuros espíritas, mas, por enquanto, não os consideramos em nossas avaliações.

Se é impossível uma estatística, outra há, talvez mais instrutiva e para a qual existem elementos que nos fornecem as nossas relações e a nossa correspondência: é a proporção relativa dos espíritas segundo as profissões, as posições sociais, as nacionalidades, as crenças religiosas, etc., levando em conta que certas profissões, como os oficiais ministeriais, por exemplo, são em número limitado, ao passo que outras, como os industriais e os capitalistas são em número indefinido. Guardadas todas as proporções, pode-se ver quais são as categorias nas quais o Espiritismo encontrou, até hoje, mais aderentes. Em alguns, a proporção pôde ser estabelecida em percentagem, com precisão, sem contudo pretender que tenham um rigor matemático; as outras categorias simplesmente foram classificadas em razão do número de adeptos que apresentaram, começando pelas de maior número, de que a correspondência e a lista de assinantes da Revista podem fornecer elementos. O quadro a seguir é resultado do levantamento de mais de dez mil observações.

Constatamos o fato, sem procurar discutir a causa dessa diferença, o que, não obstante, poderia ser assunto para um estudo interessante.


2. PROPORÇÃO RELATIVA DOS ESPÍRITAS.


I. Em relação às nacionalidades. – A bem dizer, não existe nenhum país civilizado da Europa e da América onde não haja espíritas. Eles são mais numerosos nos Estados Unidos da América do Norte. Seu número aí é avaliado, por uns, em quatro milhões, o que já é muito, e por outros em dez milhões. Esta última cifra evidentemente é exagerada, porque compreenderia mais de um terço da população, o que não é provável. Na Europa, a cifra pode ser avaliada em um milhão, na qual a França figura com seiscentos mil. Pode-se estimar o número de espíritas no mundo inteiro em seis ou sete milhões. Ainda que não passasse da metade, a História não oferece nenhum exemplo de uma doutrina que, em menos de quinze anos, tivesse reunido semelhante número de adeptos disseminados por toda a superfície do globo. Se aí incluíssemos os espíritas inconscientes, isto é, os que só o são por intuição, e mais tarde se tornarão espíritas de fato, só na França poder-se-iam contar vários milhões.

Do ponto de vista da difusão das ideias espíritas, e da facilidade com que são aceitas, os principais Estados da Europa podem ser classificados como se segue: 1º França. – 2 º Itália. – 3º Espanha. – 4º Rússia. – 5º Alemanha. – 6º Bélgica. – 7º Inglaterra. – 8º Suécia e Dinamarca. – 9º Grécia. – 10º Suíça.


II. Em relação ao sexo. – 70% de homens e 30% de mulheres.


III. Em relação à idade. – Máximo: de 30 a 70 anos; média: de 20 a 30 anos; mínimo: de 70 a 80 anos.


IV Em relação à instrução. – O grau de instrução é muito fácil de apreciar pela correspondência. Instrução cuidada: 30%; – simples letrados: 30%; – instrução superior: 20%; – semiletrados: 10%; – analfabetos: 6%; – sábios oficiais: 4%.


V Em relação às ideias religiosas. – Católicos romanos, livres-pensadores, não ligados ao dogma: 50%; – católicos gregos: 15%; – judeus: 10%; – protestantes liberais: 10%; – católicos ligados aos dogmas: 10%; – protestantes ortodoxos: 3%; – muçulmanos: 2%.


VI. Em relação à fortuna. – Mediocridade: 60%; – fortunas médias: 20%; – indigência: 15%; – grandes fortunas: 5%.


VII. Em relação ao estado moral, abstração feita da fortuna. – Aflitos: 60%; – sem inquietude: 30%; – felizes do mundo: 10%; – sensualistas: 0%.


VIII. Em relação à classe social. – Sem poder estabelecer nenhuma proporção nesta categoria, é notório que o Espiritismo conta entre seus aderentes: vários soberanos e príncipes reinantes; membros de famílias soberanas e um grande número de personagens tituladas.

Em geral, é nas classes médias que o Espiritismo conta mais adeptos; na Rússia é mais ou menos exclusivamente na nobreza e na alta aristocracia; é na França que mais se propagou na pequena burguesia e na classe operária.


IX. Estado militar, segundo o grau. – 1º Tenentes e subtenentes; 2º Suboficiais; 3º Capitães; 4º Coronéis; 5º Médicos e cirurgiões; 6º Generais; 7º Guardas municipais; 8º Soldados da guarda; 9º Soldados de linha.


Observação. – Os tenentes e subtenentes espíritas estão quase todos na ativa; entre os capitães, cerca de metade estão na ativa e a outra metade na reserva; os coronéis, médicos, cirurgiões e generais, em maioria estão na reserva.


X. Marinha. – 1º Marinha de Guerra; 2º Marinha Mercante.


XI. Profissões liberais e funções diversas. – Nós os agrupamos em dez categorias, classificadas segundo a proporção dos aderentes que forneceram ao Espiritismo:

1º Médicos homeopatas. – Magnetistas.

2º Engenheiros. – Instrutores; diretores e diretoras de internatos. – Professores livres.

3º Cônsules. – Sacerdotes católicos.

4º Pequenos empregados. – Músicos. – Artistas líricos. – Artistas dramáticos.

5º Meirinhos. – Comissários de polícia.

6º Médicos alopatas. – Homens de letras. – Estudantes.

7º Magistrados. – Altos funcionários. – Professores oficiais e de liceus. – Pastores protestantes.

8º Jornalistas. – Pintores. – Arquitetos. – Cirurgiões.

9º Notários. – Advogados. – Agentes de negócios.

10º Agentes de câmbio. – Banqueiros.


XII. Profissões industriais, manuais e comerciais, igualmente grupadas em dez categorias:

1º Alfaiates. – Costureiras.

2º Mecânicos. – Empregados de estradas de ferro.

3º Tecelões. – Pequenos negociantes. – Porteiros.

4º Farmacêuticos. – Fotógrafos. – Relojoeiros. – Caixeiros-viajantes.

5º Lavradores. – Sapateiros.

