Além da Morte

Versão para cópia
CAPÍTULO 29

CARIDADE E RENÚNCIA

Concluída a tarefa mediúnica, no plano físico, o movimento continuou, entretanto, na esfera dos desencarnados.

Sofredores atendidos, durante as orações, permaneciam aguardando remoção, embora assistidos de perto por zelosos enfermeiros.

A agitação de alguns Espíritos não atendidos durante o programa socorrista, afligia-me. Todavia, a serenidade com que os desvelados Benfeitores agiam, estimulava-me à coragem e à confiança.

Acesas todas as lâmpadas, os companheiros encarnados ofereciam atitude lamentável, em matéria de conduta espiritual.

Rapidamente retomaram à bulha desrespeitosa, como se estivessem num recinto dedicado ao prazer, esquecidos, talvez, de que o santuário onde a mediunidade labora é uma Enfermaria-Escola de auxílio imediato e aprendizado aproveitável.

Outros voltaram naturalmente às velhas ideias e opiniões a que se afeiçoaram, desde há muito, sem apresentarem, após tanto esforço dos seus Guias e Protetores, qualquer modificação no plano mental.

Alguns semblantes apresentavam evidentes sinais de tédio e cansaço, sem o menor vestígio de satisfação ou conforto pelo ensejo de ajudar, ajudando-se.

Noutros encarnados identifiquei indiferença profunda pelo trabalho a que assistiram e, orientada pela irmã Zélia verifiquei, surpresa, que nem sequer haviam tomado parte, de qualquer forma, nas realizações da noite de atividades.

Somente em alguns poucos pude constatar o respeito e a alegria íntima, fazendo análise sincera de tudo quanto ouviram, em exame cuidadoso. Observei que esses poucos, mesmo encerrada a reunião, continuavam ligados à organização espiritual mantenedora dos serviços oferecendo plasma mental e fluídos salutares que eram utilizados pelos operadores para assistência aos desencarnados socorridos.

As entidades infelizes, que permaneciam à entrada, abraçavam, cheias de sarcasmo, seus habituais comensais psíquicos, entabulando, com risos e atitudes ridículas, conversações de desrespeito e zombaria, das quais o encarnado participava, através da transmissão do pensamento, duvidando de tudo, sem consideração alguma pelo culto e atirando espinhos de suspeita infundada na honorabilidade dos medianeiros.

Aproximando-me de cavalheiro bem posto que eu havia conhecido nos dias da carne, observei-lhe as dúvidas mentais, nas quais, a suspeita perigosa e a crueldade se davam os braços para alicerçarem pontos de vista, aparentemente respeitáveis, porém profundamente falsos. Monologava negativamente, com sorriso superior.

Guiado por terrível vingador do Além, acercou-se do médium Marcos, desejando injetar-lhe fel de desconfiança e veneno de amargura.

OInstrutor dirigente que o observava, antecipando-lhe a planificação maléfica, envolveu o medianeiro, atendendo-lhe o canal inspirativo e aguardando, sereno, a investida da impiedade.


— Interessante a comunicação da nossa Otília —, adiantou-se o suspeitador inveterado. "Notei-a elevada, com fraseado novo, vestindo as palavras com argumentações muito diversas da capacidade que lhe era habitual. A voz, as expressões, diferenciavam-na bastante daquela que eu conheci. " E num tom arrogante, desferiu o golpe, bem traçado:

— Não fosse por seu intermédio, confesso duvidaria da autenticidade da comunicação. Somente a reconheci, ao terminar, quando se identificou pelo próprio nome.

Omédium, colhido de surpresa, tentou esclarecer algo, acrescentando explicações sobre as possíveis razões das diferenciações notadas.

—Em mediunidade — falou o instrumento, desejando esclarecer —, existem muitas sutilezas que escapam a uma observação superficial. É necessário exame mais acurado, estudo das circunstâncias e dos impositivos do momento, para chegar-se a uma conclusão a respeito do intercâmbio espiritual e...

Ia prosseguir. O mentor, entretanto, cioso das responsabilidades da hora, não deixou que o trabalhador oferecesse qualquer resistência às investidas do desrespeito. Silenciou-o com oportuna sugestão mental, inspirando-lhe uma resposta vaga, inexpressiva.

