Além da Morte

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CAPÍTULO 17

NO DEPARTAMENTO ESPERANÇA

Preparávamo-nos para as despedidas quando a Senhora Romero nos convidou para breve repasto no Departamento Esperança, onde, às catorze horas, seria pronunciada uma conferência sobre a língua espiritual-internacional — o Esperanto —, para interessados nos problemas das comunicações entre as almas.

Dispondo, realmente, de tempo, o moço Adrião aquiesceu à gentileza e rumamos para o quarteirão verde onde se erguia imponente edifício de linhas clássicas, ornado de altas colunas.

O casal Romero, demonstrando conhecer a zona em que se localizava o prédio, conduziu-nos por alamedas arborizadas que terminavam em belos jardins. No centro, verdejante estrela pentagonal, de fícus, em alto relevo, bordada de miúdas flores douradas, arrancou-nos uma expressão de admiração à sua beleza.

— É a estrela que identifica o Esperanto — informou o Sr. Romero —, tecendo entusiásticos encômios à língua universal.


Repuxos caprichosos derramavam graciosos fluxos d"água formando no ar desenhos geométricos, animados de movimento, entre canteiros artisticamente desenhados e cobertos de gerânios, rosas, cravos...

Galgamos a escadaria de mármore alvo, marchetado de fragmentos verdes que lhe davam comunicativa beleza.

Rumamos para amplo refeitório onde um grupo de gárrulos jovens, aos pares, se comunicavam em algaravia contagiante.

Sem que eu pudesse compreender-lhes as palavras, o anfitrião que nos convidara explicou tratar-se de um grupo de almas que se candidatavam à reencarnação em países sul-americanos, principalmente no Brasil, e que ali se encontravam em estágio de aprendizagem dos futuros idiomas pátrios, bem como do Esperanto. Conduziriam o emblema verde e o símbolo do Cordeiro, transmitindo às crenças das suas novas pátrias a mensagem do Espiritismo Consolador.

Dirigimo-nos a uma mesa bem disposta, e, após a apresentação da carteira de Esperantista, o Sr. Romero, sem dificuldades, conseguiu que fôssemos servidos de agradável repasto.

Feita a refeição, demoramo-nos a percorrer as dependências do amplo edifício e, surpresa, verifiquei tratar-se de um Educandário de grandes proporções, à semelhança das Universidades da Terra.

Impressionou-me, sobremaneira, a Biblioteca de amplas estantes abarrotadas de livros, na Língua Internacional, arrumados e catalogados, com lombadas brilhantes.

Esclareceu-nos o Sr. Romero que ali estavam todas as obras em Esperanto que se escreveram na Terra e outras que seriam oportunamente ditadas por via inspirativa, para o deleite do mundo intelectual.

— Embora o Esperanto não tenha pátria nem seja uma língua de caráter religioso — informou o cicerone —, será, no futuro, o grande mensageiro do Espiritismo para a Humanidade, como já acontece no Brasil com as primorosas traduções que, de algum tempo para cá, se vêm fazendo com as Obras da Codificação e outras psicografadas. "Alguns dos livros em Esperanto que hoje se encontram na Terra já eram aqui conhecidos, como sido escritos por ex-alunos do Educandário, hoje reencarnados... " Aproximamo-nos do Auditório. Era um amplo salão de linhas austeras com quatrocentos assentos, aproximadamente.

À hora aprazada, depois de algumas músicas cantadas em Esperanto, assomou à tribuna simpático cavalheiro de meia-idade, que iria proferir a conferência anunciada.

— É velho espiritista mineiro, desencarnado há algum tempo —, esclareceu a Senhora Romero, sentada ao meu lado. — Dedicado trabalhador da Causa do Amor Universal, demorou-se, enquanto na Terra, ao estudo e prática do Espiritismo e do Esperanto, desfraldando muito alto a bandeira da Fraternidade. Aqui chegado, continua o mister de difundir os postulados esperantistas e espiritistas, oferecendo o melhor labor à preparação de almas para as grandes jornadas do futuro.