6º Padeiros. – Açougueiros. – Salsicheiros.

7º Marceneiros. – Tipógrafos.

8º Grandes industriais e chefes de estabelecimentos.

9º Livreiros. – Impressores.

10º Pintores de casas. – Pedreiros. – Serralheiros. – Merceeiros. – Domésticos.


3. Desta lista, resultam as seguintes consequências:


1º Que há espíritas em todos os graus da escala social;

2º Que há mais homens do que mulheres espíritas. É certo que nas famílias divididas por suas crenças, no tocante ao Espiritismo, há mais maridos contrariados pela oposição de suas esposas do que mulheres pela dos maridos. Não é menos constante que, em todas as reuniões espíritas, os homens estejam em maioria.

É, pois, injustamente que a crítica pretendeu que a Doutrina é recrutada principalmente entre as mulheres, em virtude de sua inclinação para o maravilhoso. É precisamente o contrário: essa inclinação para o maravilhoso e para o misticismo em geral as torna mais refratárias que os homens; essa predisposição faz que aceitem mais facilmente a fé cega, que dispensa qualquer exame, ao passo que o Espiritismo, não admitindo senão a fé raciocinada, exige reflexão e dedução filosófica para ser bem compreendido, para o que a educação estreita dada às mulheres torna-as menos aptas que os homens. As que sacodem o jugo imposto à sua razão e ao seu desenvolvimento intelectual, muitas vezes caem no excesso contrário; tornam-se o que chamam de mulheres fortes e sua incredulidade mais tenaz;

3º Que a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas, e não entre os ignorantes. Por toda parte o Espiritismo se propagou de alto a baixo da escala social, e em parte alguma se desenvolveu primeiro nas camadas inferiores;

4º Que a aflição e a infelicidade predispõem às crenças espíritas, em consequência das consolações que proporcionam. É a razão pela qual, na maioria das categorias, a proporção dos espíritas está na razão da inferioridade hierárquica, porque é aí que há mais privações e sofrimentos, ao passo que os titulares das posições superiores em geral pertencem à classe dos satisfeitos, à exceção do estado militar, onde os simples soldados figuram em último lugar;

5º Que o Espiritismo encontra mais fácil acesso entre os incrédulos em matéria religiosa do que entre os que têm uma fé irrevogável;

6º Enfim, que depois dos fanáticos, os mais refratários às ideias espíritas são os sensualistas e as pessoas cujos únicos pensamentos estão concentrados nas posses e nos prazeres materiais, seja qual for a classe a que pertençam, o que independe do grau de instrução.


4. — Em resumo, o Espiritismo é acolhido como um benefício pelos que ele ajuda a suportar o fardo da vida, e é repelido ou desdenhado por aqueles a quem prejudicaria no gozo da vida. Partindo deste princípio, facilmente se explicam o lugar que ocupam, nesse quadro, certas categorias de indivíduos, a despeito das luzes que são uma condição de sua posição social. Pelo caráter, gostos, hábitos e gênero de vida das pessoas, pode-se julgar do avanço de sua aptidão para assimilar as ideias espíritas. Em alguns, a resistência é uma questão de amor próprio, que segue quase sempre o grau do saber; quando esse saber os faz conquistar uma certa posição social, que os põe em evidência, não querem admitir que se podiam ter enganado e que outros podem ter visto melhor. Oferecer provas a certas pessoas é oferecer-lhes o que mais temem; e, com medo de achá-las, tapam os olhos e os ouvidos, preferindo negar a priori e se abrigarem atrás de sua infalibilidade, de que estão muito convencidas, digam o que disserem.

Explica-se menos facilmente a causa da posição que ocupam, nesta classificação, certas profissões industriais. Pergunta-se, por exemplo, por que os alfaiates aí ocupam a primeira posição, enquanto a livraria e a imprensa, profissões bem mais intelectuais, estão quase na última. É um fato constatado há muito tempo e do qual ainda não nos demos conta.

Se, no levantamento acima, em vez de não abranger senão os espíritas de fato, tivessem considerado os espíritas inconscientes, aqueles nos quais essas ideias estão em estado de intuição e que fazem Espiritismo sem o saber, certamente várias categorias teriam sido classificadas de modo diverso; por exemplo, os literatos, os poetas, os artistas, numa palavra, todos os homens de imaginação e de inspiração, os crentes de todos os cultos estariam, sem sombra de dúvida, no primeiro lugar. Certos povos, nos quais as crenças espíritas de certo modo são inatas, também ocupariam outra posição. Eis por que essa classificação não poderia ser absoluta, e se modificará com o tempo.

Os médicos homeopatas estão à frente das profissões liberais porque, com efeito é a que, guardadas as devidas proporções, conta em suas fileiras maior número de adeptos do Espiritismo; em cem médicos espíritas, há pelo menos oitenta homeopatas. Isto se deve a que o princípio mesmo de sua medicação os conduz ao espiritualismo; por isso os materialistas são muito raros entre eles, se é que os há, ao passo que são numerosos entre os alopatas. Melhor que estes últimos, compreenderam o Espiritismo, porque encontraram nas propriedades fisiológicas do perispírito, unido ao princípio material e ao princípio espiritual, a razão de ser de seu sistema. Pelo mesmo motivo, os espíritas puderam, melhor que os outros, compreender os efeitos desse modo de tratamento. Sem ser exclusivos a respeito da homeopatia, e sem rejeitar a alopatia, compreenderam a sua racionalidade e a sustentaram contra ataques injustos. Os homeopatas, achando novos defensores nos espíritas, não foram inábeis a ponto de lhes atirar a pedra.

Se os magnetistas figuram na primeira linha, logo após os homeopatas, malgrado a oposição persistente e muitas vezes acerba de alguns, é que os oponentes não formam senão pequeníssima minoria ao lado da massa dos que são, pode-se dizer, espíritas por intuição. O magnetismo e o Espiritismo são, com efeito, duas ciências gêmeas, que se completam e explicam uma pela outra, e das duas, a que não quer imobilizar-se não pode chegar ao seu complemento sem se apoiar na sua congênere; isoladas uma da outra, detêm-se num impasse; são reciprocamente como a Física e a Química, a Anatomia e a Fisiologia. A maioria dos magnetistas compreende de tal modo por intuição a relação íntima que deve existir entre as duas coisas, que geralmente se prevalecem de seus conhecimentos em magnetismo, como meio de introdução junto aos espíritas.