— ... e, não sei mesmo explicar — arrematou.


Como o interlocutor tentasse insistir pertinazmente com indagações impenitentes, o médium, fortemente atendido, encerrou o assunto, acrescentando:

— Não me recordo do que a amiga espiritual recomendou, entretanto sugeriria que o amigo, desprezando a questão de identidade, examinasse os ensinamentos e procurasse meditar com melhor proveito para si mesmo.

E, discretamente, desvencilhou-se, defendendo-se de novas investidas.

Ocidadão afastou-se agastado, prometendo não mais retornar e argumentando consigo mesmo, entre enraivecido e vitorioso: "Tudo é fraude!" Decorridos alguns minutos, a sala voltava ao silêncio, com a saída dos companheiros encarnados.

Algumas entidades, igualmente ligadas a deveres de outra ordem, demandaram seus compromissos.


O Instrutor-dirigente, porém, informou-nos:

— Sigamos o médium Marcos até o lar, porquanto, logo mais, necessitaremos ainda da sua contribuição.


E voltando-se para mim, informou, bondoso:
— Mediunidade com Jesus é vivência na Caridade e na renúncia, no sacrifício e na abnegação. Somos constrangidos a utilizar os companheiros mais devotados, embora sobrecarregados, porquanto os "desocupados não dispõem de tempo para o trabalho"... "Naturalmente que "àqueles a quem muito foi dado, muito lhes será pedido"; bem assim, o que muito der em favor de outrem, muito receberá em nome de todos. " E alongando explicações, continuou:

— Consideremos o médium como enxada valiosa para o benefício do solo. Quanto mais movimentada, mais brilhante. Ao revés, negando-se a contribuir no trabalho, gasta-se sob a ferrugem devastadora. "Quando o Senhor organizou o Colégio galileu, preferiu homens rudes, mas afeiçoados ao trabalho cujo corpo, já cansado de lutas, estivesse habituado às pelejas. Não procurou os doutos, acostumados às sedas e às cátedras e pouco aclimatados às lides incessantes do trabalho. "Na lição do Mestre encontramos o ensinamento de que melhor servidor é aquele que não mede esforço na execução do trabalho, dispondo sempre de renovadas energias, quando se faz necessária a doação de si mesmo. " Nesse ínterim, chegamos à residência do médium, que ainda não a havia atingido.

Um espetáculo inteiramente inédito me aguardava.

Entidades revoltadas sitiavam a residência do medianeiro em atitude combativa, discutindo, em altas vozes, os meios de destruir-lhe a influência junto às suas vítimas habituais.


Alguns comentavam, exaltados, sobre a possibilidade de o assassinarem, procurando meios que coroassem de êxito o empreendimento. Outros sugeriam lhe fosse intensificado o cerco, através de calúnias bem urdidas e intrigas disfarçadas, colocando-se-lhe, no caminho, escárnio, dificuldades e inquietações. Jovem indigitado, desencarnado, gritou:

— Exploremos-lhe a fonte da sentimentalidade, criando obstáculos afetivos e afastando-lhe os companheiros mais próximos. Não há quem resista...


E depois de breve pausa, com sorriso vitorioso:

— A ingratidão e a calúnia, a solidão e o desprezo aniquilam qualquer resistência. Nessa hora, então...


Alguém arrematou:

— Está pra nós!


A discussão prosseguiu animada. Olhando-me, expressivamente, o Instrutor Élsior, que nos acompanhava, acrescentou:

— Caridade e renúncia com oração e amor são as únicas armas de defesa que o médium pode utilizar nas abençoadas lides de manutenção da paz e do trabalho.

Fazendo-nos identificar, o Benfeitor deu entrada no lar, seguido por nós outros, enquanto os Espíritos irresponsáveis debandavam ruidosamente proferindo expressões grosseiras.




Acima, está sendo listado apenas o item do capítulo 29.
Para visualizar o capítulo 29 completo, clique no botão abaixo:

Ver 29 Capítulo Completo
Este texto está incorreto?