Além da Morte

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CAPÍTULO 19

OUVINDO E APRENDENDO

Minha filha, somente poderás saber como são consoladoras as promessas do amanhã, através das atividades da hora presente, quando as dirigires a elevados objetivos. Aproveitar o tempo, com sabedoria, é muito expressivo. Raramente compreendemos a sua legítima valorização.

A vida espiritual é muito semelhante à corporal, muito embora, como disse esclarecido companheiro, "a vida daí não seja semelhante à daqui". Todavia, no mundo da erraticidade, o Espírito pode adquirir elucidações e ensinamentos que não pode desdenhar, à vista da preciosidade de que são portadores. Enquanto caminhamos na carne, não dispomos dos cuidados especiais, necessários à observação dos fatos, situando-os nos devidos lugares, como doações celestes a nossos espíritos sequiosos das mensagens que nos são dirigi-das, transferindo-os para o próximo e jamais aceitando-os como roteiro para nós mesmos. Na vida espírita, porém, isso não é possível, porquanto, despertos para a verdade e sedentos dela, procuramos, em cada acontecimento ou narração, aparentemente sem importância, o que nos possa ser útil, de modo a apaziguar os conflitos íntimos e diminuir as aflições do arrependimento.

Dentre essas lições silenciosas, a que mais me tem falado é a do trabalho humilde e significativo que me coloca em frente de mim mesma, desnuda de aparências e formalidades, ensej ando-me acuradas meditações sobre a expressão do Mestre: — "e o Pai até hoje trabalha Recordo-me, hoje, de haver lido, quando na Terra, que "o trabalho ainda é a melhor forma de fazer o tempo passar", o que, realmente, tem muita significação. Não é meu desejo dizer que se deve encontrar no trabalho um meio de libertação do tempo, fazendo-o correr, mas, exatamente o contrário: fazer o tempo passar, com o auxílio do trabalho, implica em aproveitamento nobre desse tempo.

Encontrei no trabalho, como disse, um verdadeiro lenitivo, minha filha. No entanto, tal lenitivo não estava nas grandes realizações e sim no trabalho singelo, de pouca valia, de pequena monta, cuja obra ninguém vê, que não opera resultado imediatamente, nem apresenta benefícios facilmente identificáveis.


Tenho-me dedicado aos trabalhos de experimentação e aprendizagem, aos serviços de auxílio e de limpeza, da compaixão e da prece e, principalmente, da "gota d"água", servindo nessas mil pequeninas coisas. Comentou-se, recentemente, no Círculo de orações, quanto ao valor das pequenas coisas, dessas realizações quase sem valor, e um mundo novo se abriu ao meu atônito entendimento.


Velho trabalhador da Seara de Jesus, na Terra, apresentou, nessa animada converSação, aquilo que denominava como "minhas humildes sugestões" em torno do importante assunto, com inflexão de carinho na voz:

— Nas coisas mínimas — iniciou ele a conversação edificante — está a grandeza das máximas. O Universo, como patrimônio do átomo; e este, como filho da energia. Tudo gravita dentro de nós e fora de nós como resultado da partícula invisível, em graciosos movimentos de atração, coesão e repulsão.

E descendo as suas observações a assuntos mais comunS, asseverou: —O discurso brilhante é o resultado da palavra que se arrima a outra palavras em arranjos graciosos. "A palavra burilada é nascida da sílaba modesta que se ampara noutra.

Esta, por sua vez, é filha da letra que renuncia a individualidade e se liga a outra, para contribuir no conjunto. "O pão suculento e apetitoso, saindo do trigo mergulhado na terra silenciosa e escura; a estrada confortável, por onde a comodidade roda, acolchoada em automóveis de luxo, como patrimônio da pedra pontiaguda que se submeteu à máquina pesada, ou do asfalto de desagradável odor que se solidariza com o solo, em União valiosa; o ar que se respira, a água que se bebe, SãO expressões grandiosas das pequenas coisas, nas grandes realizações. "Nas cidades, o repouso da sociedade depende da vigilância de anônimos servidores noturnos. "A saúde é amparada, graças às mãos que coletam lixo.

