Além da Morte

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CAPÍTULO 10

HOSPITALIZADA

Minha filha, é inadiável e urgente o trabalho de espiritualização. Essa valiosa tarefa deve começar o quanto antes, consoante o ensinamento do Senhor: "enquanto estamos no caminho", entre os homens.

As falsas concepções prendem-nos a sofrimentos que se prolongam indefinidamente, depois que o espírito abandona o fardo carnal. É imperioso o trabalho de esclarecimento de almas, vencendo os apegos perigosos que dificultam a marcha ascensional e ensinando a todos os homens que o fenômeno da morte é o mesmo fenômeno da vida. Disso decorre o conceito de que cada um leva a vida que leva.

O caráter da evolução espiritual faz-se positivo na razão direta em que o homem se desapega das coisas materiais, ensaiando os primeiros passos na senda da liberdade. Os pertences terrenos são apenas empréstimos de Deus para temporária permanência da alma no vaso carnal.

A Doutrina Espírita é uma fortuna ao alcance de todos os ambiciosos dos tesouros eternos, mas que raramente é aproveitada. Quando precisamos de orientação, nela encontramos setas luminosas que indicam, como bússolas eternas, o caminho da nossa evolução. Muitos, entretanto, imprevidentes e insensatos, demoram-se na Doutrina Espírita, atrás da miragem do fenômeno como objeto essencial. Todavia, o fenômeno é apenas simples moldura na grande tela da realidade, sendo secundário. Fundamental, é o fenômeno da nossa transformação, vivendo a Mensagem Rediviva do Senhor, em todos os dias da existência.

Exercitar o espírito na simplicidade é imperioso. Transferir para outras mãos aquilo que está coagulado em nossas mãos é oferecer a outros o que está guardado por nós, sem imediata utilização; fomentar a distribuição de utilidades entre os que nada têm, dando vitalidade aos objetos mortos nos armários e gavetas do nosso lar, representa o culto da simplicidade e da libertação. Por esse motivo, a Doutrina Espírita é também chamada de libertação, porque, consolando, torna livre o ser, ajudando-o a fazer a maior transformação: a interior, a que o liberta de si mesmo.

Quando nos apegamos às coisas e às criaturas, fazemos uma despesa de energia que debilita os recursos de crescimento espiritual, mediante a concentração mental no que constitui o motivo central do nosso querer. Enquanto a lição mais fácil e mais bela da simplicidade é o desapego, a loucura mais profunda que se pode ter na Terra é a paixão à carne, que vai desaparecer, quando poderia essa concentração de afeto ser dirigida à alma que se eterniza.

Todos quantos se ligam mentalmente à vida física, pela fixação mental, se intoxicam espiritualmente, permanecendo presos aos centros em que concentraram suas energias vitais.

Cabe-nos, diariamente, o aprendizado da lição de Evangelho no que concerne ao serviço de generalização do desapego, deixando de atender às nossas necessidades para atender às necessidades alheias que, em última análise, são as nossas próprias necessidades.

Somos, portanto, obrigados a renovar para persistirmos na vida. Vida é renovação no seu sentido mais amplo.

Não foi por outra razão que o Sublime Pregador Itinerante da Galileia nos ensinou, recordando o Decálogo, a "amar o Pai sobre todas as coisas e o próximo como a nós mesmos", generalizando a dedicação entre as criaturas, sem a preferência perniciosa do individualismo, sem a escolha através dos laços de sangue e família.

Ao enunciado da partida, não pude dominar a inquietação, e, embora não falasse, as lágrimas voltaram-me pressurosas aos olhos. Súbito temor visitoume o espírito, fruto certamente da má educação mental sobre o problema da "morte", que deve ser motivo de discussão, estudo e exame com mais frequência, na família. Só assim se pode preparar o espírito para a adaptação natural e rápida no clima do Além-Túmulo.

Percebendo-me a emoção, a irmã Liebe concitou-me com enérgica, porém, bondosa voz, ao sono magnético.

Não tenho ideia de como fui conduzida do nosso Cenáculo ao leito tépido e acolhedor onde despertei. Eloquente silêncio falava na ampla enfermaria que vento brando cobria de agradável perfume de jasmim.

Alonguei o olhar e verifiquei não ser a única albergada no caridoso recinto. Outros Espíritos, com os sinais de desencarnação recente, repousavam em doce quietude, em número não superior a dez.

Recordando as enfermarias das antigas Casas de Misericórdia, iniciadas por Isabel de Aragão, apresentava impecável limpeza e suas amplas janelas, rasgadas nas paredes alvas, ornavam-se de rosas colorias e aromáticas.