Em todos os tempos os magnetistas foram divididos em dois campos: os espiritualistas e os fluidistas. Estes últimos, muito menos numerosos, pelo menos fazendo abstração do princípio espiritual, quando não o negam absolutamente, referindo tudo à ação do fluido material, estão, por conseguinte, em oposição de princípios com os espíritas. Ora, é de notar que, se nem todos os magnetistas são espíritas, todos os espíritas, sem exceção, admitem o magnetismo. Em todas as circunstâncias, fizerem-se seus defensores e sustentáculos. Deviam ter-se admirado de encontrar adversários mais ou menos malévolos nos mesmos cujas fileiras acabavam de reforçar; que, depois de terem sido, durante mais de meio século, vítimas de ataques, de zombarias e de perseguições de toda sorte, por sua vez atirem a pedra, os sarcasmos e muitas vezes a injúria aos auxiliares que lhes chegam e começam a pesar na balança pelo seu número.

Aliás, como dissemos, esta oposição está longe de ser geral; muito ao contrário. Pode-se afirmar, sem se afastar da verdade, que não chega a 2 ou 3% da totalidade dos magnetistas; ela é muito menor ainda entre os da província e do estrangeiro do que entre os de Paris.


[Revista de fevereiro.]

5. ESTATÍSTICA DO ESPIRITISMO.


Apreciação pelo Jornal La Solidarité.

O jornal Solidarité, de 15 de janeiro de 1869, analisa a estatística do Espiritismo, que publicamos em nosso número anterior. Se critica algumas de suas cifras, sentimo-nos felizes por sua adesão ao conjunto do trabalho, que aprecia nestes termos:

“Lamentamos não poder reproduzir, por falta de espaço, as reflexões muito sábias com que o Sr. Allan Kardec faz acompanhar esta estatística. Limitar-nos-emos a constatar com ele que há espíritas em todos os graus da escala social; que a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas e não entre os ignorantes; que o Espiritismo se propagou em toda parte, de alto a baixo da escala social; que a aflição e a infelicidade são os grandes recrutadores do Espiritismo, por força das consolações e das esperanças que prodigaliza aos que choram e lamentam; que o Espiritismo encontra mais fácil acesso entre os incrédulos em matérias religiosas do que entre as pessoas que têm uma fé definida; enfim, que depois dos fanáticos os mais refratários às ideias espíritas são as criaturas cujos pensamentos estão todos concentrados na posse e nos prazeres materiais, seja qual for, aliás, a sua condição.”

É um fato de capital importância constatar em toda parte que “a grande maioria dos espíritas se acha entre pessoas esclarecidas e não entre os ignorantes.” Em presença deste fato material, em que se torna a acusação de estupidez, ignorância, loucura, inépcia, lançada tão estouvadamente contra os espíritas pela malevolência?

Propagando-se de alto a baixo da escala, o Espiritismo prova, além disso, que as classes favorecidas compreendem a sua influência moralizadora sobre as massas, pois que se esforçam por nele penetrar. É que, com efeito, os exemplos que se têm sob os olhos, embora parciais e ainda isolados, demonstram de maneira peremptória que o espírito do proletariado seria muito outro se estivesse imbuído dos princípios da Doutrina Espírita.

A principal objeção do Solidarité é muito séria. Refere-se ao número de espíritas do mundo inteiro. Eis o que diz a respeito:

“A Revista Espírita engana-se muito quando estima em apenas seis ou sete milhões o número de espíritas para todo o mundo. Evidentemente se esquece de contar a Ásia.

“Se pelo termo espírita entendem-se as pessoas que creem na vida de além-túmulo e nas relações dos vivos com a alma das pessoas mortas, é por centenas de milhões que se os deve contar. A crença nos Espíritos existe em todos os sectários do budismo, e pode-se dizer que ela constitui o fundo de todas as religiões do extremo Oriente. É geral sobretudo na China. As três antigas seitas que desde tanto tempo dividem as populações no Império Central, creem nos manes, nos Espíritos e professam o seu culto. – Pode-se mesmo dizer que este é para elas um terreno comum. Os adoradores do Tao e de Fo aí se encontram com os sectários do filósofo Confúcio.

“Os sacerdotes da seita de Lao-Tseu, e particularmente os Tao-Tseu, ou doutores da Razão, devem às práticas espíritas uma grande parte de sua influência sobre as populações. – Esses religiosos interrogam os Espíritos e obtêm respostas escritas, que não têm mais nem menos valor que as dos nossos médiuns. São conselhos e avisos considerados como dados aos vivos pelo Espírito de um morto. Aí se encontram revelações de segredos conhecidos unicamente pela pessoa que interroga, algumas vezes predições que se realizam ou não, mas que são capazes de impressionar os assistentes e estimular os seus desejos, para que se encarreguem de realizar, eles próprios, o oráculo.

“Obtêm-se essas correspondências por processos que não diferem muito dos nossos espíritas, mas que, no entanto, devem ser mais aperfeiçoados, se se considerar a longa experiência dos operadores que os praticam tradicionalmente.

“Eis como nos são descritos por uma testemunha ocular, o Sr. D…, que mora na China há muito tempo e que é familiar com a língua do país:

“Uma vara de pescar, de 50 a 60 centímetros, é sustentada nas extremidades por duas pessoas, das quais uma é o médium e a outra o interrogador. No meio dessa vara, tiveram o cuidado de lacrar ou amarrar uma pequena varinha da mesma madeira, bastante semelhante a um lápis, pelo tamanho e grossura. Abaixo desse pequeno aparelho é espalhada uma camada de areia, ou uma caixa contendo farinha de milho. Deslizando maquinalmente sobre a areia ou a farinha de milho, a varinha traça caracteres. À medida que estes se formam, são lidos e reproduzidos imediatamente no papel por um letrado presente à sessão. Daí resultam frases e escritos mais ou menos longos, mais ou menos interessantes, mas tendo sempre um valor lógico.