É-me impossível, por circunstâncias de vária ordem, traduzir as magníficas expressões do inspirado orador. A palavra fácil escorria-lhe dos lábios aos nossos ouvidos, como música bem modulada. Entre outros enunciados esclarecedores, assim se expressou o conferencista:

— Após os tumultuosos dias que culminaram, na Erança, com a eleição de Carlos Luís Napoleão Bonaparte para presidente da República, e que, posteriormente, degeneraram na sua proclamação a Imperador, o mundo receberia, através de Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, em Paris, e na cidadezinha polonesa de Bjalistok surgia a alma luminosa de Lázaro Ludovico Zamenhof. Descendo ao vale humano logo após as sanguinolentas lutas levadas a cabo pelo insolente Imperador francês com o imenso Império Moscovita que então dominava a Polônia, tantas vezes dividida entre a Áustria, a Prússia e a Rússia, Zamenhof conduziria a flâmula ardente do ideal da compreensão humana, para desfraldá-la, mais tarde, vestida da mensagem imperecível do Esperanto, o demolidor dos bastiões linguísticos. Do seio da escravidão desse povo sofredor, que vivia no tumulto de línguas e dialetos que reunidos somavam a mais de duzentos, o mundo receberia, como recebeu, a 15 de dezembro de 1859, o Missionário do Idioma Internacional. "Constrangido por uma série de circunstâncias de meio ambiente e obsoletas ideias, Zamenhof sentiu a inspiração banhar-lhe a alma de desbravador, e, ante as injustiças que seus olhos diariamente contemplavam, na forma de chicote no dorso nu das gentes de sua raça (judia), compreendeu a imperiosa necessidade de romper as barreiras que separavam os homens, as raças, as religiões, através de algo que fosse comum a todos, como auxiliar indispensável à Fraternidade que lhe fascinava a alma e o coração. "Assim, entre longas meditações e demorados exercícios, conseguiu, com inauditos esforços, evocar, arrancando da tela da memória, como em processo quase adivinhatório, os vocábulos, raízes e fonemas, das línguas mais faladas no mundo, construindo "o Esperanto", que significa: "o que espera", atestando sua robusta força de confiança no futuro...


E mais adiante:
— Depois de inauditas dificuldades — prosseguiu o erudito orador —, retornando de Moscóvia para onde rumara a fim de doutorar-se em Medicina, teve a imensurável angústia de saber que seu pai, zelando pelo bom nome da família, incinerara aqueles papéis que, acreditava, fossem apenas o fruto imaturo do cérebro incendido de jovem inexperiente e entusiasta. "O gigante, porém, não tomba ante dor tão grande. Antes, levanta-se e recompila, com mais acendrado amor, a obra monumental que o imortalizou nas sendas do porvir. Com 28 anos de idade, lança seu primeiro livro, filho de incansáveis labores, e o mundo desperta para uma nova era. Zamenhof informaria, mais tarde, que a atitude de seu pai somente lhe conferira ensejo de revisar, aprimorar, fortalecer o Esperanto, sendo, portanto, um grande bem antes que um mal. " O versado conferencista prosseguiu, fascinante, tecendo comentários em torno do Esperantismo, encerrando sua memorável narrativa com a seguinte peroração:

— Estudar o Esperanto, ensiná-lo e amá-lo é contribuir para a felicidade dos povos, construindo a fraternidade no imo de todos os seres. "Sintonizados, pelo co-idealismo esperantista, com nossos irmãos de outras cores religiosas, alarguemos os domínios da Tolerância preconizada por Allan Kardec, amando e servindo a todos, indistintamente, aprendendo, pelo caminho da humildade, a respeitar todos os credos como roteiros iluminativos da alma, ante a nossa Doutrina de fé impersonalizada. "Ergamos alto a verde bandeira do nosso Ideal, como lema de união e entendimento! "Ridicularizados, continuemos! "Injustiçados, prossigamos! "Retendo n"alma a certeza de que aquele "que espera" alcança, avancemos imperturbáveis. Ensinando e desculpando, como aquele que, vencendo o próprio "eu" vence as barreiras da intolerância e do vício, favorecendo a Humanidade com a melhoria pessoal, ajudemos o mundo com as bênçãos dadivosas da Esperança!" Encerrada a palestra, demandamos o jardim.

Guardamos no íntimo, como jatos de luz que nos davam melhor visão, as palavras ouvidas. Vibravam em nossos ouvidos os últimos hameios da agradável melodia entoada por todos, ao encerramento da reunião. Recordava-me de ter escutado falar, vagamente, sobre o Esperanto, enquanto estivera na Terra. Jamais supusera, entretanto, que essa reunião de fonemas fosse a Grande Mensagem de Jesus ao mundo sedento de compreensão.

Ao nos despedirmoS, reconhecidoS, do casal Romero, retornamos à Enfermaria, jubilosos, Adrião e eu.




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