O banditismo e o crime reeducam-se em Colônias Agrícolas Penais sob a assistência de homens que renunciam aos prazeres das vias movimentadas, na condição de guardas e zeladores.

Da mesma forma, o farol derrama advertência, na noite escura, em avançadas pontas de terra ou ilhotas esquecidas nas costas marinhas, assistidos pelo sacrifício de alguns homens sem nome. "A dama embriagada de vaidade que volteia nos salões festivos, coberta de sedas e tules, não recorda a operária que, talvez chorando sobre o rico vestido, ao peso de amarguras e problemas, foi a realizadora da obra que lhe adorna e embeleza o corpo. "A estátua reluzente, que imortaliza em mármore as grandes vidas, guarda o nome do escultor, mas esquece o pedreiro humilde que lhe preparou a base com barro modesto, sustentando-a na praça. "O Hotel luxuoso, onde a vaidade se exibe, mantém a nobreza do nome, felicitado pelo silêncio de arrumadeiras diligentes e submissas, bem como de modestos limpadores de pratos onde as iguanas desfilam.


A joia que fulgura em pedantif adornado, reluzindo, não conserva o nome daquele que, em renúncias e imposições continuadas, demorou no garimpo, talvez, a existência inteira. "Enfim, a proliferação da vida vegetal, através do minúsculo pólen, e o homem, surgindo no pequenino óvulo... " E sorrindo, arrematou com agradável humor:

— A grande caminhada nasce no primeiro passo; o tecido se origina no fio, o corpo humano na célula, assim como todos os corpos e o Universo incomensurável na vibração amorosa de Deus. "Podemos esquecer as pequefliflas coisas e as coisas humildes. Nunca, entretanto, embora desrespeitando-as, dispensá-las. " Na conversação da nossa Enfermeira, na arrumaç ão dos leitos e no amparo fraternO, com sorriso compreensivo e prece socorrista aos companheiros de do r — conforme aludi —, encontrei-me a mim mesma.

Ao contato desse trabalho abençoado pude conhecer o infortúnio dos irmãos agasalhados pela Caridade e misturar, com as suas, as minhas lágrimas e dores, aprendendo inolvidáveis lições que me alargaram os horizontes do esclarecimento, qual luz que penetrasse em grota escura e a libertasse discretamente das trevas e dos seus repelentes habitantes. Aqui é a filha obsidiada pela recordação torturante da ingratidão que fez sangrar o coração materno, resvalando nos abismos do remorso que a sepultura libertou...

Ali é o médium que negligenciou com as sagradas tábuas do intercâmbiO entre os dois mundos, acoimado por memórias cruéis que o tempo não consegue apagar...

Além é o marido infiel, que vivera empolgado pela sensualidade e hoje carrega o fardo da culpa, ao ter conhecimento do desespero da companheira que se atirou, invigilante e infeliz, à degradação, buscando derivativo e esquecimento...

Chorando, acolá, uma mãe descuidada dos sagrados deveres recorda, transtornada, a aplicação da eutanásia no companheiro, martirizado por enfermidade atroz, supondo libertá-lo da dor, experimentando, agora, o clamor da consciência desvairada...

... adultério, lenocínio, roubo, assassínio, ciúme, ódio, gula, ambição e todo um séquito de misérias, são ali apresentados, no semblante desfigurado dos seus mais ardentes aficionados que no mundo receberam honrarias, mas de cujos crimes e tramas ninguém soube. A justiça conheceu alguns deles mas não pôde ou não quis puni-los com a morte; entretanto, os culpados não puderam fugir, evadindo-se da prisão sem grades da consciência justiceira, em cujas teias e rédeas a Lei vigia incessantemente.

Ouvindo e aprendendo. Ouvindo os comoventes estados dalma e aprendendo com alma para os estágios do futuro...




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