“A dar-se crédito aos Tao-Tseu, esses processos lhes vêm do próprio Lao-Tseu. Ora, se conforme a História, Lao-Tseu viveu no sexto século antes de Jesus-Cristo, é bom lembrar que, conforme a lenda, ele é como o Verbo dos cristãos, anterior ao começo e contemporâneo da grande não-entidade, como exprimem os doutores da Razão.

“Vê-se que o Espiritismo remonta a uma belíssima antiguidade.

“Isto não prova que ele é verdadeiro? – Não, por certo, mas se basta que uma crença seja antiga para ser venerável, e forte pelo número de seus partidários para ser respeitada, não conheço outra que tenha mais títulos ao respeito e à veneração de meus contemporâneos.”


6. — Nem é preciso dizer que aderimos completamente a essa retificação, e nos sentimos felizes que ela emane de uma fonte estranha, porque prova que não procuramos exagerar o quadro. Nossos leitores apreciarão, como nós, a maneira pela qual esse jornal, que se recomenda por seu caráter sério, encara o Espiritismo; vê-se que, de sua parte, é uma apreciação com justas razões.

Sabíamos perfeitamente que as ideias espíritas estão muito espalhadas nos povos do extremo Oriente, e se não as tínhamos levado em consideração é que, em nossa avaliação, não nos propusemos apresentar, conforme dissemos, senão o movimento do Espiritismo moderno, reservando-nos para fazer mais tarde um estudo especial sobre a anterioridade dessas ideias. Agradecemos muito sinceramente ao autor do artigo por nos haver precedido.

Noutro lugar ele diz: “Cremos que esta incerteza (sobre o número real dos espíritas, sobretudo na França), a princípio se deve à ausência de declarações positivas da parte dos adeptos; depois, ao estado flutuante das crenças. Existe – e poderíamos citar em Paris numerosos exemplos – uma multidão de pessoas que creem no Espiritismo e que não se gabam disto.”

Isto é perfeitamente justo; por isso só falamos dos espíritas de fato; do contrário, como dissemos, se incluíssemos os espíritas por intuição, somente na França eles se contariam por milhões; mas preferimos ficar aquém e não além da verdade, para não sermos tachados de exagero. Contudo, é preciso que o acréscimo seja muito sensível, para que certos adversários o tenham levado a cifras hiperbólicas, como o autor da brochura O orçamento do Espiritismo, que, vendo talvez os espíritas com lente de aumento, os avaliava, em 1863, em vinte milhões na França. (Revista Espírita de junho de 1863.)

A respeito da proporção dos sábios oficiais, na categoria do grau de instrução, diz o autor: “Gostaríamos muito de ver a olho nu esses 4% de sábios oficiais 40:000 para a Europa; 24.000 só para a França; são muitos sábios, e ainda oficiais; 6% de iletrados é quase nada.”

A crítica seria fundada se, como supõe o autor, se tratasse de 4% sobre o número aproximado de seiscentos mil espíritas na França, o que, efetivamente, daria vinte e quatro mil. Realmente seria muito, pois se teria dificuldade em encontrar essa cifra de sábios oficiais em toda a população da França. Em tal base, o cálculo seria evidentemente ridículo e se poderia dizer outro tanto dos iletrados. Essa avaliação, portanto, não tem por objetivo estabelecer o número efetivo dos sábios oficiais espíritas, mas a proporção relativa em que se encontram a respeito dos diversos graus de instrução, entre os quais estão em minoria. Nas outras categorias, limitamo-nos a uma simples classificação, sem avaliação numérica em termos percentuais. Quando utilizamos este último processo, foi para tornar mais sensível a proporção.

Para melhor definir o nosso pensamento, diremos que, por sábios oficiais, não entendemos todos aqueles cujo saber é constatado por um diploma, mas unicamente os que ocupam posições oficiais, como membros de Academias, professores de Faculdades, etc., que assim se acham em maior evidência e cujos nomes, por tais motivos, fazem autoridade na Ciência. Desse ponto de vista, um doutor em Medicina pode ser sábio sem ser um sábio oficial.

A posição oficial influi bastante sobre a maneira de encarar certas coisas. Como prova disto, citaremos o exemplo de um médico distinto, morto há vários anos, e que conhecemos pessoalmente. Era então grande partidário do magnetismo, sobre o qual havia escrito, e foi o que nos pôs em contato com ele. Aumentando a sua reputação, conquistou sucessivamente várias posições oficiais. À medida que subia, baixava seu fervor pelo magnetismo, caindo abaixo de zero quando chegou ao topo da escala, porque renegava abertamente suas antigas convicções. Considerações da mesma natureza podem explicar a posição de certas classes no que concerne ao Espiritismo.


7. — A categoria dos aflitos, dos despreocupados, dos felizes do mundo, dos sensualistas, fornece ao autor do artigo a seguinte reflexão:

“É pena que isto seja pura fantasia. Nada de sensualistas, compreende-se; Espiritismo e materialismo se excluem; sessenta aflitos em cem espíritas ainda se compreende. É para os que choram que as relações com um mundo melhor são preciosas. Mas trinta pessoas despreocupadas em cem, é demais! Se o Espiritismo operasse tais milagres, faria muitas outras conquistas. Fá-las-ia sobretudo entre os felizes do mundo, que também são, quase sempre, os mais inquietos e os mais atormentados.”

Há aqui um erro manifesto, pois pareceria que esse resultado é devido ao Espiritismo, ao passo que é ele que colhe, nessas categorias, mais ou menos adeptos conforme as predisposições que aí encontra. Essas cifras significam simplesmente que encontra mais adeptos entre os aflitos, um pouco menos entre as pessoas despreocupadas, menos ainda entre os felizes do mundo, e de modo algum entre os sensualistas.

