Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1869

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Capítulo XXIII

Março - As árvores mal-assombradas da Ilha Maurícia

Março
As últimas notícias que recebemos da Ilha Maurício constatam que o estado dessa infeliz região segue exatamente as fases anunciadas (Revista de julho de 1867 e novembro de 1868). Além disso, elas contêm um fato notável, que forneceu assunto a uma importante instrução na Sociedade de Paris.

“Os calores do verão, diz o nosso correspondente, trouxeram a terrível febre, mais frequente, mais tenaz do que nunca. Minha casa tornou-se uma espécie de hospital, e eu passo o tempo a me tratar e tratar do próximo. É verdade que a mortalidade não é tão grande, mas, depois dos horríveis sofrimentos que nos causa cada acesso, experimentamos uma perturbação geral que desenvolve em nós novas doenças: as faculdades se alteram pouco a pouco; os sentidos, sobretudo a visão e a audição, são particularmente afetados. Entretanto, nossos bons Espíritos, perfeitamente de acordo em suas comunicações com as vossas, nos anunciam o fim próximo da epidemia, mas a ruína e a decadência dos ricos, o que, aliás, já começa.

“Aproveito o pouco tempo disponível para vos dar os detalhes que prometi, sobre os fenômenos de que minha casa tem sido teatro. As pessoas às quais ela pertencia antes de mim, despreocupadas e negligentes, conforme o uso da terra, tinham-na deixado cair quase em ruínas, e fui obrigado a fazer grandes reformas. O jardim, transformado num matagal, estava cheio dessas grandes árvores da Índia, chamadas multiplicadoras, cujas raízes, saídas do alto dos galhos, descem até o solo, onde se implantam e formam, ora troncos enormes, superpondo-se uns aos outros, ora galerias muito extensas.

“Essas árvores têm reputação muito má na região, onde passam por ser assombradas por maus Espíritos. Sem consideração por seus supostos habitantes misteriosos, como absolutamente não eram do meu gosto e enchiam inutilmente o jardim, mandei abatê-las. Desde esse momento tornou-se-nos quase impossível um dia de repouso na casa. Seria preciso ser realmente espírita para continuar a habitála. A cada instante ouvíamos batidas por todos os lados, portas abrindo-se e fechando-se, móveis mexendo-se, suspiros, palavras confusas; muitas vezes, também, ouvíamos que andavam pelos quartos vazios. Os operários que reparavam a casa foram muitas vezes perturbados por esses ruídos estranhos mas, como era dia, não se apavoravam muito, pois essas manifestações são muito frequentes na região. Tivemos que fazer muitas preces, evocar esses Espíritos, doutriná-los, e eles só respondiam por injúrias e ameaças e não cessavam seu barulho.

“Nessa época tínhamos uma reunião por semana, mas não podeis imaginar todas as traquinagens que nos foram feitas para perturbar e interromper as sessões. Ora as comunicações eram interceptadas, ora os médiuns experimentavam sofrimentos que os constrangiam à inação.

“Parece que os frequentadores da casa eram muito numerosos e muito maus para serem moralizados, porque não o conseguimos, e fomos obrigados a cessar as reuniões, onde nada podíamos obter. Só um nos quis escutar e se recomendar às nossas preces. Era um pobre português, chamado Gulielmo, que se supunha vítima das criaturas com as quais tinha cometido não sei que maldade, e que o retinham lá, dizia ele, para sua punição. Tomei informações e soube que, efetivamente, um marinheiro português com esse nome tinha sido um dos locatários da casa, e que tinha morrido.

“A febre chegou; os ruídos tornaram-se menos frequentes, mas não cessaram; aliás, acabamos por nos habituar. Reuníamo-nos ainda, mas a doença impedia que as sessões prosseguissem normalmente. Tenho cuidado para que sejam feitas tanto quanto possível no jardim, pois notamos que na casa as boas comunicações são mais difíceis de obter e que nesses dias somos mais atormentados, sobretudo à noite.”

A questão dos lugares assombrados é um fato constatado; os barulhos e perturbações são coisas conhecidas, mas certas árvores terão um poder atrativo particular? Na circunstância de que se trata, existe uma relação qualquer entre a destruição dessas árvores e os fenômenos que se seguiram imediatamente? A crença popular teria aqui alguma realidade? É sobre isso que a instrução abaixo parece dar uma explicação lógica, até mais ampla confirmação.

(Sociedade de Paris, 19 de fevereiro de 1
869)

Todas as lendas, sejam quais forem, por mais ridículas e pouco fundamentadas que pareçam, repousam numa base real, numa verdade incontestável, demonstrada pela experiência, mas amplificada e desnaturada pela tradição. Diz-se que certas plantas são boas para expulsar os maus Espíritos; outras podem provocar a possessão; certos arbustos são mais particularmente assombrados. Tudo isto é verdadeiro, de fato, isoladamente. Um fato ocorreu, uma manifestação especial justificou esse dito, e a massa supersticiosa apressou-se em generalizá-lo. É a história de um homem que pôs um ovo. A coisa corre em segredo de boca em boca e se amplia até tomar as proporções de uma lei incontestável, e essa lei que não existe é aceita em razão das aspirações para o desconhecido, para o extranatural da generalidade dos homens.

As multiplicadoras foram, sobretudo em Maurício, e são ainda, pontos de referência para as reuniões da noite; acomodam-se junto ao tronco, respiram o ar à sua volta, abrigam-se sob sua folhagem.

Ora, os homens, ao desencarnar, sobretudo quando estão em certa inferioridade, conservam seus hábitos materiais; eles frequentam os lugares de que gostavam quando encarnados; aí se reúnem e aí ficam; eis por que há lugares mais particularmente assombrados. Aí não vêm os primeiros Espíritos que chegam, mas os Espíritos que os frequentaram em vida. As multiplicadoras não são, pois, mais propícias à habitação dos Espíritos inferiores do que qualquer outro abrigo. O costume as designa aos fantasmas de Maurício, como certos castelos, certas clareiras das florestas alemãs, certos lagos são mais particularmente assombrados pelos Espíritos, na Europa.

Se forem perturbados esses Espíritos, ainda inteiramente materializados, e que, na sua maioria, se julgam vivos, eles se irritam e tendem a se vingar, a disputar com os que os privaram de seu abrigo, daí as manifestações de que essa senhora e muitos outros tiveram que se queixar.

Em geral, sendo a população mauriciana inferior, do ponto de vista moral, a desencarnação não pode fazer do espaço senão um viveiro de Espíritos muito pouco desmaterializados, ainda marcados por todos os seus hábitos terrenos, e que continuam, ainda que Espíritos, a viver como se fossem homens. Eles privam da tranquilidade e do sono aqueles que os privam de sua habitação predileta, eis tudo. A natureza do abrigo, seu aspecto lúgubre, nada têm que ver com isso; é simplesmente uma questão de bem-estar. Desalojam-nos e eles se vingam. Materiais por essência, eles se vingam materialmente, batendo nas paredes, lamentando-se, manifestando seu descontentamento sob todas as formas.

Que os mauricianos se depurem e progridam, e voltarão ao espaço com tendências de outra natureza, e as multiplicadoras perderão a faculdade de abrigar os fantasmas.

CLÉLIE DUPLANTIER.



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