Não sabia como agradecer a dádiva sublime que Jesus me concedia, imerecidamente, quando pequeno rumor de vozes próximas me mudou o roteiro das observações.

Eram a irmã Liebe e outra senhora, de sorriso acolhedor, cujo rosto, de fulgurante bondade, logo me fascinou o coração. Não pude enunciar uma só palavra. Sentia uma sensação de profunda anemia e cansaço.

Foi, como das outras vezes, a mentora querida quem me apresentou à veneranda senhora.

— Esta é a nossa Zélia — esclareceu, prestimosa —a dedicada orientadora do núcleo de recuperação em que nos encontramos.


Estendendo-me a mão delicada, a anfitriã informou com simplicidade, sem afetação:

— Esta Enfermaria faz parte do conjunto hospitalar da Colônia Redenção, que a bondade do Mestre nos confiou para o trabalho dignificante e renovador. É uma estância de auxílio fraterno, onde companheiros, egressos da carne, podem repousar, traçando planos novos de serviço para os dias do futuro. Em verdade, nossa Colônia é uma das inúmeras células ligadas ao NOSSO LAR por serviços de socorro aos irmãos na carne, em cujo teto temos a felicidade de aprender, tentando servir melhor.


E depois de um sorriso:

— Sou apenas encarregada desta ala hospitalar.

Vibrações da mais pura cordialidade partiam da Senhora Zélia, cuja dignidade e simplicidade me tocavam profundamente como auspiciosa promessa.


Desejei expressar-lhe o contentamento e a gratidão que me povoavam o espírito, mas, antes que o fizesse, a irmã Liebe, como se lesse o meu pensamento, apressou-se em explicar:

— Como sabes, Otília, deveres outros na Crosta me aguardam. Não poderei demorar mais longamente ao teu lado. A dedicada Zélia cuidará de prover, com o seu grande zelo e eficiência, as tuas necessidades de agora em diante. Não te faltarão o amor e a bondade dos lidadores deste santuário de trabalho; todavia, não esqueças, em hora alguma, de vigiar a mente saudosa, deixando que o tempo, dedicado e infatigável amigo, resolva os inúmeros problemas que a ansiedade te colocará no cérebro, inquietando-te.

As lágrimas voltaram-me estonteantes.


A irmã Liebe, com a sua juventude dedicada ao Mestre coroado de espinhos, representava a minha segurança e serenidade. Dispunha-me a rogar-lhe não me abandonasse, quando, igualmente emocionada, penetrando em meu íntimo com o seu dúlcido e calmo olhar, obtemperou, confortadora:

— Minha irmã; Jesus e só Ele é o nosso porto, nosso barco, nossa segurança. Recorda dos Seus ensinos: "Todo aquele que crê em Mim já passou da morte para a vida". Confia e espera. "Por enquanto não podemos permanecer juntas, contudo, não estaremos distantes. Ligadas ao mesmo Chefe, somos soldados da grande legião do amor, na Seara bendita, sob as suas caridosas visitas. Estaremos unidas quanto nos permitam as possibilidades de serviço e ser-lhe-ei correio fraternal, levando igualmente suas notícias e lembranças aos amigos que continuam na luta física. " Não poderia esperar maior doação.

Osculando-me a fronte, a querida Benfeitora despediu-se e, como um raio de luz em busca do Grande Sol, após despedir-se da Senhora Zélia, perdeu-se na glória do dever mais além.


A guardiã da Casa, enxugando as lágrimas, falou, atenciosa:
— Também eu, ao chegar à vida espiritual, experimentei essas dores e emoções. Todavia, com as alegrias do trabalho, o tempo me enxugou o pranto e o futuro me falou, lentamente, da necessidade de recuperar os dias perdidos. Igualmente vivi entre crianças, na vida física, trabalhando numa Agremiação Kardecista, no Rio de Janeiro. Temos, em nossas vidas, muitos pontos de contato. "No momento, não nos poderemos demorar em recordações que seriam mais prejudiciais que benéficas. " E sorrindo, acrescentou:

— O amor, quando descontrolado, é mais perigoso do que pode parecer. Por isso mesmo, busca o repouso, a fim de que o mais breve possível recuperes as energias gastas no processo desencarnatório. "Amanhã o nosso médico virá cuidar da sua organização perispiritual. " Deixando-me mergulhada em profunda lucubração, despediu-se com carinhoso sorriso.




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