Antes de mais, é preciso entender-se quanto às palavras. Materialismo e sensualismo não são sinônimos e nem sempre marcham lado a lado, já que se veem pessoas, espiritualistas por profissão e por dever, que são muito sensuais, ao passo que há muitos materialistas bastante moderados em sua maneira de viver; para eles o materialismo não passa de uma opinião, que abraçaram em falta de outra mais racional. Eis por que, quando reconhecem que o Espiritismo enche o vazio feito em sua consciência pela incredulidade, aceitam-no com felicidade; os sensualistas, ao contrário, são os mais refratários.

Uma coisa muito bizarra é que o Espiritismo encontra mais resistência entre os panteístas em geral, do que entre os que são francamente materialistas. Provavelmente isto se deve a que o panteísta quase sempre cria um sistema; possui algo, ao passo que o materialista nada tem, e esse vazio o inquieta.

Pelos felizes do mundo entendemos os que passam como tais aos olhos da multidão, porque se podem permitir largamente todos os prazeres da vida. É verdade que muitas vezes são os mais inquietos e os mais atormentados. Mas, por quê? pelas preocupações que lhes causam a fortuna e a ambição. Ao lado dessas preocupações incessantes, das ansiedades da perda ou do ganho, da azáfama dos negócios para uns, dos prazeres para outros, resta-lhes muito pouco tempo para se ocuparem do futuro.

Não podendo ter a paz da alma senão com a condição de renunciar ao que constitui o objeto de sua cobiça, o Espiritismo pouco os afeta, filosoficamente falando. Com exceção das penas do coração, que não poupam a ninguém, a não ser os egoístas, quase sempre os tormentos da vida estão para eles nas decepções da vaidade, no desejo de possuir, de brilhar, de mandar. Pode-se, pois, dizer que atormentam a si mesmos.

Ao contrário, a calma e a tranquilidade se encontram mais particularmente nas posições modestas, quando assegurado o bem-estar da vida. Aí quase não há ambição; contentam-se com o que têm, sem se atormentarem em o aumentar, correndo os riscos aleatórios da agiotagem ou da especulação. São os que chamamos despreocupados, falando relativamente; por pouco haja neles elevação de pensamento, ocupam-se de bom grado das coisas sérias; o Espiritismo lhes oferece um atraente assunto de meditação, e o aceitam mais facilmente do que aqueles a quem o turbilhão do mundo suscita uma febre contínua.

Tais são os motivos dessa classificação que, como se vê, não é tão fantasiosa quanto supõe o autor do artigo. Nós lhe agradecemos por nos ter ensejado ocasião de apontar erros que outros poderiam ter cometido, por não termos sido bastante explícitos.


8. — Em nossa estatística, omitimos duas funções importantes por sua natureza, e porque contam um número bastante grande de adeptos sinceros e devotados; são os prefeitos e os juízes de paz que estão na quinta classe, com os meirinhos e os comissários de polícia.

Uma outra omissão, contra a qual ele reclamou com justiça, e que insistem que reparemos, é a dos poloneses, na categoria dos povos. Ela é tanto mais fundada quanto o Espiritismo conta, nessa nação, numerosos e fervorosos adeptos, desde a origem. Como classe, a Polônia vem em quinto lugar, entre a Rússia e a Alemanha.

Para completar a nomenclatura, seria preciso incluir outros países, como a Holanda, por exemplo, que viria após a Inglaterra; Portugal depois da Grécia; as províncias do Danúbio, onde também há espíritas, mas sobre as quais não temos dados bastante positivos para lhes assinalar a classe. Quanto à Turquia, a quase totalidade dos adeptos se compõe de franceses, italianos e gregos.

Uma classificação mais racional e mais exata do que pelas nações territoriais, seria pelas raças ou nacionalidades, que não estão confinadas em limites circunscritos, apresentando, por toda parte onde se espalham, maior ou menor aptidão para assimilar as ideias espíritas. Deste ponto de vista, numa mesma região, muitas vezes se teria que fazer várias distinções.


9. — A comunicação seguinte foi dada num grupo de Paris, a propósito da classe que ocupam os alfaiates entre as profissões industriais.


(Paris, 6 de janeiro de 1869. – Grupo Desliens. – Médium: Sr. Leymarie.)

Criastes categorias, caro mestre, no início das quais colocastes certas profissões. Sabeis o que, em nossa opinião, arrasta certas pessoas a se tornarem espíritas? São as mil perseguições que sofrem em suas profissões. Os primeiros de que falais devem ter ordem, economia [organização], cuidado, gosto, ser um pouco artistas e, depois, ser ainda pacientes, saber esperar, escutar, sorrir e saudar com certa elegância; mas, após todas essas pequenas convenções, mais sérias do que se pensa, ainda é preciso calcular, ordenar sua caixa pelo ativo e pelo passivo e sofrer, sofrer continuamente.

Em contato com homens de todas as classes, comentando as queixas, as confidências, os enganos, os rostos falsos, aprendem muito! Levando essa vida múltipla, sua inteligência se abre por comparação; seu espírito se fortifica pela decepção e pelo sofrimento. E eis por que certas categorias compreendem e aclamam todos os progressos; amam o teatro francês, a bela arquitetura, o desenho, a filosofia; muitos amam a liberdade e todas as suas consequências. Sempre à frente e à espreita do que consola e faz esperar, elas se dão ao Espiritismo, que lhes é uma força, uma promessa ardente, uma verdade que engrandece o sacrifício e, mais do que acreditais, a parte classificada como a nº 1 vive de sacrifícios.


Sonnet.





Dezembro NO INFINITO E NA ETERNIDADE

Dezembro


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Todas as religiões que se sucederam na História da Humanidade, desde a teogonia dos arianos, que parece datar de quinze mil anos e nos oferece o tipo mais antigo, até o babismo da Ásia, surgido neste século e que, não obstante, não conta muitos sectários; desde as teologias mais vastas e consolidadas que, como o budismo na Ásia, o Cristianismo na Europa e o islamismo na África, dominaram regiões imensas, durante longos séculos, até os sistemas isolados e frustrados que, como a igreja francesa do abade Chatel, ou a religião fusionista de Toureil, ou o templo positivista de Auguste Comte, não viveram mais que o espaço de uma manhã; – todas as religiões, digo, não tiveram por objetivo senão o conhecimento da vida eterna.

Entretanto, até hoje nenhuma soube nos dizer o que é a vida eterna; nenhuma nos soube ensinar sequer o que seja a vida atual, em que difere ou em que se liga à vida eterna; o que é a Terra onde vivemos; o que é o céu, para o qual se voltam todos os olhares ansiosos, para pedir o segredo do grande problema.

A incapacidade de todas as religiões, antigas e modernas, de nos explicar o sistema do mundo moral, levou a filosofia, acabrunhada pelo silêncio e pelas ficções, a formar em seu seio uma escola de cépticos, que não só duvidaram da existência do mundo moral, mas chegaram ao cúmulo de negar a presença de Deus na Natureza e a imortalidade das almas intelectuais.

Nossa filosofia espiritualista das ciências, fundada sobre a síntese das ciências positivas e especialmente sobre as consequências metafísicas da astronomia moderna, é mais sólida do que todas as religiões antigas, mais bela do que todos os sistemas filosóficos, mais fecunda do que todas as doutrinas, crenças e opiniões emitidas até agora pelo espírito humano. Nascida no silêncio do estudo, nossa doutrina cresce na sombra e se vai aperfeiçoando incessantemente por uma interpretação cada vez mais desenvolvida do conhecimento do Universo. Sobreviverá aos sistemas teológicos e psicológicos do passado, porque é a própria Natureza que observamos, sem ideias preconcebidas, sem especulação e sem medo.

Quando em meio a uma noite profunda e silenciosa nossa alma solitária se eleva para esses mundos longínquos que brilham acima de nossas cabeças, instintivamente procuramos interpretar os raios que nos chegam das estrelas, porque sentimos que esses raios são outros tantos laços fluídicos, ligando os astros entre si na imensa rede da solidariedade. Agora que as estrelas já não são para nós cravos de ouro fixadas na abóbada celeste; agora que sabemos que essas estrelas são outros tantos sóis análogos ao nosso, centros de sistemas planetários variados e disseminados a incríveis distâncias através do infinito dos espaços; agora que a noite não é mais para nós um fenômeno que se estende ao Universo inteiro, mas simplesmente uma sombra passageira situada por detrás do globo terrestre relativamente ao Sol, sombra que se estende a uma certa distância, mas não até às estrelas, e que atravessamos todos os dias durante algumas horas por força da rotação diurna do globo; – aplicamos esses conhecimentos físicos à explicação filosófica de nossa situação no Universo, e constatamos que habitamos a superfície de um planeta que, longe de ser o centro e a base da criação, não passa de uma ilha flutuante do grande arquipélago, arrastado, ao mesmo tempo que miríades de outros análogos, pelas forças diretivas do Universo, não tendo sido marcado pelo Criador com nenhum privilégio especial.

Sentirmo-nos arrastados no espaço é uma condição útil à compreensão exata do nosso lugar relativo no mundo; mas, fisicamente não temos e nem podemos ter essa sensação, pois que estamos fixados à Terra por sua atração e participamos integralmente de todos os seus movimentos. A atmosfera, as nuvens, todos os objetos móveis ou imóveis que pertencem à Terra são por ela arrastados, a ela ligados e, por conseguinte, relativamente imóveis. Seja qual for a altura a que nos elevemos na atmosfera, jamais chegaremos a nos colocar fora da atração terrestre e a nos isolar de seu movimento para o constatar. A própria Lua, a 96.000 léguas daqui, é arrastada no espaço pela translação da Terra. Não podemos, pois, sentir o movimento do nosso planeta senão pelo pensamento. Ser-nos-ia possível chegar a essa curiosa sensação? Tentemos.

Para começar, imaginemos que o globo sobre o qual nos encontramos avance no vazio à razão de 660.000 léguas por dia, ou 27.500 léguas por hora! 30.550 metros por segundo: é uma velocidade mais de cinquenta vezes mais rápida que a de uma bala de canhão (550 metros). Por certo não podemos simbolizar exatamente essa rapidez inaudita, mas dela podemos formar uma ideia, representando uma linha de 458 léguas de extensão e imaginando que o globo terrestre a percorra num minuto. Perpetuamente, sem parar, sem trégua, a Terra voa assim. Supondo-nos colocados no espaço, ao lado de seu caminho, na expectativa de vê-la passar diante de nós como um trem expresso, nós a veríamos chegar de longe sob a forma de uma estrela brilhante. Quando não estivesse a mais do que a 600 ou 700.000 léguas de nós, isto é, vinte e quatro horas antes de chegar, pareceria maior do qualquer estrela conhecida, menor do que nos parece a Lua: como uma grande bólide, semelhante às que por vezes atravessam o espaço. Quatro horas antes de sua chegada, parece cerca de quatorze vezes mais volumosa que a Lua e, continuando a inflar-se desmesuradamente, logo ocupará um quarto do céu. Já distinguimos em sua superfície os continentes e os mares, os pólos carregados de neve, as faixas de nuvens tropicais, a Europa com as bordas recortadas… e talvez distingamos um pequeno lugar esverdeado, que não passa da milésima parte da superfície inteira do globo e que se chama França… Já notamos seu movimento de rotação sobre o seu eixo… mas, aumentando, aumentando sempre, de repente o globo se desdobra como uma sombra gigantesca sobre o céu inteiro, levando seis minutos e meio para passar, o que talvez nos permita ouvir os gritos dos animais selvagens nas florestas equatoriais e o canhão dos povos humanos, para, em seguida, afastando-se com majestade nas profundezas do espaço, mergulhar no vazio e encolher-se na imensidade sem fim, não deixando outro traço de sua passagem, senão um misto de espanto e de terror em nosso olhar apavorado.

É nesta bola colossal de 3.000 léguas de diâmetro e 5.875 sextilhões de toneladas de peso, que estamos disseminados, pequenos seres imperceptíveis, arrastados com uma energia indescritível por seus diversos movimentos de translação, de rotação, de oscilação, e por suas inclinações alternativas, mais ou menos como os grãos de poeira aderem a uma bala de canhão lançada no espaço. Conhecer e sentir esta marcha da Terra é possuir uma das primeiras e mais importantes condições do saber cosmográfico.

Assim voa a Terra no céu. A descrição desse movimento pode parecer puramente do domínio da Astronomia. Logo constataremos que a filosofia religiosa é altamente interessada nesses fatos e que, na realidade, o conhecimento do universo físico dá as bases da religião do futuro. Continuemos o exame científico do nosso planeta.

Como qualquer edifício, as teologias não podem ser construídas no vazio. Têm como arcabouço o antigo sistema do mundo, que supunha a Terra imóvel no centro do Universo. Ao demonstrar a fatuidade da ilusão antiga, a astronomia moderna demonstra a presunção das teologias fundadas sobre ela.

Este planeta é povoado por um número considerável de espécies vivas, classificadas em duas grandes divisões naturais: o reino vegetal e o reino animal. Cada um desses seres difere das coisas puramente materiais, dos objetos inanimados, em virtude de ser formado por uma unidade anímica que rege o seu organismo. Que se considere uma planta, um animal ou um homem, constata-se que o que constitui a vida é um princípio especial, dotado da faculdade de agir sobre a matéria, de formar um ser determinado, uma roseira, por exemplo, um carvalho, um lagarto, um cão, um homem; de fabricar órgãos como uma folha, um pistilo, um estame, uma asa, um olho, – princípio especial cujo caráter distintivo é ser pessoal.

Para nos atermos à raça humana, que há mais de cem séculos estabeleceu o reino da inteligência neste planeta, notamos que atualmente ela se compõe de 1.200.000.000 indivíduos, que em média vivem 34 anos. Na Europa, a duração média da vida, que no último século aumentou 9% com o progresso e o bem-estar, é hoje de 38 anos. Mas ainda há na Terra raças atrasadas, menos afastadas da barbárie primitiva, miseráveis e fracas, cuja vida média não ultrapassa 28 anos. Em cifras redondas, morrem por ano 32 milhões de indivíduos humanos 80:000 por dia ou mais ou menos 1 por segundo. Nascem 33 milhões por ano, ou pouco mais de 1 por segundo. Cada batimento de nossos corações, correspondendo mais ou menos ao número de oscilações do pêndulo do relógio, marca aproximadamente o nascimento e a morte de um ser na Terra.

Tudo correndo no espaço com a rapidez que reconhecemos acima, a Terra vê a sua população humana renovar-se constantemente, com uma rapidez que também não deixa de ser espantosa. A cada segundo uma alma se encarna no mundo corporal e outra dele se evade. Um sexto das crianças morrem no primeiro ano, um quarto antes da idade de 4 anos, um terço aos 14 anos e a metade aos 42 anos. Que lei preside aos nascimentos? Que lei preside às mortes? É um problema que só a Ciência poderá resolver um dia.

É importante para todo homem que procura a verdade, ver as coisas face a face, tais como são, adquirindo, assim, noções exatas sobre a ordem do Universo. Antes de tudo mais, constatemos os fatos, pura e simplesmente; depois nos sirvamos da realidade para tentar penetrar as leis desconhecidas, de que os fatos físicos são a sua realização.

Pois bem! Constatamos, por um lado, que a Terra é um astro do céu, da mesma forma que Júpiter ou Sírius, e que circula no espaço eterno por meio de movimentos que nos dão uma medida do tempo: os anos e os dias – medidas de tempo que esses movimentos criam por si mesmos e que não existe no espaço eterno. Por outro lado, observamos que os seres vivos, particularmente os homens, são formados por uma alma organizadora, que é o princípio imaterial, independente das condições de espaço e de tempo e das propriedades físicas que caracterizam a matéria, e que as existências humanas não são o fim da criação, mas, antes, dão ideia de passagens, de meios. Por si só, a vida na Terra carece de objetivo. É o que ressalta incontestavelmente da própria organização da vida e da morte neste mundo.

Aliás, a vida terrena nem é um começo, nem um fim. Realiza-se no Universo, ao mesmo tempo que grande número de outros modos de existência, após muitas outras que se deram nos mundos passados, e antes de muitas que se efetuarão nos mundos futuros. A vida terrestre não é oposta a uma outra vida celeste, como supõem os teólogos que não se apoiam na Natureza. A vida que floresce na superfície do nosso planeta é uma vida celeste, tanto quanto a que resplandece em Mercúrio e Vênus. Estamos atualmente no céu, tão exatamente como se habitássemos a estrela polar ou a nebulosa de Orion.

Assim a Terra, suspensa no espaço pelo fio da atração solidária dos mundos, arrasta em sua superfície as gerações humanas que nascem, brilham por alguns anos e se extinguem. Tudo está em movimento, e a circulação dos seres através do tempo não é menos certa, nem menos rápida, do que sua circulação através do espaço. Este aspecto do Universo nos surpreende, sem dúvida, e nos parece difícil defini-lo com segurança. O aspecto aparente com o qual se contentaram durante tantos séculos era muito mais simples: a Terra, imóvel, era a base do mundo físico e espiritual. A raça adâmica era a única raça humana do Universo; era colocada aqui para viver lentamente, para orar e chorar até o dia em que, sendo decretado o fim do mundo, o Deus corporal, assistido por seus santos e anjos, descesse do empíreo para julgar a Terra e em seguida transformar o Universo em duas grandes secções: o céu e o inferno. Esse sistema, mais teológico do que astrológico, era, repito, muito simples e se baseava nas tradições venerandas de um ensino quinze vezes secular. Quando, pois, neste século dezenove, eu venho dizer: “Em verdade as nossas antigas crenças estão fundadas em aparências enganosas; agora não devemos reconhecer outra filosofia religiosa além da que deriva da Ciência”, podemos não estar prontos para aceitar imediatamente a imensa transformação que resulta dos nossos estudos modernos e querer examinar severamente nossa doutrina antes de se reconhecer como seu discípulo. Mas é precisamente isso que todos desejamos; a liberdade de consciência deve preceder todo julgamento nas almas, e todas as opiniões devem ser livremente, sucessivamente ordenadas conforme as indicações do espírito e do coração.

A Terra é um astro habitado, planando no céu em companhia de miríades de outros astros, habitados como ela. Nossa atual vida terrestre faz parte da vida universal e eterna, dando-se o mesmo com a vida atual dos habitantes dos outros mundos. O espaço é povoado de colônias humanas vivendo, ao mesmo tempo, em globos afastados uns dos outros e ligados entre si por leis, das quais sem dúvida ainda não conhecemos senão as mais patentes.

O esboço geral de nossa fé na vida eterna compõe-se, portanto, dos seguintes pontos:

1º – A Terra é um astro do céu;

2º – Os outros astros são habitados como ela;

3º – A vida da humanidade terrestre é um departamento da vida universal;

4º – A existência atual de cada um de nós é uma fase de sua vida eterna – eterna no passado como no futuro.

Este simples esboço geral de nossa concepção da vida eterna, embora apoiada na observação e no raciocínio e sendo indestrutível nesses quatro princípios elementares, longe está, entretanto, de não permitir alguma objeção. Ao contrário, podem-se-lhe opor certo número de dificuldades, como já aconteceu, seja pelos partidários das teologias antigas, seja pelos filósofos antiespiritualistas. Eis as principais dificuldades:

Que provas se podem obter de que a nossa existência atual seja uma fase de uma pretensa vida eterna? Se a alma sobrevive ao corpo, como pode existir sem matéria e privada dos sentidos que a poriam em relação com a Natureza? – Se preexiste, de que maneira encarnou-se em nosso corpo e em que momento? O que é uma alma? em que consiste esse ser? ocupa um lugar? como age sobre a matéria? – Se já vivemos, por que em geral não temos qualquer lembrança? – Como a personalidade de um ser pode existir sem a memória? Nossas lembranças estão em nosso cérebro ou na nossa alma? – Se reencarnamos sucessivamente de mundo em mundo, quando terminará essa transmigração, e para que serve? etc., etc.

Em vez de afastar as objeções ou parecer desdenhá-las, nosso dever, o dos que buscamos a verdade e não cremos obtê-la senão pelo trabalho, é, ao contrário, de as provocar e não nos deixar iludir, imaginando que nossas crenças já se tenham estabelecido e sejam inatacáveis. A Ciência marcha lentamente, progressivamente, e é sondando a profundeza dos problemas e atacando as questões de frente que aplicaremos a esses estudos filosóficos a severidade e o rigor necessários para assegurar aos nossos argumentos a solidez que lhes convém. A revelação moderna não provém da boca de um Deus encarnado, mas dos esforços da inteligência humana para o conhecimento da verdade.

Num próximo estudo procuraremos saber qual é a natureza da alma, aplicando a este exame, não os silogismos da logomaquia escolástica, pelos quais se perorou durante quinze séculos sem se chegar a nada de sério, mas os processos do método científico experimental, ao qual deve o nosso século toda a sua grandeza. Hoje estabelecemos um primeiro aspecto muito importante do problema natural (e não sobrenatural) da vida eterna: o de saber que nossa vida atual se realiza no céu, que faz parte da série de existências celestes que constituem a vida universal, e que atualmente estamos no céu de Deus e na presença do Espírito eterno, tão completamente como se habitássemos um outro astro qualquer do grande arquipélago estrelado.

Que esta certeza física inspire às nossas almas uma simpatia mais direta, mais humana para com os mundos que resplandecem na noite, e que até então olhávamos como se nos fossem estranhos! São as residências de nossas humanidades irmãs, as residências menos distantes! Olhando uma estrela que se eleva no horizonte, estamos na mesma situação de um observador que, de seu balcão, contempla as árvores de uma paisagem distante, ou que se inclina sobre o parapeito do navio ou do aeróstato para examinar um barco no mar ou uma nuvem na atmosfera; porque a Terra é uma nau celeste que vaga no espaço e olhamos ao seu redor quando nossos olhos se voltam para os outros mundos que aparecem e desaparecem seguindo o seu rastro. Sim, esses outros mundos são outras tantas terras análogas à nossa, baloiçando na amplidão sob os raios do mesmo Sol, e todas essas estrelas cintilantes são sóis ao redor dos quais gravitam planetas habitados. Em tais mundos, como no nosso, há paisagens silenciosas e solitárias. Em sua superfície também se disseminam cidades populosas e ativas. Lá também há poentes de nuvens purpurinas e deslumbrantes auroras mágicas; mares de cantos melancólicos, regatos de doces murmúrios, pequenas flores de tenras corolas, banhando na água limpada suas cabeças perfumadas. Lá também há bosques sombrios, sob os quais reside a inalterável paz da Natureza; lagos, suaves espelhos que parecem sorrir aos céus e montanhas formidáveis, que levantam seus cumes sublimes acima das nuvens carregadas de relâmpago e que, do alto dos ares tranquilos, olham tudo o que está em baixo. Mas nesses mundos variados há mais desses panoramas inenarráveis, desconhecidos na Terra, esta inimaginável variedade de coisas e de seres que a Natureza desenvolveu em profusão em seu império sem limites Quem nos revelará o espetáculo da criação sobre os anéis de Saturno? Quem nos revelará as metamorfoses maravilhosas do mundo dos cometas? Quem nos desvendará os sistemas mágicos dos sóis múltiplos e coloridos, oferecendo aos seus mundos as mais singulares variedades de estações, de dias, de luzes e de calor? Quem nos fará adivinhar a considerável variedade das formas vivas que as forças da Natureza construíram nos outros mundos, com a diversidade peculiar a cada mundo em seu volume, peso, densidade, constituição geológica e química, propriedades físicas de suas diversas substâncias, numa palavra, com a infinita variedade de que a matéria e as forças são susceptíveis? As metamorfoses da mitologia antiga não passam de um sonho, comparadas às obras universais da natureza celeste.

Hoje esboçamos a situação cosmográfica da alma em sua encarnação terrena. Nosso próximo estudo terá como objeto a natureza mesma da alma, resolvendo por si só as objeções resumidas acima. É estudando separadamente os diversos pontos do grande problema que chegaremos à solução esperada há tantos séculos.


Camille Flammarion.







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